Artigo 6

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Artigo Original
Câncer da língua: estudo retrospectivo de vinte anos
Tongue cancer: retrospective study of twenty years
Antonio Azoubel Antunes1
Antonio Pessoa Antunes2
Polliana Vilaça Silva3
Rafael Linard Avelar4
Thiago de Santana Santos4
RESUMO
ABSTRACT
Introdução: A língua é a mais freqüente localização topográfica
das neoplasias malignas da boca. O câncer de língua é
considerado um sério problema de saúde pública, sendo
representado, em 90 a 95% dos casos, pelo carcinoma
espinocelular. O fator de risco dominante continua sendo o
consumo de bebida alcoólica em associação ao tabaco. Pacientes
e Método: Foram avaliados, através de estudo retrospectivo,
aspectos epidemiológicos do câncer da língua em pacientes
atendidos e tratados no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço
do Centro de Oncologia (CEON) do Hospital Universitário Oswaldo
Cruz (HUOC) – Universidade de Pernambuco (UPE), no período
de janeiro de 1983 a janeiro de 2003 (20 anos). Foram analisados
os indicadores gênero, faixa etária, aspectos clínicos, diagnóstico,
tratamento e prognóstico. Resultados: Do total de 174 casos, 75%
eram do gênero masculino, a quinta, sexta e sétima décadas de
vida foram as mais prevalentes, bem como o bordo esquerdo a
localização topográfica de maior acometimento. O carcinoma
espinocelular foi o tipo histológico de maior incidência (165 casos –
94,8%). Conclusões: É de fundamental importância o diagnóstico
da doença em seu estágio inicial para um melhor prognóstico e
sobrevida dos pacientes.
Introduction: The tongue is the most frequent topographic
localization of the malignant neoplasms of the mouth. The tongue
cancer is considered a public health problem and its commonest
histopathological type is the squamous cell carcinoma in a rate as
high as 90 to 95%. The main risk factor is the association of alcohol
and tobacco consumption. Patients and methods: The
epidemiologic aspects of the tongue cancer were evaluated in a
retrospective study in patients treated in the Service of Head and
Neck Surgery, Centro de Oncologia (CEON), Hospital Universitário
Oswaldo Cruz (HUOC) – Universidade de Pernambuco (UPE), in
the period from January, 1983 to January, 2003 (20 years). The
following aspects were analyzed: gender, age, clinical data,
diagnosis, treatment and prognosis. Results: Out of the 174 cases,
75% were men, the fifth, sixth and seventh decades of life were the
most prevalent, and the left border was the topographic place of
higher incidence of the lesion. The squamous cell carcinoma was
the most incident histopathological type (165 cases – 94,8%).
Conclusions: The early diagnosis is fundamental in order to
provide better prognosis and survival rates.
Key words: Tongue; tongue neoplasms; squamous cell carcinoma;
epidemiology.
Descritores: Língua; neoplasias da língua; carcinoma de células
escamosas; epidemiologia.
INTRODUÇÃO
A língua é a mais freqüente localização topográfica das
neoplasias malignas da boca, na maioria dos países,
entretanto, há significante variação geográfica. É considerado
um sério problema de saúde pública, inclusive na Índia, onde a
taxa de incidência em homens é superior a 6,5 para 100.000
habitantes/ano, bem como em alguns países da Europa, como
a França, onde a mesma taxa é superior a 8,0 para 100.000
habitantes/ano, acarretando graves problemas, com
significantes morbidade e mortalidade1.
O Instituto Nacional de Câncer (INCA) apresentou uma
estimativa, para o ano de 2005, de 13.880 casos novos de
câncer da cavidade oral no Brasil, sendo 9.985 para o gênero
masculino e 3.895 para o feminino. Para o estado de
Pernambuco, a estimativa é de 490 casos novos de câncer da
cavidade oral, equivalendo a um percentual de 3,53% do total
estimado2.
O câncer de boca está entre os dez cânceres mais freqüentes,
apresentando a maior taxa de mortalidade no segmento de
cabeça e pescoço. Evidências epidemiológicas mostram que a
exposição ao sol, tabagismo, alcoolismo, como também
infecções pelo Papilomavírus humano (HPV) e vírus herpes
simples são fatores de risco dessa neoplasia3,4. Enquanto a
incidência do câncer da língua aparentemente mostra-se
estável ou decrescente em algumas regiões do mundo, em
outras áreas, têm aumentado, particularmente em pessoas
jovens5.
É bem conhecida a contribuição do fumo como fator
predisponente do câncer do pulmão e doenças
cardiovasculares, bem como a sua evidência no câncer da
boca6. O álcool é um fator de risco na etiologia do câncer oral. O
consumo do álcool é um fator mais significativo do que o fumo,
tendo ambos um papel na localização no câncer oral7. Em uma
revisão de literatura para análise do perfil epidemiológico das
neoplasias de boca e faringe, concluiu-se que os principais
1) Aluno do Curso de Especialização em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco.
2) Cirurgião de Cabeça e Pescoço.
3) Cirurgiã-Dentista graduada pela Universidade Federal de Pernambuco.
4) Residente de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Universitário Oswaldo Cruz.
Instituição: Centro de Oncologia (CEON) do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC) – Universidade de Pernambuco (UPE).
Correspondência: Antonio Azoubel Antunes, Rua Guilherme Pinto, 345/303 – 52010-210 Recife, PE. E-mail: [email protected]
Recebido em: 25/05/2007; aceito para publicação em: 30/06/2007; publicado on line em: 18/08/2007.
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Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 36, nº 3, p. 152 -154, julho / agosto / setembro 2007
fatores de risco são o tabaco e o álcool e que a interação de
ambos funciona como efeito multiplicativo sobre o risco8.
As condições precárias de saúde oral são achados comuns
entre as causas de câncer de boca e faringe. Elementos da
dieta como beta-caroteno são considerados um fator de
proteção. Carcinógenos químicos parecem apresentar um
papel mais importante na gênese do câncer de cabeça e
pescoço do que a infecção causada pelo HPV9.
Algumas modalidades de consumo de tabaco, como o bidi
smoking, comum na Índia, são consideradas mais perigosas do
que o cigarro convencional no desenvolvimento do câncer de
orofaringe e pulmão. Isso se deve ao fato de essa modalidade
de tabagismo estar associada com alta concentração de
diversos agentes tóxicos, como o monóxido de carbono,
amônia, fenóis voláteis, benzopirenos, benzantracenos, além
de portar, em sua constituição, mais nicotina10.
A maconha inibe a função do sistema imunológico e a
quantidade de linfócitos (T-Cell) nos fumantes de maconha é
baixa, quando comparada aos que não fumam. O número de
pacientes jovens com neoplasia maligna de cavidade oral e
faringe está aumentando rapidamente nos últimos anos e
estes, em sua maioria, são fumantes crônicos de maconha11. A
maconha pode ter um maior efeito carcinogênico, porém,
grande parte de seus consumidores utiliza também o tabaco e o
álcool, o que dificulta sua investigação quanto à ação na
gênese dessa neoplasia12.
Nas neoplasias da língua, o sítio anatômico acometido pelo
tumor, o tipo histológico e estádio clínico são fatores
prognósticos para a doença.
O objetivo do presente estudo é de demonstrar a epidemiologia
do câncer da língua, no que diz respeito a indicadores
específicos.
PACIENTES E MÉTODO
Foi realizado um estudo retrospectivo dos pacientes atendidos
e tratados no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do
Centro de Oncologia (CEON) do Hospital Universitário
Oswaldo Cruz (HUOC) – Universidade de Pernambuco (UPE) e
registrados no Centro Integrado de Anatomia Patológica
(CIAP), correspondentes ao período de janeiro de 1983 a
janeiro de 2003 (vinte anos). Durante o período supracitado,
foram atendidos, diagnosticados e tratados um total de 174
pacientes portadores de neoplasias malignas da língua. Para a
obtenção dos dados, foram estudados os prontuários dos
pacientes, utilizando-se um formulário próprio para a coleta.
RESULTADOS
Dos 174 pacientes portadores de câncer de língua, 131 eram
do gênero masculino (75%) e 43 eram do feminino (25%). O
gráfico 1 mostra a distribuição por faixa etária, notando-se
predomínio da quinta à sétima décadas. A maior parte das
lesões estava em borda lingual esquerda (gráfico 3). O tipo
histopatológico prevalente foi o carcinoma espinocelular.
Gráfico 1 – Distribuição dos pacientes por faixa etária.
Gráfico 2 – Distribuição dos pacientes por localização topográfica.
Gráfico 3 – Distribuição dos pacientes por tipos histológicos.
DISCUSSÃO
No material estudado, o gênero masculino representou 131
pacientes (75,3%) e o feminino 43 pacientes (24,7%),
correspondendo a uma proporção de 3:1 (Gráfico 1).
A maioria dos autores são unânimes em relatar que o gênero
masculino continua sendo o mais acometido pelos tumores da
orofaringe, apresentando maiores proporções em relação ao
feminino. A superioridade masculina é evidente, com uma
proporção que chega a 6.4:1, com alguns autores relatando
uma proporção entre os gêneros de 7:113,14.
A alta incidência do CEC no câncer de boca ocorre mais
tardiamente nas mulheres de que nos homens. Isso pode ser
explicado por uma exposição menor aos fatores de risco15.
Entretanto, Tarvainen et al. (2004)16 referem que a incidência do
câncer de boca tem aumentado em ambos os gêneros,
possivelmente em decorrência do aumento do consumo de
álcool.
Concernente a faixa etária, os resultados foram condizentes
com os da literatura (Gráfico 2). A faixa etária mais acometida foi
a da 6ª década (21.4%), seguido da 7ª década (26.5%). Os
extremos etários foram de 2 e 91 anos, com mediana de 57,6
anos, e não foi registrado nenhum caso na 2ª e 3ª décadas.
O CEC de base de língua acomete predominantemente
pacientes numa faixa etária em torno da 5ª e 6ª décadas de
vida17. Porém, com o aumento da média de vida da população
mundial nas últimas décadas, a incidência desta neoplasia em
uma faixa etária mais elevada começa a ser observada e
registrada na literatura, principalmente no gênero feminino18.
Hart et al. (1999)19 relatam que o CEC da cabeça e pescoço é
raro em pacientes com menos de 45 anos. Revelam, ainda, que
os pacientes mais jovens, quando acometidos, apresentam
uma idade média de 36,3 anos.
Estudando uma população pediátrica cujas idades variaram de
um a cento e trinta de dois meses, com uma média de sete
meses, em um período de nove anos, Horn et al. (2001)20 não
encontraram nenhuma lesão maligna.
O aumento da incidência do CEC da língua tem sido registrado,
enquanto em outras localizações topográficas da boca e faringe
permanecem constantes ou diminuídas, ocorrendo
particularmente em pacientes jovens, entre 20 e 44 anos21.
Dos 174 casos analisados, teve-se 26 casos (14,9%)
localizados no bordo direito da língua, 112 casos (64,3%) no
153
bordo esquerdo, 30 casos (17,3%) na base e 06 casos (3,5%)
envolvendo o bordo esquerdo e assoalho da boca (Gráfico 3).
Rosa (1987)22 realizando um estudo retrospectivo de 189 casos
de CEC da língua, observou que as áreas anatômicas mais
comumente atingidas foram o bordo e a base.
Alguns autores afirmam que a maioria dos cânceres da boca
são CEC, exceto os das glândulas salivares5,23.
O CEC bem diferenciado representou 104 casos, constituindose a maioria dentre o referido tipo histológico, seguido do CEC
medianamente diferenciado e por fim o mal diferenciado.
Costa et al. (2002)24, em um estudo retrospectivo de 120
pacientes atendidos, obteve resultados semelhantes em
relação à prevalência do grau de diferenciação histológica dos
CECs de boca, com o CEC mal diferenciado mostrando-se
mais raro em relação aos outros graus de diferenciação.
Existe correlação estatisticamente significante entre o
estadiamento clínico TNM e a gradação histológica de
malignidade, bem como à localização anatômica do tumor24.
O estadiamento clínico da doença, o grau de diferenciação
histológica e de invasão da neoplasia, bem como fatores
demográficos são os fatores prognósticos de maior
significância tanto em pacientes jovens quanto em idosos25,26.
Pacientes jovens abaixo de 40 anos de idade não apresentam
uma pior sobrevida quando comparados a pacientes idosos
com câncer da língua27.
O prognóstico do CEC da boca em pacientes jovens não
parece ser diferente nos pacientes idosos. O CEC da língua
pode estar associado com uma evolução clínica variável em
pacientes jovens. Apesar de em geral o curso da doença
específica ser similar em pacientes idosos, alguns dos
pacientes apresentam uma doença excepcionalmente
agressiva, e um extensivo regime terapêutico deve ser utilizado
em todos os casos28.
Wunsch-Filho (2002)29 refere que além dos fatores de risco
existentes, um percentual significativo do câncer de boca
registrado no Brasil pode estar associado a alguns fatores
presentes entre as pessoas de um baixo padrão de vida,
incluindo uma higiene oral pobre e má nutrição.
CONCLUSÕES
O câncer de língua acomete, com maior freqüência o gênero
masculino, em uma proporção de 3:1 em relação ao feminino,
sendo mais prevalente a partir da 5ª década de vida. A Borda
lingual apresentou-se como a localização topográfica mais
frequentemente acometida. O carcinoma espinocelular, nos
seus diversos graus de diferenciação, é o tipo histológico de
maior acometimento nos carcinomas de língua.
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