0 UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Lucas Foltz IMPLICAÇÕES FONOAUDIOLÓGICAS NA DOENÇA DE MACHADOJOSEPH: Uma revisão de literatura CURITIBA 2012 1 LUCAS FOLTZ IMPLICAÇÕES FONOAUDIOLÓGICAS NA DOENÇA DE MACHADOJOSEPH: Uma revisão de literatura Projeto de monografia de conclusão do Curso de Especialização em Motricidade Orofacial: enfoque em disfagia e atuação em âmbito hospitalar da Universidade Tuiuti do Paraná. CURITIBA 2012 2 RESUMO A Doença de Machado-Joseph (DMJ) é uma doença hereditária, progressiva, categorizada como uma ataxia cerebelar autossômica dominante. As alterações decorrentes da doença envolvem os sistemas cerebelar, piramidal, extrapiramidal, motor neuronal e oculomotor, resultando em uma extensa variabilidade fenotípica. Assim, o objetivo desta pesquisa é realizar uma revisão de literatura a respeito dos aspectos fonoaudiológicos na DMJ, apresentando o histórico, as questões patológicas e genéticas, as manifestações clínicas, o diagnóstico e o tratamento, onde possa ser visualizada a atuação da Fonoaudiologia na doença. Segundo os autores pesquisados, dentre os diversos sintomas presentes na doença dois são de grande interesse para a área da Fonoaudiologia: a disartrofonia e a disfagia. Conforme a evolução da doença, ambas tendem a, gradativamente, aumentar o grau de severidade, podendo incapacitar a comunicação oral e/ou dificultar o processo de alimentação por via oral, havendo risco de aspiração laringotraqueal. Na DMJ a disartrofonia é classificada como atáxica, acometendo todos os sistemas da fala e de formas variadas, com maior prejuízo na prosódia e na articulação. A avaliação contempla as análises da função respiratória, oromiofuncional, voz, ressonância e articulação. A disfagia, por sua vez, tem a característica de ser orofaríngea, afetando o controle e ejeção do bolo alimentar em fase oral, e, em fase faríngea, ocorrendo estase faríngea e risco de penetração e/ou aspiração laringotraqueal. A avaliação padrão-ouro da disfagia engloba a avaliação clínica e instrumental de deglutição. Na literatura há carência de estudos que analisem com profundidade estas alterações e as formas de tratamento, sendo encontradas algumas pesquisas e estudos de caso. Por isso, a compreensão global da doença, de sua variabilidade fenotípica e de sua fisiopatologia aliadas a uma avaliação fonoaudiológica minuciosa, são essenciais para que o fonoaudiólogo entenda com maior clareza o quadro do paciente e defina a conduta mais adequada nestes casos. Palavras-chave: Doença de Machado-Joseph, Fonoaudiologia, Disfagia, Disartria. 3 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 04 2 DOENÇA DE MACHADO-JOSEPH ................................................................. 05 2.1 HISTÓRICO DA DOENÇA ................................................................................ 05 2.2 ASPECTOS PATOLÓGICOS E GENÉTICOS ................................................... 06 2.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E TIPOS CLÍNICOS DA DMJ ........................... 08 2.4 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO..................................................................... 12 3 FONOAUDIOLOGIA NO TRATAMENTO DA DISARTRIA E DA DISFAGIA NA DOENÇA DE MACHADO-JOSEPH ................................................................. 15 3.1 A DISARTROFONIA NA DMJ ........................................................................... 15 3.2 A DISFAGIA NA DMJ ........................................................................................ 21 4 CONCLUSÃO ................................................................................................... 30 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 31 4 1 INTRODUÇÃO As ataxias espinocerebelares (AEC) formam um grupo heterogêneo de doenças degenerativas do sistema nervoso central, as quais causam distúrbios, primariamente, de ordem cerebelar. São caracterizadas clinicamente por progressiva oscilação postural associada com disartria, disfagia, oftalmoplegia, e sinais piramidais e extrapiramidais. Pode ser dividida conforme sua genética: autossômica recessiva, dominante e casos isolados (OLIVEIRA, FREITAS, 2006, p. 54). A ataxia espinocerebelar tipo 3, também conhecida como Doença de Machado Joseph (DMJ) é considerada uma doença hereditária, progressiva, categorizada como uma ataxia cerebelar autossômica dominante (PAULSON, 2011). A sintomatologia da DMJ envolve principalmente as manifestações cerebelares, sendo sua progressão lenta e podendo coexistir com outros sintomas como: marcha atáxica, alterações oculomotoras, espasticidade, tremores, ataxia e disfagia, disartria, distonia, fasciculações de língua e face, entre outros (BUSANELLO, NISA-CASTRO, ROSA, 2007, p. 247). A disartrofonia e a disfagia são dois sintomas que causam grande limitação conforme sua progressão, que afetam substancialmente a qualidade de vida destes indivíduos. Wolf (2008, p. 05) explica que além das alterações articulatórias presentes na fala do indivíduo com DMJ, há também comprometimento fonatório, sendo mais adequado o termo disartrofonia. Assim, será utilizado tal termo para designar as alterações na produção, emissão e articulação da fala e voz e alteração da prosódia, decorrentes de lesões cerebelares. O fonoaudiólogo tem um papel importante nestes casos, pois na disartria, a capacidade de comunicação vai se restringindo e o uso de métodos alternativos passa a ser um recurso indispensável, especialmente por não haver alterações cognitivas. Na disfagia o tratamento fonoaudiológico é necessário, pois na maioria dos casos, a dificuldade em deglutir pode causar pneumonia aspirativa (WOLF, 2008, p.04). Dessa forma, o objetivo desta pesquisa é realizar uma revisão de literatura a respeito dos aspectos fonoaudiológicos na Doença de Machado- 5 Joseph, apresentando o histórico, as questões patológicas e genéticas, as manifestações clínicas, o diagnóstico e o tratamento, onde possa ser visualizada a atuação da Fonoaudiologia nesta área. 2 DOENÇA DE MACHADO-JOSEPH A DMJ é uma doença genética, crônica e de aparecimento tardio, sendo hereditária e degenerativa. Seus sintomas vão progressivamente comprometendo as capacidades funcionais, restringindo as atividades de vida diária, fato este que afeta o indivíduo e todo o seu sistema familiar. Nos últimos anos tem sido investido na investigação sobre a DMJ, produzindo importante conhecimento clínico e científico que proporciona maior entendimento sobre a doença, na prática de diagnóstico, no aconselhamento genético, na intervenção das diversas áreas que ajudam a minimizar a gravidade da sintomatologia, e na busca de meios de prevenção e de cura (ARRUDA, 2009, p. 02-03). Antes de verificar as questões fonoaudiológicas na DMJ, caracterizaremos a patologia em questão, através do entendimento do seu histórico, dos aspectos fisiopatológicos e genéticos, além dos aspectos clínicos. 2.1 HISTÓRICO DA DOENÇA O reconhecimento científico formal da Doença de Machado Joseph ocorreu há cerca de quarenta anos, porém, o caso mais antigo vem da família Drew de Walworth. Desde o ano de 1895, os dados clínicos de quatro gerações da referida família foram avaliados por vários neurologistas de renome, como os Drs. Gowers, Kinnier-Wilson, Stewart, Collier, Turner, Worster-Drought, Ferguson, Critchley, e Anita Harding entre outros, os quais levantaram várias hipóteses diagnósticas, tais como esclerose múltipla, paralisia agitante, sífilis, ataxia locomotora e ataxia heredo-familial. Contudo, após cem anos de pesquisas, em 1995 foi confirmada a Doença de Machado-Joseph através de estudos de genética molecular do grupo de Anita Harding (TEIVE e ARRUDA, 2004). 6 A referência pioneira da DMJ vem da descrição feita por Nakano, Dawson e Spence (1972). Os autores estudaram cinco gerações da família Machado, os quais possuíam descendência açoriana e que eram radicados em Massachusetts nos Estado Unidos. Foram analisados seis indivíduos de quarenta e cinco familiares afetados pela doença, a qual se caracterizava por uma forma progressiva de ataxia, nistagmo, hiporreflexia, variados graus de amiotrofia e sinais de lesão do cordão posterior da medula. Os autores, então, designaram a patologia como Machado Disease (Doença de Machado). Em 1976, Rosemberg et al. descreveram oito gerações de uma família nos Estados Unidos, também de origem açoriana, que apresentava ataxia progressiva, sinal de Babinski, nistagmo, disartria, bradicinesia, fasciculações de língua e de face, postura distônica e hiperreflexia. Tal família tinha por sobrenome Joseph, sendo mais tarde apontada como Joseph Disease (Doença de Joseph). Coutinho (1992, p. 14) refere que a designação da Doença de MachadoJoseph surgiu em 1980 e foi proposta por Coutinho e Sequeiros no “International Symposium on Autossomal Dominant Motor System Disorders in Persons of Portuguese Ancestry”, para diminuir a complexidade do nome da doença, pela dificuldade em tradução. Assim, o nome foi composto pela primeira família descrita, Machado, e pela maior família afetada, Joseph. A mesma autora declara que este termo foi escolhido também por diplomacia, uma vez que revela ser muito apropriado por não haver grandes dificuldades de pronúncia. Foi apenas no Simpósio supracitado que se chegou ao consenso de que as diferentes formas clínicas eram uma mesma entidade nosológica. Desde então, essa designação é utilizada na comunidade científica. A DMJ é considerada a mais comum das AEC, sendo a sua representatividade importante em vários países como Brasil (69-92%), Portugal (58-74%), Singapura (53%), China (48-49%), Holanda (44%), Alemanha (42%), Japão (28-63%), Canadá (24%), EUA (21%), México (12%), Austrália (12%), Índia (5-14%), África do Sul (4%) e Itália (1%) (BETTENCOURT, LIMA, 2011). No Brasil, a prevalência estimada é de 1:100.000, iniciando os sintomas polimorfos entre 30 e 50 anos (WOLF, 2008). 2.2 ASPECTOS PATOLÓGICOS E GENÉTICOS 7 Existem diversos estudos que demonstram as alterações neuroanatômicas na DMJ (ARRUDA, 2009; D´ABREU et al, 2010; PAULSON, 2011; RODRIGUES, 2012; SEQUEIROS & COUTINHO, 1993). As estruturas atingidas sistematicamente são: núcleos dos nervos cranianos motores, substância nigra, núcleo subtalâmico, núcleo rubro, núcleos pônticos e dentado, pedúnculos cerebelosos médios e superiores, feixe longitudinal medial, núcleos vestibulares, cornos espinhais anteriores, colunas de Clarke e cordões posteriores. Já as estruturas afetadas com menor intensidade ou freqüência: globo pálido, lócus coeruleus, substância cinzenta periaquedutal, teto do mesencéfalo e olivas bulbares. As estruturas sistematicamente poupadas são: córtex cerebral, estriado, córtex cerebeloso, trato corticoespinais. A diferença da DMJ para as outras ataxias autossômicas dominantes é o fato das olivas bulbares serem menos afetadas e pela preservação do córtex cerebelar. Com relação às questões genéticas, a transmissão da DMJ é feita de modo autossômico dominante, não havendo diferença entre homens e mulheres, sendo a gravidade e distribuição de idade semelhantes (COUTINHO, 1992, p. 26). Em sua revisão, Cecchin (2004, p.10) comenta que em 1993 foi descoberto que o locus da DMJ encontra-se no cromossomo 14q.32.1. Já em 1994, foi identificado o gene e denominado MJD1 (também conhecido como ATXN3). Neste gene há uma sequência repetitiva composta pelas moléculas citosina, adenina e guanina (CAG), a qual codifica o aminoácido glutamina. O que ocorre na doença é a repetição expandida desta sequência, havendo, então, acúmulo proteico que afeta células e estruturas intranucleares produzindo degeneração e morte celular (WOLF, 2008). Deste modo, um sujeito sem a DMJ tem dois alelos com 12 a 40 repetições CAG, um sujeito afetado homozigótico pode ter dois alelos com 60 a 84 repetições CAG e um indivíduo heterozigótico pode ter um alelo de 12 a 40 repetições e outro alelo de 60 a 84 repetições (RODRIGUES, 2012, p. 29). Paulson (2011) refere que há uma relação direta entre o número de repetições CAG e a gravidade das manifestações clínicas. Expansões 8 pequenas tendem a causar doenças de início tardio, enquanto um grande número de repetições tende há apresentar maior envolvimento neuropatológico. Este apontamento é corroborado pelo estudo de Maciel et al (1995 p. 60), em que estudaram o DNA de 212 sujeitos pertencentes a 33 famílias com diagnóstico de DMJ e de diferentes origens geográficas. A pesquisa validou o uso da expansão CAG do gene MJD1 como meio diagnóstico e encontrou correlação estatisticamente significante entre o número de repetição e a severidade/ idade do início dos sintomas. Outro ponto é que indivíduos homozigóticos manifestam a doença mais precocemente e com sintomas mais graves, sugerindo-se para estes casos a hipótese de um efeito de dupla dose (RODRIGUES, 2012, p. 30). A maioria dos indivíduos é heterozigoto, ou seja, a mutação genética ocorre em apenas um dos alelos. Dessa forma, o risco genético de transmitir a doença é de 50%, considerando que o outro progenitor seja saudável. (ARRUDA, 2009 p.25; CECCHIN, 2004, p 21). Uma característica importante da DMJ é a existência do fenômeno genético chamado “antecipação”. A antecipação é caracterizada pelo aparecimento mais precoce das manifestações clínicas e pelo aumento da gravidade da doença nos descendentes. Este fenômeno é explicado pelo fato de haver instabilidade da repetição CAG na transmissão de pai para filho, sendo mais freqüente a expansão da repetição do que a contração. Por isso, com a expansão da repetição, o efeito fenotípico é de precocidade e de agravamento do quadro da próxima geração (D´ABREU et al, 2010; PAULSON, 2011). 2.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E TIPOS CLÍNICOS DA DMJ A DMJ é uma doença neurodegenerativa multissistêmica que envolve predominantemente os sistemas cerebelar, piramidal, extrapiramidal, motor neuronal e oculomotor, resultando em uma extensa variabilidade fenotípica, o que muitas vezes dificulta o diagnóstico médico (BETTENCOURT, LIMA, 2011, p. 02). Em seu estudo Coutinho (1992, p. 27) coloca que em 92,4% dos casos o primeiro sintoma da DMJ se dá por perturbações de equilíbrio como dificuldade de andar em caminhos estreitos ou com fraca luminosidade, instabilidade ao 9 dar voltas rápidas, sensação de insegurança ao descer escadas. Em 7,6% dos indivíduos a primeira queixa é relacionada à diplopia. Já na pesquisa de Jardim (2001, p. 900) com 62 indivíduos brasileiros da Região Sul, a ataxia de marcha foi o primeiro sinal em 100% dos casos. Em geral, os primeiros sintomas (onset) da DMJ tendem a aparecer tardiamente, na idade adulta (ARRUDA, 2009, p. 13). Cecchin (2004, p.14) refere que há variação de idade média de início dos sintomas conforme a população sendo em torno dos 24 anos para indianos, japoneses e afroamericanos; dos 32-34 para brasileiros e dos 38-40 anos para portugueses e açorianos. Porém, há grande variabilidade do onset da doença, podendo ocorrer as primeiras manifestações entre 07 a 70 anos. Em sua revisão, Carvalho (2004, p. 09) relata que a duração média da doença varia entre os países, sendo 15,6 anos para pacientes portugueses (variação entre 07 e 29 anos), 21 a 25 anos para alemães e 17 anos para brasileiros (variação entre 05 e 30 anos). Como dito anteriormente, há grande variação fenotípica na DMJ, a qual compõe um quadro clínico complexo, com sinais e sintomas relacionados às alterações dos sistemas afetados. Didaticamente, estas manifestações são divididas em: síndrome cerebelar, manifestações oculares, síndrome piramidal, síndrome periférica, síndrome extrapiramidal e outras manifestações (COUTINHO, 1992, p. 33). - SÍNDROME CEREBELAR: a ataxia cerebelar é a manifestação clínica mais frequente, ocorrendo em 97,8 % dos indivíduos portugueses (SEQUEIROS e COUTINHO, 1993, p. 143), sendo primeiramente a ataxia de marcha, seguido por disartria e incoordenação apendicular, respectivamente. Em brasileiros, a ataxia de marcha foi encontrada em 100% dos casos, a disartria em 85,5% e a incoordenação apendicular foi de 93% (JARDIM et al, 2001, p. 901). Inicialmente, a pessoa começa a apresentar equilíbrio instável e marcha descoordenada que vai agravando conforme o tempo. Há uma crescente necessidade de apoio para sua realização e, em alguns casos, a marcha pode ficar totalmente comprometida (PAULSON, 2011). Com relação à fala, a incoordenação dos movimentos articulatórios conduz à disartria, que também progride ao longo do tempo, podendo implicar seriamente na comunicação oral 10 do indivíduo. Da mesma forma, a incoordenação apendicular pode dificultar a coordenação motora fina das mãos, afetando a realização de atividades de vida diária que exijam tal habilidade (ARRUDA, 2009, p. 16). - MANIFESTAÇÕES OCULARES: a oftalmoplegia externa progressiva é a segunda manifestação clínica mais frequente, em portugueses a frequência é de 90,5% (SEQUEIROS e COUTINHO, 1993, p.145) e em 52,5% em casos brasileiros (JARDIM et al, 2001, p. 901). A oftalmoplegia externa progressiva é o sintoma que contribui para o diagnóstico diferencial com outras ataxias hereditárias (COUTINHO, 1992, p. 34). Caracteriza-se pela limitação precoce do olhar vertical para cima e da convergência, limitando posteriormente o olhar lateral. Já o olhar vertical para baixo mantém-se conservado até fases avançadas da doença (COUTINHO, 1992, p. 34-35). Geralmente vem acompanhada de diplopia, podendo haver presença de nistagmo (movimentos involuntários, ritmicos ou não, do globo ocular), porém com o aumento da dificuldade de movimentação ocular, o nistagmo tende a diminuir sua intensidade (SEQUEIROS e COUTINHO, 1993, p. 145). Em brasileiros a frequência da ocorrência de nistagmo é de 92% (JARDIM et al, 2001, p. 901). Outra manifestação ocular é a retração palpebral, a qual em portugueses a frequência é de 25,7% e em brasileiros 27,4%. A retração palpebral possui a característica de tornar a posição dos olhos proeminentes dando a impressão de estarem arregalados. - SINAIS PIRAMIDAIS: são considerados os sintomas mais incapacitantes da DMJ, sendo presentes, de acordo com Coutinho (1992, p. 37), em 84,3% dos casos, em brasileiros os sinais piramidais estão presentes em 74% dos indivíduos (JARDIM et al, 2001, p. 901). Os sinais piramidais regridem conforme o envelhecimento do sujeito. (RODRIGUES, 2012, p. 14) Os sinais piramidais compreendem a exacerbação de reflexos normais, através de hiperreflexia osteotendinosa (exagero reflexo que envolve a contração de outros músculos face à percussão do tendão respectivo) e reflexo mandibular vivo (reflexo através da percussão do músculo mentual); também, o clonus (contrações musculares involuntárias devido a um estiramento súbito do músculo) dos pés e das rótulas; o sinal de Babinski (reflexo cutâneo plantar em extensão) pode ser uni ou bilateral; a espasticidade e sinais pseudobulbares. (COUTINHO, 1992; SEQUEIROS E COUTINHO, 1993; ARRUDA, 2009; 11 PAULSON, 2011; RODRIGUES, 2012). - SINAIS PERIFÉRICOS: são componentes importantes do quadro clínico da doença, porém com grande variabilidade sintomatológica. Possui início tardio, com progressão conforme idade do indivíduo afetado (RODRIGUES, 2012, p.15). Tais sinais são encontrados em 59,7% dos indivíduos portugueses (COUTINHO, 1992, p.38). Os sinais periféricos apresentam diversas formas de apresentações clínicas, as quais envolvem a perda dos reflexos aquilianos, atrofia muscular distal, fasciculações (músculos das pernas e coxas) e paresia distal associada à arreflexia osteotendinosa generalizada, além de transtornos em sensibilidade profunda, hipoestesia distal (para picada e tato), em casos mais severos pode ocorrer atrofia dos músculos da face, paresia facial e ptose palpebral (ARRUDA, 2009; D’ABREU, 2010; RODRIGUES, 2012). - SINAIS EXTRAPIRAMIDAIS: ocorrem em 34,7% dos sujeitos portugueses, tendo expressão variável em qualidade e em intensidade (Coutinho, 1992, p.39). Caracteriza-se por regredir com o avanço da doença e por ter duas formas de manifestação: quadro distônico e quadro de parkinsônico. O quadro distônico demonstra uma postura atetósica dos últimos dedos das mãos e do hallux (primeiro dedo do pé). Afeta atividades de vida diária como escrita, alimentação e fala, pois a distonia é agravada pelo movimento. Já o quadro parkinsônico raramente apresenta tremor, mas pode ocorrer moderada bradicinesia, com diminuição dos movimentos voluntários e da mímica facial (Coutinho, 1992, p.39). - OUTRAS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: conforme revisão realizada por Rodrigues (2012) há diversas outras manifestações como disfagia (que será vista posteriormente), nictúria (eliminação aumentada de urina durante a noite), incontinência urinária, hiporidrose (diminuição da produção de suor) e intolerância ao frio, perturbações do sono, alterações de peso, depressão, dor crônica, cãibras, fadiga, escoliose, sialorreia. Por haver grande variabilidade fenotípica, houve a divisão de cinco tipos da DMJ, onde o indivíduo pode evoluir de um tipo para outro durante a progressão da doença. Assim, serão descritos os tipos da doença conforme revisão feita por Paulson (2011). 12 - Tipo I: possui início precoce (média 24,3 anos), acomete cerca de 13% dos indivíduos, há presença predominante de espasticidade, rigidez e bradicinesia, com ataxia leve, além de oftalmoplegia externa progressiva; - Tipo II: inicia em torno dos 40,5 anos, sendo o tipo mais comum (57%), caracteriza-se por ataxia e sinais provenientes de alterações dos neurônios motores superiores, podendo ocorrer paraplegia espástica; - Tipo III: se manifesta em idade mais avançada (média de 46,8 anos), afeta em torno de 30% dos sujeitos, apresentando ataxia e polineuropatia periférica; - Tipo IV: caracterizado por parkinsonismo responsivo à levodopa; - Tipo V: doença semelhante à paraplegia espástica hereditária. 2.4 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO O diagnóstico da DMJ é feito através de características clínicas, história familiar e de teste genético molecular (D’ABREU, 2010, p. 06). A avaliação clínica pode sugerir a DMJ pelas seguintes características: ataxia cerebelar progressiva e sinais piramidais associados com uma síndrome distônica-rígida específicos, extrapiramidal tais como ou amiotrofia oftalmoplegia periférica; externa sinais progressiva, clínicos distonia, fasciculações facial e lingual em atividades determinadas, e retração palpebral (PAULSON, 2011). A investigação familiar completa é extremamente importante e útil na obtenção de diagnóstico de doenças neurodegenerativas, pois se já há algum indivíduo com a DMJ família (por exemplo), a testagem genética deverá fechar o diagnóstico. O teste genético molecular para a DMJ objetiva analisar a mutação do gene ATXN3, através do exame de amplificação de PCR da região de repetições trinucleotídicas CAG, o qual determina o número de tais repetições. O teste possui altos índices de especificidade e sensibilidade, detectando 100% dos indivíduos afetados (D’ABREU, 2010; PAULSON, 2011). Com relação ao tratamento, ainda não há cura para a doença e nem formas de diminuir a progressão da mesma. Porém, existem tratamentos farmacológicos e não-farmacológicos que ajudam a atenuar o impacto sintomatológico da doença (D’ABREU, 2010; PAULSON, 2011). Rodrigues (2012) elaborou uma tabela resumida (Tabela 1) contendo as 13 indicações farmacológicas e não-farmacológicas para as diversas manifestações clínicas da DMJ. Tabela 1. Tratamento Farmacológico e não Farmacológico para a DMJ, conforme Rodrigues (2012), adaptada pelo autor. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO Com eficácia comprovada Fármaco Indicação Sem eficácia comprovada Fármaco Indicação Melhoria da ataxia axial precoce, comprovada por melhoria da posição ortostática apoiada em um só Agonistas Sintomas dopaminérgicos parkinsonianos Amantadina Distonia Levodopa Bradicinesia membro e da marcha pé-ante-pé e Lamotrigina diminuição da expressão da ataxina-3 mutada em cultura de células linfoblásticas de um paciente com DMJ. Estas ações não foram confirmadas na fase final do ensaio clínico. Baclofeno Miméticos da Espasticidade Não se verificaram Atropina Problemas do sono melhorias da Agentes Sialorreia espasticidade, da hipnóticos Trimetropim- ataxia da marcha ou da Toxina botulínica Sulfametoxazol sensibilidade, para as Anticolinérgicos Benzodiazepinas Baclofeno quais o estudo destes Distonia fármacos foram Espasticidade propostos. Carbamazepina Modafinil Amantadina Metilfenidato Fadiga diária Tandospirona (Agonista 5-HT1A) Possivelmente melhora a depressão, a ataxia, a insônia, as dores 14 Antidepressivos Depressão musculares e a anorexia. O estudo que Mexiletina Carbamazepina foi realizado com este Cãibras fármaco é de curta Magnésio duração (4 semanas), com um número Óculos reduzido de pacientes Diplopia prismáticos (7 indivíduos) e sem grupo controle. TRATAMENTO NÃO-FARMACOLÓGICO Terapia Terapia Ocupacional Indicação terapêutica Depressão Apesar do exercício não atrasar a progressão Fisioterapia da doença, ajuda os pacientes a lidarem com Programa de exercícios as suas dificuldades, a aumentar a autoestima e a melhorar o humor Fonoaudiologia Disartria Auxiliadores da marcha; Scooters motorizadas; Modificar a habitação (barras de apoio, Aumentar a independência do paciente assentos sanitários próprios e rampas). Controle regular do peso Evitar situações de obesidade que possam exacerbar as dificuldades de locomoção Como visto na Tabela 1, a Fonoaudiologia foi citada apenas no tratamento das disartrias (disartrofonias), porém é responsável também pelos aspectos de mastigação e deglutição, as quais também possuem impacto importante na vida do indivíduo com DMJ. Dessa forma, o próximo capítulo trará aspectos relevantes sobre a atuação fonoaudiológica na DMJ, juntamente com publicações relacionadas ao tema. 15 3 FONOAUDIOLOGIA NO TRATAMENTO DA DISARTRIA E DA DISFAGIA NA DOENÇA DE MACHADO-JOSEPH Como visto anteriormente, a DMJ é composta por um quadro sintomatológico complexo e variável, com diferentes modos de expressão. Dois sintomas são de extremo interesse para a Fonoaudiologia: a disartrofonia e a disfagia. Ambos podem incapacitar o indivíduo em duas áreas essenciais para uma boa qualidade de vida: convívio social e alimentação. Assim, o objetivo deste capítulo é, através da revisão de literatura, entender as características destes sintomas na DMJ e correlacioná-los ao tratamento fonoaudiológico. 3.1 A DISARTROFONIA NA DMJ Busanello, Nisa-Castro, Rosa (2007) explicam que para que a fala ocorra são necessárias rápidas modificações do aparato articulatório (mandíbula, lábios, dentes, língua, véu palatino, entre outros), devendo ser sincronizadas com a produção do ar sonoro e coordenadas pelo sistema extrapiramidal, sendo incluído o cerebelo. Tal coordenação garantirá a produção de palavras e frases de forma fluente e natural. Os movimentos fonoarticulatórios são regulados pelo córtex cerebral, cerebelo, gânglios da base e unidades motoras. O córtex cerebral é a maior estrutura para o processamento da fala e da linguagem. O cerebelo está presente em vários estágios do processo do movimento fonoarticulatório, realizando o controle especializado e altamente desenvolvido do movimento. O córtex cerebelar recebe input sensorial da língua, lábios, mandíbula, laringe e sistema auditivo, e rapidamente integra esta informação para sua contribuição no processo motor fonoarticulatório. Os gânglios da base (núcleo caudado, putamen, globo pálido, substância negra e núcleo subtalâmico), abrangem a maior parte do sistema motor extrapiramidal, com contribuições especializadas no controle do movimento da fala. Os neurônios motores principais (alfa) da ponta anterior da medula comandam as fibras musculares que realizam a ação. Os núcleos importantes no córtex motor fonoarticulatório são: núcleo ambíguo 16 (medula); núcleo facial, não motor trigeminal, não hipoglossal (localizados no tronco cerebral) (MEDEIROS, 1999, p. 28-29). Distúrbios no controle neuromuscular dos mecanismos de fala afetam diretamente os sistemas ressonantal, articulatório, fonatório e respiratório, caracterizando a disartrofonia (WOLF, 2008, p.05). Entre as causas da disartrofonia encontram-se processos traumáticos craniocervicais, tumores encefálicos, lesão vascular encefálica, doenças infecciosas, metabólicas, tóxicas ou degenerativas do sistema nervoso e/ou muscular ou, ainda, fazer parte dos complexos sintomas ocasionados por uma anomalia nervosa congênita (MEDEIROS, 1999, p. 29). A disartrofonia varia conforme local da lesão, grau de severidade, curso da doença (desenvolvimental, estável, degenerativa ou exacerbante) e é classificada em: flácida, espástica, atáxica, hipocinética e hipercinética (MEDEIROS, 1999, p. 29). Na DMJ encontramos a disartrofonia atáxica, devido às alterações cerebelares e neuromotoras envolvidas na doença. Este tipo de disartrofonia é caracterizado pela incoordenação muscular articulatória da fala, tendo seus movimentos lentos inapropriados quanto ao tônus, extensão, duração e direção, além de haver o tremor intencional, o qual aumenta até o final do movimento (BUSANELLO, NISA-CASTRO, ROSA, 2007, p. 248). Em estudo com brasileiros com DMJ, a disartrofonia esteve presente em 63,5% dos casos, estando em nível leve em 10% dos indivíduos, moderado em mais da metade destes (54%), disartrofonia grave em 16,4%, havendo, ainda, a ocorrência de anartria, correspondendo a 5% (JARDIM et al, 2001, p. 901). Segundo Coutinho (1992, p. 53) após dez anos de evolução da doença, a disartria pode tornar-se grave em 25% dos casos, após quinze anos, este número sobe para 50%. Raimondi e Carrara-de-Angelis (2007) realizaram um estudo de caso sobre as alterações comunicativas verbais de um paciente com ataxia degenerativa, onde encontraram disfunções em todos os sistemas envolvidos na fala. Os achados demonstraram as seguintes características: imprecisões articulatórias, fala lentificada, inflexibilidade na mudança da velocidade de fala, deficiências prosódicas, alterações na qualidade vocal e redução do suporte respiratório. 17 Dados acústicos da fala disartrofônica atáxica, mostraram alterações na frequência fundamental, formantes, instabilidade de curto prazo em intensidade (shimer) e frequência (jitter), padrão diferente de alongamento e de redução de sílabas, comprometendo a ênfase prosódica (KENT et al, 2000; CASPER et al, 2007); Na literatura foram encontrados apenas dois estudos que analisam as características da disartrofonia especificamente em casos de DMJ, os quais foram realizados por Wolf (2008) que avaliou os aspectos clínicos da fala e da deglutição em pacientes portadores da doença e por Barreto et al (2009) que caracterizou a fala de três casos de ataxia espinocerebelar, sendo dois diagnosticados como DMJ, através de avaliação perceptivo-auditiva e acústica. A pesquisa de Wolf (2008) foi realizada com 31 indivíduos diagnosticados com DMJ, sendo gravada a fala destes e avaliada de forma perceptivo-auditiva e, também, de forma acústica. Os resultados demonstraram: - Pitch: monofrequência (38,7%), seguido de quebra de frequência e tremor (ambos com 6% de frequência). A autora coloca que a monofrequência é um sintoma comum na DMJ, enquanto a presença de tremor ocorre com pouca frequência. - Qualidade Vocal: as alterações encontradas contemplam soprosidade (64,5%), rouquidão (54,8%) e tensão (19,3%). A variabilidade da qualidade vocal é explicada pelo acometimento dos sistemas cerebelar, piramidal, extrapiramidal e periférico. Dependendo da predominância do sistema afetado, as características vocais tendem a ser diferentes. - Ressonância: a hipernasalidade esteve presente em 80,6% dos casos e pouca pressão aérea intraoral em 90,3% dos indivíduos; - Prosódia: mostrou ser um dos sistemas mais afetados devido à ocorrência de alteração em ritmo (83,8%), redução de ênfase (54,8%), variação de velocidade (41,9%), pausas inapropriadas (35,4%) e intervalos prolongados (25,8%). - Articulação: caracterizadas por imprecisão consonantal (100%), prolongamento de sons (64,5%), distorções de vogais (22,5%), repetição de sons (16,1%) e interrupções articulatórias (9,6%). Na avaliação do Gesto Motor de Fala Alternada (GMFA), a qual avalia a velocidade dos movimentos 18 articulatórios e da posição dos articuladores, mais conhecida como diadococinesia articulatória, a taxa de repetição de sílabas foi considerada lenta (90,3%) e irregular (100%). Embora haja problemas em todos os sistemas envolvidos na fala, a inteligibilidade da mesma se mostrou pouco prejudicada, havendo em 83% dos casos inteligibilidade do discurso entre 76 a 100%. No estudo de Barreto et al (2009), as alterações de qualidade vocal e de articulação encontradas foram semelhantes da pesquisa acima. Contudo, alguns achados diferem do estudo anterior como a alteração de pitch que se mostrou agudo em um dos indivíduos, com relação à ressonância houve presença de hiponasalidade e nasalidade mista. A inteligibilidade de fala em um dos sujeitos foi de 89% em palavras isoladas e de 99% em frases, enquanto o outro indivíduo teve índice de 46% em palavras e 64% em frases, evidenciando a diferença de gravidade dos sintomas conforme estágio da doença. Achou-se nos casos, também, loudness reduzido, o qual não foi avaliado no estudo de Wolf (2008). Dados semelhantes foram encontrados no estudo de caso de Moraes et al (2007), de uma paciente de 23 anos, assinalando alteração de qualidade vocal (pastosa e astênica), instabilidade de intensidade e frequência em vogal sustentada, imprecisão articulatória, além de hipernasalidade leve, sendo esta apenas em GMFA. A inteligibilidade de fala se mostrou muito prejudicada. Busanello, Nisa-Castro, Rosa (2007) descreveram o caso de um paciente com DMJ, de 27 anos, voltado para os aspectos de fala, o qual apontou características de disartria leve no início do acompanhamento fonoaudiológico, havendo pequena dificuldade na movimentação de órgãos fonoarticulatórios, dificuldade na vocalização sustentada e na produção de fonemas fricativo labiodental surdo e tepe alveolar, tremor intencional em fala, voz e em movimentos faciais. Após três anos, houve piora do quadro geral da paciente devido evolução da doença, fato que agravou a disartria, tornando-a severa. Tal agravamento gerou disprosódia típica associada a hipernasalidade, incoordenação respiratória, diminuição da velocidade de fala, imprecisão articulatória, ataques vocais aspirados e aumento dos tremores. Neste caso, as alterações de fala dificultaram consideravelmente sua inteligibilidade. 19 Nisa-Castro, Paniagua e Santos (2005) relataram um caso de uma portadora de DMJ, de 60 anos, com início dos sintomas aos 40 anos de idade, onde analisaram o efeito do envelhecimento sobre as manifestações de fala e deglutição decorrentes da doença. Quanto à fala, apresentava imprecisão articulatória leve, diminuição da velocidade de fala e disprosódia, com relação à voz, a qualidade vocal era minimamente áspera, com ressonância hipernasal, pequena extensão vocal e limitação na coaptação glótica. Os dados sugerem uma disartria leve. Os dois primeiros casos citados acima são de pacientes adulto-jovens com início da doença precoce, os quais mostram características semelhantes de disartrofonia, com impacto importante na inteligibilidade da fala. Já o último caso, o início dos sintomas ocorreu dentro da idade média descrita na literatura, porém com repercussões menores na inteligibilidade de fala. Wolf (2008, p. 61) correlacionou a idade de início da doença com vários sintomas fonoarticulatórios. A autora encontrou alta correlação da monofrequência e alteração de ritmo, e moderada correlação da redução de ênfase, imprecisão de vogais e prolongamentos de som. Com relação à avaliação da disartrofonia, Medeiros (1999, p. 32) explica que nestes casos a avaliação pode detectar alterações, classificar a disartrofonia, detectar o local da lesão ou o processo da doença, especificar a severidade do quadro, além de estabelecer prognóstico e conduta terapêutica adequada. Raimondi e Carrara-de-Angelis (2007, p. 19) afirmam que a avaliação fonoaudiológica pode ser um instrumento para o diagnóstico diferencial de distúrbios neurológicos, como os provenientes de transtornos cerebelares. Os procedimentos avaliativos descritos nos estudos de caso abrangem a avaliação completa de face e oromiofuncional (morfologia, sensibilidade, mobilidade, tônus e função), avaliação da função respiratória, avaliação percepto-auditiva da qualidade vocal, da ressonância e da fala (articulação oral), avaliação do GMFA, além de análise acústica vocal dos parâmetros pitch (frequência) e loudness (intensidade). Estes procedimentos estão de acordo com a avaliação da disartrofonia descrita por Medeiros (1999), a qual divide a avaliação por função: 20 - Função respiratória: avalia-se tipo e modo respiratório, medida de capacidade vital, padrão respiratório e coordenação pneumofonoarticulatória; - Função fonatória: avalia-se a qualidade vocal, ressonância, pitch e loudness; - Função do esfíncter velofaríngeo: investiga-se a presença do reflexo de gag e de vômito, avalia-se a morfologia, a mobilidade do véu palatino e seu grau de oclusão, através da medida de escape de ar nasal; - Articulação oral: inicialmente é feita a avaliação do aspecto, postura, tônus, sensibilidade, mobilidade de cada estrutura envolvida na articulação, posteriormente avalia-se o quadro fonêmico e o GMFA. A terapia da disartrofonia tem como objetivo principal a coordenação global do paciente, coordenação esta que vai desde estratégias de relaxamento até a melhor condição articulatória conseguida. A terapia deve ser realizada em etapas gradativas, através da correção respiratória, modificação eficaz da emissão sonora e adequação da ressonância (MEDEIROS, 1999, p. 34-35). Sobre a terapia da disartrofonia na DMJ, os objetivos específicos encontrados na literatura citam a adequação do tipo e modo respiratório, melhora do padrão fonatório (qualidade vocal, ressonância), articulatório, prosódico e dos aspectos oromiofuncionais. Os estudos de Nisa-Castro, Paniagua e Santos (2005) e Busanello, Nisa-Castro, Rosa (2007) relatam como primeiro objetivo a melhora da função respiratória, pelo comprometimento da função protetiva de tosse que aumenta o risco de disfagia. O único procedimento descrito foi a execução de exercícios com a emissão de vogais em alta intensidade e fala seguindo este mesmo padrão (MORAES et al, 2007, p.33). Com as descrições acima é possível compreender as alterações em nível de fala causadas pela DMJ, bem como os aspectos avaliativos e terapêuticos. Medeiros (1999, p. 37) coloca que na disartrofonia a sintomatologia pode significar transtornos diferentes, sendo imprescindível a avaliação detalhada, correlacionando fala e anormalidade muscular subjacente. 21 3.2 A DISFAGIA NA DMJ A deglutição é uma função estomatognática complexa que transporta material deglutido e saliva da boca ao estômago, com respostas motoras padronizadas e modificáveis por alterações no estímulo, no volume e na consistência do bolo alimentar, a qual é iniciada, coordenada e integrada ao sistema nervoso central, sendo composta por um mecanismo antagônico e sinérgico de ações musculares. Para tal, há a participação do córtex cerebral, do tronco cerebral e dos nervos encefálicos, trigêmeo (V), facial (VII), glossofaríngeo (IX), vago (X), acessório (XI) e hipoglosso (XII) (LOGEMAN, 1983; MACEDO FILHO, GOMES, FURKIM, 2000; RIBEIRO, 2000). Com relação às estruturas anatômicas envolvidas na deglutição, as responsáveis em nível de cavidade oral são: lábios, bochechas, mandíbula, assoalho da boca, língua, dentes, palato duro, palato mole, úvula, e pilares amigdalianos. Já em nível faríngeo encontramos: músculos constritores da faringe, seios piriformes e cricofaríngeos. As estruturas anatômicas da laringe responsáveis pela deglutição são: epiglote, valécula, vestíbulo laríngeo, ligamentos ariepigloticos, aritenoides, bandas ventriculares, ventrículos laríngeos e pregas vocais (MACEDO FILHO, GOMES e FURKIM, 2000, p. 20). Para melhor compreensão deste ato complexo, a deglutição é dividida didaticamente em quatro fases: - Fase Preparatória: ocorre a salivação, captação do alimento, movimentação de língua e mastigação. O Sistema Nervoso Central participa com cerebelo, sistema nervoso autônomo na sua porção parassimpática, nervo trigêmeo (V), facial (VII), hipoglosso (XII) e córtex encefálico (LOGEMAN, 1983; RODRIGUES, 1998); - Fase Oral propriamente dita: após a formação do bolo alimentar, este é posicionado no sulco longitudinal da língua à altura do terço médio. Através de movimentos ondulatórios da língua, o bolo é impulsionado posteriormente até disparar o reflexo de deglutição. Esta fase é considerada voluntária e consciente, uma vez que pode ser acelerada, retardada e interrompida (LOGEMAN, 1983; RODRIGUES, 1998; RIBEIRO, 2000); - Fase Faríngea: o transporte do alimento se dá através da faringe, a qual se fecha na nasofaringe, pela elevação do véu palatino contra a parede posterior da faringe. Ocorre a elevação do osso hioide, tracionando a laringe 22 contra a base da língua, fechando a sua entrada. Simultaneamente, as pregas vocais se colocam em posição de adução, completando o mecanismo de proteção. Com a elevação da laringe, o músculo cricofaríngeo é rebaixado, relaxando, então, o esfíncter esofágico superior permitindo a passagem do bolo para sua luz. Através da contração ondulatória do músculo constritor médio e inferior, o bolo alimentar é conduzido até o esôfago. Esta fase é considerada consciente e involuntária e são provenientes do Tronco Encefálico, núcleos do IX e X pares cranianos e substância reticular ascendente (LOGEMAN, 1983; RODRIGUES, 1998; RANGEL, 1998; RIBEIRO, 2000); - Fase Esofágica: esta fase é caracterizada por ser involuntária e inconsciente. Isso se explica pelo fato de alimento ser levado do esôfago até o estômago através de movimentos peristálticos involuntários comandados pelo sistema nervoso autônomo via nervo vago (X par). O final desta etapa se dá pelo relaxamento do esfíncter esofágico inferior e a passagem do alimento para o estômago (LOGEMAN, 1983; RODRIGUES, 1998; RANGEL, 1998; RIBEIRO, 2000). A disfagia é entendida como um distúrbio da deglutição ou qualquer dificuldade do trânsito do bolo alimentar da boca até o estômago, decorrente de lesões neurológicas, estruturas orais e/ou orofaríngeas, podendo estar associado a complicações, tais como: desnutrição, pneumonia aspirativa, penetração laríngea, presença de saliva ou restos alimentares no vestíbulo laríngeo antes, durante ou após a deglutição (ODDERSON, MCKENNA, 1993; MACEDO FILHO, GOMES e FURKIM, 2000). Padovani et al. (2007, p. 200) ressalta que a disfagia ou dificuldade na deglutição pode resultar na entrada de alimento na via aérea, ocasionando tosse, sufocação / asfixia, problemas pulmonares e aspiração. Além disso, podem ocorrer déficits nutricionais, perda de peso decorrente de desidratação, pneumonia e morte. A disfagia pode ser neurogênica, mecânica, decorrente da idade, psicogênica, e/ou induzida por drogas e, também, pode ser classificada conforme a fase da deglutição alterada, podendo ser oral e/ou faríngea, e esofágica (MACEDO, GOMES e FURKIM, 2000, p. 29-30). Os estudos sobre disfagia nas ataxias espinocerebelares mostram anormalidades nas fases preparatória, oral e faríngea da deglutição, 23 caracterizando disfagia orofaríngea neurogênica. As alterações comumente vistas são fraqueza muscular, disartria, engasgo com alimentos líquidos e sólidos, tosse, alteração de coordenação motora e dificuldade de ingerir sólidos e líquidos (RÜB et al, 2003; NAGAYA et al, 2004; RAMIÓ-TORRENTIA, GOMEZ, GENIS, 2006; PALMONARI, 2010). NAGAYA et al (2004) analisaram as alterações de deglutição em pacientes com ataxia cerebelar e Doença de Parkinson, baseados na observação do exame de videofluoroscopia. Com relação à ataxia cerebelar, foram encontradas alterações na fase oral e faríngea. Na fase oral houve presença de contraste residual em cavidade oral, descontrole do bolo alimentar, bem como escape prematuro posterior e deglutição fragmentada (divisão do bolo alimentar em duas ou três deglutições sucessivas). Na fase faríngea as alterações incluem presença de resíduo em valécula e seios piriformes e, também, houve ocorrência de aspiração laringotraqueal. Ramió-Torrentia, Gomez, Genis (2006), referem que nas ataxias degenerativas a deglutição de alimentos líquidos ocorre com maior dificuldade do que com alimentos sólidos, havendo um risco significativamente maior para penetração laríngea de líquidos. Os autores acreditam que tal fato ocorra pelo atraso do reflexo de deglutição, podendo acontecer pelo líquido atingir a epiglote antes do seu fechamento ou antes do movimento da mesma estar completo. A disfagia na DMJ é uma queixa comum, embora muitas vezes pouco considerada e pouco estudada, sendo sua frequência em portugueses de 65%, no Brasil o número é semelhante, chegando a 63,5% dos casos (COUTINHO, 1992, p. 39; JARDIM et al, 2001, p. 901). Coutinho (1992, p. 52) explica que a disfagia pode iniciar no primeiro ano (7% dos casos), a partir do oitavo ano de evolução a queixa é encontrada em 70% dos indivíduos, após o décimo quinto ano a disfagia é predominantemente moderada ou grave. No estudo Jardim et al (2001, p. 902) os achados demonstram um número muito maior de indivíduos com disfagia moderada (57,5%), comparado à disfagia severa (6%). Ainda, existem casos que mesmo a doença tendo 20 anos de evolução, não há manifestação de disfagia (12,5% dos indivíduos). Estes pacientes desenvolvem a disfagia devido ao acometimento do 24 Sistema Nervoso Central, iniciando pela lesão supranuclear, após integra ao quadro a síndrome piramidal bilateral, posteriormente os pares encefálicos inferiores são afetados e, por último, há lesão pseudobulbar, esta última já caracterizando níveis mais avançados da doença (COUTINHO, 1992, p. 41). Rüb et al (2003) realizaram um estudo anatomopatológico de um paciente com DMJ, a fim de correlacionar alterações de estruturas do tronco cerebral com as características de disfagia. Os autores explicam que as lesões do núcleo sensitivo principal do trigêmeo (que envia informações táteis) e do núcleo do trato espinhal do trigêmeo (que envia impulsos de temperatura e de dor) podem estar relacionadas às dificuldades nas fases preparatória e oral propriamente dita da deglutição, pois as alterações sensoriais complicam a determinação da atividade oral necessária para a formação e manipulação do bolo alimentar. Com relação à atividade motora, as alterações dos núcleos motores dos nervos trigêmeo, facial e hipoglosso dificultam a fase preparatória oral e, juntamente com a lesão dos núcleos ambíguo, solitário pigmentado e reticular parvocelular, acometem os aspectos linguais da deglutição. Com relação à fase faríngea da deglutição, as danos dos núcleos ambíguo, hipoglosso, solitário medial, solitário pigmentado e reticular parvocelular podem explicar as alterações desta fase. Palmonari (2010, p. 31) resume os sinais e sintomas presentes na DMJ que podem potencializar a disfagia, sendo elas: ataxia espinocerebelar e atrofia cerebelar, disfunção cognitiva, distonia (cervical), parkinsonismo, disartria, fasciculações de face e de língua, neuropatia periférica e paralisia de prega vocal. Rüb et al (2003) descreveram alteração na fase preparatória e oral por dificuldade na mastigação, fraqueza dos músculos faciais e lingual, diminuição da mobilidade labial e lingual, atrofia lingual, presença de retenção intra-oral de alimentos, ligeiro tremor intencional irregular e dificuldade de iniciar o ato de deglutição. Na fase faríngea os problemas são provenientes da fraqueza dos músculos faríngeos, da diminuição da mobilidade laríngea e da diminuição simétrica dos reflexos faríngeos, havendo episódios de engasgo. Wolf (2008) coloca que a presença de alterações do controle motor oral propicia a ocorrência de estases e penetrações, pois a manipulação na cavidade oral de alimentos de maior viscosidade e volume fica prejudicada. Os 25 achados incluem deglutição normal em três pacientes, disfagia moderada ou discreta em quatro indivíduos e apenas um com disfagia grave. Os problemas encontrados foram presença de estase faríngea, especificamente localizada em valécula, seio piriforme, esfíncter esofágico superior e parede posterior da faringe, escape posterior do alimento, além de penetração e aspiração laringotraqueal. Moraes et al (2007) em seu estudo de caso de uma paciente com DMJ, relata que as queixas sobre a alimentação envolviam pigarro e tosse frequentes, assim como engasgos com qualquer consistência, em menor freqüência para pastosos. Os achados do estudo de caso de Nisa-Castro, Paniagua e Santos (2005) são semelhantes aos anteriores, pois referem alterações de mobilidade e força de órgãos fonoarticulatórios e faringo-laríngeos, assim como dificuldades de mastigação de alimentos sólidos e episódios de engasgo. Porém, o paciente precisou realizar movimentos compensatórios como flexão de cabeça e esforço na deglutição de alimentos sólidos e contração de musculatura periorbicular também em alimentos pastosos, o tempo de alimentação se mostrou aumentado. Corrêa (2009) caracterizou a disfagia de 20 pacientes com DMJ, os quais apresentaram mobilidade diminuída de língua e distonia da mesma. Houve relato dos pacientes de tosse ou engasgo durante e após refeição, sensação de alimento parado na garganta e perda de peso. Sobre a fase faríngea, foram vistas a presença de tosse e engasgos, estase faríngea, e penetração e aspiração laringotraqueal em alimentos líquidos e sólidos. Nenhum paciente apresentou estas alterações faríngeas na deglutição de alimentos pastosos. Já a pesquisa de Palmonari (2010) mostrou resultados diferentes dos demais, voltando à atenção especificamente para a DMJ, dos oito pacientes avaliados clinicamente e por videofluoroscopia, apenas um apresentou disfagia, sendo esta de grau leve. Esta contradição pode ser explicada pela afirmação de Coutinho (1992) quando refere que 12% dos casos podem nunca desenvolver um distúrbio de deglutição, mesmo após 20 anos de evolução da doença. Em resumo, na fase preparatória oral as dificuldades encontram-se na 26 mastigação e na formação do bolo alimentar, ocorrendo por problemas sensoriais e motores do sistema estomatognático. As alterações de mobilidade e tônus dos músculos envolvidos explicam tais dificuldades. Na fase oral propriamente dita, a língua é a principal estrutura acometida, podendo estar atrofiada, com diminuição do tônus e mobilidade. Este fato gera um empecilho para o início do ato da deglutição, uma vez que o movimento ondulatório da língua não consegue realizar a ejeção do bolo para faringe. Com isso, o indivíduo pode usar de movimentos compensatórios para fazer a projeção do alimento para a faringe. Outro ponto é a diminuição simétrica dos reflexos faríngeos, que atrasa o disparo do reflexo de deglutição, podendo ter como conseqüência o escape prematuro posterior do bolo alimentar para a faringe. Na fase faríngea, a fraqueza muscular faríngea diminui o trânsito faríngeo, ocasionando a estase de alimentos em valécula, seios piriformes, parede posterior da faringe, em esfíncter esofágico superior ou, ainda, uma estase total. A estase citada acima aliada à diminuição da mobilidade laríngea proporciona risco à ocorrência de penetração e/ou aspiração laringotraqueal, podendo acontecer engasgos, sufocamento e tosse durante e após as refeições. Com relação à avaliação da disfagia, o padrão-ouro alia avaliação clínica e instrumental. Na avaliação clínica da disfagia na DMJ, Corrêa et al (2010) descreve como primeiro procedimento a realização de uma anamnese que investigue os sintomas desde o princípio das manifestações da doença, os hábitos alimentares e suas as queixas, sobre o prazer de comer, se a alimentação é independente ou se necessita de ajuda, e se há ocorrência de perda de peso ou de broncopneumonia aspirativa. A avaliação clínica contempla a observação da morfologia, a avaliação da mobilidade, sensibilidade e tônus dos órgãos do sistema estomatognático, a investigação dos reflexos de gag, tosse e de mordida (CORRÊA et al, 2010). Na maioria dos estudos foram utilizadas as consistências padrão da American Dietetic Association (2002) para a avaliação da deglutição: líquido, mel, pudim e sólido. Sobre a fase preparatória e oral avalia-se a eficiência da captação do 27 bolo alimentar, vedamento labial, preparo do bolo alimentar, tempo de trânsito oral, coordenação entre as fases oral e faríngea da deglutição, escape extraoral e resíduos em cavidade oral após deglutição (PALMONARI, 2010). Quanto à fase faríngea, verifica-se alteração na elevação da laringe como assimetria, tremor, paresia ou paralisia, presença de reflexo de tosse, engasgo, dispneia, voz “molhada” durante a alimentação, desconforto, deglutições múltiplas e, através da ausculta cervical, infere-se a efetividade do mecanismo de proteção das vias aéreas, a ocorrência de estase faríngea, velocidade do trânsito faríngeo e sinais sugestivos de penetração e/ou aspiração laringotraqueal (CORRÊA et al, 2010; PALMONARI, 2010). A avaliação instrumental poder ser realizada através da videofluoroscopia e da videoendoscopia da deglutição. A videofluoroscopia da deglutição é considerada atualmente o melhor exame instrumental para avaliar objetivamente a dinâmica da deglutição. Isto devido à possibilidade de visualização de todas as fases da deglutição com imagens radiológicas em tempo real. É possível verificar as dificuldades do processo de alimentação e, também, testar manobras, consistências e volumes mais adequados para uma deglutição eficiente, sem riscos de penetração de laringe e ou aspiração (GATTO, REHDER, 2006). Nesta avaliação, os estudos utilizaram as mesmas consistências alimentares descritas anteriormente. A videoendoscopia da deglutição é realizada por meio de fibronasofaringolaringoscópio introduzido pela fossa nasal, o qual é possível avaliar a anatomia e fisiologia de faringe e laringe, sensibilidade faringolaríngea, detecção de aspiração laringo-traqueal. É realizado através da administração de bolos alimentares corados com azul de metileno ou anilina comestível, em quantidades e consistências progressivas. Nesta avaliação, utilizam-se as mesmas consistências alimentares descritas anteriormente (SANTORO, 2003). A terapia de disfagia na DMJ busca a manutenção ou o restabelecimento da ingestão oral, sendo utilizadas as terapias indireta e direta Com relação à terapia indireta, ela busca a melhora da mobilidade e sensibilidade das estruturas que se relacionam com a deglutição, não havendo oferta de alimento. Já a terapia direta consiste na oferta de alimento como meio de melhorar a eficiência da deglutição (MACEDO FILHO, GOMES, FURKIM, 2000; 28 CORRÊA, 2009, p. 36). Segundo Furkim (1997, p. 44-45), a terapia para disfagia envolve exercícios para resistência muscular, maior controle do bolo alimentar dentro da cavidade oral (mobilidade e motricidade de orgãos do sistema estomatognático), aumento da adução dos tecidos no topo da via aérea “principalmente pregas vocais verdadeiras (PPVV)”, mobilidade laríngea, manobras posturais e estimulação do reflexo de deglutição. Corrêa (2009, p.36) cita as mudanças posturais de cabeça para maior proteção das vias aéreas e propulsão do bolo alimentar, e as manobras compensatórias e facilitadoras da deglutição: supraglótica, supersupraglótica, deglutição com esforço, manobras de Valsalva e Mendelsohn. NAGAYA et al (2004) através da videofluoroscopia, afirmam que a manobra postural de flexão de cabeça (chin tuck) e a manobra facilitadora de deglutição supraglótica são eficazes na prevenção da aspiração em pacientes com ataxia que possuem controle cervical adequado. Nisa-Castro, Paniagua e Santos (2005) descreveram os seguintes procedimentos para terapia: - Para prevenção de penetração e aspiração laringotraquel: manobra postural de flexão de cabeça (chin tuck); - Para propulsão do bolo alimentar e para facilitar a passagem do bolo alimentar pela faringe: deglutição com esforço e deglutições múltiplas. - Para limpeza das vias aéreas: tosse voluntária. Moraes et al (2007) relatam que através de exercícios vocais houve melhora das queixas de engasgo durante a deglutição de uma paciente com DMJ. Corrêa (2009) estudou a eficácia do treinamento e biofeedback eletromiográfico para a correta realização da manobra de Mendelsohn na DMJ, a qual é utilizada para proteção das vias aéreas, maximização da elevação laríngea, retirada de alimentos retidos na faringe e facilitação da passagem do bolo alimentar pela orofaringe. Na pesquisa, o treinamento e o biofeedback da manobra resultaram em um aumento do tempo de sustentação da elevação laríngea, melhorando a deglutição com saliva e com alimento pastoso. Outra estratégia utilizada é a mudança de consistência do alimento. Segundo NAGAYA et al (2004), na observação realizada com pacientes com 29 ataxia, a consistência pastosa se mostrou a melhor opção para prevenção de aspiração laringotraqueal. Constatações parecidas foram encontradas nos estudos de Nisa-Castro, Paniagua e Santos (2005), Moraes et al (2007), Corrêa (2009). Dessa forma, pode-se inferir que a consistência pastosa é a mais adequada para a terapia direta, pois permite maior controle da fase oral, menor ocorrência de estase faríngea e menor risco para penetração e/ou aspiração laringotraqueal. As consistências sólidas e líquidas se mostraram de maior dificuldade, a primeira pelo fato de haver alterações de mobilidade e tônus que prejudicam a coordenação das fases da deglutição e a segunda por necessitar de maior precisão e rapidez dos órgãos do sistema estomatognático. Deste modo, a disfagia merece uma atenção especial dos pesquisadores, pois a alimentação não é apenas uma necessidade fisiológica, ela nutre, também, as relações sociais e o prazer de comer. Por isso, conhecer as características da disfagia, as formas de avaliação e formas de tratamento permitem ao fonoaudiólogo tomar condutas adequadas, e prover melhora e/ou manutenção deste prazer que é a alimentação. 30 4 CONCLUSÃO As implicações fonoaudiológicas na Doença de Machado-Joseph englobam dois sintomas que prejudicam a qualidade de vida do indivíduo: a disartrofonia e a disfagia. O grau de severidade destas aumenta na medida em que há progressão da doença. Na literatura há carência de estudos que analisam estas alterações, sendo encontradas algumas pesquisas e estudos de caso. A disartrofonia altera, com grande variabilidade, todos os sistemas da fala: respiratório, fonatório, ressonantal e articulatório. Esta variabilidade está relacionada às estruturas do Sistema Nervoso Central acometidas pela doença, produzindo diferentes formas de manifestação. A disfagia, por sua vez, tem a característica de ser orofaríngea, afetando o controle e ejeção do bolo alimentar em fase oral, e, em fase faríngea, ocorrendo estase faríngea e risco de penetração e/ou aspiração laringotraqueal. Para tanto, a compreensão global da doença e de sua fisiopatologia aliadas a uma avaliação fonoaudiológica minuciosa, são essenciais para definir a conduta mais adequada nestes casos. A grande variabilidade fenotípica da DMJ requer maior atenção do fonoaudiólogo, a fim de que este entenda com maior clareza o quadro do paciente e, por fim, elabore o planejamento terapêutico mais eficaz. 31 REFERENCIAS ARRUDA, Frederica B. Doença de Machado-Joseph nos Açores: estudo do impacto psicossocial da doença junto de casos em fase sintomática. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Inserção Social) - Faculdade de Economia, Universidade do Porto, Porto, 2009. BARRETO, Simone S. et al. Ataxia espinocerebelar: análise perceptivo-auditiva e acústica da fala em três casos. Pró-Fono R. Atual. Cient., São Paulo, vol. 21, n. 2, p.167-170, jun. 2009. BETTENCOURT, Conceição; LIMA, Manuela. Machado-Joseph disease: from first descriptions to new perspectives. Orphanet J Rare Dis, London, vol. 6, n. 35, jun. 2011. Disponível em: <http://www.ojrd.com/content/6/1/35>. Acesso em: 10 set. 2012. BUSANELLO, Ângela R.; NISA-CASTRO, Simone A. F.; ROSA, Alberto A. A. 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