A CARTA DE PAULO AOS Romanos Vida Transformada (12:1, 2) Em oito capítulos de Romanos, estudamos os comentários de Paulo a respeito da nossa salvação, e em três capítulos analisamos “o problema dos judeus”. Os últimos capítulos da carta enfocam a aplicação prática de tudo o que o apóstolo disse antes. Paulo podia subir até as mais elevadas altitudes do raciocínio teológico, mas ele sempre terminava com os pés firmemente plantados no chão — onde vivemos. O apóstolo se preocupava tanto com a fé quanto com o comportamento1. Ele enfocava não só o aprendizado, mas também a vivência — não só a doutrina, mas também o cumprimento do dever2. R. C. Bell chamou os primeiros capítulos de Romanos de “raiz” e os último de “fruto”3. A seção de aplicação começa com um dos mais belos capítulos das Escrituras: Romanos 12. Mencionamos antes que Romanos 8 é um dos capítulos bíblicos mais apreciados. Romanos 12 classifica-se nesse mesmo patamar; é o capítulo favorito de muitos cristãos. O professor J. D. Thomas comentou o seguinte sobre esse trecho: “Não se acha melhor resumo da vida cristã em outra parte da Bíblia”4. Esta lição é sobre 12:1 e 2. Esses versículos montam o palco para as admoestações dos capítulos 12 a 16. Se fizermos o que Paulo instou os cristãos a fazerem em Romanos 12:1 e 2, teremos pouca dificuldade em cumprir qualquer requisito encontrado em 12:3 a 16:27. 1 John R. W. Stott, A Mensagem de Romanos. Trad. Silêda e Marcos D. S. Steuernagel. Série A Bíblia Fala Hoje. São Paulo: ABU Ed., 2000, p. 387. 2 Warren W. Wiersbe, The Bible Exposition Commentary, vol. 2. Wheaton, Ill.: Victor Books, 1989, p. 553. 3 R. C. Bell, Studies in Romans. Austin, Tex.: Firm Foundation Publishing House, 1957, p. 133. 4 J. D. Thomas, anotações em sala de aula do curso de Romanos, Abilene Christian College, 1955. 1 TRANSFORMADOS POR FORA (12:1) A Abordagem de Paulo (v. 1a-c) O texto praticamente começa com a conjunção “pois”: “Rogo-vos, pois” (oun). Paulo iniciou várias seções com conectivos desse tipo (veja 1:24; 2:1; 5:1, 12; 6:12; 7:4, 13; 8:1), ligando o que ele iria dizer às idéias que acabara de concluir. Em 12:1, “pois” liga a aplicação que ele daria nessa última seção de Romanos ao ensino exposto na primeira parte da carta. Paulo havia enfatizado que os cristãos são justificados pela fé. Aqui, ele detalhou como deve viver uma pessoa justificada pela fé. Disse ele: “Rogo-vos, pois” (12:1a). Em vez de ditar uma ordem, Paulo “rogou”, solicitou, suplicou, implorou a seus leitores. Talvez ele tenha feito isso porque Deus não quer uma doação forçada, e sim um sacrifício de boa vontade, espontâneo. “Rogo” é tradução de parakaleo, que significa literalmente “chamar para o lado de alguém”5 (kaleo, “chamar”, e para, “ao lado de”). A analogia é a de se chamar um amigo de lado, talvez pondo o braço por cima de seu ombro, fitando-lhe os olhos e dizendo: “Irmão, deixe-me encorajá-lo ao máximo a fazer isso”. Dale Hartman comentou: “Se Paulo tivesse usado grifo para efeito de ênfase, ele teria sublinhado essas palavras e as que vêm a seguir”6. O apóstolo estava para revelar o que uma pessoa deve fazer como resultado da leitura de Romanos. 5 W. E. Vine, Merrill F. Unger e William White Jr., Dicionário Vine. Trad. Luis Aron de Macedo. Rio de Janeiro: CPAD, p. 955. 6 Dale Hartman, sermão pregado na igreja de Cristo Eastside, Midwest City, Oklahoma, ca. 2004. Paulo prosseguiu sua abordagem calorosa e pessoal usando o termo “irmãos” (v. 1b). Daqui até o fim da carta, ele se dirigiu a todos os irmãos espirituais residentes em Roma, judeus e gentios. Paulo rogou aos irmãos “pelas misericórdias [oiktirmos7] de Deus” (v. 1c). “As misericórdias de Deus” são as muitas expressões de misericórdia expostas nos capítulos anteriores: a misericórdia de Deus em nos salvar, em nos ajudar a viver a vida cristã e assim por diante. Diante de Suas misericórdias, devemos estar dispostos a fazer qualquer coisa que Ele nos pedir. Quando pensamos no que Ele fez por nós, nada que Ele nos peça é demais. O Rogo de Paulo (v. 1d) O que Paulo implorou que seus irmãos e irmãs em Cristo fizessem? Primeiramente, ele pediu: “apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (v. 1d). Essas palavras faziam mais sentido para os leitores do primeiro século do que para muitos de nós. Durante séculos, os judeus ofereceram sacrifícios de animais no templo. A adoração pagã também girava em torno de sacrifícios. O desafio de Paulo aos cristãos incluía uma comparação e ao mesmo tempo um contraste com os sacrifícios de animais — especialmente os da religião judaica. Analisemos com cuidado esse maravilhoso desafio: • “Apresenteis” — “apresentar” vem de paristemi e significa basicamente “colocar ao lado (histemi, “colocar”, e para, “ao lado de”). Era usado para o ato de se colocar uma oferta perante o Senhor. Era “o termo técnico para se apresentar animais e ofertas aos levitas”8. • “O vosso corpo” — vocês devem se apresentar. Nenhum animal jamais entrou trotando no templo e dizendo: “Aqui estou eu! Sacrifiquem a mim!” Todavia, é isso o que um cristão, praticamente, faz. Neste sentido, o cristão é o sacerdote e, ao mesmo tempo, o sacrifício. • “O vosso corpo” — em vez de oferecer animais mortos, os cristãos devem oferecer seus corpos, suas vidas, a Deus. • “Em sacrifício” — “os sacrifícios de animais, 7 Essa não é a palavra comum para “misericórdias” (eleos), mas é o termo grego para “compaixão”. Os dois termos são às vezes usados como sinônimos. 8 Marvin R. Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 3, The Epistles of Paul. Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., p. 153. 2 oferecidos numa época anterior, tornaram-se obsoletos graças à oferta que Cristo fez de Si mesmo. Mas sempre há lugar para o serviço divino prestado por corações obedientes”9. Pedro escreveu aos cristãos: “vós... como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (1 Pedro 2:5). O autor de Hebreus lançou este desafio a todo seguidor de Jesus: “Por meio de Jesus... ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome. Não negligencieis, igualmente, a prática do bem e a mútua cooperação; pois, com tais sacrifícios, Deus se compraz” (Hebreus 13:15, 16). • “Vivo” — em vez de oferecer animais mortos, os cristãos oferecem um sacrifício vivo10. • “Santo” — os sacrifícios oferecidos ao Senhor deveriam ser santos (separados para Ele) e sem mácula (veja Levítico 1:3; 1 Pedro 1:19; Malaquias 1:8). Os cristãos sempre devem oferecer o melhor para Deus. • “E agradável a Deus” — a palavra traduzida por “agradável” (euarestos) significa literalmente “que agrada bem” (eu, “bem”, e arestos, “agradar”). Na época do Antigo Testamento, quando sacrifícios de animais eram feitos conforme as instruções divinas, a fumaça subia como “aroma agradável ao Senhor” (Números 15:3). Da mesma forma, o tipo de sacrifício espiritual do qual estamos falando agrada a Deus e é aceito por Ele. Anteriormente em Romanos, Paulo usou as palavras “oferecer” (paristemi) e “corpo” (soma) para desafiar seus leitores: ...nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniqüidade; mas oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros [os membros do vosso corpo], a Deus, como instrumentos de justiça (6:13; grifo meu). 19 F. F. Bruce, Romanos — Introdução e Comentário. Trad. Odayr Olivetti. Série Cultura Bíblica. São Paulo: Ed. Vida Nova e Ed. Mundo Cristão, 3a. ed., 1983, p. 182. 10 Alguns comentaristas acreditam que “vivo” refere-se ao fato de os cristãos estarem espiritualmente vivos. Após o batismo, ressuscitamos para viver em “novidade de vida” (Romanos 6:4). Muitos comentaristas e tradutores interpretam a palavra “corpo” em 12:1 como “todo o nosso ser”. Devemos oferecer tudo o que somos e tudo o que temos a Deus, mas Paulo certamente tinha um motivo para usar a palavra “corpo”. Em toda a carta, ele enfatizou o corpo físico como uma grande fonte de preocupação espiritual. Por causa da fraqueza da carne o corpo pode e de fato irá nos subjugar (7:5, 18, 23, 24). Entretanto, no capítulo 8 Paulo declarou que, por meio do Espírito Santo, podemos mortificar “os feitos do corpo” (8:13). Agora ele estava pronto para dizer que esse corpo, antes um instrumento de injustiça, pode ser, agora, oferecido como “um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”. O cristianismo é reconhecido como uma das religiões que dá ao corpo a sua devida honra e dignidade11. “Para os gregos... o corpo era apenas uma prisão, algo a ser menosprezado e até motivo de vergonha”12. Em oposição a isso, o cristão entende que seu corpo é “templo do Espírito Santo” (1 Coríntios 6:19). Ele pode glorificar a Deus e exaltar a Cristo em seu corpo (1 Coríntios 6:20; Filipenses 1:20). O que envolve oferecer o corpo como sacrifício a Deus?13 Hebreus 13:15,16 fornece algumas dicas ao citar: louvar a Deus, fazer o bem e partilhar. Estes são sacrifícios que agradam ao Senhor. Apresentamos nossos corpos como oferta a Deus usando nossas habilidades e faculdades físicas para a Sua glória. John R. W. Stott escreveu sobre o que acontecerá se dedicarmos nossos corpos ao Senhor: cional”: logikos... que deriva de logos (“palavra”) e é a raiz do termo “lógica”. W. E. Vine disse que logikos pertence “à faculdade do raciocínio” e significa “razoável, racional”15. Várias versões inglesas preferiram a palavra “espiritual” no versículo 1 (veja também BJ, KJA), mas é outro o adjetivo grego equivalente a “espiritual” (pneumatikos). “Racional” ou “razoável” parece uma opção mais natural para logikos neste versículo em particular. De que maneira ou maneiras podemos oferecer nosso corpo num sacrifício a Deus considerado “racional”? 1) Este é um pedido razoável considerando tudo o que Deus fez por nós. 2) Respondemos ao amor de Deus como seres racionais, que raciocinam. 3) Quando oferecemos esse sacrifício, o fazemos de uma forma consciente e cuidadosa. Em relação à terceira sugestão acima, qualquer coisa que fizermos para o Senhor deve incluir o raciocínio. Jamais devemos servi-lO de maneira ritualista ou automática. Se já é perigoso um motorista dirigir entorpecido pelo sono — assustando-se quando, ao acordar, percebe que já chegou a determinado ponto do trajeto — muito mais perigoso é servir a Deus sem plena consciência do que se faz. Quando prestamos culto a Deus, nossas mentes precisam estar concentradas nEle e no que estamos fazendo. O mesmo se aplica a todo serviço que prestamos ao Senhor. A segunda palavra ambígua é traduzida na maioria das versões para o português por “culto”: latreia, sendo a forma nominal do verbo latreuein. Aí, então, nossos pés andarão em seus caminhos, nossos lábios falarão a verdade e divulgarão o evangelho, nossas línguas serão de cura, nossas mãos erguerão os abatidos com a mesma naturalidade com que desempenham outras tarefas terrenas como cozinhar, limpar, digitar e consertar; nossos braços abraçarão os solitários e os rejeitados, nossos ouvidos ouvirão o clamor dos desamparados e nossos olhos voltar-se-ão para Deus com perseverança e humildade.14 Originalmente latreuein significava trabalhar por contrato ou pagamento... Depois passou a significar, em termos gerais, servir... Finalmente, veio a ser a palavra exclusivamente usada para o serviço dos deuses. Na Bíblia, [o termo] nunca significa serviço humano; é sempre usado a respeito do serviço e da adoração prestados para Deus.16 Paulo disse que a oferta do corpo é “o vosso culto racional” (Romanos 12:1, 2). Essa expressão contém duas palavras ambíguas. Vejamos primeiramente a palavra qualificativa traduzida por “ra11 Thomas. William Barclay, The Letter to the Romans, ed. Rev., The Daily Study Bible Series. Filadélfia: Westminster Press, 1975, p. 156. 13 Num ambiente de sala de aula, pode-se perguntar aos alunos como cada parte do corpo (braços, pernas, mãos) pode ser usada no serviço de Deus. 14 Stott, p. 390. 12 “Culto” e “adoração” são consideradas traduções legítimas de latreia. Na tentativa de esclarecer as origens do termo, a tradução de David Stern diz: “a ‘adoração do templo’ lógica” (Novo Testamento Judaico). (Um termo derivado da mesma raiz, leitourgia, “liturgia”, é usado hoje por algumas denominações para rituais de adoração predeterminados.) Os comentaristas chegam a extremos ao interpretar a palavra latreia. Alguns insistem que a palavra só se refere ao “serviço” geral prestado a Deus e não significa adoração. Excluir qualquer elemen15 16 Vine, p. 921. Barcley, pp. 156–57. 3 to de adoração de latreia em Romanos 12:1 parece uma decisão extremista17. Nesse versículo Paulo estava falando de oferecermos o corpo em sacrifício a Deus; estava, portanto, usando de uma linguagem de adoração. Outros pressupõem que Romanos 12:1 ensina que “tudo na vida é adoração” e chegaram a conclusões não comprovadas sobre “serviços de adoração”. Por exemplo, alguns determinaram que, se “tudo na vida é adoração”, não há necessidade de se reunirem para adorar. Essa conclusão contradiz Hebreus 10:25. Alguns insistem que, se determinada atividade é correta para um cristão em sua vida diária, é aceitável fazê-la quando “toda a igreja se reúne no mesmo lugar” (1 Coríntios 14:23) para adorar. Essa dedução é muito falsa. Por exemplo, não há nada de errado em mulheres conversarem numa cena cotidiana, mas elas devem se conservar “caladas nas igrejas [assembléias], porque não lhes é permitido falar [na assembléia]” (1 Coríntios 14:34, 35). Em outra situação, um indivíduo pode tomar café e suco de uva numa refeição comum, mas acrescentar café ao suco de uva na observância da ceia do Senhor seria uma profanação desse memorial. Há que se fazer uma distinção entre o que poderíamos chamar de “adoração corporativa” (a igreja reunida para adorar) e nosso serviço individual, pessoal e privado a Deus. A mensagem de Romanos 12:1 repousa em algum ponto entre os dois extremos mencionados. O que devemos aprender com a afirmação de Paulo de que oferecer nosso corpo como sacrifício vivo é o nosso “culto racional”? Certamente muitas coisas, incluindo as que descrevemos abaixo. 1) Não devemos afinar tanto a linha que divide “o sagrado” do “secular”. A tarefa de criar filhos “na disciplina e na admoestação do Senhor” (Efésios 6:4) é tão sagrada quanto a preparação de um sermão. Ser cuidadoso e caprichoso com um trabalho semanal, fazendo-o “de todo o coração, como para o Senhor e não para homens” (Colossenses 3:23) é tão sagrado quanto escrever um artigo religioso. 2) Em tudo o que fizermos, devemos estar sempre cientes de que estamos na presença de Deus — e devemos agir de modo coerente. Se um indivíduo é uma pessoa de segunda-feira a sábado e outra no domingo, ele não pode adorar “em espírito e em verdade” no domingo. 17 Latreia não é uma das principais palavras do Novo Testamento para “adoração”, mas isso não quer dizer que se deva excluir adoração do seu significado. 4 3) Quer estejamos educando nossos filhos, preparando um sermão, quer trabalhando num serviço diário, quer escrevendo um artigo religioso, ou fazendo outra coisa, devemos empenhar um esforço consciente para glorificar a Deus em tudo. Jesus disse: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (Mateus 5:16). Paulo escreveu: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Coríntios 10:31). TRANSFORMADOS POR DENTRO (12:2) A Admoestação de Paulo (v. 2a, b) O versículo 2 começa com a conjunção “e”, conectando-o ao versículo anterior. Paulo estava continuando sua exposição sobre a dedicação do cristão ao Senhor. Alguém disse que “o principal problema de um sacrifício vivo é ele tentar escapar do altar”18. Paulo sentiu, assim, a necessidade de reforçar o pedido que acabara de fazer para que tivessem uma vida entregue a Deus. 1) O imperativo negativo. Paulo deu primeiro uma ordem negativa: “E não vos conformeis com este século” (v. 2a). “Conformar-se” é tradução de suschematizo. No meio dessa longa palavra está schema, “forma”19; precedida por sun (“com”). “Século” é a tradução de aion, “era”. Aion não se refere ao mundo natural (como rochas, árvores e flores), mas ao que Paulo denomina em outra passagem de “este mundo [aion] perverso” (Gálatas 1:4). Vejamos como outras versões exprimiram a admoestação de Paulo: “Não vivam como vivem as pessoas deste mundo” (NTLH). “Não sejam mais moldados por este mundo” (VFL). “Não permitam que o mundo ao redor os force a se encaixarem em seus moldes” (J. B. Phillips). “Não se tornem tão bem-adaptados à sua cultura que se encaixam nela sem ao menos pensar” (Eugene Peterson). O mundo nos pressiona constantemente para 18 Anônimo: citado em Bruce Barton, David Veerman e Neil Wilson, Romans, Life Application Bible Commentary. Wheaton, Ill.: Tyndale House Publishers, 1992, p. 232. 19 Paulo usou duas palavras diferentes para “forma” em Romanos 12:2: schema em “conformar-se” e morfe em “transformar-se”. Veja o artigo “Conformar versus Transformar.” nos conformarmos com seus padrões20. A pressão pode vir de pessoas: amigos, familiares, vizinhos, colegas de trabalho ou estudo. Pode vir da mídia: jornais, revistas, música, rádio, televisão, filmes, propagandas, etc. Essa pressão é incessante e incansável. Ela também pode ser sutil. O mundo sussurra em nossos ouvidos que o objetivo da vida é a felicidade individual — e que, para você ser feliz, deve pensar, agir, falar e olhar como as demais pessoas. É fácil aceitar o sistema de valores e estilo de vida do mundo sem perceber. O ser humano é um imitador por natureza, e só existem dois sistemas de valores disponíveis para se imitar. Um que é “deste mundo perverso” e outro que consiste na “vontade de Deus” (Romanos 12:2d). Paulo suplicou: “Não vos conformeis com este mundo” (grifo meu). Talvez uma palavra de advertência seja aconselhável. “Não vos conformeis com este século” não significa fazer um esforço para ser diferente meramente para ser diferente. Halford Luccock escreveu: ...de nada vale a não-conformidade apenas para ser diferente. Essa é uma das marcas da mente imatura, geralmente de uma pessoa exibicionista. Conformidade em muitos aspectos da vida é 20 vintes. Adapte este parágrafo à realidade social dos seus ou- CONFORMAR versus TRANSFORMAR Paulo empregou duas palavras diferentes para “forma” nos termos compostos “conformar” e “transformar”. Em “conformar”, a palavra é schema, e tem a ver com a forma externa constantemente em mudança. Em “transformar”, a palavra é morfe, a natureza essencial de uma coisa. Alguns acreditam que Paulo usou intencionalmente duas palavras diferentes para traçar um contraste. Uma possível tradução seria: “Não vos conformeis externamente com este século, mas transformai-vos internamente...” Outros comentaristas acreditam que Paulo usou os termos como sinônimos, empregando expressões diferentes simplesmente para variar, como fazem os escritores e oradores de hoje. Qualquer uma dessas interpretações é possível, pois em qualquer caso a mensagem básica de Paulo continua sendo a mesma. uma necessidade para que a sociedade funcione com eficiência.21 Todos nós conhecemos pessoas que se orgulham por ter uma aparência ou agir o mais diferente e estranho possível. Esse tipo de comportamento só afasta aqueles que estamos tentando alcançar com o evangelho. Não devemos nos conformar com as características mundanas contrárias à vontade de Deus, mas não precisamos chegar ao ponto de ser tão antagônicos àqueles a quem deveríamos evangelizar. 2) O imperativo positivo. Paulo não parou no negativo; ele acrescentou uma nota positiva: “mas transformai-vos pela renovação da vossa mente” (v. 2b). “Transformar-se” é tradução de metamorfoo. O núcleo da palavra, morfe (outra palavra para “forma”), precedido por meta (outra palavra para “com”). Dela advém o termo “metamorfose”, que se refere a uma alteração — geralmente uma mudança drástica22. Uma ilustração freqüentemente usada é a da metamorfose de uma lagarta em uma borboleta. Por mais notável que seja esse tipo de metamorfose física, a metamorfose espiritual que se passa com quem vai até Cristo é muito mais incrível. Por algum motivo desconhecido a nós, alguns comentaristas afirmam que “transformai-vos” está na voz passiva, implicando que seria algo que nos é feito, em vez de nós fazermos. Uma série de traduções e paráfrases traz termos como “deixem que Deus os transforme” (J. B. Phillips). No grego, “vos conformeis” e “transformai-vos” estão flexionados no mesmo tempo verbal, mas nenhum comentarista deduziu que “conformar-se” não é algo que nós fazemos, mas que é feito a nós. A desinência das duas palavras indica voz passiva (aquilo que é feito a nós) ou voz média (aquilo que fazemos a nós mesmos). Paulo começou esta seção com “Rogo-vos, pois, irmãos”; enfatizando o que nós devemos fazer. Todavia, é importante ressaltar que não podemos obedecer a nenhuma dessas ordens — não nos conformar e nos transformar — sem a ajuda de Deus. Os capítulos 7 e 8 deixam isso claro. Sem o Senhor, não há esperança. 21 Halford E. Luccock, Preaching Values in the Epistles of Paul, vol. 1, Romans and First Corinthians. Nova York: Harper & Brothers, 1959, p. 77. 22 Em Mateus 17:2 e Marcos 9:2, um derivado de metamorfoo é traduzido por “transfigurado”. O semblante de Cristo foi drasticamente alterado quando a glória de Sua divindade reluziu através de sua carne. 5 A Análise de Paulo (v. 2c, d) 1) Como? Como podemos ser “transformados”? Paulo prosseguiu dizendo: “...pela renovação [kainos (“novo”) precedido por ana, “de novo”] da vossa mente” (v. 2c). A transformação vem de dentro. Mudar o exterior sem mudar o interior é como vestir roupas limpas num garoto sujo de lama. Para mudar o exterior, temos de mudar primeiro o interior. “Porque, como imagina em sua alma, assim ele é” (Provérbios 23:7). Uma experiência usada por professores de Biologia ilustra bem o que ocorre na mudança interior. O professor pega um recipiente de metal vazio, tira-lhe a tampa, coloca um pouco de água dentro e esquenta-o num bico de gás. Assim que a água começa a ferver, usando luvas protetoras, o professor rosqueia a tampa para fechar o recipiente e o retira do fogo. Nos primeiros segundos, nada acontece. Depois, de repente — como que esmagado por mãos invisíveis e gigantes — as laterais do frasco de metal se encolhem para dentro. A explicação científica é que o aquecimento do recipiente de metal expande o ar dentro da lata ao seu limite. Quando a lata esfria, a pressão do ar interna fica menor que a pressão externa. É por isso que a pressão externa faz as laterais do recipiente se dobrarem. A maioria de nós nem se dá conta da pressão do ar, mas ela existe. Ao nível do mar, a pressão é quase quinze libras por polegada quadrada! (Nossos corpos não são destruídos porque a pressão interna é igual à externa.) Semelhantemente, muitas pessoas não se dão conta da pressão que o mundo exerce sobre elas para se conformarem com o estilo de vida por ele proposto. Cedem a essa pressão porque não possuem nada por dentro que as capacite a resistir. Paulo estava dizendo que a forma de impedir que a pressão do mundo “nos amasse ao seu molde” é compensar essa pressão com uma mente renovada. O que podemos fazer (com a ajuda de Deus) para termos uma mente renovada? Provavelmente, o ato mais importante é preencher nossas mentes com o que nos eleva, em vez daquilo que nos põe para baixo. Se nossas mentes estiverem constantemente expostas às influências imorais, irreverentes e egocêntricas do mundo, será quase impossível renová-las. Em Filipenses 4:8 Paulo escreveu: “...tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento” (grifo meu). Precisamos ocupar nossas mentes com a Pala6 vra de Deus: fazemos isso através da leitura e do estudo da Bíblia. Nossos pensamentos devem estar centrados em Deus; conseguimos atingir esse foco meditando e orando, e contemplando o maravilhoso mundo que Deus fez (veja Romanos 1:20). Precisamos nos relacionar com pessoas que se preocupam com o aspecto espiritual de suas vidas; fazemos isto através da comunhão e do culto de adoração cristãos. Acima de tudo, devemos manter os olhos fitos em Jesus e nos esforçar para ser como Ele. “E todos nós... contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2 Coríntios 3:18). Dessa maneira, o homem interior será renovado “de dia em dia” (2 Coríntios 4:16). Seremos transformados por fora (o corpo) e por dentro (a mente). 2) Por quê? Por que é importante renovar a mente? Paulo apresentou um motivo (ou talvez vários) no fim do versículo 2: “para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:2d). “Boa” (agathos), “agradável” (euarestos) e “perfeita” (teleios; “completa, madura”) são descrições da vontade de Deus. O termo que desafia nosso raciocínio nessa parte do texto é “experimenteis” (dokimazo). Dokimazo era usado para os testes feitos com metal. Significa “provar”, “testar” e até “comprovar” (como resultado de um teste bem-sucedido). A NVI inclui essas idéias em sua versão: “para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (grifo meu). A pergunta é: qual era o sentido primário de dokimazo usado aqui por Paulo? Muitos comentaristas pensam que Paulo tinha em mente sermos capazes de saber qual é a vontade de Deus em determinada situação. McCord traduz assim o trecho: “...para que vocês descubram a boa, aceitável e completa vontade de Deus”. A BJ diz: “a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito”. Os exercícios espirituais sugeridos para renovarmos a mente proporcionam conhecimento da Palavra de Deus e discernimento espiritual úteis para decidirmos o que Deus quer que façamos em determinada situação. Outros comentaristas colocam ênfase no conceito de “experimentar” ou “comprovar”. William Barclay diz que “em sua própria vida, você pode comprovar que a vontade de Deus é boa, agradável e perfeita”. Você mesmo confirmará isso, estando apto para dizer: “Sim, eu confio que a vontade de Deus é boa”. Então, ao demonstrar a vontade de Deus na sua vida, você também comprovará aos ou- tros que ela é realmente boa. CONCLUSÃO Você está vivendo uma vida transformada? Transformação tem a ver com mudança, e mudança não é fácil. É difícil mudar um comportamento que o acompanha por toda a vida — mas nós podemos mudar com a ajuda de Deus. Confiando nEle, podemos vencer o desafio de Paulo: ...apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. A transformação começa quando você, um pecador arrependido, é batizado, ressuscitando para andar “em novidade de vida” (Romanos 6:4 ). Depois, ela continua à medida que você muda a sua mente deixando de pensar “nas coisas da carne” e se concentrando “nas coisas do Espírito” (8:5). Ao encerrarmos, permita-me lhe fazer uma pergunta: “Cristo tem feito diferença na sua vida?” Se não, rogo que você endireite o seu modo de vida hoje mesmo. NOTAS PARA PREGADORES E PROFESSORES Richard Rogers usou este título para seus comentários sobre Romanos 12:1, 2: “O Fundamento para o Viver Cristão”. Ele disse que esses dois versículos “formam o fundamento para tudo o que Paulo vai dizer na última seção” de Romanos. Prentice Meador incluiu o versículo 3 quando pregou sobre esse trecho, destacando quatro “passos para mudar”: 1) Consagração (v. 1), 2) Diferenciação (v. 2a), 3) Transformação (v. 2b) e 4) Avaliação (v. 3). Outro tema extraído desse texto é “a necessidade de equilíbrio”. Muitos chegam a extremos ao interpretar esse trecho. Pode-se usar segmentos do texto em estudos textuais ou temáticos. Por exemplo, pense na idéia de oferecer nosso corpo em sacrifício espiritual. O Antigo Testamento exigia sacrifícios expiatórios: as ofertas pelo pecado e pela culpa em Levítico 4 e 5. O sacrifício de Jesus na cruz substituiu tudo isso. Também havia as ofertas voluntárias que expressavam (entre outras coisas) gratidão: as ofertas queimadas, ofertas de grãos e de paz de Levítico 1 a 3. O equivalente dessas ofertas no Novo Testamento é o sacrifício vivo de tudo o que somos, temos e fazemos. Uma abordagem diferente consiste em se comparar Romanos 12 com Mateus 5 a 7. William Barclay disse: “o capítulo doze de Romanos é uma declaração ética tão grandiosa que tem de contracenar sempre com o sermão do monte”. Pode-se chamar esta apresentação de “Jesus, Paulo e você”. “Quando lemos e estudamos a Bíblia, somos primeiramente informados e depois, transformados.” Bruce Barton “As pessoas tentam renovar todo o lado externo de suas cabeças: os olhos com lentes, os dentes com próteses, os cabelos com tinturas, a tez com óleos e cremes. Mas a maioria parece despreocupada com a renovação interna de suas cabeças: a renovação da mente.” Halford E. Luccock “Muitos cristãos colocam a carroça à frente dos bois. Preocupam-se em saber o que Deus quer que façam (‘experimentar a vontade de Deus’) antes de se prepararem espiritualmente para discernir essa vontade (‘pela renovação de suas mentes’).” Fritz Ridenour “Pela ‘renovação da mente’ nos transformamos e experimentamos na prática a ‘boa, agradável e perfeita vontade de Deus’. Quando mudamos o modo de pensar, mudamos o modo de viver.” Douglas J. Moo © Copyright 2005, by A Verdade para Hoje TODOS OS DIREITOS RESERVADOS 7