Disfunções Intraósseas da arquitetura craniana: repercussões clínicas e tratamento Escrito por: Prof° Ft. Marcel Alencar Andrade de Paula Docente do IDOT INTRODUÇÃO SURGIMENTO DA OSTEOPATIA CRANIANA A Osteopatia Craniana foi desenvolvida no início dos anos 30 por W. G. Sutherland D. O. e C. Weaver D.O. Existem alguns relatos que na Grécia antiga se realizavam manipulações cranianas. É descrito ainda, na história da osteopatia que Dr. A. T. Stil tratava com as mãos fazendo um contato muito suave no crânio, algo similar ao que seriam as descrições posteriores dos tratamentos osteopáticos cranianos. Em outono de 1929, em um encontro em Minnesota, na State Osteopathic Association, William Garner Sutherland, expôs pela primeira vez seu Hobby pessoal: “a teoria da mobilidade articular craniana”. E em 1939 Publicou seu livro The Cranial Bowl, no qual descrevia seus resultados e os fundamentos da Osteopatia Craniana. A DESCOBERTA DE W. G. SUTHERLAND Sendo estudante de Osteopatia em Kirksville (Missouri – EUA), observou um crânio dissecado, durante um seminário sobre princípios osteopáticos, no qual o tema principal era: “a estrutura governa a função”. Chamou sua atenção as formas complexas entre a união da asa maior do osso esfenoide e a porção escamosa do osso temporal. Está união parecia angular, como as guelras de um peixe. Essa arquitetura parecia reflexo da mobilidade articular de um mecanismo respiratório. Uma pergunta sempre surgia em sua mente: “que sentido teria essa forma angular dos ossos do crânio? Esta dúvida fez com que Sutherland estudasse detalhadamente todos os ossos cranianos. Sua esposa se referia a essa época como “a fase óssea”, uma vez que por toda parte de sua casa se encontravam ossos espalhados. Com seus estudos, Sutherland chegou à conclusão que a arquitetura craniana permite o movimento entres os ossos. Esses ossos estão unidos por membranas e seu movimento é coordenado por elas. Por isso as chamou de “membranas de tensão recíproca”. Afirmou que o sacro está unido aos ossos cranianos por meio da dura-máter extracranial. Começou a palpar seu próprio crânio e de seus pacientes para poder sentir esses movimentos. Depois de sentir incansavelmente esses movimentos, chegou à conclusão que a base para esse movimento era o movimento do próprio cérebro e as constantes flutuações do liquido cérebro espinal, que movia as meninges cranianas promovendo o movimento dos ossos do crânio e o sacro. Entre 1934 e 1939 Sutherland tratou, além de seus pacientes particulares, crianças em um hospital que sofriam de paralisia cerebral, hidrocefalia, transtornos de coordenação, hiperatividade além de outros transtornos de desenvolvimento. Tendo muitos resultados, chegando a contribuir para o desenvolvimento normal de algumas dessas crianças. PRINCÍPIOS MECÂNICOS DA OSTEOPATIA CRANIANA – O Mecanismo Respiratório Primário O mecanismo respiratório primário está constituído segundo Magoun e Sutherland, pelos seguintes fatores: • Motilidade (movimento inerente) do cérebro e da medula espinal. • Flutuação do liquido cefalorraquidiano. • Mobilidade das membranas intra e extra-cranianas. • Mobilidade dos ossos do crânio. • Mobilidade involuntária do sacro entre os ossos da pelve. Este mecanismo se denomina “Primário” porque se supõe que está diretamente relacionado com a respiração dos tecidos internos do sistema nervoso central que regula a respiração pulmonar. Neste sentido, se mencionam efeitos sobre os centros do quarto ventrículo e sobre o centro da respiração. Além disso, esse ritmo se inicia antes da respiração pulmonar, ainda no desenvolvimento embrionário e pode ser palpável até 15 minutos após a morte. Denomina-se “Respiratório” por se tratar de um processo que influência o intercâmbio de substâncias entre os tecidos corporais auxiliando no metabolismo dos tecidos. Denomina-se “Mecanismo” porque está composto por partes que formam um mecanismo com padrão rítmico. Cada um dos cinco componentes do M.R.P. podem apresentar disfunções e possuem modalidades técnicas diferenciais. PRINCÍPIOS DE TRATAMENTO Existe na literatura diversas modalidades técnicas para tratamento da abóboda cranial. Contudo, podemos notar um consenso entre os autores de que as manipulações devem ser realizadas partindo de estruturas mais densas para as menos densas, sendo necessário para isso um bom processo avaliativo que permita a localização exata da disfunção primária craniana. Neste sentido, trata-se primeiro, quando em disfunção, o nível ósseo, depois, o nível membranoso, e por fim o nível líquido. Existe uma ordem imperativa para o tratamento; não é possível tratar as membranas antes que se trate as suturas cranianas. Nota-se uma grande incidência de equívocos na prática clínica, quando referimos ao tratamento da arquitetura óssea do crânio. Sendo assim, o propósito desse artigo é trazer material teórico suficiente para compreensão da necessidade de técnicas de avaliação e tratamento, além do entendimento das repercussões clínicas, das disfunções intraósseas da arquitetura craniana. AVALIAÇÃO OSTEOPÁTICA CRANIANA A avaliação craniana osteopática tem como principal objetivo fornecer ao terapeuta a localização exata das disfunções e ainda definir qual tecido esta compromete em maior grau a desorganização desse sistema. Segundo Barral, temos a seguinte técnica de avaliação: Posição do paciente terapeuta: O paciente está deitado em decúbito dorsal com os membros inferiores estendidos e os membros superiores em flexão de cotovelo e apoiado no abdomen, afim de diminuir as tensões fasciais dos membros superiores. O terapeuta está sentado atrás do paciente. Para os terapeutas destros, coloque a mão esquerda apoiando o occipital e a mão direita sobre os parietais de maneira que o dedo médio repouse sobre a sutura sagital (figura 1). Ausculta em três dimensões: Para sentir em três dimensões imagine o crânio como se fosse um balão com alguma coisa dentro. Não esquecer que o aspecto mais importante do crânio não é o osso, mas o cérebro que ele protege. Em fraturas do crânio não é o osso fraturado que importa mas sim a área cerebral e a extensão da sua lesão. Ausculta com a palma da mão: A palma da mão nos permite sentir a disfunção com precisão. Se os seus dedos são atraídos para a esquerda e sua palma da mão para a direita, a fixação estará a direita. Sentimos o deslizamento da palma da mão na direção da fixação, e em seguida descer no nível da disfunção. Avaliação de uma fixação óssea: A palma da mão desliza e para repentinamente sem se aprofundar. Podemos comprimir a área localizada afim de investigar a densidade óssea aumentada. a fixação óssea é mais densa que os outros ossos vizinhos. Figura 1: posicionamento para palpação avaliativa craniana. Figura 2: exemplo de ausculta com fixação óssea. DISFUNÇÕES INTRAÓSSEAS De forma geral as disfunções intraósseas se devem por traumatismo produzidos na vida intrauterina, no parto ou nos primeiros anos de vida. Pode acontecer em qualquer um dos 22 ossos do crânio. Na literatura Osteopática encontra-se mais publicações sobre as disfunções do osso occipital. No decorrer desse capitulo será descrita as disfunções intraósseas dos ossos que formam a abóboda cranial: occipital, esfenoide, temporais, parietais e frontal. As disfunções intraósseas possuem intima relação com os pontos de ossificação dos ossos cranianos, sendo assim, seu estudo muito importante para o entendimento dessas disfunções. A. OCCIPITAL No nascimento, o occipital se compõe de quatro partes: Figura 3: pontos de ossificação occipital. 1. Uma porção basilar: possui dois centros de ossificação e inclui uma parte das superfícies condilares. No recém-nascido, uma disfunção entre a porção basilar e a porção condilar pode ser a fonte de uma torcicolo denominada “congênita”. 2. Duas massas laterais ou condilos laterais: cada um desses possui um ponto de ossificação. 3. Parte escamosa: compreende quatro pontos de ossificação, um para cada fossa: 1. as fossas cerebelares formam o supraoccipital. 2. as fossas occipitais formam o occipital interparietal. Apesar da ossificação posterior por volta dos 25 anos de idade, essas zonas de uniões conservam grande maleabilidade. No recém-nascido, o occipital é um autêntico quebra-cabeças. Diversos traumatismos podem desequilibrar a disposição das diferentes peças. Pode-se ter diferentes disfunções em cada uma dessas peças. B. ESFENOIDE Ao nascer, o esfenoide se compõe de quatro partes: 1. preesfenoide; 2. postesfenoide; 3. conjunto: asa maior e apófise pterigoide. Cada uma dessas partes possuem dois centros de ossificação. Figura 4: centros de ossificação do esfenoide. As disfunções intraósseas podem ser: 1. disfunções entre o pré e pós esfenoide. 2. disfunções entre o pré esfenoide e o etmoide. 1. pode estar presente em todas disfunções da sincondrose esfenobasilar. 3. disfunção do conjunto asa maior e pterigoides: 1. asas maiores deslocam para dentro, enquanto os processos pterigoides para fora. 2. asas maiores deslocam para fora, enquanto os processos pterigoides para dentro. Correlações: Quando todas as articulações estão livres, a maleabilidade óssea permite recuperar o equilíbrio da mobilidade e a forma se normaliza. As disfunções 1 e 2, descritas acima são tratadas pela abóboda craniana. A disfunção 3 será tratada pelos processos pterigoides. Figura 5: pontos de ossificação e união entre os ossos esfenoide, occipital, temporal direito e etmoide. C. TEMPORAIS No recém-nascido, o temporal está composto por duas partes: 1. a escama com o anel timpânico. 2. a porção petrosa. As disfunções intraósseas podem aparecer e impedir um bom desenvolvimento. A disfunção primária pode estar a nível do temporal após um traumatismo, sendo assim, todo os outros ossos se adaptarem a essa disfunção. O tratamento tem como objetivo liberar no recém-nascido, por meio de técnicas diretas, as disfunções que oprimem o temporal. Com o tratamento dessas disfunções se recupera a maleabilidade óssea do temporal e por consequência todo a mobilidade de todo conjunto. Uma disfunção intraóssea do temporal pode levar a escama em flexão ou rotação externa e a porção petrosa em extensão ou rotação interna. Figura 6: disfunção intraóssea do temporal. D. PARIETAIS No recém-nascido, o parietal tem um ponto de ossificação situado a altura da protuberância parietal. Durante o parto ou com quedas, pela posição dos parietais, são frequentemente afetados por traumatismos e distorções. Sendo assim, a superfície óssea do parietal pode apresentar zonas de protuberância, aplainamentos e distorções. Sendo necessária técnicas especificas para cada uma dessas disfunções. Técnica de estiramento (despliegue): No caso de uma protuberância muito evidente, o terapeuta, depois de ter garantido a liberdade periférica do parietal, poderá estirar a proeminência. O terapeuta exerce um deslizamento divergente para modelar em estiramento o parietal. Uma onda de Liquido cefalorraquidiano é enviada de um ponto diametralmente oposto afim de facilitar a liberação. Técnica de Remodelamento: Em caso de uma protuberância parietal aplainada. Com a polpa digital dos cinco dedos o terapeuta realiza um deslizamento convergente para reformar a protuberância parietal. Uma onda de Liquido cefalorraquidiano é enviada do ponto diametralmente oposto. Figura 7: técnica de remodelamento da protuberância parietal. Técnica de Equilíbrio: O centro de ossificação pode sofrer uma distorção. O terapeuta, depois de perceber o desequilíbrio rotatório da protuberância parietal, trata com uma manobra direta no sentido do reequilíbrio das tensões intraósseas. Uma onda de Liquido cefalorraquidiano é enviada do ponto diametralmente oposto. E. FRONTAL No recém-nascido, o frontal se compõe de dois hemifrontais. Cada um deles possui um ponto de ossificação situado a altura da protuberância frontal. A sutura metópica se funde aos 6 anos de idade, porém permanece com uma enorme capacidade de movimento. Durante o parto, a posição dos frontais se expõe a traumatismos e distorções. Deste modo a protuberância frontal pode ficar mais evidente, mais aplainada e/ou distorcida. Figura 8: pontos de ossificação do frontal. Técnica de distribuição de força (escalonamiento): No caso de uma protuberância frontal muito evidente, o terapeuta, depois de ter garantido a liberdade periférica do parietal, poderá aplicar uma força em distribuição na proeminência. O terapeuta exerce um deslizamento divergente para modelar em estiramento o frontal. Técnica de Remodelamento: Em caso de uma protuberância frontal aplainada. Com a polpa digital dos cinco dedos o terapeuta realiza um deslizamento convergente para reformar a protuberância frontal. Técnica de Equilíbrio: O centro de ossificação pode sofrer uma distorção. O terapeuta, depois de perceber o desequilíbrio rotatório da protuberância frontal, trata com uma manobra direta no sentido do reequilíbrio das tensões intraósseas. CONCLUSÃO As disfunções apresentadas nesse artigo têm repercussões clínicas diversas relatadas na literatura osteopática. Encontra-se descrito a participação dessas disfunções nas compressões neurais dos 12 pares de nervos cranianos, nas disfunções dos forames de emergência desses nervos, nas disfunções hormonais, principalmente da glândula hipófise. Essas disfunções podem acompanhar as disfunções traumáticas ou fisiológicas da sincondrose esfenobasilar, tendo grande importância na manutenção e repercussão clínica dessas disfunções, principalmente nas suas repercussões na oclusão dentária, nas disfunções oftalmológicas e do sistema vestibular. Desse modo a diminuição da meleabilidade óssea leva a diminuição da densidade óssea e a fixação das disfunções intraósseas da arquitetura craniana. Alguns autores relacionam ainda, essas disfunções com achados clínicos da hipofunção de áreas correlatas cerebrais. Figura 9: área de projeção encefálica. Com o entendimento aprofundado da mecânica craniana, no que se refere, a bem conhecida mobilidade óssea (movimento sutural) e também participante, apresentada nesse artigo, a maleabilidade óssea (movimento próprio do osso com suas deformações) totalmente dependente de seus centros íntegros de ossificação, temos o conjunto biomecânico responsável pelo movimento respiratório primário descrito por Sutherland. O estudo da maleabilidade óssea é peça chave para o tratamento craniano e evolução clínica dos pacientes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Busquet, L. La Osteopatia Craneal. 3a edição. Ed. paidotribo, 2011. Busquet, L.; Gabarel, B. Osteopatía y Oftalmología. Ed. paidotribo, 2008. Liem, T. La Osteopatía Craneosacra. Ed. Pai do Tribo, 2010. Liem, T. Cranial Osteopathy: Principles and Practice. Ed. Elsevier, 2004. Ricard, F. Colección de medicina osteopática. tratado de osteopatía craneal. articulación temporomadibular. 3aedição. Ed. Medos, 2014. Sutherland, W. G. The Cranial Bowl. Ed. 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