O que é Filosofia para Crianças

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Universidade Federal do Amapá
Pró-Reitoria de Ensino de Graduação
Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia
Disciplina: Filosofia da Educação I
Educador: João Nascimento Borges Filho
O que é Filosofia para Crianças?
Paulo Ghiraldelli Jr
Universidade Estadual Paulista (UNESP - Marília)
O que é Filosofia para Crianças? Trata-se de ensinar a filosofia ou as
filosofias para as crianças? Não creio que isso tenha sentido. Filosofia, séria, é
um saber que envolve o domínio de técnicas que dependem de uma formação
árdua, que não é possível de ser iniciada verdadeiramente na infância. Talvez
somente no ensino médio, e ainda assim com muita dificuldade. Filosofia para
crianças é, então, contar a história da filosofia, de um modo simplificado, para
as crianças? Ora, para que? Para torná-las falsas eruditas? Não, isso me
parece ridículo. Seria, então, o trabalho de se utilizar da filosofia para fazer as
crianças pensarem? Isso é vazio: criança pode pensar, pensar bem, melhorar
sua capacidade intelectual se puder aumentas seu universo vocabular e se
tiver convivência com gente inteligente.
A filosofia não garante isso. Não foi feita para tal. Bem, então, por fim,
filosofia para crianças é o trabalho de instigar o nascimento do "pensamento
filosófico" nas crianças através de contos preparados especialmente para tal?
Muita gente crê nisso, mas eu duvido que isso não possa ser feito por qualquer
outra disciplina, qualquer outra atividade nas mãos de qualquer outra pessoa,
goste de crianças, dando-lhes boas coisas para ler.
Por todas essas razões, as várias faces da "filosofia para crianças", que
em geral são apresentadas a mim, com raras exceções (Stella Accorinti é uma
delas), me fizeram escrever em outro texto que filosofia não é coisa de criança.
Nem a filosofia "hard", nem essas metamorfoses que querem se passar por
"métodos de filosofia para criança".
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basta que tal pessoa seja um adulto inteligente, razoavelmente culto e que
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Penso que se alguém quiser fazer algo que ele queira chamar de "filosofia
para crianças", o melhor que pode fazer é ser ele próprio um bom professor de
filosofia que saiba como o espírito da filosofia mudou. Se ele puder despertar
na criança esses vários espíritos da filosofia, então, se quiser, pode até batizar
isso de filosofia para crianças, embora pudesse também apenas dizer que se
trata de uma educação com perspectivas amplas, para toda e qualquer criança
que queremos ver como um adulto sadio intelectualmente e como uma pessoal
moralmente correta.
E o que são esses diversos "espíritos da filosofia"? Ora, eu falei deles
quando escrevi "O que é definir a filosofia" e "O que é a filosofia?"
O que a filosofia fazia, segundo Platão e Aristóteles? Ora, para eles, a
filosofia aparece quando ela inaugura perguntas sobre o banal, causando então
o estranhamento e a admiração daquilo que até então não parecia merecer
nenhum questionamento. O fim do banal! ¾ se alguém quiser levar as crianças
a abandonar a atitude que tudo banaliza, então, até podemos dizer, creio eu,
que estamos levando para as crianças algum espírito da filosofia. As estrelas
estão sempre lá. Nós não nos preocupamos com elas. São uma banalidade.
Mas as crianças, muitas delas, se encantam com o céu na sua banalidade.
Então, levar as crianças a explorar essa vontade de perguntar sobre o banal
fazendo do banal não mais um elemento da banalidade pode ser, talvez,
filosofia para crianças. Outras banalidades podem deixar de serem banais:
quando eu era criança, era banal matar passarinho. Todavia, não para mim.
Nunca atirei uma pedra em um passarinho. Eu tinha estilingue, é claro. Brinquei
de "guerra de mamonas" na minha rua. Mas só usei o estilingue para atirar em
latas e, depois, para acertar a bunda de algum adversário na "guerra de
mamonas". Meu pai havia sido, na juventude, pescador e caçador. Sem ouvir
qualquer discurso ecológico, uma vez mais velho, ele me ensinou que a morte
tenha feito filosofia para crianças, no espírito da retirada da banalidade, como
pensaram Aristóteles e Platão na ideia de que filosofia tem a ver com o
estranhamento com o que até então era o comum.
Para os filósofos modernos, filosofia não tem tanto a ver com o
estranhamento para com o mundo e para com nós mesmos. Os modernos
acham, sim, que um problema filosófico importante é o surgimento,
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de um animal não podia ser vista como algo banal. Talvez, quem sabe, ele
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funcionamento e produção da verdade enquanto conhecimento verdadeiro. O
espírito da filosofia moderna, com Descartes à frente, e Kant com a bandeira
maior, revela-se na busca de uma explicação para o conhecimento e, então,
para a instância na qual ele ocorre: o sujeito. Que sujeito? O indivíduo? Não ¾
é tolo quem confunde indivíduo com sujeito. O sujeito para a filosofia tem a ver
com uma instância que forma a subjetividade, que é uma instância metafísica,
mas que ao mesmo tempo deve ter uma ligação com o sensível. A filosofia
moderna está preocupada com teoria do conhecimento, com epistemologia e,
depois, com a própria montagem dessa instância chamada subjetividade.
Kant disse que antes de fazermos qualquer afirmação racional metafísica,
deveríamos questionar a razão; fazer, portanto, a crítica. Ora, a crítica não é
propriamente um conhecimento; ela é uma propedêutica ao conhecimento na
medida em que ela é negativa; ela questiona, pela razão, o quanto a razão
possui de legitimidade para dizer que pode produzir e/ou encontrar o
conhecimento. Marx também usou a palavra crítica nesse sentido - quais as
condições mais amplas, inclusive sociais, para se saber, pela razão, X ou Y.
Então, levar as crianças a perguntar pela legitimidade de qualquer atitude
dita racional é aproveitar do espírito da filosofia para as crianças. Não é tornálas críticas, mas é fazê-las perseguidoras de justificativas, que se dizem
racionais, que lhes são impostas. Se assim faz um professor de filosofia, ele
talvez esteja fazendo um pouco de filosofia para crianças. Meu avô, por
exemplo, que era um bom advogado, me ensinou a sempre ouvir e, depois,
querer saber das razões, querer ver qual lado tem as melhores justificativas. E
eu cresci assim, meio que não admitindo não colocar no tribunal da razão as
frases ditas racionais que presidentes, chefes quaisquer, coordenadores,
governadores e simples diretores de algumas entidades a que pertencemos
dizem que são legítimas. Talvez meu avô tenha feito filosofia para crianças.
Rorty, Derrida, viram na filosofia não um trabalho crítico, mas um trabalho de
redescrição e, para tal, cobraram da filosofia que ela ficasse atenta às novas
metáforas pois, apesar delas não poderem ser entendidas no sentido de serem
parafraseadas, elas são motivadoras de novos comportamentos, e, quem sabe,
com sorte, comportamentos melhores.
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Os contemporâneos, Nietzsche, Dewey, James, e os vivos, Davidson,
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O espírito da filosofia contemporânea e atual, então, se deslocou para a
atenção à ideia de provocar os órgãos do bípedes sem penas que se ligam à
esperança, deixando em segundo plano os órgãos dos bípedes sem penas
mais voltados para o conhecimento. Nesse caso, fomento em meus filhos a
esperança, quero que eles acreditem que podemos criar situações melhores a
partir dos novos vocabulários que noto surgir. Quantas e quantas expressões
que os jovens falam que não entendemos, mas que fazem os conservadores
tremerem, não é verdade? Essas expressões, uma vez repetidas, talvez sejam
a chave para criarmos comportamentos menos discriminatórios e, assim,
colaborarmos com a ideia de que democracia não é o cumprimento da decisão
da maioria, mas sim o cumprimento da decisão da maioria em favor de uma
maior integração e respeito para com as minorias. Como meu pai e meu avô,
talvez fazendo isso com meus filhos eu esteja fazendo filosofia para crianças.
Como vocês podem ver, tudo o que faço nada mais é que, sabendo um
pouco de filosofia, por conta de ser professor de filosofia, construir algumas
estratégias de vida ou algumas estratégias pedagógicas que meu pai e meu
avô usaram e eu, em outro espírito, por conta de outra noção de filosofia,
venho usando. Se quiserem chamar a isto de filosofia para crianças, não ficarei
magoado, mas se chamarem a isto de uma relação educacional de um
professor de filosofia com crianças, creio que ficaria mais contente. E isso é
filosofia para crianças.
Paulo Ghiraldelli Jr - um dia após me tornar professor titular em filosofia
da educação pela Universidade Estadual Paulista, julgado pela banca:
Dermeval Saviani, Carlos Jamil Cury, Nadja Hermann, Nilo Odália e Tarso
Mazzotti.
Prof. Borges
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Jardim Acapulco, Marília (SP). Em 26 de abril de 2001.
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