implicacoes fonoaudiologicas na doenca de - TCC On-line

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Lucas Foltz
IMPLICAÇÕES FONOAUDIOLÓGICAS NA DOENÇA DE MACHADOJOSEPH:
Uma revisão de literatura
CURITIBA
2012
1
LUCAS FOLTZ
IMPLICAÇÕES FONOAUDIOLÓGICAS NA DOENÇA DE MACHADOJOSEPH:
Uma revisão de literatura
Projeto de monografia de conclusão do
Curso de Especialização em Motricidade
Orofacial: enfoque em disfagia e atuação
em âmbito hospitalar da Universidade
Tuiuti do Paraná.
CURITIBA
2012
2
RESUMO
A Doença de Machado-Joseph (DMJ) é uma doença hereditária, progressiva,
categorizada como uma ataxia cerebelar autossômica dominante. As alterações
decorrentes da doença envolvem os sistemas cerebelar, piramidal, extrapiramidal,
motor neuronal e oculomotor, resultando em uma extensa variabilidade fenotípica.
Assim, o objetivo desta pesquisa é realizar uma revisão de literatura a respeito dos
aspectos fonoaudiológicos na DMJ, apresentando o histórico, as questões
patológicas e genéticas, as manifestações clínicas, o diagnóstico e o tratamento,
onde possa ser visualizada a atuação da Fonoaudiologia na doença. Segundo os
autores pesquisados, dentre os diversos sintomas presentes na doença dois são de
grande interesse para a área da Fonoaudiologia: a disartrofonia e a disfagia.
Conforme a evolução da doença, ambas tendem a, gradativamente, aumentar o
grau de severidade, podendo incapacitar a comunicação oral e/ou dificultar o
processo de alimentação por via oral, havendo risco de aspiração laringotraqueal.
Na DMJ a disartrofonia é classificada como atáxica, acometendo todos os sistemas
da fala e de formas variadas, com maior prejuízo na prosódia e na articulação. A
avaliação contempla as análises da função respiratória, oromiofuncional, voz,
ressonância e articulação. A disfagia, por sua vez, tem a característica de ser
orofaríngea, afetando o controle e ejeção do bolo alimentar em fase oral, e, em fase
faríngea, ocorrendo estase faríngea e risco de penetração e/ou aspiração
laringotraqueal. A avaliação padrão-ouro da disfagia engloba a avaliação clínica e
instrumental de deglutição. Na literatura há carência de estudos que analisem com
profundidade estas alterações e as formas de tratamento, sendo encontradas
algumas pesquisas e estudos de caso. Por isso, a compreensão global da doença,
de sua variabilidade fenotípica e de sua fisiopatologia aliadas a uma avaliação
fonoaudiológica minuciosa, são essenciais para que o fonoaudiólogo entenda com
maior clareza o quadro do paciente e defina a conduta mais adequada nestes casos.
Palavras-chave: Doença de Machado-Joseph, Fonoaudiologia, Disfagia, Disartria.
3
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 04
2
DOENÇA DE MACHADO-JOSEPH ................................................................. 05
2.1 HISTÓRICO DA DOENÇA ................................................................................ 05
2.2 ASPECTOS PATOLÓGICOS E GENÉTICOS ................................................... 06
2.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E TIPOS CLÍNICOS DA DMJ ........................... 08
2.4 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO..................................................................... 12
3
FONOAUDIOLOGIA NO TRATAMENTO DA DISARTRIA E DA DISFAGIA NA
DOENÇA DE MACHADO-JOSEPH ................................................................. 15
3.1 A DISARTROFONIA NA DMJ ........................................................................... 15
3.2 A DISFAGIA NA DMJ ........................................................................................ 21
4
CONCLUSÃO ................................................................................................... 30
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 31
4
1 INTRODUÇÃO
As ataxias espinocerebelares (AEC) formam um grupo heterogêneo de
doenças degenerativas do sistema nervoso central, as quais causam
distúrbios, primariamente, de ordem cerebelar. São caracterizadas clinicamente
por
progressiva
oscilação
postural
associada
com
disartria,
disfagia,
oftalmoplegia, e sinais piramidais e extrapiramidais. Pode ser dividida conforme
sua genética: autossômica recessiva, dominante e casos isolados (OLIVEIRA,
FREITAS, 2006, p. 54).
A ataxia espinocerebelar tipo 3, também conhecida como Doença de
Machado Joseph (DMJ) é considerada uma doença hereditária, progressiva,
categorizada como uma ataxia cerebelar autossômica dominante (PAULSON,
2011).
A sintomatologia da DMJ envolve principalmente as manifestações
cerebelares, sendo sua progressão lenta e podendo coexistir com outros
sintomas como: marcha atáxica, alterações oculomotoras, espasticidade,
tremores, ataxia e disfagia, disartria, distonia, fasciculações de língua e face,
entre outros (BUSANELLO, NISA-CASTRO, ROSA, 2007, p. 247).
A disartrofonia e a disfagia são dois sintomas que causam grande
limitação conforme sua progressão, que afetam substancialmente a qualidade
de vida destes indivíduos. Wolf (2008, p. 05) explica que além das alterações
articulatórias presentes na fala do indivíduo com DMJ, há também
comprometimento fonatório, sendo mais adequado o termo disartrofonia.
Assim, será utilizado tal termo para designar as alterações na produção,
emissão e articulação da fala e voz e alteração da prosódia, decorrentes de
lesões cerebelares.
O fonoaudiólogo tem um papel importante nestes casos, pois na
disartria, a capacidade de comunicação vai se restringindo e o uso de métodos
alternativos passa a ser um recurso indispensável, especialmente por não
haver alterações cognitivas. Na disfagia o tratamento fonoaudiológico é
necessário, pois na maioria dos casos, a dificuldade em deglutir pode causar
pneumonia aspirativa (WOLF, 2008, p.04).
Dessa forma, o objetivo desta pesquisa é realizar uma revisão de
literatura a respeito dos aspectos fonoaudiológicos na Doença de Machado-
5
Joseph, apresentando o histórico, as questões patológicas e genéticas, as
manifestações clínicas, o diagnóstico e o tratamento, onde possa ser
visualizada a atuação da Fonoaudiologia nesta área.
2 DOENÇA DE MACHADO-JOSEPH
A DMJ é uma doença genética, crônica e de aparecimento tardio, sendo
hereditária
e
degenerativa.
Seus
sintomas
vão
progressivamente
comprometendo as capacidades funcionais, restringindo as atividades de vida
diária, fato este que afeta o indivíduo e todo o seu sistema familiar.
Nos últimos anos tem sido investido na investigação sobre a DMJ,
produzindo importante conhecimento clínico e científico que proporciona maior
entendimento sobre a doença, na prática de diagnóstico, no aconselhamento
genético, na intervenção das diversas áreas que ajudam a minimizar a
gravidade da sintomatologia, e na busca de meios de prevenção e de cura
(ARRUDA, 2009, p. 02-03).
Antes
de
verificar
as
questões
fonoaudiológicas
na
DMJ,
caracterizaremos a patologia em questão, através do entendimento do seu
histórico, dos aspectos fisiopatológicos e genéticos, além dos aspectos
clínicos.
2.1
HISTÓRICO DA DOENÇA
O reconhecimento científico formal da Doença de Machado Joseph
ocorreu há cerca de quarenta anos, porém, o caso mais antigo vem da família
Drew de Walworth.
Desde o ano de 1895, os dados clínicos de quatro gerações da referida
família foram avaliados por vários neurologistas de renome, como os Drs.
Gowers, Kinnier-Wilson, Stewart, Collier, Turner, Worster-Drought, Ferguson,
Critchley, e Anita Harding entre outros, os quais levantaram várias hipóteses
diagnósticas, tais como esclerose múltipla, paralisia agitante, sífilis, ataxia
locomotora e ataxia heredo-familial. Contudo, após cem anos de pesquisas,
em 1995 foi confirmada a Doença de Machado-Joseph através de estudos de
genética molecular do grupo de Anita Harding (TEIVE e ARRUDA, 2004).
6
A referência pioneira da DMJ vem da descrição feita por Nakano,
Dawson e Spence (1972). Os autores estudaram cinco gerações da família
Machado, os quais possuíam descendência açoriana e que eram radicados em
Massachusetts nos Estado Unidos. Foram analisados seis indivíduos de
quarenta e cinco familiares afetados pela doença, a qual se caracterizava por
uma forma progressiva de ataxia, nistagmo, hiporreflexia, variados graus de
amiotrofia e sinais de lesão do cordão posterior da medula. Os autores, então,
designaram a patologia como Machado Disease (Doença de Machado).
Em 1976, Rosemberg et al. descreveram oito gerações de uma família
nos Estados Unidos, também de origem açoriana, que apresentava ataxia
progressiva, sinal de Babinski, nistagmo, disartria, bradicinesia, fasciculações
de língua e de face, postura distônica e hiperreflexia. Tal família tinha por
sobrenome Joseph, sendo mais tarde apontada como Joseph Disease (Doença
de Joseph).
Coutinho (1992, p. 14) refere que a designação da Doença de MachadoJoseph surgiu em 1980 e foi proposta por Coutinho e Sequeiros no
“International Symposium on Autossomal Dominant Motor System Disorders in
Persons of Portuguese Ancestry”, para diminuir a complexidade do nome da
doença, pela dificuldade em tradução. Assim, o nome foi composto pela
primeira família descrita, Machado, e pela maior família afetada, Joseph. A
mesma autora declara que este termo foi escolhido também por diplomacia,
uma vez que revela ser muito apropriado por não haver grandes dificuldades
de pronúncia. Foi apenas no Simpósio supracitado que se chegou ao consenso
de que as diferentes formas clínicas eram uma mesma entidade nosológica.
Desde então, essa designação é utilizada na comunidade científica.
A DMJ é considerada a mais comum das AEC, sendo a sua
representatividade importante em vários países como Brasil (69-92%), Portugal
(58-74%), Singapura (53%), China (48-49%), Holanda (44%), Alemanha (42%),
Japão (28-63%), Canadá (24%), EUA (21%), México (12%), Austrália (12%),
Índia (5-14%), África do Sul (4%) e Itália (1%) (BETTENCOURT, LIMA, 2011).
No Brasil, a prevalência estimada é de 1:100.000, iniciando os sintomas
polimorfos entre 30 e 50 anos (WOLF, 2008).
2.2
ASPECTOS PATOLÓGICOS E GENÉTICOS
7
Existem
diversos
estudos
que
demonstram
as
alterações
neuroanatômicas na DMJ (ARRUDA, 2009; D´ABREU et al, 2010; PAULSON,
2011; RODRIGUES, 2012; SEQUEIROS & COUTINHO, 1993).
As estruturas atingidas sistematicamente são: núcleos dos nervos
cranianos motores, substância nigra, núcleo subtalâmico, núcleo rubro, núcleos
pônticos e dentado, pedúnculos cerebelosos médios e superiores, feixe
longitudinal medial, núcleos vestibulares, cornos espinhais anteriores, colunas
de Clarke e cordões posteriores.
Já as estruturas afetadas com menor intensidade ou freqüência: globo
pálido, lócus coeruleus, substância cinzenta periaquedutal, teto do mesencéfalo
e olivas bulbares.
As estruturas sistematicamente poupadas são: córtex cerebral, estriado,
córtex cerebeloso, trato corticoespinais.
A diferença da DMJ para as outras ataxias autossômicas dominantes é o
fato das olivas bulbares serem menos afetadas e pela preservação do córtex
cerebelar.
Com relação às questões genéticas, a transmissão da DMJ é feita de
modo autossômico dominante, não havendo diferença entre homens e
mulheres, sendo a gravidade e distribuição de idade semelhantes (COUTINHO,
1992, p. 26).
Em sua revisão, Cecchin (2004, p.10) comenta que em 1993 foi
descoberto que o locus da DMJ encontra-se no cromossomo 14q.32.1. Já em
1994, foi identificado o gene e denominado MJD1 (também conhecido como
ATXN3). Neste gene há uma sequência repetitiva composta pelas moléculas
citosina, adenina e guanina (CAG), a qual codifica o aminoácido glutamina. O
que ocorre na doença é a repetição expandida desta sequência, havendo,
então, acúmulo proteico que afeta células e estruturas intranucleares
produzindo degeneração e morte celular (WOLF, 2008).
Deste modo, um sujeito sem a DMJ tem dois alelos com 12 a 40
repetições CAG, um sujeito afetado homozigótico pode ter dois alelos com 60 a
84 repetições CAG e um indivíduo heterozigótico pode ter um alelo de 12 a 40
repetições e outro alelo de 60 a 84 repetições (RODRIGUES, 2012, p. 29).
Paulson (2011) refere que há uma relação direta entre o número de
repetições CAG e a gravidade das manifestações clínicas. Expansões
8
pequenas tendem a causar doenças de início tardio, enquanto um grande
número
de
repetições
tende
há
apresentar
maior
envolvimento
neuropatológico. Este apontamento é corroborado pelo estudo de Maciel et al
(1995 p. 60), em que estudaram o DNA de 212 sujeitos pertencentes a 33
famílias com diagnóstico de DMJ e de diferentes origens geográficas. A
pesquisa validou o uso da expansão CAG do gene MJD1 como meio
diagnóstico e encontrou correlação estatisticamente significante entre o número
de repetição e a severidade/ idade do início dos sintomas.
Outro ponto é que indivíduos homozigóticos manifestam a doença mais
precocemente e com sintomas mais graves, sugerindo-se para estes casos a
hipótese de um efeito de dupla dose (RODRIGUES, 2012, p. 30).
A maioria dos indivíduos é heterozigoto, ou seja, a mutação genética
ocorre em apenas um dos alelos. Dessa forma, o risco genético de transmitir a
doença é de 50%, considerando que o outro progenitor seja saudável.
(ARRUDA, 2009 p.25; CECCHIN, 2004, p 21).
Uma característica importante da DMJ é a existência do fenômeno
genético chamado “antecipação”. A antecipação é caracterizada pelo
aparecimento mais precoce das manifestações clínicas e pelo aumento da
gravidade da doença nos descendentes. Este fenômeno é explicado pelo fato
de haver instabilidade da repetição CAG na transmissão de pai para filho,
sendo mais freqüente a expansão da repetição do que a contração. Por isso,
com a expansão da repetição, o efeito fenotípico é de precocidade e de
agravamento do quadro da próxima geração (D´ABREU et al, 2010; PAULSON,
2011).
2.3
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E TIPOS CLÍNICOS DA DMJ
A DMJ é uma doença neurodegenerativa multissistêmica que envolve
predominantemente os sistemas cerebelar, piramidal, extrapiramidal, motor
neuronal e oculomotor, resultando em uma extensa variabilidade fenotípica, o
que muitas vezes dificulta o diagnóstico médico (BETTENCOURT, LIMA, 2011,
p. 02).
Em seu estudo Coutinho (1992, p. 27) coloca que em 92,4% dos casos o
primeiro sintoma da DMJ se dá por perturbações de equilíbrio como dificuldade
de andar em caminhos estreitos ou com fraca luminosidade, instabilidade ao
9
dar voltas rápidas, sensação de insegurança ao descer escadas. Em 7,6% dos
indivíduos a primeira queixa é relacionada à diplopia. Já na pesquisa de Jardim
(2001, p. 900) com 62 indivíduos brasileiros da Região Sul, a ataxia de marcha
foi o primeiro sinal em 100% dos casos.
Em geral, os primeiros sintomas (onset) da DMJ tendem a aparecer
tardiamente, na idade adulta (ARRUDA, 2009, p. 13). Cecchin (2004, p.14)
refere que há variação de idade média de início dos sintomas conforme a
população sendo em torno dos 24 anos para indianos, japoneses e afroamericanos; dos 32-34 para brasileiros e dos 38-40 anos para portugueses e
açorianos. Porém, há grande variabilidade do onset da doença, podendo
ocorrer as primeiras manifestações entre 07 a 70 anos.
Em sua revisão, Carvalho (2004, p. 09) relata que a duração média da
doença varia entre os países, sendo 15,6 anos para pacientes portugueses
(variação entre 07 e 29 anos), 21 a 25 anos para alemães e 17 anos para
brasileiros (variação entre 05 e 30 anos).
Como dito anteriormente, há grande variação fenotípica na DMJ, a qual
compõe um quadro clínico complexo, com sinais e sintomas relacionados às
alterações dos sistemas afetados. Didaticamente, estas manifestações são
divididas em: síndrome cerebelar, manifestações oculares, síndrome piramidal,
síndrome
periférica,
síndrome
extrapiramidal
e
outras
manifestações
(COUTINHO, 1992, p. 33).
- SÍNDROME CEREBELAR: a ataxia cerebelar é a manifestação clínica
mais
frequente,
ocorrendo
em
97,8
%
dos
indivíduos
portugueses
(SEQUEIROS e COUTINHO, 1993, p. 143), sendo primeiramente a ataxia de
marcha, seguido por disartria e incoordenação apendicular, respectivamente.
Em brasileiros, a ataxia de marcha foi encontrada em 100% dos casos, a
disartria em 85,5% e a incoordenação apendicular foi de 93% (JARDIM et al,
2001, p. 901).
Inicialmente, a pessoa começa a apresentar equilíbrio instável e marcha
descoordenada que vai agravando conforme o tempo. Há uma crescente
necessidade de apoio para sua realização e, em alguns casos, a marcha pode
ficar totalmente comprometida (PAULSON, 2011). Com relação à fala, a
incoordenação dos movimentos articulatórios conduz à disartria, que também
progride ao longo do tempo, podendo implicar seriamente na comunicação oral
10
do indivíduo. Da mesma forma, a incoordenação apendicular pode dificultar a
coordenação motora fina das mãos, afetando a realização de atividades de
vida diária que exijam tal habilidade (ARRUDA, 2009, p. 16).
- MANIFESTAÇÕES OCULARES: a oftalmoplegia externa progressiva é
a segunda manifestação clínica mais frequente, em portugueses a frequência é
de 90,5% (SEQUEIROS e COUTINHO, 1993, p.145) e em 52,5% em casos
brasileiros (JARDIM et al, 2001, p. 901). A oftalmoplegia externa progressiva é
o sintoma que contribui para o diagnóstico diferencial com outras ataxias
hereditárias (COUTINHO, 1992, p. 34). Caracteriza-se pela limitação precoce
do olhar vertical para cima e da convergência, limitando posteriormente o olhar
lateral. Já o olhar vertical para baixo mantém-se conservado até fases
avançadas da doença (COUTINHO, 1992, p. 34-35).
Geralmente vem acompanhada de diplopia, podendo haver presença de
nistagmo (movimentos involuntários, ritmicos ou não, do globo ocular), porém
com o aumento da dificuldade de movimentação ocular, o nistagmo tende a
diminuir sua intensidade (SEQUEIROS e COUTINHO, 1993, p. 145). Em
brasileiros a frequência da ocorrência de nistagmo é de 92% (JARDIM et al,
2001, p. 901). Outra manifestação ocular é a retração palpebral, a qual em
portugueses a frequência é de 25,7% e em brasileiros 27,4%. A retração
palpebral possui a característica de tornar a posição dos olhos proeminentes
dando a impressão de estarem arregalados.
-
SINAIS
PIRAMIDAIS:
são
considerados
os
sintomas
mais
incapacitantes da DMJ, sendo presentes, de acordo com Coutinho (1992, p.
37), em 84,3% dos casos, em brasileiros os sinais piramidais estão presentes
em 74% dos indivíduos (JARDIM et al, 2001, p. 901). Os sinais piramidais
regridem conforme o envelhecimento do sujeito. (RODRIGUES, 2012, p. 14)
Os sinais piramidais compreendem a exacerbação de reflexos normais,
através de hiperreflexia osteotendinosa (exagero reflexo que envolve a
contração de outros músculos face à percussão do tendão respectivo) e reflexo
mandibular vivo (reflexo através da percussão do músculo mentual); também, o
clonus (contrações musculares involuntárias devido a um estiramento súbito do
músculo) dos pés e das rótulas; o sinal de Babinski (reflexo cutâneo plantar em
extensão) pode ser uni ou bilateral; a espasticidade e sinais pseudobulbares.
(COUTINHO, 1992; SEQUEIROS E COUTINHO, 1993; ARRUDA, 2009;
11
PAULSON, 2011; RODRIGUES, 2012).
- SINAIS PERIFÉRICOS: são componentes importantes do quadro
clínico da doença, porém com grande variabilidade sintomatológica. Possui
início
tardio,
com
progressão
conforme
idade
do
indivíduo
afetado
(RODRIGUES, 2012, p.15). Tais sinais são encontrados em 59,7% dos
indivíduos portugueses (COUTINHO, 1992, p.38).
Os sinais periféricos apresentam diversas formas de apresentações
clínicas, as quais envolvem a perda dos reflexos aquilianos, atrofia muscular
distal, fasciculações (músculos das pernas e coxas) e paresia distal associada
à arreflexia osteotendinosa generalizada, além de transtornos em sensibilidade
profunda, hipoestesia distal (para picada e tato), em casos mais severos pode
ocorrer atrofia dos músculos da face, paresia facial e ptose palpebral
(ARRUDA, 2009; D’ABREU, 2010; RODRIGUES, 2012).
- SINAIS EXTRAPIRAMIDAIS: ocorrem em 34,7% dos sujeitos
portugueses, tendo expressão variável em qualidade e em intensidade
(Coutinho, 1992, p.39). Caracteriza-se por regredir com o avanço da doença e
por ter duas formas de manifestação: quadro distônico e quadro de
parkinsônico.
O quadro distônico demonstra uma postura atetósica dos últimos dedos
das mãos e do hallux (primeiro dedo do pé). Afeta atividades de vida diária
como escrita, alimentação e fala, pois a distonia é agravada pelo movimento.
Já o quadro parkinsônico raramente apresenta tremor, mas pode ocorrer
moderada bradicinesia, com diminuição dos movimentos voluntários e da
mímica facial (Coutinho, 1992, p.39).
- OUTRAS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: conforme revisão realizada
por Rodrigues (2012) há diversas outras manifestações como disfagia (que
será vista posteriormente), nictúria (eliminação aumentada de urina durante a
noite), incontinência urinária, hiporidrose (diminuição da produção de suor) e
intolerância ao frio, perturbações do sono, alterações de peso, depressão, dor
crônica, cãibras, fadiga, escoliose, sialorreia.
Por haver grande variabilidade fenotípica, houve a divisão de cinco tipos
da DMJ, onde o indivíduo pode evoluir de um tipo para outro durante a
progressão da doença. Assim, serão descritos os tipos da doença conforme
revisão feita por Paulson (2011).
12
- Tipo I: possui início precoce (média 24,3 anos), acomete cerca de 13%
dos indivíduos, há presença predominante de espasticidade, rigidez e
bradicinesia, com ataxia leve, além de oftalmoplegia externa progressiva;
- Tipo II: inicia em torno dos 40,5 anos, sendo o tipo mais comum (57%),
caracteriza-se por ataxia e sinais provenientes de alterações dos neurônios
motores superiores, podendo ocorrer paraplegia espástica;
- Tipo III: se manifesta em idade mais avançada (média de 46,8 anos),
afeta em torno de 30% dos sujeitos, apresentando ataxia e polineuropatia
periférica;
- Tipo IV: caracterizado por parkinsonismo responsivo à levodopa;
- Tipo V: doença semelhante à paraplegia espástica hereditária.
2.4
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
O diagnóstico da DMJ é feito através de características clínicas, história
familiar e de teste genético molecular (D’ABREU, 2010, p. 06).
A avaliação clínica pode sugerir a DMJ pelas seguintes características:
ataxia cerebelar progressiva e sinais piramidais associados com uma síndrome
distônica-rígida
específicos,
extrapiramidal
tais
como
ou
amiotrofia
oftalmoplegia
periférica;
externa
sinais
progressiva,
clínicos
distonia,
fasciculações facial e lingual em atividades determinadas, e retração palpebral
(PAULSON, 2011). A investigação familiar completa é extremamente importante
e útil na obtenção de diagnóstico de doenças neurodegenerativas, pois se já há
algum indivíduo com a DMJ família (por exemplo), a testagem genética deverá
fechar o diagnóstico.
O teste genético molecular para a DMJ objetiva analisar a mutação do
gene ATXN3, através do exame de amplificação de PCR da região de
repetições trinucleotídicas CAG, o qual determina o número de tais repetições.
O teste possui altos índices de especificidade e sensibilidade, detectando
100% dos indivíduos afetados (D’ABREU, 2010; PAULSON, 2011).
Com relação ao tratamento, ainda não há cura para a doença e nem
formas de diminuir a progressão da mesma. Porém, existem tratamentos
farmacológicos e não-farmacológicos que ajudam a atenuar o impacto
sintomatológico da doença (D’ABREU, 2010; PAULSON, 2011).
Rodrigues (2012) elaborou uma tabela resumida (Tabela 1) contendo as
13
indicações
farmacológicas
e
não-farmacológicas
para
as
diversas
manifestações clínicas da DMJ.
Tabela 1. Tratamento Farmacológico e não Farmacológico para a DMJ,
conforme Rodrigues (2012), adaptada pelo autor.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
Com eficácia comprovada
Fármaco
Indicação
Sem eficácia comprovada
Fármaco
Indicação
Melhoria da ataxia axial
precoce, comprovada
por melhoria da
posição ortostática
apoiada em um só
Agonistas
Sintomas
dopaminérgicos
parkinsonianos
Amantadina
Distonia
Levodopa
Bradicinesia
membro e da marcha
pé-ante-pé e
Lamotrigina
diminuição da
expressão da ataxina-3
mutada em cultura de
células linfoblásticas de
um paciente com DMJ.
Estas ações não foram
confirmadas na fase
final do ensaio clínico.
Baclofeno
Miméticos da
Espasticidade
Não se verificaram
Atropina
Problemas do sono
melhorias da
Agentes
Sialorreia
espasticidade, da
hipnóticos
Trimetropim-
ataxia da marcha ou da
Toxina botulínica
Sulfametoxazol
sensibilidade, para as
Anticolinérgicos
Benzodiazepinas
Baclofeno
quais o estudo destes
Distonia
fármacos foram
Espasticidade
propostos.
Carbamazepina
Modafinil
Amantadina
Metilfenidato
Fadiga diária
Tandospirona
(Agonista 5-HT1A)
Possivelmente melhora
a depressão, a ataxia,
a insônia, as dores
14
Antidepressivos
Depressão
musculares e a
anorexia. O estudo que
Mexiletina
Carbamazepina
foi realizado com este
Cãibras
fármaco é de curta
Magnésio
duração (4 semanas),
com um número
Óculos
reduzido de pacientes
Diplopia
prismáticos
(7 indivíduos) e sem
grupo controle.
TRATAMENTO NÃO-FARMACOLÓGICO
Terapia
Terapia Ocupacional
Indicação terapêutica
Depressão
Apesar do exercício não atrasar a progressão
Fisioterapia
da doença, ajuda os pacientes a lidarem com
Programa de exercícios
as suas dificuldades, a aumentar a
autoestima e a melhorar o humor
Fonoaudiologia
Disartria
Auxiliadores da marcha;
Scooters motorizadas;
Modificar a habitação (barras de apoio,
Aumentar a independência do paciente
assentos sanitários próprios e
rampas).
Controle regular do peso
Evitar situações de obesidade que possam
exacerbar as dificuldades de locomoção
Como visto na Tabela 1, a Fonoaudiologia foi citada apenas no
tratamento das disartrias (disartrofonias), porém é responsável também pelos
aspectos de mastigação e deglutição, as quais também possuem impacto
importante na vida do indivíduo com DMJ. Dessa forma, o próximo capítulo
trará aspectos relevantes sobre a atuação fonoaudiológica na DMJ, juntamente
com publicações relacionadas ao tema.
15
3 FONOAUDIOLOGIA NO TRATAMENTO
DA DISARTRIA E
DA
DISFAGIA NA DOENÇA DE MACHADO-JOSEPH
Como visto anteriormente, a DMJ é composta por um quadro
sintomatológico complexo e variável, com diferentes modos de expressão. Dois
sintomas são de extremo interesse para a Fonoaudiologia: a disartrofonia e a
disfagia. Ambos podem incapacitar o indivíduo em duas áreas essenciais para
uma boa qualidade de vida: convívio social e alimentação. Assim, o objetivo
deste capítulo é, através da revisão de literatura, entender as características
destes sintomas na DMJ e correlacioná-los ao tratamento fonoaudiológico.
3.1
A DISARTROFONIA NA DMJ
Busanello, Nisa-Castro, Rosa (2007) explicam que para que a fala
ocorra são necessárias rápidas modificações do aparato articulatório
(mandíbula, lábios, dentes, língua, véu palatino, entre outros), devendo ser
sincronizadas com a produção do ar sonoro e coordenadas pelo sistema
extrapiramidal, sendo incluído o cerebelo. Tal coordenação garantirá a
produção de palavras e frases de forma fluente e natural.
Os movimentos fonoarticulatórios são regulados pelo córtex cerebral,
cerebelo, gânglios da base e unidades motoras. O córtex cerebral é a maior
estrutura para o processamento da fala e da linguagem. O cerebelo está
presente em vários estágios do processo do movimento fonoarticulatório,
realizando o controle especializado e altamente desenvolvido do movimento. O
córtex cerebelar recebe input sensorial da língua, lábios, mandíbula, laringe e
sistema auditivo, e rapidamente integra esta informação para sua contribuição
no processo motor fonoarticulatório. Os gânglios da base (núcleo caudado,
putamen, globo pálido, substância negra e núcleo subtalâmico), abrangem a
maior parte do sistema motor extrapiramidal, com contribuições especializadas
no controle do movimento da fala. Os neurônios motores principais (alfa) da
ponta anterior da medula comandam as fibras musculares que realizam a ação.
Os núcleos importantes no córtex motor fonoarticulatório são: núcleo ambíguo
16
(medula); núcleo facial, não motor trigeminal, não hipoglossal (localizados no
tronco cerebral) (MEDEIROS, 1999, p. 28-29).
Distúrbios no controle neuromuscular dos mecanismos de fala afetam
diretamente os sistemas ressonantal, articulatório, fonatório e respiratório,
caracterizando a disartrofonia (WOLF, 2008, p.05). Entre as causas da
disartrofonia encontram-se processos traumáticos craniocervicais, tumores
encefálicos, lesão vascular encefálica, doenças infecciosas, metabólicas,
tóxicas ou degenerativas do sistema nervoso e/ou muscular ou, ainda, fazer
parte dos complexos sintomas ocasionados por uma anomalia nervosa
congênita (MEDEIROS, 1999, p. 29).
A disartrofonia varia conforme local da lesão, grau de severidade, curso
da doença (desenvolvimental, estável, degenerativa ou exacerbante) e é
classificada em: flácida, espástica, atáxica, hipocinética e hipercinética
(MEDEIROS, 1999, p. 29).
Na DMJ encontramos a disartrofonia atáxica, devido às alterações
cerebelares e neuromotoras envolvidas na doença. Este tipo de disartrofonia é
caracterizado pela incoordenação muscular articulatória da fala, tendo seus
movimentos lentos inapropriados quanto ao tônus, extensão, duração e
direção, além de haver o tremor intencional, o qual aumenta até o final do
movimento (BUSANELLO, NISA-CASTRO, ROSA, 2007, p. 248).
Em estudo com brasileiros com DMJ, a disartrofonia esteve presente em
63,5% dos casos, estando em nível leve em 10% dos indivíduos, moderado em
mais da metade destes (54%), disartrofonia grave em 16,4%, havendo, ainda, a
ocorrência de anartria, correspondendo a 5% (JARDIM et al, 2001, p. 901).
Segundo Coutinho (1992, p. 53) após dez anos de evolução da doença, a
disartria pode tornar-se grave em 25% dos casos, após quinze anos, este
número sobe para 50%.
Raimondi e Carrara-de-Angelis (2007) realizaram um estudo de caso
sobre as alterações comunicativas verbais de um paciente com ataxia
degenerativa, onde encontraram disfunções em todos os sistemas envolvidos
na fala. Os achados demonstraram as seguintes características: imprecisões
articulatórias, fala lentificada, inflexibilidade na mudança da velocidade de fala,
deficiências prosódicas, alterações na qualidade vocal e redução do suporte
respiratório.
17
Dados acústicos da fala disartrofônica atáxica, mostraram alterações na
frequência fundamental, formantes, instabilidade de curto prazo em intensidade
(shimer) e frequência (jitter), padrão diferente de alongamento e de redução de
sílabas, comprometendo a ênfase prosódica (KENT et al, 2000; CASPER et al,
2007);
Na literatura foram encontrados apenas dois estudos que analisam as
características da disartrofonia especificamente em casos de DMJ, os quais
foram realizados por Wolf (2008) que avaliou os aspectos clínicos da fala e da
deglutição em pacientes portadores da doença e por Barreto et al (2009) que
caracterizou a fala de três casos de ataxia espinocerebelar, sendo dois
diagnosticados como DMJ, através de avaliação perceptivo-auditiva e acústica.
A pesquisa
de
Wolf
(2008)
foi
realizada
com
31
indivíduos
diagnosticados com DMJ, sendo gravada a fala destes e avaliada de forma
perceptivo-auditiva
e,
também,
de
forma
acústica.
Os
resultados
demonstraram:
- Pitch: monofrequência (38,7%), seguido de quebra de frequência e
tremor (ambos com 6% de frequência). A autora coloca que a monofrequência
é um sintoma comum na DMJ, enquanto a presença de tremor ocorre com
pouca frequência.
- Qualidade Vocal: as alterações encontradas contemplam soprosidade
(64,5%), rouquidão (54,8%) e tensão (19,3%). A variabilidade da qualidade
vocal é explicada pelo acometimento dos sistemas cerebelar, piramidal,
extrapiramidal e periférico. Dependendo da predominância do sistema afetado,
as características vocais tendem a ser diferentes.
- Ressonância: a hipernasalidade esteve presente em 80,6% dos casos
e pouca pressão aérea intraoral em 90,3% dos indivíduos;
- Prosódia: mostrou ser um dos sistemas mais afetados devido à
ocorrência de alteração em ritmo (83,8%), redução de ênfase (54,8%), variação
de velocidade (41,9%), pausas inapropriadas (35,4%) e intervalos prolongados
(25,8%).
- Articulação: caracterizadas por imprecisão consonantal (100%),
prolongamento de sons (64,5%), distorções de vogais (22,5%), repetição de
sons (16,1%) e interrupções articulatórias (9,6%). Na avaliação do Gesto Motor
de Fala Alternada (GMFA), a qual avalia a velocidade dos movimentos
18
articulatórios e da posição dos articuladores, mais conhecida como
diadococinesia articulatória, a taxa de repetição de sílabas foi considerada
lenta (90,3%) e irregular (100%).
Embora haja problemas em todos os sistemas envolvidos na fala, a
inteligibilidade da mesma se mostrou pouco prejudicada, havendo em 83% dos
casos inteligibilidade do discurso entre 76 a 100%.
No estudo de Barreto et al (2009), as alterações de qualidade vocal e de
articulação encontradas foram semelhantes da pesquisa acima. Contudo,
alguns achados diferem do estudo anterior como a alteração de pitch que se
mostrou agudo em um dos indivíduos, com relação à ressonância houve
presença de hiponasalidade e nasalidade mista. A inteligibilidade de fala em um
dos sujeitos foi de 89% em palavras isoladas e de 99% em frases, enquanto o
outro indivíduo teve índice de 46% em palavras e 64% em frases, evidenciando
a diferença de gravidade dos sintomas conforme estágio da doença. Achou-se
nos casos, também, loudness reduzido, o qual não foi avaliado no estudo de
Wolf (2008).
Dados semelhantes foram encontrados no estudo de caso de Moraes et
al (2007), de uma paciente de 23 anos, assinalando alteração de qualidade
vocal (pastosa e astênica), instabilidade de intensidade e frequência em vogal
sustentada, imprecisão articulatória, além de hipernasalidade leve, sendo esta
apenas em GMFA. A inteligibilidade de fala se mostrou muito prejudicada.
Busanello, Nisa-Castro, Rosa (2007) descreveram o caso de um
paciente com DMJ, de 27 anos, voltado para os aspectos de fala, o qual
apontou características de disartria leve no início do acompanhamento
fonoaudiológico, havendo pequena dificuldade na movimentação de órgãos
fonoarticulatórios, dificuldade na vocalização sustentada e na produção de
fonemas fricativo labiodental surdo e tepe alveolar, tremor intencional em fala,
voz e em movimentos faciais. Após três anos, houve piora do quadro geral da
paciente devido evolução da doença, fato que agravou a disartria, tornando-a
severa. Tal agravamento gerou disprosódia típica associada a hipernasalidade,
incoordenação respiratória, diminuição da velocidade de fala, imprecisão
articulatória, ataques vocais aspirados e aumento dos tremores. Neste caso, as
alterações de fala dificultaram consideravelmente sua inteligibilidade.
19
Nisa-Castro, Paniagua e Santos (2005) relataram um caso de uma
portadora de DMJ, de 60 anos, com início dos sintomas aos 40 anos de idade,
onde analisaram o efeito do envelhecimento sobre as manifestações de fala e
deglutição decorrentes da doença. Quanto à fala, apresentava imprecisão
articulatória leve, diminuição da velocidade de fala e disprosódia, com relação à
voz, a qualidade vocal era minimamente áspera, com ressonância hipernasal,
pequena extensão vocal e limitação na coaptação glótica. Os dados sugerem
uma disartria leve.
Os dois primeiros casos citados acima são de pacientes adulto-jovens
com início da doença precoce, os quais mostram características semelhantes
de disartrofonia, com impacto importante na inteligibilidade da fala. Já o último
caso, o início dos sintomas ocorreu dentro da idade média descrita na
literatura, porém com repercussões menores na inteligibilidade de fala. Wolf
(2008, p. 61) correlacionou a idade de início da doença com vários sintomas
fonoarticulatórios. A autora encontrou alta correlação da monofrequência e
alteração de ritmo, e moderada correlação da redução de ênfase, imprecisão
de vogais e prolongamentos de som.
Com relação à avaliação da disartrofonia, Medeiros (1999, p. 32) explica
que nestes casos a avaliação pode detectar alterações, classificar a
disartrofonia, detectar o local da lesão ou o processo da doença, especificar a
severidade do quadro, além de estabelecer prognóstico e conduta terapêutica
adequada. Raimondi e Carrara-de-Angelis (2007, p. 19) afirmam que a
avaliação fonoaudiológica pode ser um instrumento para o diagnóstico
diferencial de distúrbios neurológicos, como os provenientes de transtornos
cerebelares.
Os procedimentos avaliativos descritos nos estudos de caso abrangem a
avaliação completa de face e oromiofuncional (morfologia, sensibilidade,
mobilidade, tônus e função), avaliação da função respiratória, avaliação
percepto-auditiva da qualidade vocal, da ressonância e da fala (articulação
oral), avaliação do GMFA, além de análise acústica vocal dos parâmetros pitch
(frequência) e loudness (intensidade).
Estes procedimentos estão de acordo com a avaliação da disartrofonia
descrita por Medeiros (1999), a qual divide a avaliação por função:
20
- Função respiratória: avalia-se tipo e modo respiratório, medida de
capacidade vital, padrão respiratório e coordenação pneumofonoarticulatória;
- Função fonatória: avalia-se a qualidade vocal, ressonância, pitch e
loudness;
- Função do esfíncter velofaríngeo: investiga-se a presença do reflexo de
gag e de vômito, avalia-se a morfologia, a mobilidade do véu palatino e seu
grau de oclusão, através da medida de escape de ar nasal;
- Articulação oral: inicialmente é feita a avaliação do aspecto, postura,
tônus, sensibilidade, mobilidade de cada estrutura envolvida na articulação,
posteriormente avalia-se o quadro fonêmico e o GMFA.
A terapia da disartrofonia tem como objetivo principal a coordenação
global do paciente, coordenação esta que vai desde estratégias de
relaxamento até a melhor condição articulatória conseguida. A terapia deve ser
realizada em etapas gradativas, através da correção respiratória, modificação
eficaz da emissão sonora e adequação da ressonância (MEDEIROS, 1999, p.
34-35).
Sobre a terapia da disartrofonia na DMJ, os objetivos específicos
encontrados na literatura citam a adequação do tipo e modo respiratório,
melhora do padrão fonatório (qualidade vocal, ressonância), articulatório,
prosódico e dos aspectos oromiofuncionais. Os estudos de Nisa-Castro,
Paniagua e Santos (2005) e Busanello, Nisa-Castro, Rosa (2007) relatam como
primeiro objetivo a melhora da função respiratória, pelo comprometimento da
função protetiva de tosse que aumenta o risco de disfagia. O único
procedimento descrito foi a execução de exercícios com a emissão de vogais
em alta intensidade e fala seguindo este mesmo padrão (MORAES et al, 2007,
p.33).
Com as descrições acima é possível compreender as alterações em
nível de fala causadas pela DMJ, bem como os aspectos avaliativos e
terapêuticos. Medeiros (1999, p. 37) coloca que na disartrofonia a
sintomatologia pode significar transtornos diferentes, sendo imprescindível a
avaliação detalhada, correlacionando fala e anormalidade muscular subjacente.
21
3.2
A DISFAGIA NA DMJ
A deglutição é uma função estomatognática complexa que transporta
material deglutido e saliva da boca ao estômago, com respostas motoras
padronizadas e modificáveis por alterações no estímulo, no volume e na
consistência do bolo alimentar, a qual é iniciada, coordenada e integrada ao
sistema nervoso central, sendo composta por um mecanismo antagônico e
sinérgico de ações musculares. Para tal, há a participação do córtex cerebral,
do tronco cerebral e dos nervos encefálicos, trigêmeo (V), facial (VII),
glossofaríngeo (IX), vago (X), acessório (XI) e hipoglosso (XII) (LOGEMAN,
1983; MACEDO FILHO, GOMES, FURKIM, 2000; RIBEIRO, 2000).
Com relação às estruturas anatômicas envolvidas na deglutição, as
responsáveis em nível de cavidade oral são: lábios, bochechas, mandíbula,
assoalho da boca, língua, dentes, palato duro, palato mole, úvula, e pilares
amigdalianos. Já em nível faríngeo encontramos: músculos constritores da
faringe, seios piriformes e cricofaríngeos. As estruturas anatômicas da laringe
responsáveis pela deglutição são: epiglote, valécula, vestíbulo laríngeo,
ligamentos
ariepigloticos,
aritenoides,
bandas
ventriculares,
ventrículos
laríngeos e pregas vocais (MACEDO FILHO, GOMES e FURKIM, 2000, p. 20).
Para melhor compreensão deste ato complexo, a deglutição é dividida
didaticamente em quatro fases:
- Fase Preparatória: ocorre a salivação, captação do alimento,
movimentação de língua e mastigação. O Sistema Nervoso Central participa
com cerebelo, sistema nervoso autônomo na sua porção parassimpática, nervo
trigêmeo (V), facial (VII), hipoglosso (XII) e córtex encefálico (LOGEMAN, 1983;
RODRIGUES, 1998);
- Fase Oral propriamente dita: após a formação do bolo alimentar, este é
posicionado no sulco longitudinal da língua à altura do terço médio. Através de
movimentos ondulatórios da língua, o bolo é impulsionado posteriormente até
disparar o reflexo de deglutição. Esta fase é considerada voluntária e
consciente, uma vez que pode ser acelerada, retardada e interrompida
(LOGEMAN, 1983; RODRIGUES, 1998; RIBEIRO, 2000);
- Fase Faríngea: o transporte do alimento se dá através da faringe, a
qual se fecha na nasofaringe, pela elevação do véu palatino contra a parede
posterior da faringe. Ocorre a elevação do osso hioide, tracionando a laringe
22
contra a base da língua, fechando a sua entrada. Simultaneamente, as pregas
vocais se colocam em posição de adução, completando o mecanismo de
proteção. Com a elevação da laringe, o músculo cricofaríngeo é rebaixado,
relaxando, então, o esfíncter esofágico superior permitindo a passagem do bolo
para sua luz. Através da contração ondulatória do músculo constritor médio e
inferior, o bolo alimentar é conduzido até o esôfago. Esta fase é considerada
consciente e involuntária e são provenientes do Tronco Encefálico, núcleos do
IX e X pares cranianos e substância reticular ascendente (LOGEMAN, 1983;
RODRIGUES, 1998; RANGEL, 1998; RIBEIRO, 2000);
- Fase Esofágica: esta fase é caracterizada por ser involuntária e
inconsciente. Isso se explica pelo fato de alimento ser levado do esôfago até o
estômago através de movimentos peristálticos involuntários comandados pelo
sistema nervoso autônomo via nervo vago (X par). O final desta etapa se dá
pelo relaxamento do esfíncter esofágico inferior e a passagem do alimento para
o estômago (LOGEMAN, 1983; RODRIGUES, 1998; RANGEL, 1998; RIBEIRO,
2000).
A disfagia é entendida como um distúrbio da deglutição ou qualquer
dificuldade do trânsito do bolo alimentar da boca até o estômago, decorrente de
lesões neurológicas, estruturas orais e/ou orofaríngeas, podendo estar
associado a complicações, tais como: desnutrição, pneumonia aspirativa,
penetração laríngea, presença de saliva ou restos alimentares no vestíbulo
laríngeo antes, durante ou após a deglutição (ODDERSON, MCKENNA, 1993;
MACEDO FILHO, GOMES e FURKIM, 2000).
Padovani et al. (2007, p. 200) ressalta que a disfagia ou dificuldade na
deglutição pode resultar na entrada de alimento na via aérea, ocasionando
tosse, sufocação / asfixia, problemas pulmonares e aspiração. Além disso,
podem ocorrer déficits nutricionais, perda de peso decorrente de desidratação,
pneumonia e morte.
A disfagia pode ser neurogênica, mecânica, decorrente da idade,
psicogênica, e/ou induzida por drogas e, também, pode ser classificada
conforme a fase da deglutição alterada, podendo ser oral e/ou faríngea, e
esofágica (MACEDO, GOMES e FURKIM, 2000, p. 29-30).
Os estudos sobre disfagia nas ataxias espinocerebelares mostram
anormalidades nas fases preparatória, oral e faríngea da deglutição,
23
caracterizando disfagia orofaríngea neurogênica. As alterações comumente
vistas são fraqueza muscular, disartria, engasgo com alimentos líquidos e
sólidos, tosse, alteração de coordenação motora e dificuldade de ingerir sólidos
e líquidos (RÜB et al, 2003; NAGAYA et al, 2004; RAMIÓ-TORRENTIA,
GOMEZ, GENIS, 2006; PALMONARI, 2010).
NAGAYA et al (2004) analisaram as alterações de deglutição em
pacientes com ataxia cerebelar e Doença de Parkinson, baseados na
observação do exame de videofluoroscopia. Com relação à ataxia cerebelar,
foram encontradas alterações na fase oral e faríngea. Na fase oral houve
presença de contraste residual em cavidade oral, descontrole do bolo
alimentar, bem como escape prematuro posterior e deglutição fragmentada
(divisão do bolo alimentar em duas ou três deglutições sucessivas). Na fase
faríngea as alterações incluem presença de resíduo em valécula e seios
piriformes e, também, houve ocorrência de aspiração laringotraqueal.
Ramió-Torrentia, Gomez, Genis (2006), referem que nas ataxias
degenerativas a deglutição de alimentos líquidos ocorre com maior dificuldade
do que com alimentos sólidos, havendo um risco significativamente maior para
penetração laríngea de líquidos. Os autores acreditam que tal fato ocorra pelo
atraso do reflexo de deglutição, podendo acontecer pelo líquido atingir a
epiglote antes do seu fechamento ou antes do movimento da mesma estar
completo.
A disfagia na DMJ é uma queixa comum, embora muitas vezes pouco
considerada e pouco estudada, sendo sua frequência em portugueses de 65%,
no Brasil o número é semelhante, chegando a 63,5% dos casos (COUTINHO,
1992, p. 39; JARDIM et al, 2001, p. 901).
Coutinho (1992, p. 52) explica que a disfagia pode iniciar no primeiro ano
(7% dos casos), a partir do oitavo ano de evolução a queixa é encontrada em
70% dos indivíduos, após o décimo quinto ano a disfagia é predominantemente
moderada ou grave. No estudo Jardim et al (2001, p. 902) os achados
demonstram um número muito maior de indivíduos com disfagia moderada
(57,5%), comparado à disfagia severa (6%). Ainda, existem casos que mesmo
a doença tendo 20 anos de evolução, não há manifestação de disfagia (12,5%
dos indivíduos).
Estes pacientes desenvolvem a disfagia devido ao acometimento do
24
Sistema Nervoso Central, iniciando pela lesão supranuclear, após integra ao
quadro a síndrome piramidal bilateral, posteriormente os pares encefálicos
inferiores são afetados e, por último, há lesão pseudobulbar, esta última já
caracterizando níveis mais avançados da doença (COUTINHO, 1992, p. 41).
Rüb et al (2003) realizaram um estudo anatomopatológico de um
paciente com DMJ, a fim de correlacionar alterações de estruturas do tronco
cerebral com as características de disfagia. Os autores explicam que as lesões
do núcleo sensitivo principal do trigêmeo (que envia informações táteis) e do
núcleo do trato espinhal do trigêmeo (que envia impulsos de temperatura e de
dor) podem estar relacionadas às dificuldades nas fases preparatória e oral
propriamente dita da deglutição, pois as alterações sensoriais complicam a
determinação da atividade oral necessária para a formação e manipulação do
bolo alimentar. Com relação à atividade motora, as alterações dos núcleos
motores dos nervos trigêmeo, facial e hipoglosso dificultam a fase preparatória
oral e, juntamente com a lesão dos núcleos ambíguo, solitário pigmentado e
reticular parvocelular, acometem os aspectos linguais da deglutição. Com
relação à fase faríngea da deglutição, as danos dos núcleos ambíguo,
hipoglosso, solitário medial, solitário pigmentado e reticular parvocelular podem
explicar as alterações desta fase.
Palmonari (2010, p. 31) resume os sinais e sintomas presentes na DMJ
que podem potencializar a disfagia, sendo elas: ataxia espinocerebelar e atrofia
cerebelar, disfunção cognitiva, distonia (cervical), parkinsonismo, disartria,
fasciculações de face e de língua, neuropatia periférica e paralisia de prega
vocal.
Rüb et al (2003) descreveram alteração na fase preparatória e oral por
dificuldade na mastigação, fraqueza dos músculos faciais e lingual, diminuição
da mobilidade labial e lingual, atrofia lingual, presença de retenção intra-oral de
alimentos, ligeiro tremor intencional irregular e dificuldade de iniciar o ato de
deglutição. Na fase faríngea os problemas são provenientes da fraqueza dos
músculos faríngeos, da diminuição da mobilidade laríngea e da diminuição
simétrica dos reflexos faríngeos, havendo episódios de engasgo.
Wolf (2008) coloca que a presença de alterações do controle motor oral
propicia a ocorrência de estases e penetrações, pois a manipulação na
cavidade oral de alimentos de maior viscosidade e volume fica prejudicada. Os
25
achados incluem deglutição normal em três pacientes, disfagia moderada ou
discreta em quatro indivíduos e apenas um com disfagia grave. Os problemas
encontrados foram presença de estase faríngea, especificamente localizada
em valécula, seio piriforme, esfíncter esofágico superior e parede posterior da
faringe, escape posterior do alimento, além de penetração e aspiração
laringotraqueal.
Moraes et al (2007) em seu estudo de caso de uma paciente com DMJ,
relata que as queixas sobre a alimentação envolviam pigarro e tosse
frequentes, assim como engasgos com qualquer consistência, em menor
freqüência para pastosos.
Os achados do estudo de caso de Nisa-Castro, Paniagua e Santos
(2005) são semelhantes aos anteriores, pois referem alterações de mobilidade
e força de órgãos fonoarticulatórios e faringo-laríngeos, assim como
dificuldades de mastigação de alimentos sólidos e episódios de engasgo.
Porém, o paciente precisou realizar movimentos compensatórios como flexão
de cabeça e esforço na deglutição de alimentos sólidos e contração de
musculatura periorbicular também em alimentos pastosos, o tempo de
alimentação se mostrou aumentado.
Corrêa (2009) caracterizou a disfagia de 20 pacientes com DMJ, os
quais apresentaram mobilidade diminuída de língua e distonia da mesma.
Houve relato dos pacientes de tosse ou engasgo durante e após refeição,
sensação de alimento parado na garganta e perda de peso. Sobre a fase
faríngea, foram vistas a presença de tosse e engasgos, estase faríngea, e
penetração e aspiração laringotraqueal em alimentos líquidos e sólidos.
Nenhum paciente apresentou estas alterações faríngeas na deglutição de
alimentos pastosos.
Já a pesquisa de Palmonari (2010) mostrou resultados diferentes dos
demais, voltando à atenção especificamente para a DMJ, dos oito pacientes
avaliados clinicamente e por videofluoroscopia, apenas um apresentou
disfagia, sendo esta de grau leve. Esta contradição pode ser explicada pela
afirmação de Coutinho (1992) quando refere que 12% dos casos podem nunca
desenvolver um distúrbio de deglutição, mesmo após 20 anos de evolução da
doença.
Em resumo, na fase preparatória oral as dificuldades encontram-se na
26
mastigação e na formação do bolo alimentar, ocorrendo por problemas
sensoriais e motores do sistema estomatognático. As alterações de mobilidade
e tônus dos músculos envolvidos explicam tais dificuldades.
Na fase oral propriamente dita, a língua é a principal estrutura
acometida, podendo estar atrofiada, com diminuição do tônus e mobilidade.
Este fato gera um empecilho para o início do ato da deglutição, uma vez que o
movimento ondulatório da língua não consegue realizar a ejeção do bolo para
faringe. Com isso, o indivíduo pode usar de movimentos compensatórios para
fazer a projeção do alimento para a faringe. Outro ponto é a diminuição
simétrica dos reflexos faríngeos, que atrasa o disparo do reflexo de deglutição,
podendo ter como conseqüência o escape prematuro posterior do bolo
alimentar para a faringe.
Na fase faríngea, a fraqueza muscular faríngea diminui o trânsito
faríngeo, ocasionando a estase de alimentos em valécula, seios piriformes,
parede posterior da faringe, em esfíncter esofágico superior ou, ainda, uma
estase total. A estase citada acima aliada à diminuição da mobilidade laríngea
proporciona risco à ocorrência de penetração e/ou aspiração laringotraqueal,
podendo acontecer engasgos, sufocamento e tosse durante e após as
refeições.
Com relação à avaliação da disfagia, o padrão-ouro alia avaliação clínica
e instrumental.
Na avaliação clínica da disfagia na DMJ, Corrêa et al (2010) descreve
como primeiro procedimento a realização de uma anamnese que investigue os
sintomas desde o princípio das manifestações da doença, os hábitos
alimentares e suas as queixas, sobre o prazer de comer, se a alimentação é
independente ou se necessita de ajuda, e se há ocorrência de perda de peso
ou de broncopneumonia aspirativa.
A avaliação clínica contempla a observação da morfologia, a avaliação
da mobilidade, sensibilidade e tônus dos órgãos do sistema estomatognático, a
investigação dos reflexos de gag, tosse e de mordida (CORRÊA et al, 2010).
Na maioria dos estudos foram utilizadas as consistências padrão da American
Dietetic Association (2002) para a avaliação da deglutição: líquido, mel, pudim
e sólido.
Sobre a fase preparatória e oral avalia-se a eficiência da captação do
27
bolo alimentar, vedamento labial, preparo do bolo alimentar, tempo de trânsito
oral, coordenação entre as fases oral e faríngea da deglutição, escape extraoral e resíduos em cavidade oral após deglutição (PALMONARI, 2010).
Quanto à fase faríngea, verifica-se alteração na elevação da laringe
como assimetria, tremor, paresia ou paralisia, presença de reflexo de tosse,
engasgo, dispneia, voz “molhada” durante a alimentação, desconforto,
deglutições múltiplas e, através da ausculta cervical, infere-se a efetividade do
mecanismo de proteção das vias aéreas, a ocorrência de estase faríngea,
velocidade do trânsito faríngeo e sinais sugestivos de penetração e/ou
aspiração laringotraqueal (CORRÊA et al, 2010; PALMONARI, 2010).
A
avaliação
instrumental
poder
ser
realizada
através
da
videofluoroscopia e da videoendoscopia da deglutição.
A videofluoroscopia da deglutição é considerada atualmente o melhor
exame instrumental para avaliar objetivamente a dinâmica da deglutição. Isto
devido à possibilidade de visualização de todas as fases da deglutição com
imagens radiológicas em tempo real. É possível verificar as dificuldades do
processo de alimentação e, também, testar manobras, consistências e volumes
mais adequados para uma deglutição eficiente, sem riscos de penetração de
laringe e ou aspiração (GATTO, REHDER, 2006). Nesta avaliação, os estudos
utilizaram as mesmas consistências alimentares descritas anteriormente.
A
videoendoscopia
da
deglutição
é
realizada
por
meio
de
fibronasofaringolaringoscópio introduzido pela fossa nasal, o qual é possível
avaliar a anatomia e fisiologia de faringe e laringe, sensibilidade faringolaríngea, detecção de aspiração laringo-traqueal. É realizado através da
administração de bolos alimentares corados com azul de metileno ou anilina
comestível, em quantidades e consistências progressivas. Nesta avaliação,
utilizam-se as mesmas consistências alimentares descritas anteriormente
(SANTORO, 2003).
A terapia de disfagia na DMJ busca a manutenção ou o restabelecimento
da ingestão oral, sendo utilizadas as terapias indireta e direta Com relação à
terapia indireta, ela busca a melhora da mobilidade e sensibilidade das
estruturas que se relacionam com a deglutição, não havendo oferta de
alimento. Já a terapia direta consiste na oferta de alimento como meio de
melhorar a eficiência da deglutição (MACEDO FILHO, GOMES, FURKIM, 2000;
28
CORRÊA, 2009, p. 36).
Segundo Furkim (1997, p. 44-45), a terapia para disfagia envolve
exercícios para resistência muscular, maior controle do bolo alimentar dentro
da
cavidade
oral
(mobilidade
e motricidade
de
orgãos
do
sistema
estomatognático), aumento da adução dos tecidos no topo da via aérea
“principalmente pregas vocais verdadeiras (PPVV)”, mobilidade laríngea,
manobras posturais e estimulação do reflexo de deglutição.
Corrêa (2009, p.36) cita as mudanças posturais de cabeça para maior
proteção das vias aéreas e propulsão do bolo alimentar, e as manobras
compensatórias e facilitadoras da deglutição: supraglótica, supersupraglótica,
deglutição com esforço, manobras de Valsalva e Mendelsohn.
NAGAYA et al (2004) através da videofluoroscopia, afirmam que a
manobra postural de flexão de cabeça (chin tuck) e a manobra facilitadora de
deglutição supraglótica são eficazes na prevenção da aspiração em pacientes
com ataxia que possuem controle cervical adequado.
Nisa-Castro, Paniagua e Santos (2005) descreveram os seguintes
procedimentos para terapia:
- Para prevenção de penetração e aspiração laringotraquel: manobra
postural de flexão de cabeça (chin tuck);
- Para propulsão do bolo alimentar e para facilitar a passagem do bolo
alimentar pela faringe: deglutição com esforço e deglutições múltiplas.
- Para limpeza das vias aéreas: tosse voluntária.
Moraes et al (2007) relatam que através de exercícios vocais houve
melhora das queixas de engasgo durante a deglutição de uma paciente com
DMJ.
Corrêa (2009) estudou a eficácia do treinamento e biofeedback
eletromiográfico para a correta realização da manobra de Mendelsohn na DMJ,
a qual é utilizada para proteção das vias aéreas, maximização da elevação
laríngea, retirada de alimentos retidos na faringe e facilitação da passagem do
bolo alimentar pela orofaringe. Na pesquisa, o treinamento e o biofeedback da
manobra resultaram em um aumento do tempo de sustentação da elevação
laríngea, melhorando a deglutição com saliva e com alimento pastoso.
Outra estratégia utilizada é a mudança de consistência do alimento.
Segundo NAGAYA et al (2004), na observação realizada com pacientes com
29
ataxia, a consistência pastosa se mostrou a melhor opção para prevenção de
aspiração laringotraqueal. Constatações parecidas foram encontradas nos
estudos de Nisa-Castro, Paniagua e Santos (2005), Moraes et al (2007),
Corrêa (2009). Dessa forma, pode-se inferir que a consistência pastosa é a
mais adequada para a terapia direta, pois permite maior controle da fase oral,
menor ocorrência de estase faríngea e menor risco para penetração e/ou
aspiração laringotraqueal. As consistências sólidas e líquidas se mostraram de
maior dificuldade, a primeira pelo fato de haver alterações de mobilidade e
tônus que prejudicam a coordenação das fases da deglutição e a segunda por
necessitar de maior precisão e rapidez dos órgãos do sistema estomatognático.
Deste
modo,
a
disfagia
merece
uma
atenção
especial
dos
pesquisadores, pois a alimentação não é apenas uma necessidade fisiológica,
ela nutre, também, as relações sociais e o prazer de comer. Por isso, conhecer
as características da disfagia, as formas de avaliação e formas de tratamento
permitem ao fonoaudiólogo tomar condutas adequadas, e prover melhora e/ou
manutenção deste prazer que é a alimentação.
30
4 CONCLUSÃO
As implicações fonoaudiológicas na Doença de Machado-Joseph
englobam dois sintomas que prejudicam a qualidade de vida do indivíduo: a
disartrofonia e a disfagia. O grau de severidade destas aumenta na medida em
que há progressão da doença. Na literatura há carência de estudos que
analisam estas alterações, sendo encontradas algumas pesquisas e estudos
de caso. A disartrofonia altera, com grande variabilidade, todos os sistemas da
fala: respiratório, fonatório, ressonantal e articulatório. Esta variabilidade está
relacionada às estruturas do Sistema Nervoso Central acometidas pela doença,
produzindo diferentes formas de manifestação. A disfagia, por sua vez, tem a
característica de ser orofaríngea, afetando o controle e ejeção do bolo
alimentar em fase oral, e, em fase faríngea, ocorrendo estase faríngea e risco
de penetração e/ou aspiração laringotraqueal. Para tanto, a compreensão
global da doença e de sua fisiopatologia aliadas a uma avaliação
fonoaudiológica minuciosa, são essenciais para definir a conduta mais
adequada nestes casos. A grande variabilidade fenotípica da DMJ requer maior
atenção do fonoaudiólogo, a fim de que este entenda com maior clareza o
quadro do paciente e, por fim, elabore o planejamento terapêutico mais eficaz.
31
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