CONTROLE DA RAIVA URBANA EM CÃES PARA O CONTROLE DA RAIVA HUMANA Aline Mori * Maria Isabel Roth Poppi Rodrigues de Carvalho * Vanessa Harumi Tahara * Christian Hirsch ** Maria de Lourdes Oliveira Souza*** 1 INTRODUÇÃO A raiva é uma doença infecciosa e contagiosa causada por um vírus altamente fatal, que se manifesta com sinais nervosos. Mais freqüentemente ocorre alterações de comportamento, como a agressividade, e perturbações severas nas funções motoras, como a paralisia de membros posteriores. A raiva é conhecida pelos seus sintomas e pela sua gravidade há muitos séculos, desde a Grécia Antiga e o Império Romano, antes de Cristo. No entanto, os primeiros estudos científicos sobre o agente causal datam de 1804, com a demonstração da infecciosidade da saliva de animais raivosos. Pasteur, célebre pesquisador francês, realizou importantes descobertas sobre a doença e sua prevenção através da vacina, * Alunas de graduação do curso de Medicina Veterinária da UFLA ** Professor do Departamento de Medicina Veterinária - UFLA *** Professora do Departamento de Administração e Educação - UFLA já na década de 1880. Desde então, a doença tem sido extensamente estudada, permitindo o desenvolvimento de medidas preventivas eficientes, tal como a vacinação em massa ou o uso de soros específicos, nos casos de alto risco. No âmbito da saúde pública, a raiva é uma grave zoonose, ou seja, pode ser transmitida dos animais infectados para o homem. Esta doença é classificada em três tipos epidemiológicos, em virtude de seu mecanismo de transmissão, sendo a primeira a raiva urbana, a segunda a silvestre e a terceira a rural, que são transmitidas, respectivamente, pelos cães e gatos, pelos animais silvestres e por morcegos hematófagos. Neste trabalho, iremos abordar apenas a raiva urbana, em que os transmissores mantêm o vírus entre sua população e podem transmiti-lo ao homem. Nessa situação, os cães são responsáveis por 60% a 90% dos casos identificados. Com a implantação do Programa Oficial Nacional para Controle da Raiva na década de 70, o número de casos de raiva humana no Brasil diminuiu muito, devido à vacinação maciça dos cães e gatos urbanos. Porém, no final da década de 80, houve um contra-ataque da raiva devido a dois fatores: ressurgimento da raiva canina na região Nordeste e Centro-Oeste (devido a não vacinação dos animais domiciliares), e aumento dos casos transmitidos por animais silvestres. Em recente pesquisa realizada no Estado do Ceará, constatou-se que os animais silvestres já são a segunda causa de transmissão de raiva para humanos, perdendo apenas para os cães ( cão - 63%; sagüi 23%; morcegos hematófagos ou não - 11%; guaxinim - 3%). Tendo em vista a importância da raiva no meio urbano, este trabalho tem por objetivo informar à população sobre a importância do controle dessa doença, através do esclarecimento sobre seus meios de transmissão, evolução da doença nos animais de companhia e sua importância como zoonose, além das medidas de controle e prevenção da raiva. 2. A RAIVA NA ÁREA URBANA A raiva é transmitida pelos próprios animais raivosos e por portadores inaparentes (animais infectados e que ainda não apresentam sintomas da doença, mas que podem transmiti-la). Esta se dá através das mordeduras, que introduzem o vírus presente na saliva, ou por feridas ou arranhões superficiais na pele que tenham contato com esta saliva ou outro material contaminado com o vírus rábico. Podem ser transmissores ou vítimas da raiva urbana todos os mamíferos domésticos e selvagens, mas estes últimos são menos importantes, devido ao número menor e menor convivência com humanos. Dentre os animais domésticos, destacam-se os cães e gatos, que alcançaram este posto graças a sua grande popularidade e ao fato de serem carnívoros e, portanto, predadores naturalmente adaptados a morder. Entre outros mamíferos que têm algumas vezes transmitido a raiva para o homem, estão ratos, macacos, morcegos hematófagos (que se alimentam de sangue) ou não, sagüis, guaxinins, raposas e gambás. Entretanto, o grande responsável pela transmissão da raiva urbana ainda é o cão que, com raiva furiosa antes de morrer, morde numerosos outros animais. A instalação do Programa Oficial Nacional para Controle da Raiva foi, sem dúvida, a medida responsável pela diminuição acentuada do número de casos de raiva urbana e, conseqüentemente, de raiva humana. O programa partiu do ponto de vista que, controlando a raiva entre os animais de vida urbana, diminuiriam as possibilidades da transmissão dessa enfermidade para o homem. A base do programa consiste em conscientizar a população sobre importância da campanha de vacinação anti-rábica em cães e gatos, fornecer às prefeituras as vacinas e as condições para a vacinação maciça da população canina e felina uma vez ao ano e divulgar as outras medidas de prevenção da raiva. Apesar da eficiência comprovada deste programa, países de dimensões continentais como o Brasil, com rica fauna nativa, necessitam estar vigiando constantemente a raiva, pois novos casos podem surgir a partir da reintrodução do vírus por animais selvagens, quando esses mordem o homem ou os animais domésticos. Infelizmente, já foram registrados vários casos fatais de raiva em humanos mordidos por morcegos, sagüis e outros animais silvestres. Isso se à tentativa de domesticação destes animais selvagens, que adquiriram importância significativa na transmissão da doença, pois são animais geralmente não vacinados, podendo ser portadores sãos e que, sob a ação do medo, podem ser muito agressivos. Além disso, existem poucos estudos relacionados com a raiva em animais selvagens, não estando disponíveis no Brasil vacinas especializadas para esses animais, o que dificulta sobremaneira a prevenção. Portanto, além de serem proibidas por lei federal a captura e a criação em cativeiro de animais silvestres da fauna brasileira, esse procedimento ilegal leva a riscos, pela possibilidade de transmissão da raiva e de outras doenças contagiosas. 3 A RAIVA NOS CÃES E NO HOMEM A raiva é uma doença causada por um vírus pertencente ao gênero Lyssavirus, família Rhabdoviridae, de alta patogenicidade, ou seja, alta capacidade de prejudicar o animal ou ser humano que são infectados. Embora todos os mamíferos sejam sensíveis ao vírus da raiva, a sensibilidade em cada espécie varia. A doença acomete machos e fêmeas igualmente, sendo os jovens mais sensíveis. A principal via de entrada do vírus da raiva é por mordedura ou ferimentos na pele em contato com a saliva. Uma vez que o vírus tenha ingressado no animal, ocorre uma multiplicação na musculatura local, ampliando o seu número e preparando a invasão do sistema nervoso periférico (filamentos de nervos que existem na musculatura e em outros locais). Pelo sistema nervoso periférico, o agente da raiva migra até o sistema nervoso central - SNC (cérebro e medula espinhal), que é o seu principal alvo, onde se multiplica, causando lesões irreversíveis, com perda das funções vitais, seguida de coma e morte do animal. Antes dos primeiros sintomas, o vírus atinge a glândula salivar e é liberado junto com a saliva. É importante mencionar que os cães infectados podem eliminar o vírus da raiva mais de uma semana antes de começarem os sintomas da doença. O tempo de incubação, ou seja, desde a infecção até a manifestação dos primeiros sintomas da doença, é bastante variável, sendo mais comum o período entre 30 a 90 dias após a infecção. No entanto, existem casos registrados que apresentaram período de incubação de poucos dias, e outros de até mais de um ano. Esse período de incubação varia em função da quantidade de vírus que penetrou no animal, do tipo de vírus, do local de penetração (quanto mais próximo do SNC, menor é o período) e da área da mordedura (quanto mais rica em fibras nervosas, mais rapidamente o vírus atinge o SNC) . Após o período de incubação, começam as manifestações clínicas, que podem se apresentar sob três tipos: raiva furiosa, raiva paralítica e raiva muda ou atípica. Independente da forma, o tempo de evolução até a morte não excede a dez dias. Na raiva furiosa, o animal começa a apresentar intranqüilidade e mudança de hábitos, depois torna-se agressivo, atacando outros animais e o próprio dono ao menor sinal de movimento próximo. Pode apresentar andar “sem rumo”, obstinado, com olhar fixo e perdido no horizonte, atacando as coisas que se moverem nas proximidades. Essa atitude é conhecida como deambulação. Os latidos podem se apresentar roucos ou bitonais, sendo comuns os uivos tristes. Os animais tentam alimentar-se e beber água, porém sem sucesso, pois, devido à lesão nervosa já existente, ocorre paralisia da região da garganta. Por não engolirem a saliva, babam copiosamente, muitas vezes estando a saliva viscosa devido à desidratação. Na raiva paralítica (menos comum nos cães, mas freqüente nos gatos), os animais apresentam, inicialmente, resistência em locomover-se, não se alimentando nem bebendo água. Se escondem, tentando se afastar do homem e de outros animais. Quando tentam se locomover, têm andar “bamboleante”, tropeçando como se estivessem com fraqueza, desenvolvendo a paralisia, que começa nos membros posteriores e mandíbula e prosseguindo para os membros anteriores. Os animais babam muito e apresentam miado longo e triste, prosseguindo a paralisia até a morte. Na raiva muda ou atípica, os animais não apresentam sinais de mudança de comportamento evidentes, há apenas uma discreta mudança de hábito. O animal apresenta-se sem ânimo, alimenta-se pouco, fica mais quieto em um canto, e morre em 5 a 10 dias. Não obstante existirem esses tipos de manifestação clínica, são comuns os casos de formas mistas da raiva, podendo o cão ou gato estar agressivo e vir a morrer de paralisia. O diagnóstico de suspeita da raiva pode ser feito clinicamente através dos sintomas e do tempo de evolução até a morte, mas para a confirmação, devem ser feitos testes laboratoriais. O prognóstico da doença, que é a previsão sobre a evolução da doença ou tempo de vida do animal, é ruim, considerando que se trata de uma doença 100% fatal. Depois que a raiva manifestou seus primeiros sintomas, não há tratamento eficaz que reverta o quadro, e o animal morre em até 10 dias. 4. CONTROLE E PREVENÇÃO DA RAIVA NA CIDADE O controle de uma doença corresponde ao conjunto de medidas que se adota visando a diminuir ou acabar com a ocorrência da mesma em uma região. Com relação à raiva, as medidas de prevenção são também parte das de controle; portanto, serão abordadas neste trabalho em conjunto, facilitando o entendimento. Para que as medidas de controle sejam eficientes, é necessário que a população apóie as ações das autoridades de saúde. Para que isso ocorra, essa população deve estar consciente sobre a importância da raiva e sobre as medidas que são adotadas para evitá-las. Como a raiva é uma doença incurável, que culmina em uma morte lenta e com grande sofrimento, geralmente a população aceita muito bem as orientações que são dadas no sentido de preveni-la. No entanto, é preciso que se lembre que, ainda hoje, muitos seres humanos perdem a vida de forma trágica por negligenciarem os cuidados mínimos com esta terrível doença. Portanto, cabe neste momento que se enfatize quais são essas medidas, de modo que não haja dúvidas, caso ocorra uma situação de risco: 1. Vacine seus cães e gatos anualmente contra a raiva, utilizando-se vacinas de procedência garantida, que são aquelas utilizadas nas campanhas oficiais de vacinação ou as vendidas em clínicas veterinárias registradas no Conselho Regional de Medicina Veterinária. 2. Ao se vacinar os animais, assim como os seres humanos, o ideal é que eles sejam avaliados quanto à sua saúde por profissional competente que, no caso dos cães e gatos, é o médico veterinário. Esse procedimento evita que animais doentes ou fora da faixa etária sejam desnecessariamente vacinados. No caso das campanhas de vacinação, o objetivo é vacinar o maior número de caninos e felinos possível, visando a estabelecer uma “barreira de imunidade” (proteção imunológica) em toda a população animal urbana, impedindo a transmissão da raiva entre estes animais e, por conseguinte, ao homem. Esse serviço, que é gratuito, visa a estender a toda a população, independente da sua renda, os benefícios da prevenção vacinal contra a raiva. Neste caso, a avaliação sanitária dos cães e gatos não é pertinente nem viável, tendo em vista o grande número destes animais que são vacinados ao mesmo tempo. Animais que eventualmente, não respondem bem à vacinação, não desenvolvendo imunidade contra a raiva, ainda assim estarão protegidos indiretamente pela barreira imunológica que se estabelece na população. 3. Na ocorrência de animais suspeitos de raiva, deve-se comunicar imediatamente ao serviço de saúde animal de sua cidade que, no caso dos municípios mineiros, é representado pelo IMA - Instituto Mineiro de Agropecuária. Os veterinários do IMA farão a avaliação inicial do caso e, dependendo da situação, poderão encaminhar o animal suspeito para outras instituições, que farão a avaliação final, como as instituições de ensino superior que atuam na área veterinária ou os centros de zoonoses oficiais ou equivalentes das prefeituras. Havendo disponibilidade financeira, o dono do animal suspeito poderá solicitar o auxílio de um médico veterinário particular, que fará o acompanhamento necessário. É importante frisar que todo animal é de inteira responsabilidade de seu proprietário, sendo que as conseqüências de qualquer atitude ataques e mordeduras, também o são. deste cão ou gato, como 4. Como a transmissão se dá pela mordedura do animal raivoso ou pelo contato de mucosas ou feridas com a saliva contendo o vírus, é obvio que cães e gatos suspeitos devam ser imediatamente isolados. O proprietário deverá se encarregar disso, até que o veterinário chegue, garantindo ao cão ou gato água e comida, para que ele não morra, até que confirme ou descarte a suspeita de raiva. Não se deve matar o cão ou gato suspeito desta enfermidade, a menos que este esteja atacando violentamente seres humanos, não sendo possível sua contenção imediata. Isso porque quando se abate precocemente um animal doente de raiva dificulta-se o diagnóstico de confirmação laboratorial, algumas vezes até resultando em respostas errôneas, do tipo “falso negativo”. 5. Em caso de mordedura ou contato com saliva de animal suspeito, deve-se lavar imediatamente o local atingido com água e sabão em abundância. Não se recomenda o uso de sabonetes ou detergentes nestes casos, pois a ação do sabão sobre o vírus é muito mais eficiente. O sabão, produzido à base de “soda cáustica”, possui um pH básico que destrói quase que de imediato o vírus da raiva. É importantíssimo que as pessoas saibam que quanto mais tempo se demorar para lavar o local, maiores são os riscos de se adquirir a raiva. 6. Mesmo que se lave adequadamente o local atingido, ainda assim a pessoa agredida deverá procurar com urgência o serviço médico local, para que seja feita uma avaliação dos riscos e se adotem as medidas compatíveis com o caso. Apenas os serviços médicos treinados pelas secretarias de saúde estão habilitados para este tipo de atendimento, sendo encontrados nos postos de saúde, “policlínicas” e centros de saúde. Lembre-se: não existe cura para a raiva; a única alternativa eficiente é a ação preventiva imediata. 7. Como a raiva ainda ocorre em algumas cidades brasileiras, especialmente das regiões Norte, Nordeste e CentroOeste, não se deve brincar ou manipular cães e gatos dos quais não se conheça a procedência (animais de rua), nem permitir que os animais de casa tenham acesso à rua ou a esses animais errantes (“vadios”). É dever do proprietário cuidar e guardar seus animais. Se houver desejo de passear com os cães e gatos nas vias públicas, eles o devem fazer na coleira, presos por uma guia, evitando aborrecimentos para o dono e para os demais transeuntes. 8. Nos últimos anos, tem-se observado um crescimento da ocorrência de casos de raiva em animais domésticos e, pior, no homem, transmitidos por animais silvestres, muitas vezes criados ilegalmente por populares. Muitas pessoas acreditam que, por serem originados da natureza, estes animais não transmitem doenças ao homem. Infelizmente isso não é verdade. Pessoas estão morrendo por causa desse erro. Portanto, ao se deparar com animais silvestres de qualquer natureza, não coloque a mão, até que esse tenha passado por um exame veterinário completo, e sua criação tenha sido autorizada pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). O médico veterinário poderá recomendar aos criadores de animais silvestres credenciados junto ao IBAMA um programa de prevenção à raiva, com medidas adequadas para cada espécie animal. 5 - CONCLUSÃO Infelizmente a raiva ainda é, em nossos dias, um grave problema de saúde animal e saúde pública, matando no Brasil milhares de animais e dezenas de seres humanos, todos os anos. No entanto, esta doença pode ser facilmente evitada, desde que se adotem medidas de prevenção e controle adequadamente. Cabe responsabilidade de não a cada cidadão negligenciar esta brasileiro a enfermidade, procurando orientação junto aos profissionais da saúde (médicos e enfermeiros treinados para tal) em relação à sua própria segurança, ou junto ao médico veterinário, quando se tratar da saúde de seu animal de estimação. Como a raiva parte dos animais para atingir os humanos, as medidas preventivas devem se concentrar nos primeiros, impedindo, assim, a transmissão ao homem. A raiva acomete todos os mamíferos, independente do fato desses serem domésticos ou silvestres. Por tanto, as medidas de prevenção também devem se estender a esses últimos, sendo totalmente contra-indicado a criação de animais silvestres sem a devida autorização governamental e sem o acompanhamento veterinário. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ¬ BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional da Saúde. Centro Nacional de Epidemiologia. Coordenação de Controle de Zoonose e Animais Peçonhentos. Programa Nacional de Profilaxia de Raiva. Norma Técnica de Tratamento Profilático Anti-Rábico Humano. 2a edição – Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 1995. ¬ CORREIA, W. M., CORREIA, C. N. M. Raiva. In: . Enfermidades Infecciosas dos Mamíferos Domésticos. 2a Edição. Rio de Janeiro. Editora Médica e Científica Ltda.p.609-628. ¬ KING, A. A., TURNER, G. S.: Rabies A Review. In: Juornal of Comparative Pathology. Vol. 108. P. 1-39. ¬ NÉLIO, N.B. 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