ISSN 1413-3555 Rev. bras. fisioter. Vol. 9, No. 2 (2005), 235-241 ©Revista Brasileira de Fisioterapia ANÁLISE MORFOMÉTRICA DOS TECIDOS MUSCULAR E CONJUNTIVO APÓS DESNERVAÇÃO E ESTIMULAÇÃO ELÉTRICA DE BAIXA FREQÜÊNCIA Fernandes, K. C. B. G., 1 Polacow, M. L. 0., 1 Guirro,R. R. 1., 1 Campos, G. E. R., 2 Somazz, M. C., 2 •3 Pinto, V.'F}Fuentes, C. B. 3 e Teodori, R. M. 1 Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia- UNIMEP, Piracicaba, SP, Brasil 1 2 lnstituto de Biologia- UNICAMP, Campinas, SP, Brasil 'Curso de Fisioterapia- UNIMEP, Piracicaba, SP, Brasil Correspondência para: Rosana Macher Teodori, UNIMEP, Rodovia do Açúcar, km 156, CEP 13400-911, Piracicaba, SP, e-mail: [email protected] Recebido: 20/8/2004- Aceito: 28/6/2005 RESUMO Introdução: A estimulação elétrica muscular tem sido empregada após lesão nervosa periférica com o objetivo de minimizar a atrofia e a fraqueza muscular. Experimentos têm demonstrado que há plasticidade nas fibras musculares, sendo o músculo capaz de sofrer adaptações ante fatores como a desnervação e a estimulação elétrica. Objetivo: Analisar a influência da estimulação elétrica sobre o perfil morfométrico do músculo sóleo de ratos desnervado por esmagamento do nervo isquiático. Método: Foram utilizados 18 ratos Wistar (196,86 g ± 33,67) divididos em 3 grupos (n = 6): desnervado +estimulação elétrica (DEE); desnervado (D); e controle (C). Vinte e quatro horas após o esmagamento do nervo iniciou-se a estimulação elétrica muscular no grupo DEE (i = 5 mA, Fase = 3 ms, f= 1O Hz) por 30 minutos, durante 20 dias consecutivos. O músculo sóleo foi retirado para análise morfométrica. Resultados: A área média de secção transversa das fibras musculares do grupo C foi de 1.035 J.Lm 2 ± 210, no grupo D foi de 375 Jlm 2 ± 65 e no grupo DEE, de 600 J.!m 2 ± 126 (p::; 0,05). A densidade de área do tecido conjuntivo foi significativamente menor (p ::; 0,05) no grupo DEE (16,61% ± 3,68) em relação ao D (34,49% ± 4,32), sendo que ambos os grupos apresentaram valores maiores que o grupo C (9,55% ± 2,62). A densidade de área das fibras do músculo sóleo foi significativamente maior (p::; 0,05) no grupo DEE (83,37% ± 3,68) quando comparada ao grupo D (65,49% ± 4,32). A estimulação elétrica de baixa freqüência minimizou a atrofia das fibras musculares e a proliferação de tecido conjuntivo no músculo desnervado. Palavras-chave: Fisioterapia, estimulação elétrica, baixa freqüência, desnervação muscular, plasticidade muscular, morfometria. ABSTRACT Morphometric analysis of muscle and conjunctive tissue after denervation and low-frequency electrical stimulation Background: Electrical stimulation of muscles has been used after peripheral nerve injury for minimizing atrophy and muscle weakness. Severa! experiments have shown that muscle fibers present plasticity, such that muscles can undergo adaptations through factors like denervation and electrical stimulation. Objective: This work intended to analyze the influence of an electrical stimulation protocol on the morphometric profile of rat soleus muscle denervated by sciatic nerve crushing. Method: Eighteen Wistar rats (196.86g ± 33.67) were distributed into 3 groups (n = 6): denervated + electrically stimulated (DEE); denervated (D) and control (C). Electrical stimulation of the muscle (i = 5 mA; phase = 3 ms; f= 1O Hz) began 24 hours after nerve crushing, and was done for 30 minutes/ day for 20 consecutive days (DEE group). The soleus muscle was removed for morphometric analysis. Results: The cross-sectional area of the muscle fibers in the C group was 1035 J.Lm 2 ± 210; in D, 375 J.Lm 2 ± 65; and in DEE, 600 J.Lm 2 ± 126 (p::; 0.05). The area density of conjunctive tissue was lower (p ::; 0.05) in DEE (16.61% ± 3.68) than in D (34.49% ± 4.32) while both these groups presented greater values than in C (9.55% ± 2.62). The area density of the soleus muscle fiber was greater in DEE (83.37% ± 3.68) than in D (65.49% ± 4.32) (p::; 0.05). Conclusion: Low-frequency electrical stimulation minimized the muscle fiber atrophy and conjunctive tissue proliferation in denervated muscle. Key words: physical therapy, electrical stimulation, low-frequency, muscle denervation, muscle plasticity, morphometry. 236 Fernandes, K. C. B. G. et ai. INTRODUÇÃO As limitações provocadas por lesões nervosas periféricas são freqüentes na prática clínica, sendo os objetivos da reabilitação nesses casos a prevenção da atrofia muscular, a manutenção das amplitudes de movimento articular e a recuperação da motricidade e da sensibilidade das áreas afetadas pela lesão. A recuperação funcional depende da regeneração neural, porém, esse processo é lento, o que determina a inatividade do músculo por um tempo considerável e, conseqüentemente, o estabelecimento da atrofia muscular. 1·2.:1 As alterações morfológicas após desnervação envolvem diminuição da massa muscular4•5 ·6 e da área de secção transversa das fibras, 6 •7•8•9 aumento do tecido conjuntivo ao redor da fibra muscular, 10• 11 • 12 · 13 .1 4 entre outras. A fraqueza muscular após desnervação é decorrente da perda de ação trófica do neurônio motor sobre o músculo, sendo agravada pela atrofia das fibras musculares e/ou pela proliferação de tecido conjuntivo. 12 O acúmulo de tecido conjuntivo intersticial dificulta a troca de substâncias entre o leito vascular e as fibras musculares. Esse tecido pode afetar a extensão do crescimento axonal durante a reinervação, quando as fibras colágenas atuam como barreira fisiológica ao crescimento axonal, e dificultar a difusão de fatores de crescimento nervoso liberados após desnervação. 15 Em músculos desnervados, especialmente nos casos de lesão nervosa, em que a recuperação neural e o restabelecimento das condições funcionais do músculo são possíveis, a estimulação elétrica tem sido empregada com objetivo de minimizar a atrofia progressiva e a fraqueza muscular. 6 • 16• 17 Outro efeito já conhecido da estimulação elétrica é a elevação da captação de glicose pelo músculo por meio da atividade contrátil, que promove a translocação de GLUT4, um transportador de glicose responsável pela homeostasia glicêmica da fibra muscular, melhorando a captação de glicose. 17 Silva et a/. 17 observaram elevação no conteúdo de glicogênio no músculo sóleo desnervado de ratos tratados com estimulação elétrica, sugerindo que essa terapia seja eficiente para a recuperação das condições metabólicas do músculo e conseqüente preservação de suas condições tróficas. Diversos pesquisadores 18 · 19 ·2021 têm investigado os efeitos da estimulação elétrica crônica de baixa freqüência em músculos desnervados de animais, observando transição das cadeias pesadas de miosina, 18 conversão parcial de fibras , Ios d e contraçao - rap1 , ·d a 20 · 21 e rápidas para lentas em museu redução da atrofia muscular. 22 A estimulação elétrica crônica de baixa freqüência utiliza eletrodos implantados no músculo, liberando pulsos de baixa freqüência, cujas durações variam de 8 a 24 horas 19 •23 · 24 diariamente. Esse procedimento pode ser viável em animais, Rev. bras. fisioter. mas na prática clínica apresenta limitações, não sendo possível manter um período tão prolongado de estimulação. A estimulação fásica difere da crônica em relação ao tempo de aplicação do estímulo e por utilizar eletrodo de superfície, o que, na prática clínica, torna viável a aplicação desse recurso com o objetivo de manter as melhores condições possíveis do músculo desnervado. Apesar de ocorrer de forma lenta, 25 a atrofia muscular em humanos pode definir limitações funcionais permanentes, mesmo após reinervação. Essa disfunção preocupa a equipe multiprofissional envolvida no processo de reabilitação. Estudos com animais desenvolvidos paralelamente a estudos clínicos favorecem a compreensão dos efeitos da estimulação elétrica no músculo esquelético desnervado, fornecendo fundamentação científica para o estudo dessa forma de intervenção fisioterapêutica, que visa à recuperação funcional. Este trabalho teve por objetivo analisar a influência de um protocolo de estimulação elétrica sobre o perfil morfométrico do músculo sóleo de ratos submetidos a desnervação por esmagamento do nervo isquiático. MATERIAL E MÉTODOS Animais de Experimentação Dezoito ratos Wistar (196,86 g ± 33,67) foram divididos em 3 grupos (n = 6): controle (C), desnervado + estimulação elétrica (DEE) e desnervado (D). Os animais foram fornecidos pelo biotério central da instituição e acondicionados em gaiolas plásticas, à temperatura ambiente, com livre acesso à ração e à água e submetidos a ciclo claro/escuro de 12 horas. O experimento foi realizado de acordo com as normas internacionais de ética na experimentação animal. 26 Procedimento Experimental Após anestesia intramuscular com cloridrato de cetamina (50 mg/ml) e cloridrato de xilazina (2 g/1 00 ml), na proporção de 1:1 (0,3 ml/1 00 g de peso corporal), o nervo isquiático esquerdo foi exposto e submetido a 4 pinçamentos consecutivos (20 segundos cada)Y A estimulação elétrica do grupo DEE teve início 24 horas após a cirurgia (30 minutos durante 20 dias consecutivos). Após anestesia, 2 eletrodos percutâneos com 1 cm 2 de área, untados com gel eletrocondutor, foram posicionados: um na região inguinal e o outro sobre o músculo sóleo. A corrente elétrica foi gerada no equipamento Dualpex 961-QUARK, com forma de pulso quadráticas bifásicas simétricas, fase de 3 ms e intensidade de 5 mA, por envolver músculo desnervado e por ser essa a intensidade de estímulo que permitiu uma contração vigorosa do músculo sóleo, caracterizada pelo movimento de flexão plantar. A freqüência foi de I OHz. Esses parâmetros foram estabelecidos em função de a cronaxia ser maior no músculo que no nervo e pela característica fenotípica do sóleo .. .. 237 Estimulação Elétrica em Músculo Desnervado Yol. 9 No. 2, 2005 ser de contração lenta. Para evitar acomodação do músculo ao estímulo e garantir o mesmo nível de estimulação em todos os animais, foi acrescido 1 mA a cada 5 minutos, totalizando 1O mA ao final dos 30 minutos de estimulação. Após o período experimental, o músculo sóleo dos animais dos três grupos foi retirado, seccionado transversalmente no terço médio de seu ventre, posicionado em bloco de madeira com tragacanth gum e congelado em isopentano resfriado em nitrogênio líquido a -159°C. Os músculos foram seccionados em micrótomo criostato HM 505E-MICRON, com 12 J..Lm de espessura, corados em Hematoxilina por 15 minutos e Eosina por 3 minutos. As áreas de secção transversa, de aproximadamente 400 fibras do músculo sóleo de cada animal, foram mensuradas utilizando o sistema de análise de imagem Image Pró-Pius 4.0- Media Cybemetics. A análise da densidade relativa de área dos tecidos conjuntivo e muscular foi realizada de acordo com Mathieu et a/. 28 Foram delimitadas aleatoriamente três áreas em cada corte em aumento de 400 x, sendo computados os pontos de intersecção de retas que incidiram sobre os tecidos conjuntivos e muscular. Esses dados permitiram conhecer a densidade relativa da área(%) do tecido conjuntivo e das fibras do músculo sóleo. ANÁLISE ESTATÍSTICA Utilizou-se a análise de variância (ANOVA- teste F) seguida do teste de Tukey-HSD. Os dados foram processados no sistema SPSS versão 7.1. Em todos os cálculos foi estabelecido 5% como nível de significância. RESULTADOS Área de Secção Transversa das Fibras Musculares No grupo controle (C), a área média de secção transversa das fibras do músculo sóleo foi de 1.035 f.1m 2 ± 21 O, enquanto no grupo desnervado (D) foi de 375 f.1m 2 ± 65 e no grupo desnervado + estimulação elétrica (DEE), de 600 f.1m 2 ± 126. Observou-se atrofia nos dois grupos desnervados (p :S 0,05), porém, menos expressiva no grupo DEE (Figura 1). Densidade de Área do Tecido Conjuntivo e das Fibras Musculares A média da densidade relativa de área do tecido conjuntivo no músculo sóleo dos animais do grupo C foi de 9,55% ± 2,62, enquanto no grupo D foi de 34,49% ± 4,32 e no grupo DEE, de 16,61% ± 3,68. Os grupos D e DEE apresentaram valores maiores que o controle, sendo o valor do grupo DEE menor que do grupo D (p :S 0,05). A média da densidade relativa de área das fibras do músculo sóleo no grupo C foi de 90,43% ± 2,62; no grupo D, de 65,49% ± 4,32 e no grupo DEE, de 83,37% ± 3,68. A diferença entre os grupos D e DEE foi estatisticamente significativa (p :S 0,05) (Figura 2). A Figura 3 mostra a distribuição do tecido conjuntivo nos diferentes grupos experimentais, bem como sinais de atrofia muscular decorrentes da desnervação. 1400 1200 ~ E 2 1000 l1l V1 Q; > V1 c ~ 800 * o '"'u U'> 600 # <L> * V1 <L> -o l1l 400 <L> -~ 200 o c o DEE Grupos Figura 1. Área média de secção transversa (!1m 2 ) do músculo sóleo. Grupos controle (C), desnervado (D) e desnervado + estimulação elétrica (DEE) (n = 6). (*) Difere significativamente (p ~ 0,05) do controle (C) e (#) difere significativamente (p ~ 0,05) do grupo DEE. 238 Fernandes, K. C. B. G. et ai. CJ D 100 Rev. bras. fisioter. Tecido conjuntivo Fibras musculares 90 * 80 ~ ~ "'~ '"' "O "O "' ·;:;; Q) c # 70 * 60 50 # * 40 Q) o 30 .. 20 10 o c D DEE Grupos Figura 2. Média da densidade de área(%) de tecido conjuntivo e fibras musculares. Grupos controle (C), desnervado (D) e desnervado +estimulação elétrica (DEE) (n = 6). (*) Difere significativamente (p::; 0,05) do controle (C). (#) Difere significativamente (p::; 0,05) do grupo DEE. DISCUSSÃO O tipo de lesão nervosa periférica é fator determinante do tempo de instalação dos eventos degenerativos e regenerativos no nervo. Em lesões por esmagamento há preservação dos envoltórios do nervo e o processo de regeneração e reinervação das fibras musculares é mais efetivo , , apos esmagamento que apos secçao nervosa. IS· Lunn et al. 29 acreditam que, com o esmagamento, tanto a microcirculação local como o perineuro permanecem relativamente íntegros. Eles consideram que após a secção, em razão do arranjo longitudinal dos vasos no nervo, boa parte do segmento distai esteja desprovida de irrigação arterial. Por outro lado, após esmagamento, provavelmente parte da rede vascular perineural permaneça íntegra, favorecendo o processo de reparação. Gorio et af.3° estudaram a reinervação do músculo extensor longo dos dedos em ratos após lesão por esmagamento do nervo isquiático, e citam que passados I O dias do esmagamento não se evidenciou nenhum axônio no músculo e após 15 dias, 25% das fibras musculares foram inervadas por mais que um axônio (poliinervação) e o número de terminações poliinervadas aumentou com o tempo, alcançando o máximo entre 21 e 25 dias, quando ocorreu a recuperação da atividade mecânica do músculo, o que fundamenta os protocolos de lesão e intervenção neste estudo. Considerando que nos primeiros I O dias após o · - esta' ausen t e no museu ' esmagamento a mervaçao I o·' 0 e q u e o estímulo aplicado neste estudo, 24 horas após o esmaga- mento, provocou contração evidente pelo movimento de flexão plantar, admite-se que a eletroestimulação atuou nas fibras musculares desnervadas. Polacow et al., 14 utilizando a mesma metodologia de eletroestimulação, observaram aumento da concentração de glicogênio no músculo sóleo desnervado, demonstrando que o estímulo elétrico atingiu esse músculo. Nos grupos desnervados, os resultados apontam diminuição das áreas de secção transversa do músculo sóleo, determinando presença de atrofia muscular. A atrofia foi mais intensa nos animais do grupo D, nos quais a área média de secção transversa das fibras reduziu 63,77% em relação à média do grupo C, enquanto no grupo DEE, a redução foi de 42,03%. As medidas das áreas demonstram que a atividade contrátil induzida pela estimulação elétrica reduziu significativamente a atrofia, corroborando com os resultados de Silva et al., 17 que observaram, após desnervação total do nervo isquiático em ratos, diminuição no conteúdo de glicogênio no músculo sóleo (52,9%) e que a estimulação elétrica propiciou aumento na concentração de glicogênio nesse músculo (87,5%). Esses autores discutem que o restabelecimento das reservas de glicogênio melhora o padrão energético das fibras, contribuindo para impedir o desenvolvimento da atrofia. Nemeth 31 sugere que a estimulação elétrica de músculos desnervados poderia prevenir a perda de enzimas oxidativas e a conseqüente atrofia pós-desnervação. Assim, o restabelecimento parcial da homeostasia de músculos desnervados pode favorecer a integridade estrutural e funcional das células musculares, minimizando a atrofia. Yol. 9 No. 2, 2005 Estimulação Elétrica em Músculo Desnervado 239 .. Figura 3. Análise do tecido conjuntivo: fotomicrografia do músculo sóleo de ratos dos grupos controle (C), desnervado (D) e desnervado + estimulação elétrica (DEE). Observar a quantidade de tecido conjuntivo (__..)e o tamanho das fibras musculares (*).Coloração: HE. Aumento: 400 X. 240 Fernandes, K. C. B. G. et al. Eberstein & Eberstein 32 referem que a atividade muscular é fator fundamental na regulação das propriedades fisiológicas e bioquímicas das fibras musculares e que a estimulação elétrica muscular pode ser um recurso clínico importante para o tratamento de músculos desnervados, podendo manter as propriedades dos músculos próximas ao normal ou recuperá-las. Apontam também que os parâmetros adequados de estimulação são fatores crítico para o sucesso da intervenção, sendo os melhores resultados obtidos quando o padrão de estimulação se assemelha ao padrão de disparo do neurônio motor normal. Assim, músculos de contração lenta desnervados necessitam de estímulo contínuo de baixa freqüência, conforme utilizado neste estudo. Em estudos com eletroestimulação muscular devem ser considerados: tipo de corrente, posicionamento dos eletrodos, nível de contração, período de estimulação e intervalo de análise. Diante de lesão nervosa, outros parâmetros devem ser considerados, como o período entre a lesão e o início do tratamento e a duração do processo de reinervação. Essas variáveis dificultam a comparação entre resultados de diferentes pesquisas. Nesse contexto, ressalta-se que no presente estudo foram provocadas 18.000 contrações/dia, sendo que a freqüência de I O Hz produziu contrações musculares não-tetânicas. Dow et al. 33 investigaram a influência do número de contrações diárias na manutenção da força e massa do músculo EDL desnervado de ratos e observaram que a força não foi mantida com menos de 200 ou mais de 800 contrações diárias e que a massa muscular não foi mantida com menos de 50 contrações diárias. Os resultados sugerem que protocolos adequados de estimulação elétrica muscular aplicados por períodos prolongados após desnervação podem minimizar problemas clínicos associados à atrofia. Entretanto, os autores utilizaram estimulação elétrica muscular tetânica crônica (24 h/dia), com diferentes intervalos de repouso, e consideram que o protocolo deve variar em função da composição das fibras ou da arquitetura dos diferentes tipos de músculos, bem como no mesmo músculo em diferentes espécies. A desnervação também causa alterações no tecido conjuntivo. Segundo Salonen et al., 10 a lesão do nervo isquiático provoca aumento do turnover de colágeno nos ligamentos, tendões e ossos do membro posterior de ratos, ou seja, a lesão nervosa é seguida de alterações fibróticas no músculo esquelético, envolvendo especialmente o endomísio e o perimísio. Eles observaram que a desnervação causou atrofia no músculo gastrocnêmio, seguida de aumento de colágeno tipo I e III no endomísio e no perimísio, tendo sido mais pronunciado o aumento do colágeno tipo I no perimísio. Como o colágeno tipo I é considerado mais "rígido" e se organiza em feixes e o colágeno tipo III tende a formar uma rede reticular frouxa, o aumento mais expressivo do colágeno tipo I poderia levar à perda da elasticidade, prejudicando a função muscular em caso de reinervação. Rev. bras. fisioter. Considerando que a atrofia pós-desnervação é acompanhada de aumento do tecido conjuntivo (fibrose), 10•14 que pode interferir na funcionalidade do músculo após reinervação, 15 analisou-se a densidade de área do tecido conjuntivo, que foi significativamente menor no grupo eletroestimulado em relação àquele que não sofreu eletroestimulação. Os resultados da densidade de área das fibras musculares demonstram que houve atrofia nos dois grupos desnervados, porém, foi significativamente menor no grupo DEE, o que caracteriza que a eletroestimulação aplicada atingiu o músculo sóleo e influenciou seu trofismo. Polacow et al. 14 também utilizaram ratos Wistar, porém, submetidos à secção total do nervo isquiático. Um grupo de animais recebeu tratamento com estimulação elétrica fásica de baixa freqüência ( 1O Hz; T = 3 ms; 20 min./dia) sobre o músculo gastrocnêmio, durante 15 dias consecutivos. Na análise da média da densidade de área das fibras do músculo sóleo, o grupo-controle teve 73,46 f.Lm ± 2,72, o grupo desnervado, 39,60 )lm ± 1,57 e o grupo desnervado/estimulação elétrica, 44,73 f.!m ± 3,79. Essas diferenças foram estatisticamente significativas e mostram que, apesar de nos dois grupos desnervados a média de densidade de área ter diminuído, o grupo submetido à estimulação elétrica apresentou diminuição menos expressiva. Nesse mesmo trabalho, um grupo de animais não foi desnervado e recebeu estimulação elétrica. A densidade de área nesse grupo foi de 75,86 j.!m ± 1,85, demonstrando que a estimulação elétrica em músculo normal não promoveu alterações. Segundo Carter et al., 15 as alterações morfológicas observadas nas fibras musculares após desnervação e reinervação afetam o nível de recuperação da função. Assim, minimizar a atrofia e a proliferação de tecido conjuntivo é motivo de preocupação durante o processo de reabilitação, propondo-se a utilização da estimulação elétrica. Neste estudo, a estimulação elétrica fásica de baixa freqüência do músculo sóleo desnervado de ratos Wistar demonstrou ser efetiva, pois minimizou a atrofia muscular e a proliferação de tecido conjuntivo. Esses resultados podem refletir em condições musculares mais favoráveis à recuperação funcional após reinervação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Bishop DL, Milton RL. The effects of denervation location on fiber type mix in self-reinnervated mouse soleus muscles. Exp Neurol 1997; 147: 151-8. 2. Welch JA. Pheripheral nerve injury. Seminars in veterinary medicine and surgery (small animal) 1996; 11 (4): 273-84. 3. Robinson LR. 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