FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 2 1.2. Eletrônica e Mecânica Quântica 1.2.1. Introdução A Eletrônica estuda primordialmente o comportamento dos elétrons em dispositivos projetados para retificação, amplificação e chaveamento de sinais elétricos. Este comportamento só encontra explicação quando analisamos o elétron sob o ponto de vista microscópico. Isto significa que, neste caso, não é possível considerar o elétron apenas como um corpo material carregado. Para este tratamento microscópico existe uma ferramenta teórica, conhecida como Mecânica Quântica. Em outras palavras, o comportamento macroscópico de um dispositivo eletrônico é compreendido apenas quando usamos um modelo microscópico da Natureza, descrito pela Mecânica Quântica. Melhor do que isto, a partir dos princípios básicos que regem o comportamento dos elétrons nos materiais, é possível projetar novos dispositivos com propriedades inovadoras e surpreendentes. Foi a partir deste tratamento que os cientistas e engenheiros conseguiram desenvolver uma série de dispositivos largamente utilizados em nossos dias. Alguns exemplos do caminho trilhado por estes profissionais são, entre outros: a) a micro-eletrônica, que permite a integração de inúmeros dispositivos eletrônicos em uma área diminuta; a micro-eletrônica permitiu o desenvolvimento dos microcomputadores que, desnecessário falar, desempenham papel fundamental na Era da Informação e do Conhecimento na qual vivemos; b) a opto-eletrônica, que a partir da invenção do laser de diodo, permite o acoplamento entre uma fonte de luz especial com dispositivos eletrônicos; a opto-eletrônica permitiu o desenvolvimento dos laser de diodo que permitiram colocar e acessar informação em pequenos discos (compact discs – CD’s); c) o grande número de produtos baseados na pesquisa em novos materiais, como os mostradores de cristal líquido (LCD), os discos magneto-ópticos, os materiais supercondutores, etc. Torna-se, portanto, cada vez mais importante conhecer os princípios básicos do comportamento microscópico dos elétrons, para que seja possível participarmos como agentes ativos desta era do desenvolvimento na qual vivemos. 1.2.2. O Nascimento da Eletrônica A Eletrônica é a parte da Física Aplicada que estuda os fenômenos relacionados com os elétrons, seu comportamento e propriedades em um dispositivo. De um ponto de vista mais próximo da engenharia, considera-se a Eletrônica como a parte da Física que trata dos circuitos elétricos e de instrumentos constituídos por válvulas termoiônicas, dispositivos semicondutores (diodos e transistores), tubos de raios catódicos e outros componentes (células fotoelétricas, válvulas fotomultiplicadoras, etc.) [1]. Conhecido o comportamento dos elétrons dentro do dispositivo, é possível entender o seu funcionamento, além de ser possível projetar novos sistemas e avaliar o seu desempenho. A Eletrônica teve o seu início com o desenvolvimento das válvulas, às quais baseiam o seu comportamento no fenômeno conhecido como emissão termoiônica. A emissão termoiônica nada mais é do que a emissão de elétrons a partir de um cátodo aquecido. Antes de descrever o modelo que explica o funcionamento das válvulas, faremos uma breve revisão histórica de seu desenvolvimento. As primeiras investigações do comportamento dos elétrons em um sólido ocorreram no início do Século XX, como conseqüência do acúmulo de conhecimentos sobre a eletricidade realizado nas décadas precedentes. Como exemplo, citamos o caso de Thomas Alva Edison (1847-1931), o qual observou a emissão termoiônica durante suas pesquisas com lâmpadas incandescentes [1]. Edison estava fazendo experimentos para aumentar a vida de lâmpadas de filamento incandescente. Durante estes experimentos, uma placa metálica foi instalada dentro do bulbo da lâmpada; esta placa foi colocada próxima do filamento com o objetivo de absorver calor, num esforço de aumentar a sua vida útil pela redução de temperatura do filamento. Edison conectou um galvanômetro em série com o terminal positivo da fonte de tensão que supria FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 3 energia elétrica ao filamento. Este galvanômetro indicou que havia uma corrente elétrica (fluxo de elétrons) entre o filamento e a placa metálica. Este fenômeno é conhecido como Efeito Edison, e apesar de ter registrado a observação (feita em 1883), Edison não fez qualquer uso prático do fenômeno, considerando-o apenas uma mera curiosidade de laboratório. Antes da virada para o Século XX, o engenheiro eletricista inglês John Ambrose Fleming (1847-1945), conduziu um grande número de experimentos com o Efeito Edison (emissão termoiônica), e em 1905 patenteou a válvula de Fleming. A válvula original de Fleming continha um filamento e uma placa metálica dentro de um bulbo de vidro, com muito do ar bombeado para fora para obter um vácuo parcial. O dispositivo desenvolvido por Fleming, conhecido hoje em dia por diodo, é descrito sucintamente a seguir. Desde o desenvolvimento do diodo por Fleming, numerosos elementos foram adicionados ao dispositivo para formar uma grande variedade de válvulas de uso freqüente. Contudo, o arranjo originalmente patenteado por Fleming ainda encontra uso extensivo em um grande número de aplicações industriais. O diodo de Fleming é mostrado esquematicamente na Figura 1.2.1.a., onde o círculo representa o bulbo de vidro da válvula; na parte superior do desenho estão colocados a placa metálica e o fio de conexão, enquanto que na sua parte inferior está colocado o filamento [2]. Tal válvula também pode ser ilustrada esquematicamente na Figura 1.2.1.b., onde a placa é simplesmente indicada por uma linha horizontal. O elemento dentro da válvula que funciona como fonte de elétrons é conhecido como cátodo, enquanto que o elemento dentro da válvula que tem uma carga positiva nele, e que atrai e recebe elétrons emitidos pelo cátodo é conhecido como ânodo; assim, o filamento na Figura 1.2.1.a. é também o cátodo, enquanto a placa metálica é o ânodo. Válvulas também são projetadas tais que o filamento não é propriamente usado como cátodo, mas atua apenas como um aquecedor; um elemento separado é empregado nestas válvulas, tal que o filamento aquecedor é colocado suficientemente próximo ao cátodo; assim, o aquecedor irá aumentar a temperatura do cátodo ao ponto onde ele emitirá elétrons; este tipo de válvula é mostrado na Figura 1.2.1.c., e é conhecida como válvula indiretamente aquecida, ao contrário da válvula diretamente aquecida mostrada na Figura 1.2.1.a.. Ambos estes tipos são válvulas diodo, uma vez que apenas um cátodo e um ânodo são aí empregados. Figura 1.2.1.: Simbologia para Válvulas Diodo. A válvula diodo é utilizada como um retificador e, em sua aplicação ela exibe a habilidade de converter um sinal AC (corrente alternada) em um sinal DC (corrente contínua). Uma outra aplicação para a válvula diodo é a detecção, na qual ela é empregada para obter sinal a partir de uma onda portadora modulada. Ambos os processos de retificação e de detecção são essencialmente similares, e levam em conta o fato que o fluxo de corrente elétrica em uma válvula diodo ocorre apenas em uma direção, isto é, do cátodo para o ânodo. Se, por exemplo, a bateria mostrada na Figura 1.2.2. fosse invertida, tal que ela aplicasse um potencial elétrico negativo à placa, o fluxo de elétrons cessaria, uma vez que a carga negativa sobre o ânodo iria repelir os elétrons que formam a carga espacial ao redor do cátodo aquecido; nestas condições, o trânsito de elétrons do cátodo para a placa não ocorre. FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 4 Figura 1.2.2.: Fluxo de Corrente Elétrica em um Circuito Contendo uma Válvula Diodo. Um circuito de retificação simples é mostrado na Figura 1.2.3.a.. Quando um sinal AC é aplicado aos terminais T1 e T2, a parte alternada negativa (tal como a primeira parte sombreada no sinal alternado) torna o potencial elétrico negativo em T1 e positivo em T2; então, a corrente flui através da válvula diodo como indicada pelas setas: esta corrente flui iniciando em zero (como a parte alternada negativa do sinal AC faz) e alcança um valor de pico, declinando a zero novamente; este comportamento na corrente elétrica ocorre também através do resistor RL, causando uma correspondente diferença de potencial ao longo dele; esta ddp ao longo de RL reproduz a primeira alternação negativa, como mostrado na Figura 1.2.3.a.. A segunda parte alternada, que é positiva, faz com que o terminal T1 tenha uma polaridade positiva e o terminal T2 uma polaridade negativa; nestas condições, o ânodo da válvula fica a um potencial elétrico menor que o cátodo, repelindo então os elétrons, ao invés de atraí-los; consequentemente, a válvula diodo não conduz durante o intervalo de tempo desta segunda parte alternada. Durante a terceira parte alternada, que é novamente negativa (como a primeira), as polaridades são aplicadas adequadamente ao longo da válvula diodo, e a condução ocorre novamente. Alternações negativas sucessivas irão reaparecer ao longo do resistor de carga na forma de um sinal DC pulsante; isto é mostrado graficamente na Figura 1.2.3.b., que ilustra a aplicação de um sinal AC à válvula diodo. Figura 1.2.3.: Princípio de Retificação de um Diodo. Na forma como conhecemos hoje, um condutor tem a característica atômica que permite o livre movimento dos elétrons; isto acontece porque alguns destes elétrons não estão rigidamente ligados ao núcleo atômico, de forma que eles podem ser removidos destes átomos. A diferença de energia potencial entre o elétron mais fracamente ligado ao núcleo atômico e ele livre, isto é, fora do condutor, é chamada de função trabalho W, que é uma característica de cada condutor; é fácil concluir que a função trabalho é a quantidade mínima de energia necessária para fazer com que o elétron se liberte da atração coulombiana que o prende aos átomos do condutor. Se este condutor é aquecido, o calor da fonte de aquecimento transfere energia cinética para os elétrons, tal que eles começam a se livrar da influência da energia de ligação que os liga aos núcleos atômicos, isto é eles ganham uma energia maior do que o valor da função trabalho; quando isto acontece, eles podem escapar para a superfície do material FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 5 condutor. Os elétrons livres formam uma nuvem eletrônica ao redor da superfície do condutor, e criam o que é conhecido como região de carga espacial. Uma vez que esta nuvem é composta de elétrons livres, eles podem ser facilmente retirados da influência do material condutor, sujeitando estes elétrons à ação de cargas elétricas positivas. Assim, um fluxo contínuo de elétrons pode ser estabelecido de uma superfície condutora aquecida para outra superfície contendo cargas elétricas positivas. Este método de obtenção de um fluxo de elétrons através de um processo de aquecimento é conhecido como emissão termoiônica (da palavra termo, referindo-se a calor), e é o princípio básico da operação de uma válvula. Podemos obter uma relação quantitativa da densidade de corrente elétrica obtida pela emissão termoiônica [3]. A relação entre a concentração de elétrons imediatamente fora do condutor e a densidade dos elétrons mais energéticos dentro n0 é dada pela conhecida distribuição de Maxwell-Boltzmann W n(T ) = n 0 ⋅ exp − kB ⋅ T 1.2.1. onde kB = 1,38×10 J/K é a constante de Boltzmann. No caso de metais, n0 pode ser calculado a partir de primeiros princípios, levando em conta o número de elétrons livres (elétrons de valência em cada átomo que dão origem aos elétrons de condução no metal). Valores típicos de W para alguns materiais usados como cátodo são mostrados na Tabela 1.2.1.. -23 Tabela 1.2.1.: Função trabalho e densidade de elétrons livres para alguns metais Metal W (eV) Tungstênio Tungstênio envelhecido Cátodo oxidado 4,5 2,6 1,0 A partir deste cálculo, e levando em conta o fato que apenas elétrons no sólido com velocidades dirigidas para a sua superfície podem escapar, a densidade de corrente termoiônica é calculada como sendo W J(T ) = A 0 ⋅ T 2 ⋅ exp − kB ⋅ T 1.2.2. onde A0 = 1,2×10 A/m ⋅K é uma constante universal para metais. A Equação 1.2.2. é conhecida como Equação de Richardson-Dushmann para a emissão termoiônica. Como se vê pela Equação 1.2.2., a densidade de corrente de emissão depende exponencialmente da temperatura absoluta, o que significa que a variação da emissão de elétrons com esta grandeza é bastante rápida. Medidas experimentais da densidade de corrente de emissão termiônica em vários metais concordam quantitativamente com a Equação 1.2.2.. A Equação de Richardson-Dushmann fornece a máxima densidade de corrente elétrica emitida por um cátodo a uma dada temperatura T. No caso da válvula diodo, os elétrons emitidos são atraídos ao ânodo positivo, constituindo a chamada corrente anódica. Freqüentemente, o número de elétrons emitidos pelo cátodo é tão grande que os campos elétricos devidos a cargas dos elétrons alteram drasticamente o campo elétrico entre o cátodo e o ânodo produzido por uma fonte externa, resultando numa corrente anódica muito menor. A corrente elétrica real sob estas condições é determinada da maneira descrita a seguir. Por simplicidade, consideremos a válvula diodo como sendo constituída por duas placas paralelas separadas por uma distância d, como mostrado na Figura 1.2.4.. 5 2 2 FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 6 Figura 1.2.4.: Esquema dos eletrodos em uma válvula diodo. Admitimos que a diferença de potencial entre o ânodo e o cátodo seja V, e que os elétrons são emitidos a partir do cátodo com velocidade nula, o que é uma hipótese satisfatória para os nossos objetivos. O cálculo do campo elétrico levando em conta todos os elétrons presentes na região entre as placas é determinado pela aplicação da Equação de Poisson r 1 r ∇ 2 V( r ) = − ρ( r ), ε0 1.2.3. onde V é o potencial elétrico no espaço, ε0 = 8,85×10 C /m ⋅N é a permissividade elétrica do vácuo e ρ é a densidade de carga elétrica do meio. Considerando que as cargas elétricas entre as placas são elétrons, tal que a densidade de cargas possa ser escrita como -12 2 ρ = −n ⋅ e, 2 1.2.4. onde n é a densidade de elétrons (número de elétrons por unidade de volume) e e = 1,6×10-19 C é a carga elementar; levando em conta que o movimento de elétrons entre as placas pode ser considerado unidimensional, a Equação 1.2.4. é escrita na forma d 2 V( x ) dx 2 = n⋅e . ε0 1.2.5. A densidade corrente elétrica entre o cátodo e o ânodo é diretamente proporcional à velocidade dos elétrons ve; a relação entre estas duas grandezas é J = n ⋅ e ⋅ ve. 1.2.6. Assim, o produto n⋅e na Equação 1.2.6. é escrito na forma n⋅e = J , ve 1.2.7. tal que a Equação de Poisson passa a ser escrita na forma d 2 V( x ) dx 2 = J . ε0 ⋅ v e 1.2.8. Os elétrons adquirem velocidade a partir da diferença de potencial entre as placas; usando argumentos de conservação de energia, podemos obter uma relação entre a energia cinética dos FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 7 elétrons e a energia potencial fornecida pela diferença de potencial entre as placas. Assim, temos que 1 m e ⋅ v 2e = e ⋅ V, 2 1.2.9. -31 onde me = 9,1×10 kg é a massa dos elétrons. Da Equação 1.2.7., obtemos a velocidade dos elétrons como sendo ve 2⋅e⋅V = me 1/ 2 , 1.2.10. de forma que a Equação de Poisson é escrita na forma d 2 V( x ) dx 2 = J ε0 m ⋅ e 2⋅e 1/ 2 ⋅ V −1/ 2 . 1.2.11. A solução desta equação diferencial para V(x) é V 3/4 m e 3 J ( x) = ⋅ ⋅ 2 ε0 2 ⋅ e 1/ 2 ⋅ x, 1.2.12. o que pode ser verificado por substituição direta. Para obter a solução definida pela Equação 1.2.12., admite-se que a condição de contorno seja tal que o cátodo tenha um potencial elétrico nulo, e que o campo elétrico no cátodo também seja nulo. Uma vez que estamos interessados no valor da densidade de corrente elétrica entre o cátodo e o ânodo, devemos fazer x = d e V = Vp na Equação 1.2.12., onde Vp é a tensão de polarização entre o cátodo e o ânodo da válvula diodo. Fazendo este procedimento, obtemos J= 4 ⋅ ε0 2 ⋅ e ⋅ 9 ⋅ d2 me 1/ 2 ⋅ Vp3 / 2 . 1.2.13. A Equação 1.2.13., conhecida como Lei de Child, mostra que a densidade de corrente elétrica varia segundo uma lei de potência com coeficiente 3/2 em relação à tensão de polarização. Assim, a curva característica densidade de corrente × tensão de polarização de uma válvula diodo é uma linha horizontal para a polarização reversa (Vp < 0) e o comportamento definido pela Equação 1.2.13. para a polarização direta (Vp > 0), como está mostrado na Figura 1.2.5.. Na verdade, as características de polarização direta de válvulas diodo reais afastam-se um pouco daquelas definidas pela Equação 1.2.13., uma vez que os eletrodos são normalmente cilíndricos ao invés de planares, além das simplificações admitidas na dedução da Lei de Child. Os aspectos importantes da curva característica I×V de uma válvula diodo são descritas adequadamente pela Lei de Child, contudo, como ilustrado comparando a Equação 1.2.13. com as características de um diodo real como dado pela Figura 1.2.6.. FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 8 Figura 1.2.5.: Curva Característica de uma válvula diodo segundo a Lei de Child. Figura 1.2.6. Curvas características de duas válvulas diodos reais. Um dos grandes avanços em válvulas ocorreu em 1906 quando o inventor americano Lee DeForest (1873-1961) introduziu uma grade à válvula diodo. Esta grade consiste em um terceiro elemento adicionado à válvula diodo básica, e é colocada entre o cátodo e o ânodo. Esta grade, que é conhecida como grade de controle, é representada esquematicamente na Figura 1.2.7.a.. A grade é chamada de controle pois ela afeta a quantidade de elétrons que flui através da válvula. A grade de controle é geralmente composta de uma tela de fios metálicos finos suspensa por dois suportes, como mostrado na Figura 1.2.7.b.; dentro da grade estão a estrutura do cátodo e o filamento, como mostra a Figura 1.2.7.c.. Uma vez que este dispositivo apresenta três componentes (o filamento, a placa metálica e a grade de controle), a ele dá-se o nome de válvula triodo [2]. FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 9 Figura 1.2.7.: Grade da Válvula Triodo. As características marcantes da grade de controle estão no fato que uma diferença de potencial relativamente pequena aplicada nela, pode influenciar e controlar uma quantidade considerável de elétrons que flui do filamento para a placa dentro da válvula. Se uma tensão elétrica negativa é aplicada à grade, o potencial elétrico estabelece uma carga eletrostática ao redor dos fios das grades, os quais repelem elétrons. Uma vez que a grade é colocada próxima à estrutura do cátodo, há uma considerável influência sobre a quantidade de elétrons que fluem do cátodo para a placa metálica. Se uma tensão elétrica negativa suficientemente pequena for aplicada à grade, a carga acumulada nela não é suficiente para repelir todos os elétrons que deixam o cátodo, e alguns deles fluem até a placa metálica. Se um potencial elétrico ainda mais negativo for aplicado à estrutura da grade, mais elétrons serão repelidos. À medida que o potencial elétrico negativo é aumentado (tornado mais negativo), eventualmente o potencial negativo sobre a grade alcança um valor tal que ele cria um campo eletrostático de intensidade suficiente para repelir todos os elétrons em volta do cátodo. A corrente elétrica dentro da válvula então cessa. Esta condição, onde o potencial elétrico da grade alcança o ponto onde ele faz cessar todo o fluxo de corrente na válvula, é conhecido como ponto de corte da válvula. A influência progressiva da tensão elétrica sobre o decréscimo de corrente na válvula é mostrada na Figura 1.2.8.. Na Figura 1.2.8.a., um pequeno potencial elétrico negativo é aplicado à grade, e a corrente elétrica, como lida pelo amperímetro é, por exemplo, 20 mA (esta quantidade depende do tipo de válvula e do valor do resistor de carga). Na Figura 1.2.8.b., um valor mais negativo de potencial elétrico é aplicado à grade, e a corrente elétrica cai para 10 mA. Um potencial elétrico negativo ainda maior, como mostrado na Figura 1.2.8.c., repele toda a corrente elétrica e o amperímetro agora lê zero. Esta condição é ilustrada graficamente na Figura 1.2.8.d., onde o potencial elétrico na grade mostrado na primeira situação é designado pela linha vertical marcando “polarização baixa”; aqui, uma elevada corrente elétrica flui para a placa metálica; para o segundo caso, uma corrente elétrica menor flui para a placa, enquanto que a terceira condição indica nenhuma corrente elétrica fluindo para a placa, o que representa o zero no gráfico. Um aumento adicional do potencial elétrico negativo não mais afeta a corrente elétrica, pois a tensão elétrica na grade está além do ponto de corte. FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 10 Figura 1.2.8.: Efeitos da Polarização sobre a Condução Elétrica da Válvula Triodo. Se o potencial elétrico da grade é reduzido a zero, a corrente elétrica máxima (estabelecida pela tensão elétrica da placa e pelo valor do resistor de carga) flui através do tubo. Se a tensão elétrica na grade é positiva ao invés de negativa, nenhuma corrente elétrica flui, uma vez que a saturação da válvula é alcançada. Na verdade, nesta situação a corrente elétrica diminui, dado que uma tensão elétrica adicional sobre a grade de controle faz com que esta provoque um campo eletrostático com uma polaridade tal que ele atrai mais do que repele elétrons. Nesta condição, a grade de controle retira elétrons, e então, a corrente elétrica flui a partir da grade. Uma vez que tal corrente elétrica se origina da estrutura do cátodo, ela tende a diminuir o nível de corrente elétrica de saturação do ânodo. Em circuitos normalmente empregados para amplificar sinais relativamente fracos captados por uma antena, ou sinais elétricos fracos emitidos por um microfone, um potencial elétrico negativo de valor fixo é aplicado à grade. Este potencial elétrico fixo é conhecido como polarização da grade; seu valor pode estar entre o ponto de corte da válvula e zero, como mostrado na Figura 1.2.9.a.. Dado que esta polarização é negativa e portanto repele elétrons, ela diminui a corrente elétrica abaixo do nível de saturação e estabelece um valor fixo de corrente elétrica, que é às vezes conhecida como corrente elétrica de sinal zero na placa. Quando uma tensão elétrica AC é agora aplicada ao circuito da grade, ela, de forma alternada, adiciona e subtrai este valor de polarização, como está mostrado na Figura 1.2.9.b.. A representação do circuito é mostrada na Figura 1.2.9.c., onde o resistor R1 é o resistor da grade, colocado em série com a bateria ou outra fonte de tensão da polarização negativa da grade. Se uma bateria é usada para polarizar a grade, ela é conhecida como bateria C, ou se uma outra fonte de tensão é usada, ela é chamada de potencial de polarização C. O resistor R2 é o resistor de carga, como denominado anteriormente. Por conveniência, o filamento da válvula não é mostrado, uma vez que sua função é apenas a de aquecer o cátodo, e portanto não tem influência sobre as características do circuito. A tensão elétrica AC é representativa de um sinal aplicado ao circuito, e tal sinal é aplicado ao longo dos terminais da grade e do cátodo, como mostrado na Figura 1.2.9.. A primeira parte alternada do sinal de entrada é de polaridade positiva (como mostrado na Figura 1.2.9.b. e na Figura 1.2.9.c.), e portanto diminui a polarização, causando um aumento na corrente elétrica através da válvula. Se, por exemplo, a polarização tem um valor negativo de 10 V, a polaridade positiva de um sinal AC de 5 V opõe 5 V da polaridade negativa C, deixando apenas 5 V negativos na grade da válvula durante o pico da parte alternada positiva. Então, a corrente elétrica dentro do tubo aumenta e alcança um pico, como mostrado na Figura 1.2.9.b.. Quando o sinal de entrada alterna-se para a direção oposta no sentido de alcançar uma tensão FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 11 elétrica negativa de 5 V, este valor adiciona-se aos 10 V negativos existentes da polarização, para produzir uma polarização total de -15 V. Uma quantidade maior de carga eletrostática da grade repele mais elétrons, tal que a corrente elétrica cai a um valor mostrado na Figura 1.2.9.b.. Uma vez que uma pequena alteração na tensão elétrica na grade provoca uma mudança na corrente elétrica da ordem de algumas centenas de miliampères ou mais, ocorre um sinal (tensão ou potência elétrica) de saída no circuito da placa muito maior do que aquele representado pelo pequeno sinal (tensão ou potência elétrica) de entrada na grade. Este controle de um uma grande quantidade de potência de saída por uma quantidade relativamente pequena de sinal de entrada é conhecido como amplificação. Esta é a propriedade marcante de uma válvula triodo, a qual determina o seu uso em circuitos eletrônicos. Figura 1.2.9.: Gráfico da Voltagem da Grade versus Corrente Elétrica na Placa. Além de ter esta propriedade de amplificação de sinais de áudio e rádio-freqüência, válvulas podem também ser usadas para gerar sinais fundamentais de rádio freqüência e áudio freqüência, em circuitos conhecidos como osciladores. Estes dispositivos são a base dos sistemas de emissão e captação de ondas de rádio, que originaram os primeiros aparelhos de rádio e televisão. Da mesma forma que descrevemos um modelo simples de funcionamento da válvula diodo, faremos também o mesmo para a válvula triodo [3]. A diferença de potencial elétrico aplicado à grade (voltagem da grade) altera a configuração do campo elétrico no espaço entre o cátodo e a placa, em relação àquela correspondente à da válvula diodo. A maneira como isto acontece pode ser descrita da seguinte forma. De acordo com a dedução da Lei de Child a voltagem da placa ajusta a corrente elétrica tal que o campo elétrico próximo do cátodo seja muito pequena. A voltagem da grade tem um efeito similar. Sob a influência combinada da voltagem da grade e a voltagem da placa, a corrente elétrica na válvula triodo é tal que o campo FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 12 elétrico no cátodo permanece pequeno. Dado que a grade está muito mais próxima do cátodo, sua voltagem é relativamente mais efetiva no controle da corrente elétrica do que a voltagem da placa. Portanto, usando a Lei de Child, a corrente elétrica na válvula I pode ser escrita como ( ) I = A ⋅ µ ⋅ Vg + Vp 3 / 2 , 1.2.14. onde A é uma constante envolvendo a geometria da válvula, Vg é a tensão de polarização da grade, Vp é a tensão de polarização da placa e µ é uma constante denominada fator de amplificação. O fator de amplificação leva em conta o maior efeito da tensão de polarização da grade se comparada com a tensão de polarização da placa. A Equação 1.2.14. concorda razoavelmente bem com as características I×V de válvulas triodo reais. É difícil avaliar a constante A a partir de primeiros princípios, e o expoente real não é sempre exatamente igual a 3/2. Portanto, é uma prática comum mostrar a curva característica I×V de válvulas triodo reais graficamente, mais do que tentar uma representação matemática acurada. A ação de Vg na Equação 1.2.14. opõe-se à de Vp, uma vez que o potencial da grade é negativo. Uma expressão matemática para o fator de amplificação é obtida notando que estas ações opostas se cancelam se a carga elétrica induzida sobre o cátodo pela polarização da grade tem mesmo módulo, mas sinal contrário à carga elétrica produzida pela polarização da placa. Escrevendo estas cargas elétricas em termos das capacitâncias envolvidas neste sistema, temos −C gc ⋅ Vg + C pc ⋅ Vp = 0, 1.2.15. onde Cgc é a capacitância entre a grade e o cátodo e Cpc é a capacitância entre a placa e o cátodo. Nesta condição, I = 0, de forma que obtemos µ= C gc C pc . 1.2.16. De acordo com a Equação 1.2.16., µ aumenta à medida que a placa é colocada mais próxima do cátodo, pois neste caso a capacitância entre a grade e o cátodo aumenta. A placa é colocada distante, e é blindada pela grade, tal que µ é sempre maior do que um. Na realidade, válvulas triodo com fator de amplificação na faixa entre 10 e 100 são disponíveis comercialmente. De todas as formas gráficas de representar a curva característica de uma válvula triodo, a mais útil é o gráfico da corrente na placa em função da tensão de polarização da placa para valores fixos da tensão de polarização da grade. As curvas para cada polarização da grade são chamadas características da placa da válvula. Um exemplo típico de características da placa, como disponibilizado pelo fabricante, está ilustrado na Figura 1.2.10.. Observe que cada curva é similar à curva I×V de uma válvula diodo. Além disso, a corrente elétrica a uma polarização da placa diminui a medida que a grade é colocada em uma tensão mais negativa. De acordo com a Figura 1.2.10., a corrente elétrica na placa é zero a uma polarização da grade suficientemente negativa. A polarização negativa da grade necessária para colocar a válvula nesta condição de corte depende da polarização da placa. De fato, na condição de corte, a válvula comporta-se como um circuito aberto. Se a grade está a uma polarização positiva, existe uma corrente elétrica na grade apreciável; assim, a grade comporta-se como um ânodo polarizado diretamente, e apresenta uma resistência muito menor do que o caso da grade a uma polarização negativa. Portanto, a uma polarização da grade nula a válvula é dita estar saturada, uma vez que ela está em sua condição de condução máxima. A região entre a condição de corte e a condição de saturação é a posição normal de trabalho para a polarização da grade. A partir da segunda metade do Século XX, muitas das funções das válvulas foram substituídas pelo transistor. A procura por um dispositivo de propriedades similares às da válvula deveu-se principalmente a algumas desvantagens deste tipo de dispositivo. Dentre os inconvenientes das válvulas podemos citar: FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 13 Figura 1.2.10.: Características da placa para a válvula triodo 6SN7. a) o seu tamanho, pois é muito difícil fabricar válvulas de pequeno tamanho, e assim, a miniaturização dos dispositivos e equipamentos fica comprometida; b) a sua fragilidade, pois como o seu invólucro é feito de vidro (frágil), um grande cuidado deve ser tomado em seu manuseio; c) o seu elevado aquecimento quando colocada em operação, uma vez que ela trabalha em geral em alta voltagem, devolvendo ao ambiente elevada potência na forma de calor; d) a vida curta, se comparada ao transistor, devido às características de operação descritas acima; e) a sua fabricação dispendiosa, principalmente levando em conta a baixa escala, isto é, o baixo número de válvulas fabricadas por intervalo de tempo, se comparada ao transistor. Apesar do transistor ser um dispositivo pequeno quando comparado a uma válvula, e dissipar muita menos potência ao realizar funções similares, a válvula sempre será empregada em certos ramos da eletrônica. O seu uso sempre será requisitado em situações onde sejam necessárias maiores quantidades de potência. Enquanto o transistor trabalha numa faixa limitada de potência, a válvula pode ser projetada para trabalhar com potências desde µW (com válvulas extremamente pequenas) até milhares de W (aumentando o seu tamanho e usando sistemas de refrigeração). Outra vantagem técnica adicional da válvula, é que o seu desempenho é melhor em altas freqüências, se comparada com a de um transistor. Apesar da hoje quase obsolescência da válvula na maioria dos sistemas eletrônicos, não podemos esquecer que, graças à sua invenção foram possíveis o projeto e desenvolvimento dos grandes sistemas de comunicação do século XX; tanto a primeira transmissão de sons via ondas de rádio (invenção do rádio por Marconi em 1901), como as primeiras imagens transmitidas a distância (invenção da televisão por engenheiros e cientistas da Radio Corporation of America – RCA em 1932), só foram possíveis graças a existência da válvula. Em relação à invenção do rádio, vale um comentário adicional. As transmissões via sinais de rádio necessitavam de um estágio de detecção no receptor de ondas eletromagnéticas FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 14 produzidas no transmissor, dado que a codificação de sinais elétricos é feita com dois sinais elétricos: o primeiro, um sinal a ser transmitido (geralmente de baixa freqüência), e um segundo chamado de sinal portador (geralmente de alta freqüência, conhecido como sinal de rádiofreqüência), que é o responsável do transporte do primeiro [4]. O processo de detecção consiste na separação destes sinais através de um retificador, que de maneira simplista, elimina o sinal portador alternado, deixando passar somente o sinal de baixa freqüência. Um dos primeiros estágios de detecção construídos foi o coesor de Branly que consistia em um tubo contendo limalha de ferro. Em seguida, foi descoberto que o cristal de galena tinha as mesmas propriedades detectoras apresentadas pelo coesor e poderia ser usada na detecção de ondas de rádio mais facilmente que o tubo de limalha de ferro. O uso do cristal de galena como retificador fez com que o aparelho de rádio fosse conhecido durante muito tempo por rádio galena. Com a invenção das válvulas eletrônicas, elas tornaram-se componentes natos de todos os equipamentos eletrônicos, bem como as responsáveis pelo grande desenvolvimento das telecomunicações desde o início até meados (1950) do século XX. Com as válvulas, a detecção de sinais de rádio por cristais de galena tornou-se obsoleta, e elas dominaram o mercado até que estudos sobre outro cristal (o germânio), também com propriedades retificadoras, mostraram ser possível a construção de um detetor de estado sólido. Durante esta época, as válvulas dominavam o mercado e a indústria, e somente em 1945 foi construído o primeiro retificador de semicondutor comercial, o IN34 produzido pela Sylvania. Um comentário final sobre a importância das válvulas diz respeito à invenção do computador. Também o primeiro computador (o ENIAC – Electric Numeric Integrator and Calculator) foi construído usando-se válvulas. Pelas dimensões das válvulas e pela grande dissipação de calor obtida com elas, o ENIAC ocupava o espaço de um prédio de três andares, além de exigir um sistema de refrigeração também muito potente. Apesar destas adversidades, a construção do ENIAC foi o primeiro passo dado pelo ser humano rumo à Era da Informação e do Conhecimento. 1.2.3. A Era do Transistor a A indústria eletrônica teve grande desenvolvimento a partir da 2 Guerra Mundial. Foi no final da década de 1940 que os primeiros esforços realmente importantes foram dados nessa área. Anteriormente, a pesquisa em semicondutores baseava-se no estudo de contatos retificadores para circuitos de rádio-comuinicação, e era comum naquela época duvidar-se das necessidades de tais pesquisas frente ao avanço das válvulas termoiônicas. Durante a Segunda Guerra Mundial, a pesquisa sobre materiais semicondutores (principalmente silício e germânio) intensificou-se. A descoberta do efeito transistor em 1948 por John Bardeen e William Brattain marca o início de uma nova era, tanto na pesquisa em semicondutores como no desenvolvimento tecnológico. Apesar da pesquisa em semicondutores ser inicialmente ridicularizada frente à importância das válvulas, hoje a sua necessidade é indiscutível. Em 1948 teve início um processo de cooperação entre Física de Semicondutores, tecnologia e construção de novos dispositivos, provocando um dos mais importantes e bem sucedidos caminhos de transferência de conhecimento científico puro para a aplicação do desenvolvimento social. A descoberta do efeito transistor e sua posterior utilização como substituto de válvulas tornou clara a alta potencialidade tecnológica dos materiais semicondutores e inegavelmente foram fundamentais para que estes materiais alcançassem a importância que hoje detém [4]. As propriedades de detecção mencionadas na Seção 1.2.2., referem-se à que foi sem dúvida o que inicialmente motivou a pesquisa em semicondutores. Um material semicondutor quando forma uma junção pn, exibe um comportamento elétrico muito interessante; submetendo uma diferença de potencial em seus terminais, sua resistência à passagem de corrente elétrica varia conforme varia a intensidade desta ddp, além de apresentar um comportamento diferente quando a polaridade da fonte é invertida. Um retificador ideal é aquele que apresenta uma resistência elétrica infinita para uma dada polarização e resistência elétrica nula para a polarização inversa, como mostra a Figura 1.2.11.. Na prática, em semicondutores, o que se têm são valores de resistência muito elevados, da ordem de MΩ ou muito pequenos, da ordem de µΩ. Obviamente, este dispositivo não obedece a Lei de Ohm neste regime de operação, e esta característica pode ser aproveitada para várias finalidades, FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 15 inclusive como o detetor usado em rádio-comunicação. Na Figura 1.2.12. observa-se o efeito de um retificador quando submetido a uma diferença de potencial alternada: quando a polaridade da fonte é tal que corrente elétrica fornecida tem a mesma direção da seta do retificador, há a passagem de corrente para a carga. A diferença de potencial alternada apresenta dois semiciclos de polaridade oposta variando no tempo, mas após o retificador tem-se apenas uma polaridade definida atuando sobre a carga. Analogamente, é possível separar os sinais elétricos provenientes da antena em um receptor de rádio, usando para isto um dispositivo retificador. a) b) Figura 1.2.11.: a) Curva I×V para um diodo ideal. b) Sinal elétrico antes e depois de passar por um diodo ideal. As válvulas descritas acima na Seção 1.2.2. serviam muito bem como misturadores de sinais de comunicação que operam na faixa de centenas de MHz (ondas de rádio – AM, FM e TV); porém, quando usada em freqüências maiores (mais especificamente, microondas), seu uso era menos adequado, pois o sinal apresentava muito ruído, além de muito instável. Esta é exatamente a faixa de freqüências em que operam os radares, dispositivos de extrema importância, principalmente durante a 2a Guerra Mundial; a pesquisa tecnológica em semicondutores teve um grande salto, exatamente pela preocupação em obter um dispositivo que pudesse ser útil da detecção de sinais – o radar. Historicamente, o estudo dos materiais semicondutores iniciou-se com os pesquisadores A. H. Wilson e W. Schottky, que foram os primeiros a aplicar os conceitos da Física aos semicondutores. Em 1922, E. Grüniesen caracterizou os semicondutores como sendo sólidos cuja condutividade elétrica varia com a temperatura. Aqui é conveniente lembrar que nesta época estava surgindo a Mecânica Quântica, que propiciou a ferramenta teórica que faltava para permitir uma visão geral do comportamento interessante destes materiais. Na década de 1930, uma série de artigos e livros foram escritos, fornecendo uma base sólida para o desenvolvimento do estudo teórico sobre semicondutores. Entre os inúmeros textos, destacamse aqueles escritos por A. H. Wilson; em um deles, Wilson esclareceu o conceito de buracos e começou os estudos sobre a influência das impurezas nas propriedades dos semicondutores. Por outro lado, Schottky contribuiu com estudos teóricos e experimentais em contatos metalsemicondutor (hoje conhecido como diodo Schottky); ele estabeleceu uma teoria baseada em uma barreira de energia potencial que surgia entre estes dois materiais quando colocados em contato; esta diferença de energia tem origem nas diferenças entre as eletroafinidades (eletronegatividades) do metal e do semicondutor; estes conceitos eram novíssimos à época, e originaram-se na visão que a Mecânica Quântica passou a ter do átomo. Durante a Segunda Guerra Mundial (entre 1939 e 1945) nenhum avanço significativo foi realizado na área de semicondutores, mesmo porque não se considerava que tais materiais exibissem importância fundamental em tecnologia. A única aplicação que realmente alcançou algum mérito nesta época forma os detetores de microondas baseados em contatos metal-germânio ou metal-silício, motivados pela utilização de radares durante a Guerra. Avanços reais e definitivos somente vieram com o final da Guerra. Nesta época, as pesquisas concentravam-se na Bell Telephone Laboratories, dirigidas por William Shockley e na Universidade de Purdue, sob a direção de Karl Lark-Horovitz. Shockley estava empenhado em descobrir um dispositivo substituto para as válvulas que pudesse ser construído a partir de materiais semicondutores, e para tanto, trabalhava com filmes finos de silício. Já em Purdue, FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 16 desenvolviam-se estudos básicos (sem interesse imediato na aplicação) com cristais de germânio, procurando estabelecer bases concretas para o desenvolvimento de dispositivos de estado sólido. Durante estudos feitos com diodos Schottky, dois pesquisadores da Bell, John Bardeen e Walter Brattain, começaram a trabalhar com materiais puros, e em um dos seus experimentos observaram a amplificação de um sinal elétrico Ie aplicado em um dos seus eletrodos (que se passou a chamar emissor). O sinal Ic apareceu no segundo eletrodo (que se passou a chamar coletor) com uma potência sensivelmente maior, como pode ser visto na Figura 1.2.12.. A este fenômeno dá-se o nome de Efeito Transistor; inicialmente chamou-se tal dispositivo de “triodo semicondutor” em analogia à válvula triodo que apresentava a mesma característica de amplificação; o nome transistor surgiu posteriormente, sendo originalmente usado como uma abreviação para transfer resistor, referindo-se ao fato da operação do transistor envolver a transferência de corrente de um circuito a outro. Ao contrário do que se pensa, a descoberta do transistor deu-se em Dezembro de 1947, e não em Junho de 1948; a divulgação das pesquisas foi retardada durante estes sete meses pois os inventores juntamente com o laboratório estavam empenhados obter a patente do transistor, a qual foi concedida somente em junho de 1948. Figura 1.2.12.: Diodo de contanto de ponto. O dispositivo desenvolvido por Bardeen e Brattain ficou conhecido por transistor de ponto, pois tratava-se de um material puro (por exemplo, um bloco de germânio), com três contatos pontuais, utilizados como emissor, coletor ou base. A repercussão desta descoberta não foi grandiosa como se poderia imaginar, dado que àquela época não se discutia a substituição das válvulas pelos transistores. Apesar disso, durante o processo de invenção do transistor, foi sugerido a aplicação deste novo dispositivo em equipamentos que se baseavam em válvulas, tais como amplificadores e osciladores. Mesmo assim, o transistor estava em desvantagem; o dispositivo construído por Bardeen e Brattain tinha sérios problemas relacionados com a estabilidade e reprodutibilidade dos contatos elétricos; isto impedia sua aplicação como substituto das válvulas em circuitos comerciais, tornando-o impróprio para aplicações tecnológicas nas quais desejava-se confiabilidade. Apesar disto, vários transistores de contato de ponto foram construídos no início da década de 1950. Eles usavam o princípio desenvolvido por Bardeen e Brattain, com a diferença dos contatos metálicos serem fundidos sobre a superfície do cristal semicondutor, mas mesmo assim tais dispositivos ainda não eram confiáveis. Somente em 1949, William Shockley, responsável pelo grupo de pesquisa em semicondutores nos Bell Laboratories, aperfeiçoou o transistor de contato de ponto, desenvolvendo o transistor de junção bipolar; este dispositivo apresentava de novo o fato de se basear em materiais semicondutores que apresentavam dopagem, isto é, a presença de impurezas (átomos diferentes ao da matriz) adequadamente colocadas no cristal semicondutor. O transistor bipolar criado por Shockley ainda era uma proposta teórica, mas com este novo formato, eles vieram a ser usados comercialmente, quando começaram a aparecer em pequena escala para a construção de novos equipamentos. A operação do transistor bipolar é FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 17 basicamente a mesma do seu precursor; ele consiste da superposição de três camadas de materiais semicondutores diferentes: uma chamada do tipo n, denominada base, e outras duas chamadas do tipo p, denominadas coletor e emissor, como pode ser visto na Figura 1.2.13.. Neste dispositivo, uma corrente elétrica de controle é aplicada entre o emissor e a base; os elétrons são injetados na base através da junção com o emissor (devido à diferença de potencial Vbe) e fluem através da junção com o coletor para o circuito externo (devido à diferença de potencial Vce); quando a voltagem na base varia, a corrente elétrica no circuito externo varia proporcionalmente. Figura 1.2.13.: Transistor de junção. Em 1956, Bardeen, Brattain e Shockley receberam o Prêmio Nobel de Física pela descoberta e aperfeiçoamento do transistor. Como curiosidade adicional, registra-se que Bardeen e Brattain continuaram seu trabalho na pesquisa básica da Física do Estado Sólido, enquanto que Shockley voltou-se para a indústria, criando a empresa Shockley Semiconductor Company, que posteriormente deu origem à Intel. Dadas as possibilidades de aplicação dos transistores (ou mais fundamentalmente, dos semicondutores em geral) e o pouco conhecimento acerca destes materiais, tornou-se imperativo que os esforços fossem voltados para a pesquisa básica em Física do Estado Sólido. Houve então uma grande explosão de interesse por parte de cientistas e empresários de todo o mundo, estabelecendo-se uma forte relação entre indústria e pesquisa científica. Desta forma, os subsídios para o progresso nas aplicações do transistor impulsionaram não somente o seu desenvolvimento, mas também propiciaram o surgimento de novos dispositivos baseados em materiais semicondutores. Na década de 1950 muitos esforços foram feitos no sentido de aperfeiçoar o transistor, a fim de tornar comparável seu tempo de vida com o da válvula. À época, o transistor não era muito confiável, pois seus contatos quebravam-se com facilidade. Após a obtenção de um transistor resistente aos esforços elétricos, o passo seguinte, dado na década de 1960, foi o da miniatuarização desses componentes. Este fato propiciou o uso de transistores em microprocessadores, base fundamental dos computadores. A década de 1970 foi dedicada a integração dos vários componentes dos circuitos elétricos, a partir da fabricação dos circuitos integrados. É importante lembrar que um circuito integrado nada mais é do que um aglomerado de transistores, resistores e capacitores, construídos sobre uma única pastilha de semicondutor. Não houve ainda uma revolução na ciência e tecnologia que superasse a que foi criada pela descoberta do transistor. A maioria dos equipamentos eletro-eletrônicos de que hoje dispomos são baseados em transistores e seus derivados diretos (os circuitos integrados). Efetivamente, os primeiros transistores foram construídos apenas usando-se silício e germânio; porém, com o avanço da pesquisa em semicondutores, outros materiais e ligas (como por exemplo o arseneto de gálio, GaAs) tornaram-se importantes, sobretudo em dispositivos que exigem alta velocidade de resposta. Atualmente, não mais se discute a importância do transistor e das pesquisas subseqüentes em Física dos Semicondutores, haja vista o papel que estes materiais desempenham em nossa sociedade. FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 18 1.2.4. A Relação da Eletrônica com a Física do Estado Sólido A Eletrônica não trata apenas do uso de válvulas, diodos e transistores. Tais dispositivos utilizam-se das propriedades elétricas dos materiais sólidos. Outros dispositivos diferentes destes citados são extremamente úteis à Eletrônica; muitos destes dispositivos utilizam outras propriedades dos materiais sólidos. Dentre as propriedades mais importantes do ponto de vista dos dispositivos, podemos citar: a) as propriedades ópticas: mais e mais as propriedades ópticas têm sido utilizadas em dispositivos eletrônicos; os aparelhos do tipo CD player, DVD, scanners, etc, são exemplos deste fato; b) as propriedades magnéticas: a grande aplicação das propriedades magnéticas na eletrônica é a utilização de discos magnéticos para gravação de informação; neste caso, utilizase o fato de alguns materiais apresentarem um alinhamento dos dipolos magnéticos quando sujeitos a ação de um campo magnético. A pesquisa destas e outras propriedades dos materiais sólidos ganhou um grande impulso com a invenção do transistor. Até a década de 1950 a maior parte dos investimentos financeiros em Física era direcionada para a pesquisa nuclear; aqui, é preciso lembrar do momento histórico em que vivia a humanidade: o pós-guerra foi uma época onde a corrida armamentista entre os USA e a antiga URSS foi caracterizada pelo entendimento e controle dos fenômenos nucleares, com o objetivo de obter armas atômicas mais e mais poderosas. A invenção do transistor propiciou um novo caminho para a Física, o qual coincidiu com a procura por parte da humanidade por bens duráveis de melhor qualidade. Neste contexto entra a tecnologia, a qual abriu o leque de aplicações destes dispositivos. Podemos dizer sem exageros que a invenção do transistor determinou o caminho a seguir na pesquisa em Física do Estado Sólido. Uma evidência da importância da Física do Estado Sólido está no redirecionamento dos investimentos financeiros em ciência e tecnologia. No início do século XXI, cerca de 40% dos físicos trabalham nesta área [5]. Além disso, cerca de 50% dos laureados com o Prêmio Nobel de Física dos últimos 15 anos são pesquisadores que trabalham com a Física do Estado Sólido. Com o avanço da pesquisa nesta área, inúmeras inovações foram desenvolvidas. Houve um enorme progresso nas técnicas experimentais que permitiu a obtenção de um grande número de novos materiais, tais como: a) cristais iônicos (rubi, entre outros), que propiciaram a invenção do laser; b) vidros especiais que impulsionaram e diversificaram a pesquisa com os lasers; c) polímeros orgânicos (plásticos) que, desnecessário dizer, ocupam lugar de destaque na vida moderna, gradualmente substituindo materiais de maior peso; d) ligas amorfas de baixo custo e de propriedades elétricas, magnéticas e mecânicas interessantes; e) materiais supercondutores. 1.2.5. A Relação da Física do Estado Sólido com a Mecânica Quântica A Física do Estado Sólido como nós conhecemos hoje em dia é uma ciência cujo alicerce é o conceito que toda matéria é composta de átomos. Isto é, admitimos como correto a existência do átomo como elemento básico da constituição da matéria. Por sua vez, é conhecido desde 1898 que os elétrons são partículas que constituem os átomos. Assim, para o entendimento mais preciso do comportamento atômico é necessária a compreensão do papel que os elétrons aí desempenham. O elétron é um objeto físico cujas propriedades desafiam o nosso senso comum. Em certos experimentos ele apresenta um comportamento puramente corpuscular, como por exemplo, no fluxo de carga em um fio condutor; em outros, ele apresenta um comportamento puramente ondulatório, como por exemplo, nos microscópios eletrônicos. A este comportamento “estranho” dá-se o nome de dualidade onda-partícula para o elétron. Estudaremos com mais detalhes este comportamento ao longo da disciplina. Por ora, basta saber que existe uma FÍSICA GERAL VI – CAPÍTULO 1 – ELETRÔNICA E MECÂNICA QUÂNTICA 19 ferramenta teórica que descreve de uma maneira adequada este comportamento. A esta teoria, revolucionária quando proposta, dá-se o nome de Mecânica Quântica. A partir destas idéias, fica clara a importância do estudo da Mecânica Quântica para o real entendimento do funcionamento dos dispositivos semicondutores. Os materiais semicondutores são compostos de átomos, e seu comportamento macroscópico só pode ser entendido a partir da análise microscópica da matéria, isto é, aplicando os princípios da Mecânica Quântica a estes átomos. É isto que iremos fazer a partir de agora. Inicialmente, faremos um breve histórico do surgimento da Mecânica Quântica; descreveremos alguns dos experimentos que obrigaram os cientistas a procurar uma explicação diferente da chamada Física Clássica (Mecânica Newtoniana + Eletromagnetismo de Maxwell). A seguir, apresentaremos os Postulados da Mecânica Quântica, dando ênfase ao Princípio da Incerteza de Heisemberg. Entendidas as idéias gerais desta teoria, as aplicaremos em exemplos simples, onde a solução de uma equação diferencial (a chamada Equação de Schrödinger) permite uma análise mais profunda do que significa o comportamento ondulatório da matéria. Como última e definitiva aplicação, resolveremos a Equação de Schrödinger para o átomo de hidrogênio, que todos sabemos, é o mais simples, uma vez que contém apenas um elétron e um próton. A partir daí, estaremos aptos a entender como os elétrons se comportam em um sólido, e então, compreender com mais detalhes suas propriedades elétricas. BIBLIOGRAFIA 1. Enciclopédia Britânica nd 2. MANDL, M. – Fundamentals of Electronics – páginas 197-208 – 2 Edition – Prentice Hall – New Jersey – 1965. nd 3. BROPHY, J. J. – Basic Electronics for Scientists – páginas 170-176 – 2 Edition – McGraw-Hill Ltd. – Tokyo – 1972. 4. CHIQUITO, A. e LANCIOTTI Jr., F. – O Transistor, 50 anos – Revista Brasileira de o Ensino de Física, Volume 20, n 4 – páginas 309-314 – Dezembro de 1998. 5. REZENDE, S. M. – A Física dos Dispositivos Semicondutores – página 2-5 – Editora da Universidade Federal de Pernambuco – Recife – 1996. QUESTÕES 1. Explique sucintamente o processo de emissão de elétrons numa válvula termoiônica. 2. Explique em detalhes o processo de retificação de um sinal elétrico usando uma válvula diodo. 3. Explique em detalhes o processo de amplificação de um sinal elétrico usando uma válvula triodo. 4. Descreva as desvantagens da válvula quando comparadas com o transistor. Em cada caso, faça um comentário a respeito. PROBLEMAS 1. Faça um gráfico de J(T) a partir da Equação 1.2.2.. Para um caso concreto, use como material de cátodo o tungstênio. Para o intervalo de temperatura, use desde T = 2500 K até T = 4000 K. Análise este resultado. 2. A partir da Equação 1.2.3., obtenha a Equação 1.2.13.. Faça esta demonstração em detalhes, explicando em cada passo as hipóteses admitidas. 3. Faça um gráfico de J(Vp) a partir da Equação 1.2.13.. Para um caso concreto, use d = 5 mm. Analise este resultado. 4. Deduza a Equação 1.2.16. para o fator de amplificação de uma válvula triodo. 5. Seja um circuito elétrico utilizando uma fonte de tensão de 300 V, alimentando uma válvula do tipo 6SN7. Em série a esta válvula colocamos um resistor de 10 kΩ. Determine o ponto de operação desta válvula, quando colocamos uma tensão na grade de –6 V.