Os Processos Formadores de Frases Multioracionais

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OS PROCESSOS FORMADORES DE FRASES
MULTIORACIONAIS
Luiz Claudio Valente Walker de MEDEIROS 1
RESUMO
Há divergência entre os autores quanto aos processos sintáticos que relacionam orações para constituir as
frases multioracionais. Enquanto alguns estudiosos, seguindo a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB),
elencam dois processos – coordenação e subordinação –, outros autores enumeram três ou mesmo quatro
formas de estruturar o período composto: além da coordenação e da subordinação, já mencionados, a
justaposição e/ou correlação. Ademais, variam muito as definições apresentadas para cada um desses
processos, os dois primeiros em especial, pois se utilizam por vezes critérios semânticos, por vezes critérios
formais – morfológicos e/ou sintáticos. O presente trabalho objetiva rever criticamente o entendimento de
diversos autores a respeito dos processos de coordenação e subordinação, a fim de obter, a partir de uma
análise crítica, uma visão panorâmica sobre o assunto. Esse exercício crítico-revisionista se justifica por conta
dos inúmeros avanços alcançados pelos estudos linguístico-gramaticais nesses mais de cinquenta anos de
vigência da NGB e mesmo pelas divergências que existiam em relação a essa lei quando entrou em vigor.
PALAVRAS-CHAVE: processos sintáticos; frases multioracionais; coordenação; subordinação.
ABSTRACT
There is some divergence among authors with regard to the syntactic processes which combine independent
clauses in order to constitute multi-clause sentences. While some scholars, in accordance to the
Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB • Brazilian Grammatical Nomenclature), list two processes •
coordination and subordination • other scholars list three or even four ways of structuring a multiple clause:
besides the aforementioned coordination and subordination,they also admit juxtaposition and/or correlation.
Furthermore, the definitions given to each of these processes vary considerably, especially regarding the first
two, as a result of the adoption, at times, of semantic criteria and, at other times, of a formal one. The present
study aims to set forth these syntactic processes, as well as the distinct views of a number of authors, in order
to both provide an overview of the subject as well as to submit a proposal for its teaching. Such a criticalrevisionist exercise is justified not only by the countless advances made by grammatical-linguistic studies over
the fifty-plus years of NGB's existence, but also by the divergences towards NGB at the time it was taken into
effect.
KEYWORDS: syntactic processes; multi-clause sentences; coordination; subordination.
1 Doutor em Língua Portuguesa (UFRJ – 2006). Professor Adjunto II dos cursos de Letras do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ.
IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 26, p. 22-44, 1º. Sem.: 2014
Luiz Claudio Valente Walker de Medeiros
INTRODUÇÃO
A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) é uma portaria de 1959 do Ministério da Educação e
Cultura, a qual apenas recomendava a adoção dos termos por ela sugeridos no ensino da gramática da língua
portuguesa. Pode-se considerar que essa recomendação foi muito feliz, pois A NGB é adotada há muitos anos
pelos ensinos fundamental e médio, de maneira que as gramáticas escolares e, principalmente, os livros
didáticos de língua portuguesa respeitam-na sem, em geral, tecer-lhe críticas ou levar em conta opções outras.
Não que a NGB tenha apenas defeitos; ao contrário, ela trazia muitos avanços para a época em que foi
elaborada, a comissão que a idealizou era constituída por renomados filólogos e linguistas, e seu objetivo era
de muito valor: conferir ao ensino uma terminologia gramatical única, que pudesse ser seguida por todos os
alunos ao longo de todo o processo de aprendizagem dos fundamentos da gramática vernácula.
Esse objetivo era fruto da realidade do ensino de então: a terminologia usada nos estudos
fundamentais de gramática de língua portuguesa era extremamente variável, apresentando, não raro, mais de
um termo para o mesmo fenômeno, ficando a opção por esse ou aquele termo ao gosto do professor e/ou do
autor da gramática ou do livro didático. Por exemplo, conjunções alternativas eram também chamadas de
conjunções disjuntivas; adjunto adnominal, de adjunto restritivo; agente da passiva, de complemento de
causa eficiente; e por aí vai. Como se percebe, a adoção de uma terminologia única para analisar a gramática
da língua portuguesa era, e ainda é, de grande valia didático-pedagógica. Porém, isso não quer dizer que,
mais de cinquenta anos depois de elaborada, a NGB não possa, ou mesmo não deva ser revista, ainda mais à
luz dos grandes avanços das ciências linguísticas.
No que diz respeito à sintaxe, a NGB adotou, para a análise de frases com mais de uma oração, a
expressão período composto, e para a relação entre essas orações, os termos subordinação e coordenação.
Porém, como nomenclatura terminológica que é, não se preocupou em definir esses conceitos, deixando essa
tarefa para os gramáticos e linguistas. Talvez até por isso alguns desses estudiosos acabaram por elencar
outros processos sintáticos para a constituição da frase multioracional, a saber, a justaposição e a correlação.
Obviamente, é polêmica a aceitação de todos esses processos como constitutivos da frase multioracional,
havendo autores que só aceitam os dois primeiros, e outros que aceitam três ou mesmo os quatro processos.
O objetivo do presente trabalho é efetuar um levantamento crítico de como diversos autores definem
os processos de coordenação e de subordinação para a constituição da frase multioracional.
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Os processos formadores de frases multioracionais
1. A COORDENAÇÃO E A SUBORDINAÇÃO
Apesar de não ser facilmente estabelecida a distinção entre coordenação e subordinação, pois “há
construções que estão na fronteira entre uma e outra” (MATEUS et al.: 2003, p. 555), não restam dúvidas
quanto à validade desses dois processos, já que todos os autores os consideram como diferentes formas de
relacionar orações. O que não é bem claro são a definição e a abrangência deles.
1.1 A definição da coordenação e da subordinação
Para que a definição de um conceito alcance sucesso, ela deve ser capaz de conter todos os
elementos que tradicionalmente se interpretem como pertencentes ao conceito definido, e apenas esses
elementos, não outros. Não é isso que sempre se observa no critério mais usual para definir a coordenação e a
subordinação, a saber, a dependência e a independência semântica.
1.1.1 Critérios: dependência e independência – semântica
No que se refere à definição de coordenação e subordinação, Kury (1968, p. 91) afirma que “oração
subordinada é um membro de frase que possui um predicado e tem seu sentido [grifo acrescido] dependente
do termo a que se subordina”. Portanto, subordinação é o processo no qual uma oração é membro de uma
frase e tem seu sentido dependente de outro elemento. Essa definição, apesar de estruturalmente interessante
por um lado (“membro de frase que possui um predicado”), por outro deixa um problema: o fato de definir
um processo sintático utilizando o critério semântico, ao afirmar que o sentido da oração subordinada
“depende do termo a que se subordina”.
Esse é o mesmo problema para a definição que ainda Kury (1993, p. 62-63) oferece para
coordenação: “Se todas as orações de um período são independentes, isto é, têm sentido por si mesmas [grifos
acrescidos], e poderiam, por isso, constituir cada uma um período, o período se diz composto por
coordenação.”
Se se utiliza o critério semântico para distinguir coordenação de subordinação, ele acaba por
adquirir grande relevância, permitindo que se lhe tracem algumas críticas. Entre elas, há o caso da
coordenação estrutural e da subordinação semântica. Em
1) Caí do balanço e quebrei a perna,
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existem duas orações que se relacionam pela coordenação, de acordo com o critério aqui observado, já que
elas podem constituir enunciados autônomos. No entanto, as ideias que elas apresentam se encontram em
relação de subordinação semântica – a ideia expressa na segunda oração é consequência da ideia expressa na
primeira –, não sendo possível, por exemplo, alterar a ordem das orações. Ora, uma vez que se recorre ao
significado para definir coordenação e subordinação, como ignorar a importância semântica que se institui na
relação entre essas orações? No entanto, por mais que haja uma subordinação semântica entre as orações, é
assente que estruturalmente elas se relacionam por coordenação.
Ademais, há também o caso da oração que exerce função de sujeito. O termo que contrai a função
de sujeito em geral tem papel semântico muito importante na informação da oração, sendo inclusive
classificado como termo essencial pela própria NGB. Considerando-se o critério semântico, pode-se
questionar como um elemento semanticamente tão relevante pode vir em uma estrutura subordinada.
1.1.2 Critérios: dependência e independência – sintaxe
Essas críticas levam ao entendimento de que, sendo coordenação e subordinação processos
sintáticos, os critérios aos quais se recorre para defini-los devem ser sintáticos, e não semânticos. “A adoção
de critério semântico no reconhecimento das funções sintáticas somente se justifica quando conduz a
resultados inequívocos.” (AZEREDO: 2004, p. 265). Pode-se acrescentar a essa afirmação que não só as
funções, mas também os processos sintáticos devem ser principalmente definidos pelo critério sintático, e não
semântico.
Por isso, Castilho (2010, p. 339) apresenta interpretações distintas da de Kury no que diz respeito à
(in)dependência, ao afirmar que “o termo dependente assume nessa literatura um valor puramente gramatical,
visto que as sentenças dependentes são constituintes de um sintagma nominal (= as adjetivas), de um sintagma
verbal (= as substantivas) ou de toda uma sentença (= adverbiais)”. Exemplificando, em
2) O estudo é necessário,
o sujeito “o estudo”, com núcleo nominal, pode se desdobrar em uma oração, como em
3) Que se estude é necessário.
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Em 3), o sujeito não se apresenta mais como um sintagma cujo núcleo é um nome, mas como uma
oração que é introduzida por uma conjunção integrante e que contrai uma função típica de sintagma nominal
(no caso, sujeito). Portanto, essa oração transposta a sintagma nominal é sintaticamente dependente de outra
oração, já que passa a fazer parte de sua estrutura, nela contraindo sua função sintática.
Contrariamente, na coordenação as orações são sintaticamente independentes, uma vez que uma
não é elemento estrutural de outra:
4) Adoro berinjela e detesto jiló.
O que se nota é que os enunciados de 1) e 4), vinculados pela conjunção e, se encontram em
relação de coordenação já que não há, em cada estrutura relacionada pela conjunção e, um termo na forma
de uma oração. Por exemplo, os complementos berinjela e jiló são sintagmas nominais com núcleo
substantivo, e não sintagmas verbais transpostos por meio de uma conjunção (ou outro elemento com essa
função transpositiva) para exercer a função de um substantivo (no caso, objeto direto).
Essa interpretação sintática de (in)dependência é seguida por outros autores, como Silva & Kock
(2005, p. 144 e seg.) e Bechara (2000). Este último mostra ainda a repercussão dessa conceituação na
tradicionalmente chamada oração principal:
É preciso insistir no conceito sintático [grifo acrescido] de oração independente,
dependente e principal. Nunca é demais lembrar que a procura da oração principal
nem sempre coincide com a determinação da idéia ou sentido principal do contexto.
São aspectos de naturezas diferentes que cumpre distinguir. Oração principal não é a
que encerra o sentido principal, mas a que tem um dos seus membros sob a forma
oracional; daí a possibilidade de haver, no período, mais de uma principal.
E o mesmo autor reforça:
[...] as orações coordenadas são orações sintaticamente independentes entre si e que
se podem combinar para formar grupos oracionais ou períodos compostos:
Mário lê muitos livros e aumenta sua cultura
Mário lê muitos livros e aprende pouco
É fácil observar que as duas orações do primeiro exemplo são sintaticamente
independentes [grifos acrescidos], porque, ao analisar a primeira (Mário lê muitos
livros), verificamos que possui todos os termos sintáticos previstos na relação
predicativa [...] (BECHARA: 1999, p. 476). 2
2 Conferir ainda Azeredo: 2008, p. 295.
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Assim, o entendimento de (in)dependência deve ser sintático, e não semântico. “Em suma, a
distinção entre coordenação e subordinação é sobretudo de ordem formal e não semântica.” (MATEUS et al.:
2003, p. 557) No entanto, ainda resta um problema, referente à distinção entre coordenação e subordinação
adjetiva (especialmente a tradicional restritiva). Para analisar corretamente uma subordinação adjetiva, devese, primeiro, recuperar a relação anafórica existente entre o pronome relativo (introdutor dessa subordinada) e
um termo antecedente e, depois, identificar a função sintática que esse mesmo pronome relativo contrai na
oração adjetiva. Assim, por exemplo, em
5) O aluno que faltou à aula estava doente,
o pronome relativo ‘que’ retoma o antecedente ‘o aluno’ e contrai a função de sujeito da
subordinada adjetiva. Portanto, a subordinada ‘que (= o aluno) faltou à aula’ é sintaticamente independente,
uma vez que ela “possui todos os termos sintáticos previstos na relação predicativa” (BECHARA: 1999, p.
476), ou seja, estão presentes nela mesmo todos os termos sintáticos necessários para sua constituição. A sua
interpretação semântica é que vai depender de uma coesão anafórica que o pronome relativo mantém com
um termo da oração antecedente. E isso não é diferente do que ocorre em
6) Falei com o aluno e ele deu uma justificativa para a falta.
A compreensão correta da segunda oração exige que um pronome (nesse caso, ‘ele’) tenha seu
referente recuperado por anáfora coesiva. No entanto, sintaticamente a segunda oração dessa frase
multioracional é também independente, pois estruturalmente nenhum elemento seu é uma oração.
Logo, não é de todo adequado utilizar os conceitos de “(in)dependência” sintática para distinguir
coordenação da subordinação, pois um tipo das frases multioracionais tradicionalmente analisadas como
subordinadas (as adjetivas) manteria certo grau de independência sintática. Ora, definindo coordenação como
a relação sintática entre orações independentes, e sendo, como se viu, a tradicional subordinação adjetiva
uma relação em que as orações são independentes, incorre-se em incoerência metodológica.
Logo, mesmo que se restrinja a interpretação de “(in)dependência” ao nível sintático, como se fez,
deve-se apelar para outro critério, que também seja sintático e que não resulte em incoerências.
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1.1.3 Critérios: função sintática
A solução para o problema apontado está em parte nas próprias gramáticas tradicionais, que utilizam
o inapropriado entendimento semântico de “(in)dependência”. Porém, além de se referirem a esse critério,
complementarmente elas apresentam outro: o fato de na subordinação um sintagma da frase vir desdobrado
em uma oração, que acaba por contrair uma função daquele sintagma. A própria subclassificação tradicional
das subordinadas em substantivas, adjetivas e adverbiais é fundamentada nessa característica da
subordinação. “O principal efeito da subordinação é este: a unidade subordinada adquire uma função
sintática.” (AZEREDO: 2008, p. 295). Assim, em
7) Adoro que me deem presentes,
o objeto direto vem na forma de uma oração introduzida por conjunção. Esse conjunto conjunção+oração
contrai, nesse caso, a função sintática própria de um SN. Por isso, diz-se que essa estrutura é um “sintagma
nominal transposto de oração”.
Além disso, há desigualdade funcional entre o termo subordinado e o termo ao qual ele se vincula.
Assim, a subordinação é “[...] constituída por um elemento que tenha função sintática diferente da função do
elemento preexistente com que se articula” (CARONE: 1993, p. 20). Em 7), o SN “que me deem presentes”,
objeto direto, se relaciona com o SV “adoro”, núcleo do predicado. Constata-se, então, o desnível entre os
elementos que se relacionam pela subordinação. No quadro a seguir, listam-se algumas definições de
subordinação, a partir do critério ora enfocado. Nesse quadro, constatam-se não apenas autores mais
contemporâneos, mas mesmo antigos, alguns dos quais contemporâneos à própria NGB (o que reforça a
noção de que mesmos gramáticos tidos como tradicionais – como Kury (1968), Cunha (1985) e Rocha Lima
(2005 [1991]) – tinham já uma postura crítica e inovadora).
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Subordinação
•
Kury (1968, p. 91): “‘oração subordinada’ é um membro de frase que possui um predicado”;
•
Cunha; Lindley Cintra (1985, p. 583) “[...] as orações subordinadas funcionam sempre como termos
essenciais, integrantes ou acessórios de outra oração”;
•
Rocha Lima (2005 [1991], p. 260): “No período composto por subordinação, há uma oração
principal, que traz presa a si, como dependente, outra ou outras. Dependentes, porque cada uma
tem seu papel como um dos termos da oração principal [grifos acrescidos]”;
•
Silva; Kock (2005, p. 97): “Diz-se que há subordinação quando se procede ao encaixamento de
uma oração dentro de outra – a matriz ou principal – de modo que a encaixada venha a exercer a
mesma função sintática do constituinte no lugar do qual se opera a inserção”;
•
Azeredo (2008, p. 294): “Subordinação [...] implica uma diferença hierárquica entre as unidades
relacionadas. A unidade subordinada sempre vem contida numa unidade maior [...]”;
•
Castilho (2010, p. 338): A subordinação é “formada por sentenças encaixadas umas nas outras”;
•
Perini (2010, p. 158): “Quando temos orações subordinadas, elas não ficam uma ao lado da outra,
mas uma dentro [grifo no original] da outra”;
•
Bagno (2011, p. 884): “No processo hipotático (ou de subordinação), os sintagmas estão
hierarquizados em níveis, havendo uma desigualdade de importância entre eles, como é típico das
hierarquias”.
Já na coordenação, é necessário que os elementos coordenados mantenham entre si uma igualdade
de função sintática, e que nenhum componente da oração se desenvolva em uma estrutura oracional. Assim,
André Martinet (apud CARONE: 1993, p. 20) afirma:
Há expansão por coordenação quando a função do elemento acrescentado é idêntica
à de um elemento preexistente no mesmo quadro, de tal sorte que se recuperaria a
estrutura do enunciado primitivo se se suprimisse o elemento preexistente (e a
eventual marca de coordenação), e não se deixasse subsistir senão o elemento
acrescentado. [...] Ele vende móveis. Ele vende e compra móveis. Ele compra móveis
(supressão de vende e).
A partir do critério em pauta, eis algumas definições de coordenação:
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Coordenação
•
Mattoso Câmara jr.; Rocha Lima (1959, p. 31): “há coordenação entre dois ou mais elementos de
uma frase que se sucedem com a mesma função gramatical”;
•
Chaves de Melo (1970, p. 229): “Coordenação é o paralelismo de funções ou valores sintáticos
idênticos”;
•
Mateus et al. (2003, p. 551): “A coordenação [...] caracteriza-se por combinar constituintes do
mesmo nível categorial [...] que desempenham as mesmas funções sintáticas [...]. A expressão
linguística resultante é uma unidade complexa que exibe as mesmas funções dos termos iniciais”;
•
Azeredo (2004, p. 447-448): “A coordenação é um processo de ligação entre unidades da mesma
classe (dois ou mais sintagmas, duas ou mais orações etc.) ou da mesma função (dois ou mais
sujeitos, dois ou mais adjuntos adverbiais etc.)”;
•
Perini (2010, p. 158): “A estrutura coordenada se caracteriza por ter as duas (ou mais) orações uma
ao lado da outra, sem que uma faça parte da outra”;
•
Bagno (2011, p. 884): “A parataxe [coordenação] é o processo sintático em que as palavras se
colocam uns ao lado dos outros, sem hierarquização”.
Por esse ponto de vista, o exemplo 5) (O aluno que faltou à aula estava doente) é interpretado, sem
incoerências, como uma frase multioracional constituída pela subordinação, já que há um desnível funcional
entre a unidade ‘que faltou a aula’ (um adjunto adnominal, função característica de SAdj) e o termo a que se
vincula, no caso, ‘aluno’ (núcleo do sujeito). Há também a degradação de uma unidade oracional para que
exerça uma função característica de adjetivo.
Como se percebe, esse critério da função sintática parece bem mais apropriado do que o anterior, da
(in)dependência, uma vez que a) é capaz de dar conta de uma diferenciação cabal entre coordenação e
subordinação, b) utiliza apenas a própria sintaxe para tanto, e c) não resulta em incoerências. No entanto,
cabe ainda comentar mais uma característica da subordinação que, ausente na coordenação, pode servir para
auxiliar na distinção desses processos: a transposição ou degradação.
2 TRANSPOSIÇÃO OU DEGRADAÇÃO
Para Azeredo (2004 e 2008), uma análise gramatical deve dar conta da estrutura hierarquizada em
que se organiza a língua. Por trás da linearidade em que os sons/grafemas se apresentam, subjaz,
esquematicamente, 3 a seguinte estrutura:
3
Esse esquema dá conta da análise gramatical, que é apenas parte da análise linguística. Obviamente, há o texto, que vem a ser
estudado pela gramática transfrástica, pela Análise do Discurso, pela Gramática do Texto e por ciências outras que não têm lugar
nos limites deste trabalho.
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Oração
ǁ
Sintagma
ǁ
Palavra/Vocábulo 4
ǁ
Morfema
ǁ
Sílaba
ǁ
Fonema
Já se indicou que na coordenação há a relação sintática entre unidades de mesmo nível gramatical e
que na subordinação se vinculam unidades de níveis gramaticais distintos. Outro fato importante é que a
subordinação se caracteriza pelo que se chama transposição, o “processo pelo qual se formam sintagmas
derivados de outras unidades, os quais podem ser sintagmas básicos ou orações” (AZEREDO: 2004, p. 211).
No que diz respeito à subordinação de orações, já se conhece o fato de que a nova função sintática
contraída pela oração transposta é característica de um SN, de um SAdj ou de um SAdv; neste sentido, a
oração transposta contrai uma das possíveis funções próprias de um sintagma, que, na hierarquia gramatical,
se encontra em nível inferior ao da oração. Por isso, essa transposição também se chama degradação.
[...] a oração é a unidade máxima da estrutura gramatical; os sintagmas, seus
constituintes, desempenham funções sintáticas (sujeito, complemento, adjunto) em
virtude das posições que ocupam dentro dos limites da oração. A estrutura de uma
oração não a habilita a desempenhar uma função sintática; para ocupar o lugar de
sujeito, complemento ou adjunto, uma oração tem de ser convertida em constituinte
de outra oração. Para tanto, uma oração precisa ‘se tornar’ um sintagma. Este
sintagma, criado pela combinação de um transpositor e uma matriz proposicional, é o
que tradicionalmente chamamos oração subordinada. (AZEREDO: 2008, p. 297-298)
Logo, na subordinação ocorre sempre essa transposição/degradação, processo ausente na
coordenação. Tal característica, complementar à função sintática, também deve ser considerada para melhor
definir coordenação e subordinação.
4 A distinção entre palavra e vocábulo é por demais complexa e extrapola os objetivos do presente trabalho.
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3 ABRANGÊNCIA DOS PROCESSOS SINTÁTICOS
Quanto à abrangência da coordenação e da subordinação, o problema se configura no fato de a
NGB (bem como toda a tradição que a acompanha) só as citar ao tratar da formação de frases multioracionais.
No entanto, não é nova a consideração de que esses processos ocorrem em outros níveis da estrutura
gramatical. Assim, a subordinação pode ocorrer também entre sintagmas e palavras. Observe:
8) Maria gosta de José.
9) A bela moça.
10) Saiu rapidamente.
Em 8), o complemento ‘de José’ encontra-se subordinado ao verbo ‘gosta’, núcleo do predicado. Já
em 9), o artigo definido ‘a’ e o adjetivo ‘bela’ se subordinam ao núcleo ‘moça’, ambos contraindo a função de
adjuntos adnominais. Por fim, em 10), o advérbio ‘rapidamente’ só pode ser analisado como adjunto
adverbial pela relação que mantém com o verbo ‘saiu’. Em todos esses casos, há a questão estrutural de os
complementos e os adjuntos adquirirem suas respectivas funções graças às relações sintáticas instituídas na
frase, e essa aquisição de função, como visto, é o que de fato caracteriza a subordinação. Além disso, há uma
desigualdade funcional, pois esses elementos, que contraem funções de complemento ou adjunto, se
subordinam a verbos ou nomes que são os núcleos estruturais. 5 Portanto, “quando as palavras se organizam
para formar sintagmas, e esses se articulam para tecer uma oração, fazem-no graças à conexão sintática,
princípio organizador da frase – que vem a ser a própria subordinação” (CARONE: 1993, p. 16).
Quanto à coordenação, ela pode ocorrer entre vocábulos, mesmo os gramaticais, como em 11) e
12), entre sintagmas, como em 13) e 14), e mesmo em níveis textuais, entre frases e parágrafos.
11) Os índios lutaram com ou contra os invasores?
12) Eu falei de e para os alunos.
13) Eu e ela nos casamos.
14) O padre celebrou o casamento do rapaz e da moça.
5
Fora da sintaxe, admite-se a subordinação morfológica e fonológica, pois as relações subordinativas “ocorrem não apenas em
nível sintático, visto que também os morfemas e fonemas se organizam hierarquicamente, formando pares functivos” (CARONE:
1993, p. 16).
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Em 11)-14), os elementos constituintes da oração se vinculam sem que um exerça função sintática
no outro. Além do mais, eles desempenham as mesmas funções sintáticas: ‘com’ e ‘contra’, em 11), ‘de’ e
‘para’, em 12), são preposições introdutoras de complemento verbal; ‘eu’ e ‘ela’, em 13), são os sujeitos; ‘do
rapaz’ e ‘da moça’, em 14), são complementos verbais. Por tudo isso, esses elementos se relacionam pelo
processo coordenativo.
Com isso, o mais adequado é apresentar os processos de coordenação e, principalmente,
subordinação como estruturadores da própria hierarquia gramatical, e não apenas das relações estabelecidas
entre as orações de frases multioracionais. 6
4 TERMINOLOGIA
Até o momento, evitou-se utilizar termos como período composto, oração principal e oração
subordinada (usados apenas em citações). Isso é fruto de uma opção clara, já que também se acredita que a
terminologia proposta pela NGB deva ser revista.
O fundamento dessa crítica está no fato de que a estrutura de uma frase multioracional,
especialmente aquela na qual se percebe a subordinação, não é distinta da de uma frase que apresente
apenas uma oração. Vários autores já haviam apontado para essa incongruência e, por isso, existem algumas
propostas para designar esses conceitos. Termos como frase complexa (SILVA e KOCH: 2005; Mateus et al.:
2003), oração complexa (PERINI: 1996; BECHARA: 1999) e sentença complexa (CASTILHO: 2010) já foram
sugeridos para substituir o tradicional período composto por subordinação. Não se trata de uma questão
meramente terminológica, pois, por trás de todas essas expressões, está o fato de a estrutura da frase simples
não se distinguir da da frase multioracional na qual se nota a subordinação. Ou seja, o período
tradicionalmente classificado como composto apresenta a mesma estruturação básica do período
tradicionalmente classificado como simples. Considerem-se as duas frases a seguir:
15) Ele ouviu o chamado.
16) Ele ouviu que o chamavam.
Tanto em 15) quanto em 16), a estrutura da frase é SN+SV, sendo SN o sujeito e SV o predicado. Em
ambos os casos, o SN sujeito é preenchido pelo pronome ‘ele’. Já o SV predicado é constituído pelo núcleo
verbal ‘ouviu’, ao qual se segue um SN com função de objeto direto. É apenas aí, na estrutura do SN objeto
6 Cf. ainda Perini (2010, p. 160-161) e Azeredo (2004, p. 155-156).
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direto, que se apresenta a distinção entre as duas frases: enquanto em 15) esse SN tem um núcleo substantivo
(antecedido de um artigo definido/determinante), em 16) há a presença de uma oração transposta a SN graças a
‘que’, conjunção integrante introdutora da segunda oração. Portanto, o SN é estruturado como que+SV em 16).
Logo, o grupo ‘que o chamaram’ é apenas um elemento do predicado ‘ouviu que o chamaram’,
assim como ‘o chamado’ é só parte do predicado ‘ouviu o chamado’. Por isso, Castilho (2010, p. 337) crê que
sentença complexa seja termo preferível a período composto, “visto que este não é uma unidade sintática
diferente da sentença simples”. 7
Em todos os termos sugeridos para substituir o tradicional período composto por subordinação há
recorrência do qualificativo complexo. Por trás desse adjetivo, está mais do que o mero acaso: todos aqueles
autores perceberam uma complexificação na estrutura de um SN, SAdj ou SAdv, que passam a conter um SV,
complexidade essa devido à já mencionada transposição.
Quanto à tradicional expressão oração principal, ela perde razão de ser, já que o papel
desempenhado por ‘Ele ouviu’ é o mesmo em 15) e em 16); ou seja, não há como distinguir essas duas
estruturas. É o que afirma, por exemplo, Bechara (2001, p. 462).
Perini (2010, p. 159), por outro lado, não descarta a terminologia “oração principal”, mas a
modifica, alargando seus horizontes. Para ele, a oração principal seria a matriz oracional em toda sua
extensão. Assim, em 16), a oração principal seria ‘Ele ouviu que o chamavam’, dentro da qual há a oração
subordinada ‘que o chamaram’. 8
Kury (1993), no entanto, é um pouco mais seletivo, e só considera complexo o período no qual uma
oração “representa um termo essencial ou integrante (subordinada substantiva) ou um adjunto adnominal de
valor restritivo (subordinada adjetiva restritiva)”, já que a “oração principal’, sozinha, fica truncada e, em
geral, totalmente desprovida de sentido, só perceptível quando se considera o conjunto”. 9 Para Kury (1993),
então, as tradicionais orações subordinadas adjetivas explicativas e todas as adverbiais não formariam, com a
oração principal, uma oração complexa. O autor está, assim, coerente com suas definições de coordenação e
subordinação, pois nessa obra ele enfatiza o lado significativo desses processos (cf. 1.1.1).
Essa interpretação de Kury tem sido encampada, não pelo seu aspecto semântico, mas sim estrutural,
por diversos autores, entre os quais Mateus et al. (2003) – que distingue a subordinação completiva, as
orações relativas, a subordinação adverbial e as construções de gradação e de comparação –, Castilho (2010)
7 Conferir ainda Bechara: 2001, p. 462.
8 Mateus et al. (2003, p. 595) utiliza o termo “frase superior”.
9 Kury, op.cit., p. 17. Note que esse autor utiliza um critério semântico, enquanto Bechara mantém-se na estrutura frasal.
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e Bagno (2010) – que colocam os processos sintáticos no seguinte contínuo: coordenação, hipotaxe
adverbial/correlação, subordinação.
5 ESPECIFICAÇÕES
Entendidos dois dos processos sintáticos, cabe debruçar-se sobre as especificações de cada um.
5.1 Especificações da coordenação
Na coordenação, inicialmente distingue-se a sindética (ou conectiva) da assindética (ou justaposta),
distinção encampada pela NGB. As sindéticas, por sua vez, tradicionalmente se subclassificam em aditivas,
alternativas, adversativas, explicativas e conclusivas. Essa subclassificação, de natureza semântica, nada diz
sobre diferenças sintáticas entre as orações coordenadas.
Quando se analisa o comportamento sintático dessas orações, nota-se que apenas a aditiva, a
alternativa e a adversativa introduzida pela conjunção mas podem figurar entre as coordenadas. Isso porque o
coordenante/conjunção coordenativa (a) ocorre sempre imediatamente antes da estrutura que introduzem; (b)
nunca coocorre com outra conjunção para introduzir uma mesma estrutura; (c) pode coordenar orações
subordinadas a uma mesma principal; e (d) não faz parte da estrutura por elas introduzida.
17) Esbarrei no vaso e ele caiu.
18) O motorista avançou o sinal mas o guarda não conseguiu anotar a placa do carro.
19) André vai embora agora ou eu não volto mais aqui.
Nas frases 17)-19), os coordenantes que iniciam as segundas orações coordenadas (e, mas, ou) só
podem vir imediatamente antes dessas orações, não sendo possível deslocá-los para qualquer outra posição.
Assim, são agramaticais as seguintes frases:
17') *Esbarrei no vaso ele caiu e.
18') *O motorista avançou o sinal o guarda não conseguiu anotar a placa do carro mas.
19') *André vai embora agora eu não volto ou mais aqui.
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Diferentemente, elementos como entretanto, portanto – tradicionalmente interpretadas como
conjunções coordenativas – podem se deslocar na estrutura da segunda frase, não se restringindo ao início da
segunda coordenada:
20) Ela havia estudado muito; estava, entretanto, nervosa na hora da prova.
21) Ele havia estudado muito; estava portanto tranquila na hora da prova.
É vedada à conjunção coordenante coocorrer com outras:
22) *O motorista avançou o sinal e mas o guarda não conseguiu anotar a placa do carro.
23) *André vai embora agora ou mas eu não volto mais aqui.
No entanto, aquelas mesmas unidades entretanto e portanto possuem essa possibilidade:
24) O motorista avançou o sinal e, entretanto, o guarda não conseguiu anotar a placa do carro.
25) O motorista avançou o sinal mas o guarda, todavia, não conseguiu anotar a placa do carro
O terceiro aspecto dos coordenantes é que eles estão aptos a relacionar orações subordinadas a uma
mesma oração principal, possibilidade vedada a conectivos como ‘entretanto‘ e ‘portanto‘:
26) É preciso que nós estudemos mas que não fiquemos bitolados.
27) Ele afirmou que vem aqui agora ou não poderá vir depois.
28) Sabemos que ele gosta da Maria mas que não irá convidá-la para a festa.
Por fim, essas unidades não fazem parte da estrutura que introduzem; 10 comprova-se isso quando se
substituem os elementos coordenados por unidades simples:
26') É preciso isso e aquilo.
27') Ele afirmou isso ou aquilo.
28') Sabemos isso mas não aquilo.
10
Essa é uma diferença do coordenante em relação ao subordinante, que integra a oração por ele introduzida, já que, ao se
substituir a oração subordinada por uma palavra, o coordenante é incorporado na substituição: Eu adoro que me deem presentes
X Eu adoro isso.
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Como os coordenantes continuam obrigatoriamente ocorrendo, mesmo que cada uma das orações
coordenadas tenha sido substituída por apenas uma unidade vocabular, comprova-se que essas conjunções
não integram a estrutura da oração que introduzem. Esse comportamento não é obrigatório de unidades como
entretanto e portanto, que podem ser substituídos com o restante dos elementos da estrutura oracional. Por
exemplo:
Ele gosta de pular corda e, portanto, de fazer exercícios.
29') Ele gosta disso e daquilo.
Confirma-se assim que são coordenantes apenas as conjunções aditivas, as alternativas e a
adversativa mas; todas as demais não são conectivos sintáticos, mas unidades adverbiais que estabelecem
nexos semânticos, mas não relação sintática, entre as orações coordenadas assindéticas.
5.2 Especificações da subordinação
5.2.1 desenvolvidas e reduzidas
Quanto à subordinação, primeiramente deve-se distinguir a desenvolvida da reduzida. Nessa, o
verbo vem em uma das formas nominais – infinitivo, gerúndio ou particípio – e não existe qualquer conectivo
que introduza a subordinada. Isso não quer dizer, porém, que não existam transpositores 11 nas reduzidas. Eles
não são, porém, itens lexicais (como a conjunção integrante, o pronome relativo e a conjunção adverbial),
mas morfológicos. 12 Assim, as desinências de infinitivo, gerúndio e particípio são as marcas formais que
evidenciam a transposição das orações a sintagma nominal, sintagma adverbial e sintagma adjetival. Eis
alguns exemplos:
30) É necessário estudar.
31) Estudado o conteúdo, entendeu a matéria.
32) Obtive êxito no concurso estudando muito.
11
“Por transpositor se entende o elemento linguístico que faz outro elemento transpor sua categoria gramatical primária e ingressar
em outra.” (BAGNO: 2010, p. 885).
12 Conferir Azeredo: 2008, p. 297.
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Já na subordinação desenvolvida, o verbo da oração transposta de um SN, SAdj ou SAdv vem
sempre em uma das formas finitas – no modo indicativo, subjuntivo ou imperativo. Além disso, há um
elemento introduzindo essa oração, servindo de conectivo entre ela e o elemento da oração antecedente ao
qual se subordina. Esse conectivo é ainda a marca formal da transposição da oração a um SN, SAdj ou SAdv –
motivo pelo qual é também denominado transpositor. Se a oração transposta exerce função de SN, o
conectivo é uma conjunção integrante (ou nominalizador), como em 33); se desempenha o papel sintático de
SAdj, trata-se de um pronome relativo, como em 34); por fim, se contrai função própria de SAdv, é uma
conjunção adverbial, como em 35). 13
33) É necessário que se estude.
34) O candidato que estudou mais foi aprovado.
35) A planície inunda quando as águas do rio sobem.
5.2.2 Subordinadas substantivas
Quando contrai as funções próprias de um SN, a subordinada classifica-se, de acordo com a NGB,
como substantiva, e esta pode ser subjetiva (36), objetiva direta (37), objetiva indireta (38), predicativa (39),
completiva nominal (40) ou apositiva (41).
36) É necessário que estudemos (com verbo de ligação e predicativo na oração complexa).
Convém que estudemos (com verbo intransitivo na oração complexa).
Foi dito que devemos estudar (com voz passiva na oração complexa).
37) Ele disse que estudará muito (com verbo transitivo direto na oração complexa).
38) Ele precisa (de) que lhe ensinem a matéria (com verbo transitivo indireto na oração complexa).
39) A dúvida é se nós estudaremos o suficiente (com sujeito e verbo de ligação na oração complexa).
40) Eu tenho necessidade de que estudemos mais (com sujeito, verbo transitivo direto e objeto direto na
oração complexa).
41) Eu só digo isso: que temos de estudar.
13
Há ainda transpositores de unidades não oracionais, a saber: as preposições, que fazem com que um substantivo passe a exercer
a função de um adjetivo (anel de ouro) ou de um advérbio (correr de manhã).
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Essa especificação das substantivas, tal como determinada pela NGB, não é aceita sem críticas pelos
gramáticos. Já Rocha Lima (2005 [1991]) apontava para a necessidade de distinguir a completiva relativa da
objetiva indireta. Essa distinção baseia-se no reconhecimento de que nem todos os complementos verbais
preposicionados são, como determina a NGB, objetos indiretos; esses seriam apenas os complementos que (i)
são introduzidos pelas preposições a ou para; (ii) estabelecem uma relação paradigmática, se na terceira
pessoa, com o pronome lhe(s); e (iii) desempenham o papel temático de beneficiário ou destinatário (ou
experenciador 14): Deu a esmola a um mendigo (deu-lhe uma esmola); Enviou a carta à namorada (enviou-lhe
a carta); Parece ao pai que o rapaz não estuda o suficiente (parece-lhe...).
Já complemento relativo é o que (i) pode ser introduzido por várias preposições (mesmo a); (ii)
estabelece uma relação paradigmática, se na terceira pessoa, com o pronome ele (e flexões), antecedido da
devida preposição; e (iii) desempenha vários papéis temáticos. Alguns exemplos do próprio Rocha Lima:
assistir a um baile (assistir a ele), depender de despacho (depender dele), reparar nos outros (reparar neles). A
partir dessas distinções, Rocha Lima (2005 [1991], p. 265) especifica a substantiva objetiva direta (42) e a
substantiva completiva relativa (43):
42) Deu a esmola a quem necessitava.
Enviou a carta a quem ama.
Parece que o rapaz não estuda o suficiente a quem o criou.
43) Assistir a quem dança.
Depender do que se despacha.
Reparar em quem fala.
Já se apontou que Mateus et al. (2003, p. 593-652) apresentam uma proposta um tanto inovadora
frente à NGB e com interessantes insights a respeito da subordinação completiva. De acordo com essa
proposta, a completiva pode ser verbal (44), adjetival (45) ou nominal (46), “consoante a categoria sintáctica a
que pertence o núcleo que selecciona a completiva”:
44) João prometeu que telefonava logo à noite (completiva verbal, pois é exigida pelo verbo
‘prometer‘).
14
Esse papel temático não é reconhecido por Rocha Lima (2005 [1991], p. 252), mas pode ser deduzido dos próprios exemplos
apresentados pelo autor (p. 249, cf. ex. 5).
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45) As crianças são capazes de escalar essa colina (completiva adjetival, pois é exigida pelo adjetivo
‘capaz‘).
46) Os estudantes tiveram a ideia de organizar uma feira (completiva nominal, pois é exigida pelo
substantivo ‘ideia‘).
Essa proposta parece interessante até para fins didático-pedagógicos, pois evidencia a relação de
complementaridade entre a oração subordinada e a palavra com a qual se relaciona; não só isso, constata-se
também a natureza (complementar) dessa relação. Levar os discentes de níveis fundamental e,
principalmente, médio a compreender tais conceitos comprova a aquisição de uma capacidade analítica
muito complexa.
Mateus et al. (2003, p. 606 e seg.) desenvolvem ainda mais suas considerações, ao indicar as
relações sintáticas que essas completivas podem desempenhar: de sujeito, de objeto direto, gramatical
oblíqua. Essa proposta merece mais atenção dos estudiosos, pois, a partir dela podem-se desenvolver
propostas didáticas muito interessantes. Causa surpresa, no entanto, ela não ter sido levada em consideração
para a elaboração do Dicionário terminológico. 15
5.2.3 Subordinadas adjetivas
Se a oração é degradada para contrair a função de um SAdj, diz-se que a subordinada é adjetiva,
vindo antecedida de um pronome relativo. Por estar no lugar de um SAdj, a subordinada em questão
desempenha apenas a função de adjunto adnominal.
Por outro lado, o pronome relativo, ao contrário da conjunção integrante, não é apenas um
introdutor da subordinada, mas possui uma função anafórica – própria de um pronome –, pois ele retoma seu
antecedente, tal como já comentado em 1.2.2, onde também se indica que o pronome relativo desempenha
uma função na subordinada. Nesses aspectos, há pontos importantes a serem discutidos – como a forma e o
uso do pronome relativo cujo, o uso de preposições antes desse conectivo etc. –, mas que infelizmente não
cabem na temática deste trabalho.
15
O Dicionário terminológico é a contraparte lusitana da NGB e “resulta de um processo de revisão da Terminologia Linguística
para os Ensinos Básico e Secundário” (Departamento...: 2012, p. 5). Pode ser consultado em http://dt.dgidc.min-edu.pt/.
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No que diz respeito à clássica distinção entre restritivas e explicativas, entende-se que ela se
fundamentou em conceitos semântico-discursivos, e não gramaticais. Por isso, não se a desenvolve aqui em
pormenores.
5.2.4 Subordinadas adverbiais
As subordinadas adverbiais desempenham, como as adjetivas, apenas uma função sintática na
oração da qual fazem parte: adjunto adnominal.
Já se indicou que Kury (1993), Castilho (2010) e Bagno (2010) não interpretam a tradicional
subordinada adverbial como fruto de um processo propriamente de subordinação, pois, como desempenha
uma função de adjunto, não é um elemento exigido por alguma palavra da matriz principal. Também Mateus
et al. (2003) encampa essa visão, distinguindo esse tipo de oração, por exemplo, da completiva.
Azeredo (2008, p. 297) indica que o índice da subordinação adverbial são as conjunções adverbiais.
Há, no entanto, uma característica que singulariza esses transpositores dos demais (especialmente da
conjunção integrante e do pronome relativo): o fato de eles serem “palavras exclusivamente classificáveis
entre as conjunções” (BAGNO: 2010, p. 886), o que caracteriza a interpretação deste tipo de subordinação
como algo distinta das demais. “Desse modo, a hipotaxe adverbial é um processo sintático que, para se
concretizar, forçou a gramaticalização (ressemantização e recategorização) de palavras das mais variadas
classes gramaticais.” (id.).
Tradicionalmente, as subordinadas se subclassificam a partir de um critério semântico. Assim, elas
podem ser proporcionais, temporais, finais, causais, concessivas, condicionais, conformativas, comparativas e
consecutivas. É muito difícil que tal subclassificação semântica seja completa e podem-se encontrar sentidos
outros para as diversas adverbiais da língua portuguesa.
Porém, se se atenta para as orações adverbiais comparativas (que fazem par comparativo com um
termo intensificado na oração principal) e as consecutivas (que expressam um efeito, uma consequência do
conteúdo da oração principal), percebe-se que elas se destacam das demais por não poderem se deslocar na
frase, pois dependem de um antecedente, só mantendo relação com o núcleo verbal junto com esse
antecedente. Assim, essas orações apresentam certa analogia com as subordinadas adjetivas. Exemplos:
47) O candidato vencedor obteve mais voto do que seus adversários [obtiveram] juntos.
(Comparativa)
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48) Janete é tão aplicada aos estudos que não lhe sobra tempo para o trabalho. (Consecutiva)
Comprova-se com esses exemplos que (i) é impossível o deslocamento dessas orações adverbiais
para o início do período, característica de todas as demais 16; e que (ii) há sempre um antecedente (mais,
menos e tão, para as comparativas – indicando respectivamente a comparação por superioridade, por
inferioridade e por igualdade – e tão e mais para as consecutivas), sem o qual é praticamente impossível a
criação de um período composto por subordinação com orações adverbiais dessas classes. Por isso, Bechara
(1999, p. 471-477) designa as demais orações subordinadas como “adverbiais propriamente ditas”, e classifica
essas duas à parte. Já Azeredo (2004, §425) entende que esses casos não se enquadram na classe ‘orações
subordinadas adverbiais’, mas sim no processo (que ele entende ser retórico) conhecido como correlação.
CONCLUSÃO
O objetivo do presente trabalho é fazer uma revisão crítico-bibliográfica dos processos sintáticos
denominados coordenação e subordinação. A partir desse exercício, compreende-se que há uma confusão na
natureza dos critérios usados para definir esses processos, recorrendo às vezes à semântica, às vezes à
estrutura. Conclui-se que o ideal – seja para finalidades descritivas, seja para finalidades didático-pedagógicas
– é utilizar critérios formais, no caso, sintáticos, que não levem a incoerências. Entre as possibilidades,
selecionou-se a função sintática como critério norteador para distinguir os processos: enquanto na
subordinação um membro da matriz vem na forma de uma oração, na coordenação não se observa essa
realidade. Subsidiariamente, pode-se indicar a degradação/transposição como um fenômeno próprio da
subordinação.
A partir dessa reformulação dos critérios, importa discutir o status da tradicional oração principal:
chegando-se à conclusão de que a estrutura de uma oração subordinada não é essencialmente distinta da de
uma oração simples, pode-se ou descartar a conceituação de oração principal, ou alargá-la, para que ela
encampe toda a matriz proposicional (o que tradicionalmente se designa “período composto”).
No que diz respeito às subclassificações da coordenação, deve-se atentar para os fatos de (i) essa
subclassificação ser de base semântica; e (ii) as tradicionais coordenadas conclusivas, explicativas e
16
Exceção feita a algumas orações adverbiais introduzidas por como, assim como, tanto quanto etc.: “Como uma cobra, o homem
armou o bote para falar com a mulher”; “Assim como ele não gosta de estudar, não quer fazer exercícios”; “Tanto quanto sua mãe
gosta de ler, ele adora se exercitar”. Mas em “Deixo a vida como o caminhoneiro deixa o tédio do deserto” não é possível a
inversão.
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alternativas (que não sejam introduzidas por mas) não terem o mesmo comportamento das demais, pois seus
elementos introdutores apresentam características muito distintas. Assim, essas orações passam a ser
analisadas como assindéticas (justapostas), e os elementos que podem vir antes delas (mas não
necessariamente apenas nessa posição) se classificam como advérbios, que estabelecem nexos semânticos,
mas não sintáticos, entre as orações.
No referente às subordinadas substantivas, após o entendimento de que elas contraem uma das
diversas funções sintáticas de um substantivo – o que leva a uma subclassificação funcional, e não semântica,
o que se aproxima do ideal em uma análise sintática –, pode-se distinguir a substantiva objetiva direta da
completiva relativa, distinção apresentada desde antes da formulação da NGB, mantida por gramáticos da
época e encampada por autores atuais.
Interessa também olhar com mais atenção à proposta de Mateus et al., que fazem uma análise
levando em conta a classe categorial a que pertence a palavra a que se vincula a subordinada substantiva;
assim, essa oração pode ser inicialmente classificada como completiva verbal, adjetival ou nominal, se se liga,
respectivamente, a um verbo, um adjetivo ou um substantivo. Em seguida, constata-se sua relação gramatical
(de sujeito, de objeto direto ou oblíqua).
Para as subordinadas adjetivas, não se discutiu sua tradicional subclassificação explicativa/restritiva,
pelo seu fundo semântico-discursivo. Por isso, aponta-se o fato de elas serem orações transpostas de SAdj cujo
índice é o pronome relativo – unidade lexical que, servindo de introdutor da subordinada adjetiva, retoma um
antecedente e contrai uma função sintática nessa adjetiva.
Por fim, no que diz respeito às subordinadas adverbiais, após salientar sua diferença em relação às
substantivas – estas são exigidas pela própria estrutura frásica, aquelas não – e após indicar a especificidade
categorial do item que as introduz – as conjunções adverbiais não se classificam apenas como tal – indicou-se
que a subclassificação que tradicionalmente se apresenta é também de natureza semântica, por isso não
aprofundada neste estudo. Mostrou-se, no entanto, que há uma especificação das consecutivas e
comparativas em relação às demais, pois essas duas adverbiais não podem se deslocar ao longo da matriz
proposicional e seus conectivos vêm aos pares.
Deseja-se dar continuidade a essa atividade de revisão dos processos sintáticos para relacionar frases
multioracionais, uma vez que há autores que apresentam não apenas a coordenação e a subordinação como
processos sintáticos estruturadores das orações complexas, mas também a correlação e a justaposição.
Ademais, pretende-se, ao fim dessa revisão crítica, apresentar uma proposta didático-pedagógica
para o processo de ensino, nos níveis fundamental e médio, de análise de frases multioracionais.
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Data de submissão: jul./2013.
Data de aprovação: ago./2013.
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