Emerson Leonildo Marques – Médico Endocrinologista; aluno do Programa de Doutorado da Pós-Graduação da Disciplina de Endocrinologia e Metabologia da Universidade de São Paulo (USP). N osso estilo de vida moderno é um dos motivos para o aumento da obesidade nos tempos atuais. A evolução da medicina permitiu a diminuição da mortalidade por doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer, apesar do aumento da obesidade e dos problemas clínicos a ela atrelados. No entanto, a população está envelhecendo acima do peso normal e a mortalidade por doença de Alzheimer, que é a principal causa de demência, aumentou quase 50 % nos Estados Unidos entre 2000 e 2006. Crescem as evidências de que a obesidade é fator de risco independente para disfunção cognitiva, com prejuízo principalmente da função executiva. A disfunção executiva é definida como dificuldade em realizar tarefas complexas, incapacidade de se empenhar na solução de problemas e planejar as ações. Ela parece estar comprometida nos obesos, resultando na dificuldade de contro- lar comportamentos aberrantes tais como a hiperfagia crônica e, talvez por isso, os obesos relatem grande dificuldade de controlar a ingestão de alimentos, apesar da vontade de perder peso. O impacto negativo do excesso de peso sobre a função cognitiva já foi observado em crianças, adultos jovens e idosos. Após os 85 anos a relação se inverte e, quanto menor o peso, maior o comprometimento cognitivo. Provavelmente, pessoas que atinjam essa idade sejam menos susceptíveis ao efeito nocivo da obesidade sobre o cérebro e o menor peso reflita queda do estado geral devido ao comprometimento cognitivo por outro fator. Um estudo transversal com 2.519 crianças e adolescentes, com idade de 8 a 16 anos, mostrou uma correlação entre o índice de massa corporal (IMC) e a disfunção cognitiva, mesmo após ajustados os fatores confundidores como: estrato social dos pais, participação em esportes, horas assistindo televisão, perfil lipídico e pressão arterial. Entre 1996 e 2001, Cournot et al acompanharam 2.223 indivíduos com idade entre 32 e 62 anos e aplicaram testes para avaliação da função cognitiva no início e no final do seguimento. Nos dois pontos avaliados os indivíduos com maior IMC tiveram pior desempenho nos testes. Boeka e Lokken avaliaram 68 obesos candidatos à cirurgia bariátrica, com idade média de 41 anos e IMC médio de 51,2 kg/ m2, por meio de testes neuropsicológicos como parte da avaliação pré-operatória. Novamente, os indivíduos obesos tiveram um desempenho ruim em grande número desses testes, principalmente com relação à função executiva que é necessária para o planejamento e solução de problemas, flexibilidade mental e controle do comportamento. Também foram encontradas alterações estruturais e funcionais no cérebro de obesos. Ward et al avaliaram 114 indivíduos, com idade média de 54,2 anos, por meio de ressonância nuclear magnética e mostraram que, quanto maior o índice de massa corporal, menor o volume cerebral. Estes achados sugerem que obesos de média idade apresentem atrofia cerebral e, potencialmente, têm um risco maior de demência no futuro. Já Volkow et al realizaram um estudo com 21 indivíduos com IMC entre 19 e 37 kg/ m2 e demonstraram, através de posijunho 2012 – ABESO 57 – 5 Artigo Mal de Alzheimer - Complicação da Obesidade? tron emission tomography (PET/CT), que algumas regiões do metabolismo cerebral estão negativamente relacionadas com o IMC. Por outro lado, parece que o emagrecimento traz benefício ao cérebro. Um estudo realizado com 30 pacientes obesos com IMC médio de 33kg/m2 e 16 magros com IMC médio de 22,2kg/m2 mostrou, por ressonância nuclear magnética de crânio, que os obesos têm mais substância branca que os magros em várias regiões cerebrais. Deste grupo, 16 pacientes obesos foram submetidos a uma dieta com muito baixa caloria e, após seis semanas, com perda média de 3,4kg, ocorreu redução do volume de substância branca nas regiões mencionadas anteriormente, com preservação da substância cinzenta. Gunstad et al publicaram estudo sobre o efeito da cirurgia bariátrica na função cognitiva. Foram avaliados 109 pacientes submetidos à cirurgia bariátrica que tiveram melhora da memória após 12 semanas do procedimento cirúrgico e desempenho, nos testes neu- ropsicológicos, superior ao grupo controle de obesos não operados. A diminuição da função cognitiva, principalmente da função executiva, acontece mesmo em obesos saudáveis e vários mecanismos já foram propostos para tentar explicar a ligação entre obesidade e demência. Marcadores patológicos da doença de Alzheimer incluem o depósito de beta-peptídeo amilóide. A enzima que degrada a insulina é a mesma que metaboliza o beta-peptídeo amilóide e isto sugere que sua função desviada para metabolizar o excesso de insulina, quando há hiperinsulinemia, poderia resultar em maior risco de doença de Alzheimer. Numa fase precoce da doença de Alzheimer a presença de citocinas inflamatórias, como a interleucina 6 (IL-6), tem um efeito protetor. No entanto, numa fase tardia, a exposição crônica do tecido nervoso à IL-6, que é produzida pelo tecido adiposo e atravessa a barreira hematoencefálica, passa a ser deletéria, causando morte dos neurônios. O angiotensinogênio produzido pelo tecido adiposo induz remodelação cerebrovascular, promove inflamação e estresse oxidativo e piora o fluxo sanguíneo cerebral. A queda do fluxo sanguíneo cerebral está associada com aparecimento de demência e doença de Alzheimer. Além disso, a resistência central à ação da insulina e da leptina pode também comprometer o bom funcionamento do cérebro. Enquanto a obesidade já é uma preocupação atual, há previsão de que a prevalência da doença de Alzheimer irá quadruplicar nos próximos 50 anos. Estima-se que, se a perda de peso for capaz de retardar o aparecimento da doença de Alzheimer em um ano, poderá diminuir a incidência de 800.000 novos casos da doença nos Estados Unidos neste período. Precisamos avançar nosso conhecimento sobre obesidade e demência. Os mecanismos que as interligam devem ser melhor entendidos para que medidas eficazes, talvez ligadas ao tratamento da obesidade, possam diminuir o impacto dessas doenças no futuro. c decreased cognitive functioning among parts? Alzheimer Dis Assoc Disord, 21, 167- school-age children and adolescents. Obe- 171, 2007. Referências Bibliográficas 1. MASLOW K. Alzheimer’s Association Report: 2010 Alzheimer’s disease facts and figures. Alzheimer’s & Dementia, 158-194, 2. tion 12 weeks after bariatric surgery. Surg body mass index and cognitive function in healthy middle-age men and women. Neu- of neuroimaging for cognitively impaired rology, 67, 1208-1214, 2006. of the immune system in the pathogenesis, 7. Obes Relat, 1-7, 2010 11. Blasko, I & Grubeck-Loebenstem, B. Role WARD, AM et al. The effect of body mass prevention and treatment of Alzheimer’s BOEKA, AG; LOKKEN, KL. Neuropsychologi- index on global brain volume in middle- disease. 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