O objeto, o método e o fenômeno educativo na

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O OBJETO, O MÉTODO E O
FENÔMENO EDUCATIVO NA
SOCIOLOGIA DURKHEIMIANA
Maria Teresa Canezin*
Resumo: o presente artigo demarca os contornos do projeto
metodológico do pensador clássico Émile Durkheim, buscando
pontuar as especificidades dos fatos sociais, as regras do método e a
eleição do fenômeno educativo como objeto de estudo da sociologia
positivista.
Palavras-chave:
educativo.
Durkheim,
objeto,
método,
fenômeno
... será sobretudo da sociologia que vos falarei de educação. Aliás, assim
procedendo, não haverá perigo que a deforme, estou convencido, ao contrário, de
que não há melhor processo para salientar a verdadeira natureza da educação. Ela é
fenômeno eminentemente social. (Durkheim)
Durkheim (1858-1917) é referência para o pensamento sociológico,
sobretudo por fornecer contribuições originais para o entendimento do
fenômeno social e apresentar a peculiaridade de formular um modelo
teórico-metodológico fértil no momento de fundação da sociologia como
ciência autônoma. O objetivo deste artigo é demarcar os contornos do
projeto metodológico durkheimiano destacando as especificidades dos fatos
sociais, as regras do método e a eleição do fenômeno educativo como objeto
de estudo da sociologia positivista.
Vivendo na sociedade francesa do final do século XIX e início do XX,
período de afirmação da ordem capitalista num momento em que as
contradições capital e trabalho se potencializavam, Durkheim enfrentou o
desafio de construir uma ciência com ênfase na possibilidade de
*
Doutora em Filosofia e História da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestrado em Sociologia . Professora
no Departamento de Educação e no Mestrado em Educação da Universidade Católica de Goiás.
Fragm. Cult. Goiânia. v. 10. n. 3. p. 623-640. maio/jun. 2000
racionalmente dar conta do fenômeno social. Uma ciência fundada em uma
razão científica, que não pretendia ser outra senão que a mesma razão das
ciências naturais, aplicada à natureza humana/social.
A origem da sociologia, na formulação desse grande teórico, esteve
profundamente marcada pelas mudanças provocadas pela expansão do
capitalismo na Europa e, em particular, na estrutura social francesa. Na
França, em especial, a crise do feudalismo e a revolução industrial, com as
mudanças tecnológicas revolucionárias dessa época, produziram um cenário
político social que forneceu condições para implodir a possibilidade do saber
tradicional - a filosofia política e o direito natural - de dar conta de elaborar
explicações plausíveis para o mundo social em efervescência. O próprio
Durkheim, referindo-se às condições da França para a emergência da
sociologia, assim se expressava:
Determinar a parte que corresponde a França na constituição e no desenvolvimento
da sociologia é quase fazer a história desta ciência; posto ter nascido entre nós (...)
Não poderia nascer e desenvolver senão onde se encontrassem reunidas as condições
seguintes. Por um lado, era necessário que o tradicionalismo houvesse perdido seu
império. Em um povo que sente que suas instituições são tudo o que deve ser, não
pode provocar a reflexão sobre as coisas sociais. Porém, ademais, era preciso uma
verdadeira fé no poderio da razão para intentar o empreendimento de traduzir em
noções definidas a mais complexa e a mais instável das realidades: França cumpria
esta dupla condição.1
As convulsões políticas e sociais da França, no contexto europeu,
demarcam a preocupação de Durkheim em produzir uma ciência a partir de
investigações de leis que regem a sociedade. O triunfo da razão empírica nas
ciências naturais, com sua certeza e exatidão, sua objetividade e sua
praticidade, acenava para a possibilidade de estender o racionalismo no
âmbito da vida social. Assim, as sociedades, consideradas por Durkheim
como importantes unidades de análise sociológica, deveriam ser investigadas
mediante a utilização do método positivo, apoiado na observação, indução e
experimentação, tal como vinham fazendo as ciências naturais. Herdeiro do
otimismo científico que marcou, sobretudo no século XVIII, a conquista da
autonomia das ciências naturais em relação à filosofia, Durkheim tinha o
mesmo projeto para as ciências sociais: alcançar a unidade metodológica.
As ciências humanas serão constituídas a partir da imitação das demais ciências
naturais, já que o homem é só uma parte da natureza. No mundo não há dois mundos:
um que derive da observação científica e outro que escape a ela; o universo é uno e
uno também é o método de que nos servimos para explorá-lo em todas suas partes
(...) Posto que se há demonstrado que o método positivo é o único que permite
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conhecer o mundo inorgânico, se deduz que é também o único que convém ao mundo
humano.2
Durkheim aspirava construir uma sociologia positivista capaz de
formular proposições que estabelecessem relações causais entre os
fenômenos sociais para, assim, adquirir status equivalentes aos dos outros
ramos da ciência. Também destacava a pertinência da sociologia pelas
próprias características das sociedades modernas. Dada a crescente
importância das organizações em larga escala nas sociedades modernas,
entendia que a sociologia poderia ser definida como a ‘ciência das
instituições’.
Em suas obras consideradas mais relevantes como La division du
travail social (1893), Les règles de la méthode sociologique (1895); Le
suicide (1897) e Les formes élémentares de la vie religieuse (1912),
aparecem com vigor e precisão os fundamentos para uma teoria da
investigação sociológica. Especialmente em Les règles de la méthode
sociologique, Durkheim sistematiza os parâmetros metodológicos
referenciais para a construção de um trabalho sociológico. Nesta obra, ele
explicita as regras para um estudo científico da sociedade, ao buscar
delimitar o objeto bem como os procedimentos da investigação sociológica.
Em Educação e sociologia, configura com acuidade como o fenômeno
educativo é par excelence um objeto de estudo e a sociologia da educação
uma área específica do conhecimento.
O OBJETO DA SOCIOLOGIA: AS ESPECIFICIDADES DOS FATOS
SOCIAIS
O ponto de partida da ciência, então emergente, seria saber o que são
os fenômenos sociais. Assim, a primeira tarefa será qualificar determinados
fatos como sociais no âmbito da ordem factual existente. “Antes de buscar
qual o método que convém ao estudo dos fatos sociais, é preciso saber que
fatos são assim chamados.”3
Durkheim tinha por suposto que haveria no reino social um conjunto
de objetos específicos, com caracteres nitidamente distintos daqueles
estudados pelas outras ciências da natureza. O seu propósito era delimitar
tais caracteres para demonstrar que os fenômenos sociais seriam portadores
de uma especificidade, o que conferiria os limites epistemológicos para a
construção da sociologia positivista.
Ao fundar a realidade do objeto de estudo da sociologia, os fatos
sociais, Durkheim esforçou-se por demarcar sobretudo caracteres que lhes
delimitava a existência: a exterioridade/objetividade e a coercitividade.
Fragm. Cult. Goiânia. v. 10. n. 3. p. 623-640. maio/jun. 2000
O primeiro refere-se à independência dos fatos sociais em relação ao
indivíduo. Haveria em toda sociedade um grupo determinado de fenômenos
que apresentaria a peculiaridade de existirem fora das consciências individuais.
Quando desempenho meus deveres de irmão, de esposo ou de cidadão, quando me
desincubo de encargos que contraí, cumpro deveres que estão definidos fora de mim e
de meus atos, no direito e nos costumes. Mesmo estando de acordo com sentimentos
que são próprios, sentindo-lhes interiormente a realidade, esta não deixa de ser
objetiva; pois não fui eu quem os criou, mas recebi os através da educação (...) O
sistema de sinais de que me sirvo para exprimir meu pensamento, o sistema de
moedas que emprego para pagar minhas dívidas, os instrumentos de crédito que
utilizo nas minhas relações comerciais, as práticas seguidas na minha profissão, etc.;
funcionam independentemente do uso que delas faço.4
Segundo Durkheim existiria, pois, uma ordem de fatos compreendidos
como maneiras de agir, de pensar e de sentir, diferenciados de outros fatos
pela propriedade de existir fora das consciências individuais. Tais fatos
sociais seriam resultantes da vida em comum, produto das ações e reações
que ocorrem entre as consciências individuais; enfim a expressão da consciência coletiva:
a sociedade não é uma simples soma de indivíduos; o sistema formado por sua
associação representa uma realidade específica que tem suas características
próprias. Sem dúvida, nada poderia se produzir de coletivo se as consciências
individuais não existissem, mas essa condição, apesar de necessária, não é suficiente.
É preciso, ainda, que essas consciências estejam associadas e, combinadas de certa
forma; é dessa combinação que resulta a vida social (...) é esta associação que é a
causa desses novos fenômenos que caracterizam a vida, da qual é impossível
encontrar-se até mesmo o germe em qualquer dos elementos associados. É que o todo
não é idêntico à soma das partes; ele é algo de diferente, com propriedades diferentes
das que possuem as partes que o compõem.5
Da interpenetração das consciências individuais resulta uma
‘individualidade psíquica de um novo gênero’, uma espécie de consciência
coletiva substancialmente diferente das consciências individuais agregadas.
São formas de fazer, de pensar e de sentir que não podem ser reduzidas a
puros fatos psíquicos __ são fatos qualificados como sociais. Assim, a
sociedade, composta de conjuntos de fatos sociais e resultante da síntese
produzida pela associação de indivíduos, tem a especificidade de ultrapassar
o indivíduo, temporal e espacialmente, de modo a impor-se com autoridade.
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Eis outra significativa característica do fato social: a coercitividade. A
ênfase no caráter coercitivo relaciona-se diretamente ou é proveniente da
exterioridade do fato social e da autoridade moral que possui sobre os
indivíduos.
Os fatos sociais além de serem exteriores, são possuidores da
capacidade de exercer coerção sobre o indivíduo: “esses tipos de conduta ou
de pensamento não são apenas exteriores ao indivíduo, são também dotados
de um poder imperativo e coercitivo, em virtude do qual se lhe impõem, quer
queira, quer não”.6
O caráter coercitivo é, sobretudo, originário da anterioridade dos fatos
sociais perante o indivíduo. Antes dele nascer as gerações anteriores já
produziram um legado social historicamente solidificado e instituído. Esse
legado apresenta-se como conjuntos de crenças, normas, regras, valores;
enfim, como maneiras de pensar, agir e sentir, reconhecidas externamente
pelos sinais das sanções sociais. Ele expressa-se também como uma força
moral à qual não é possível resistir sem veleidades, pois, ao mesmo tempo
que se impõe, tem a autoridade de constranger o indivíduo, tornando-se
desejável, justamente, por ser a sociedade uma entidade moralmente superior
às consciências individuais.
Assim, os fatos que seriam de domínio próprio da sociologia teriam a
seguinte definição:
É fato social toda a maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o
indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma
sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das
manifestações individuais que possa ter.7
Com a referida definição, Durkheim delimitava uma ordem de fatos
possuidores de certas características que permitiriam qualificá-lo como
social e ensaiava a possibilidade da sociologia positivista afirmar-se como
ciência. Diz: “Para que a sociologia seja possível, é preciso, antes de tudo,
que ela tenha um objeto que só pertença a ela e possua uma realidade própria
que não tenha saído de outra ciência.”8
AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLÓGICO
O objeto específico exigiria procedimentos metodológicos, também
específicos. A natureza dos fatos sociais, nos moldes definidos por
Durkheim, indicaria os fundamentos do método sociológico. Em Les règles
de la méthode sociologique, ele expõe quais são os parâmetros que o
processo da investigação sociológica deve seguir. Para ele, resultava
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apropriado e conveniente considerar o princípio da realidade objetiva dos
fatos sociais intrinsecamente relacionado ao poder que a coerção externa
exerce ou é capaz de exercer sobre os indivíduos. Essa natureza dos fatos
impunha que estes fossem tratados como coisa. “O método sociológico, tal
como o praticamos, repousa inteiramente no princípio fundamental de que os
Fatos sociais devem ser tratados como coisas, isto é, como realidades
exteriores ao indivíduo.”9
A independência, a exterioridade dos fatos sociais, exigiria, portanto,
que o sujeito/investigado assumisse a mesma atitude mental dos cientistas
que estudam os fenômenos naturais. Tratar os fatos sociais como coisas é,
para Durkheim, rejeitar toda a possibilidade de conhecer a realidade social
pela mera introspecção. Nesta perspectiva, define o que é coisa.
Durkheim diz:
É coisa todo o objeto do conhecimento que a inteligência não penetra de maneira
natural, tudo aquilo de que não podemos formular uma noção adequada por simples
processo de análise mental, tudo o que o espírito não pode chegar a compreender
senão sob condição de sair de si mesmo, por meio da observação e da
experimentação, passando progressivamente dos caracteres mais exteriores e mais
imediatamente acessíveis para os menos visíveis e mais profundos. Tratar fatos de
uma certa ordem como coisas não é, pois, classificá-los nesta ou naquela categoria
do real; é observar, com relação a eles, certa atitude mental. Seu estudo deve ser
abordado a partir do princípio de que se ignora completamente o que são, e de que
suas propriedades características, assim como as causas desconhecidas de que estas
dependem, não podem ser descobertas nem mesmo pelas mais atenta das
introspecções.10
O projeto metodológico durkheimiano de raiz positivista institui-se
numa luta contra o idealismo, o que reflete a influência do legado
epistemológico de Comte. A observação da realidade social a partir do
exterior deveria dar centralidade ao processo de investigação e, em
decorrência, as dimensões subjetivas (o mundo da consciência, dos
valores...) deveriam ser afastadas. Esse cientificismo repercute na tentativa
de resolver a questão do conhecimento, negando a via introspectiva. Nesta
ótica, Durkheim estabelece interlocução, sobretudo, com a psicologia
bergsoniana que exerce, nesse período, forte influência na França. Ela tem
como pressuposto fundamental que os fatos da consciência não poderiam ser
apreendidos pela interpretação racional, mas por um sentimento exterior,
pela intuição. O princípio que trata os fatos como coisas é definido por
Durkheim rejeitando toda a validade dessa análise psicológica, que tinha na
introspecção seu único procedimento. Ele entendia que, ao postular a
intelegibilidade de explicar o comportamento do homem em sociedade a
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partir das consciências dos sujeitos, pela introspecção, a análise psicológica
permaneceria ligada à filosofia e não adquiriria estatuto de ciência.
Aplicar à investigação dos fatos sociais os processos de demonstração
próprios da lógica experimental é o eixo do projeto metodológico
durkheimiano. Com relação ao método, a ciência é una, diria ele, e, nesse
sentido, todo objeto da ciência é coisa passível de explicação nos parâmetros
da racionalidade positivista. Posicionando-se favoravelmente perante o
padrão científico experimental, Durkheim entende que a sociologia se
constituiria da atividade racional sobre os fenômenos empiricamente dados.
No prefácio da primeira edição, respondendo as críticas feitas ao tratamento
metodológico que propõe dar aos fatos sociais, Durkheim enfatiza sua crença
no futuro da razão científica.
Diz ele:
Na verdade, porém, nem uma nem outra apelação nos convém exatamente, a única
que aceitamos é a de racionalistas. Estender à conduta humana o racionalismo
científico é, realmente, nosso principal objetivo, fazendo ver que, se a analisarmos no
passado, chegaremos a reduzi-la a relação de causa e efeito; em seguida, uma
operação não menos racional a poderá transformar em regras de ação para o futuro.
Aquilo que foi chamado de nosso positivismo, não é senão conseqüência deste
racionalismo.11
Para Durkheim, as análises do social produzidas até então - por
exemplo, os legados de Spencer e Saint Simon - não tinham fundamentação
metodológica adequada, pois partiam das “idéias para as coisas, e não das
coisas para as idéias”. Havia, pois, o suposto de que seria suficiente analisar
em nossa consciência a idéia que temos do fenômeno para que ele pudesse
ser conhecido. Diz Durkheim: ”Em lugar de observar as coisas, descrevê-las,
compará-las contentamo-nos então em tomar consciência de nossas idéias,
analisá-las, combiná-las. Em lugar de Ciências da realidade, nada mais
fazemos do que análise ideológica.”12
A tarefa da Sociologia, como de qualquer outra ciência, era tornar
inteligível o real e, para tanto, deveria existir uma independência entre o
sujeito cognoscente e o objeto investigado. Na relação de produção do
conhecimento, o cientista social, diante dos fatos, deveria ter a atitude
mental dos demais estudiosos dos fenômenos físicos, naturais: colocar-se
“num estado de espírito semelhante ao dos físicos, químicos, fisiologistas
quando se aventuram numa região ainda inexplorada de seu domínio
científico”.13
O cientista social deveria basear sua postura no princípio de que
desconhece completamente os fatos sociais, o objeto de sua investigação, e
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considerar se diante de fenômenos ignorados, que “já se encontram
representados no espírito não apenas por meio de imagens sensíveis, mas
também por certos conceitos grosseiramente formados”.14
Assumir a ignorância frente aos fatos e libertar-se, afastar-se das
pré-noções ou “das representações esquemáticas e sumárias” que norteiam o
cotidiano dos indivíduos, constituiria uma regra essencial do método, que,
segundo Durkheim, permitiria estabelecer os limites entre o senso comum e
o conhecimento propriamente científico. “Eis o primeiro corolário: É preciso
afastar sistematicamente todas as pré-noções”.15
No momento da determinação do objeto de suas pesquisas, ou durante
as suas demonstrações, o cientista social deve se libertar das falsas
evidências que dominam o senso comum. Na lógica da investigação, a
ruptura com o senso comum é pré-condição do processo de investigação.
Contudo, as pré-noções não são totalmente inúteis, à medida que podem
servir de indicadores capazes de sinalizar externamente a existência dos
fenômenos sociais.
Como ponderou Durkheim, não basta ensinar ao sociólogo que é
necessário se afastar das noções vulgares, das estruturas conceituais
preestabelecidas e dirigir-se para o estudo objetivo dos fatos sociais, mas é
preciso indicar a regra de como proceder. Assim, a primeira tarefa é a
definição do grupo de fenômenos/fatos que se pretende investigar. E a
definição, para ser objetiva, deve exprimir a natureza, as propriedades
inerentes aos mesmos fenômenos. O passo inicial de qualquer pesquisa é o
estabelecimento dos fenômenos que se pretende investigar, o que torna
imprescindível sua definição operatória, a partir de sinais exteriores.
No momento em que a pesquisa apenas começa, quando os fatos não foram ainda
submetidos a nenhuma elaboração, os únicos de seus caracteres que podem ser
atingidos são os que se mostram assaz exteriores para se tornarem imediatamente
visíveis. Os que estão mais profundamente situados são, sem dúvida mais essenciais;
seu valor explicativo é mais elevado, mas são ainda desconhecidos nesta fase da
ciência, e não podem ser apreendidos antecipadamente senão substituindo-se à
realidade alguma concepção do espírito. É, pois, entre os caracteres exteriores que se
deve procurar a matéria para a definição fundamental. 16
Em As regras do método sociológico, Durkheim descarta a
possibilidade de construir uma ciência de eventos singulares, reafirmando
que não há ciência dos tipos/dos grupos de fenômenos sociais. Entende-se
que é tarefa de quem pesquisa agrupar sob a mesma rubrica todos os
fenômenos que apresentam as mesmas propriedades exteriores. Extrai-se,
assim, a seguinte regra: “nunca tomar por objeto de pesquisa senão um grupo
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de fenômenos previamente definidos por caracteres exteriores que lhes são
comuns, e compreender na mesma pesquisa todos aqueles que correspondem
a esta definição.”17
Ao definir que os fatos sociais deveriam ser tratados como coisas,
desligados dos sujeitos conscientes que deles têm representações
esquemáticas, deformadas, Durkheim estabelecia, também, como regra
subseqüente, que eles só poderiam ser estudados por intermédio da
observação externa, isto é, a partir da sua classificação ou agrupamento, por
meio de sinais exteriores observáveis, pela visibilidade de indicadores, como
códigos legais, estatísticas etc.
Diz Durkheim:
os Fatos sociais (...) apresentam de modo muito mais natural e imediato todos os
caracteres de coisa. O direito existe nos códigos, os movimentos da vida cotidiana se
inscrevem nos algarismos da estatística e nos movimentos históricos, as modas nas
roupagens, os gostos nas obras de arte.18
O cientista social teria por tarefa agrupar e classificar os fatos sociais,
objeto de sua investigação, com o objetivo de conferir-lhes homogeneidade e
especificidade e, assim, criar condições metodológicas para estudá-los em
suas relações causais, funcionais e comparativas, seguindo o estilo dos
zoólogos, biólogos, físicos e químicos, frente aos fenômenos naturais.
O projeto metodológico durkheimiano é reconhecidamente
desenvolvido em sua monumental obra clássica denominada O suicídio.
Neste estudo, ele investiga um fenômeno que se apresenta ao nível do senso
comum de forma impressionista e ambígua, como se sua origem se baseasse
em razões pessoais e, portanto, fosse de caráter particular. Ao propor
investigá-lo, Durkheim parte de duas considerações próprias do método que
institui. A primeira é afirmar que o suicídio constitui um fenômeno
resultante de fatores de ordem social, apesar de ser percebido como um ato
que apenas afeta o indivíduo, de se apresentar como dependente de fatores
pessoais e de se situar no campo de estudo exclusivo da Psicologia. A partir
da perspectiva sociológica, Durkheim orienta a investigação do fenômeno
em outra direção. Em vez de examiná-lo sob a ótica das motivações
individuais e, de maneira isolada, particular, considera que o que deve ser
objeto de estudo sociológico é o conjunto dos suicídios cometidos numa
sociedade dada, durante um determinado tempo histórico.
Com tal procedimento, em relação ao fenômeno do suicídio, afirma:
constatamos que o total assim obtida não é uma simples soma de unidades
independentes, um todo de coleção, mas que constitui em si facto novo e sui generis,
Fragm. Cult. Goiânia. v. 10. n. 3. p. 623-640. maio/jun. 2000
que possui a sua unidade e a sua individualidade, a sua natureza própria por
conseguinte e que, além disso, tal natureza é eminentemente social.19
De acordo com a lógica se seu método, Durkheim parte de uma
definição objetiva de suicídio “todo caso de morte que resulta direta ou
indiretamente de um ato positivo ou negativo praticado pela própria vítima,
sabedora de que devia produzir esse resultado”.20
Em seguida, constrói as taxas de suicídio utilizando como material
empírico as estatísticas nacionais européias em um determinado grupo de
países e em um tempo histórico definido. Com os dados obtidos, demonstra
que a evolução dos suicídios por ondas de movimentos mantém taxas
constantes, apesar das variações de uma sociedade para outra. Tomando,
então, como referência os dados relativos a algumas sociedades, encontra
regularidades e produz tipos __ taxas de suicídio. Sociologicamente,
Durkheim constrói uma tipologia dos suicidas. Elaborando uma definição do
suicídio a partir de caracteres exteriores e realizando um estudo estatístico,
comparativo de diferentes sociedades em um tempo histórico dado, chega a
três tipos de suicídio: o altruísta, o anônimo e o egoísta. Esses três tipos
expressariam a predisposição que cada sociedade tem para produção de
suicidas em potencial.
Cada sociedade tem portanto, em cada momento da sua história, uma aptidão
definida para o suicídio. Mede-se a intensidade relativa desta aptidão tomando a
relação entre o número global de mortos voluntários e a população global (todas as
idades e ambos os sexos). Designaremos este dado numérico por taxa de
mortalidade-suicídio própria à Sociedade considerada.21
As sociedades teriam predisposições ou inclinações coletivas para o
suicídio, traduzidas como correntes suicidogêneas, objetivas, exteriores aos
indivíduos, com a capacidade de atuar sobre eles mesmos, esti-mulando-os
ou coibindo-os diante da expectativa da morte.
Na centralidade da análise durkheimiana do suicídio, haveria a relação
moral entre o indivíduo e a sociedade. A relativização dos laços orgânicos
entre o indivíduo e a sociedade seria responsável pela elevação da taxa de
suicídios, o que demonstraria que o indivíduo, para a conservação da sua
integridade enquanto espécie social, dependeria fundamentalmente da
sociedade.
Ao investigar a problemática dos laços entre o indivíduo e a
sociedade, Durkheim conclui que o suicídio varia na razão inversa do grau
de integração dos grupos sociais de que faz parte o indivíduo. A sociedade
composta de grupos fortementes integrados tende a proteger fortemente o
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indivíduo e, quando, por fatores diversos, ela sofre um processo de
desintegração, cria condições para um tipo de suicídio denominado egoísta.
O indivíduo mata-se quanto mais enfraquecem os seus vínculos com os
grupos sociais a que pertence. Daí, afirma Durkheim, se “assentamos
portanto em chamar egoísmo a este estado em que o eu individual se
sobrepõe exageradamente ao eu social e o prejudica, poderemos dar o nome
de egoísta ao tipo particular de Suicídio que resulta de uma individuação
excessiva”.22
O outro tipo de suicídio, o altruísta, distingue-se do precedente por
uma individuação insuficiente: o indivíduo se mata por estar
demasiadamente integrado à sociedade. Nesse tipo, os grupos sociais de que
o indivíduo faz parte - a família, a Igreja, a corporação, o Estado absorvem-no integralmente; há uma extrema dependência do indivíduo (o
“eu não lhe pertence”) e a sociedade o domina inteiramente. O terceiro tipo,
o suicídio denominado de anônimo, “provém do fato de a atividade dos
homens estar desregrada e do fato deles sofrerem com isto”.23 O referido
tipo é resultante de uma situação de anomia na sociedade, isto é, deve-se a
um estado de desregramento social no qual as normas estão ausentes ou
perderam a legitimidade. A sociedade torna-se incompetente para regular os
interesses, as paixões individuais e, assim, o sentimento de interdependência
diminui, criando predisposição para que o suicídio anônimo aconteça.
Pelo exposto, observa-se que o propósito metodológico de Durkheim
não foi produzir um inventário completo de todas as condições que
interferem na gênese dos suicídios, mas procurar as condições de que
depende o fato distinto a que chama taxa social de suicídio. O que buscou
investigar foram as causas, os fatores que instigam o suicídio, não sobre
indivíduos isolados, mas sobre o grupo ou o conjunto da sociedade. A taxa
de suicídio expressaria a regularidade entre fatos sociais. Assim, realizando
correlações estatísticas, demonstra empiricamente a relação de índole causal
entre variáveis. Mediante a introdução de sucessivas variáveis, procura
examinar, por exemplo, se o sexo, o clima, o estado civil, a religião etc.,
relacionam-se com o suicídio.
A explicação sociológica consiste exclusivamente em estabelecer relações de
causalidade, quer se trate de ligar um fenômeno à sua causa, ou pelo contrário, uma
causa a seus efeitos úteis. Uma vez que, por um lado, os fenômenos sociais escapam
evidentemente à ação do operador, o método comparativo é o único que convém à
Sociologia.24
Assim, na monumental investigação empírica do suicídio, Durkheim
explicita a sua inovação metodológica e define a tarefa da Sociologia como
ciência positivista dos fatos sociais.
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A SOCIOLOGIA DURKHEIMIANA E O FENÔMENO EDUCATIVO
Durkheim dedicou grande parte de seus estudos à sociologia e à pedagogia, tentando explicitar o caráter social do fenômeno educativo. Como
sociólogo, diz ele:
será sobretudo dentro da sociologia que vos falarei de educação. Aliás, assim
procedendo, não haverá perigo em mostrar a realidade educativa, por aspectos que a
deforme, estou convencido, ao contrário, de que não há melhor processo para
salientar a verdadeira natureza da educação. Ela é fenômeno eminentemente social.25
Estudar cientificamente a educação, como fenômeno passível de
observação pressupõe tratá-la como coisa social, no sentido de explicação de
um fato social, reconhecível pelas suas características de objeto. A educação
é um fato, um processo social presente em todos os grupos sociais e
instituições sociais, expresso em tradições, hábitos, crenças, valores etc., que
se estrutura independente da vontade dos indivíduos. A sociedade, pela sua
natureza sui generis, institui sistemas educativos conforme o tipo ideal de
homem que, historicamente, necessita construir. Em sua função social, ela
realiza a mediação entre o indivíduo e a sociedade, à medida que, ao
promover a formação do indivíduo, prepara as novas gerações, criando as
condições de sua existência e a própria reprodução da sociedade.
O conceito de educação para Durkheim ancora-se na sua percepção de
homem ou indivíduo. Este, para Durkheim, é um ser dual __ ser individual/ser
social, pois,
em cada um de nós, pode-se dizer, existem dois indivíduos, os quais, embora não
possam, materialmente ser separados, apresentam, à análise bem distintos. Um se
compõe de todos os estados mentais que não se referem senão a nós mesmos e aos
fatos de nossa vida pessoal; é o que poderíamos chamar o ‘ser indivisível’. O outro é
um sistema de idéias, sentimentos e hábitos, que exprimem em nós não a nossa
própria personalidade, mas o grupo, ou os grupos diversos, de que fazemos parte;
tais são as crenças religiosas, as crenças e as práticas morais, as tradições nacionais
ou profissionais, as opiniões coletivas de qualquer espécie.26
O ser individual, para Durkheim, é distinto do ser social. Este não
nasce com o homem, não se revela na constituição humana primitiva e não
resulta de um processo espontâneo. Ao nascer, a criança somente traz sua
natureza de indivíduo, egoísta e associal, carecendo da coerção externa
exercida pela sociedade para se constituir num ser social.
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Espontaneamente, o homem não se submeteria à autoridade política; não respeitaria
a disciplina moral, não se devotaria, não se sacrificaria. Nada há em nossa natureza
congênita que nos predisponha a tornar-nos, necessariamente, servidores de
divindades, ou de emblemas simbólicos (...) Foi a própria sociedade, na medida da
nossa formação e consolidação, que tirou do seu próprio seio essas grandes forças
morais.27
Fundamentado no que considera a proposição essencial da sociologia
contemporânea - “o homem não é humano senão porque vive em sociedade”
- destaca a importância vital do fenômeno educativo: constituir o ser social e,
assim, possibilitar a manutenção e a reprodução da ordem social.
“Longe de ter por objeto único ou principal o indivíduo e seus
interesses, a educação é, acima de tudo, o meio pelo qual a sociedade renova
perpetuamente as condições de sua própria existência.”28
As obras coletivas __ a linguagem, as religiões, as ciências, a moral __
produtos sociais de geração, não são transmitidas ou materializadas sob a
forma de predisposições orgânicas, mas, sim, por meio da ação educativa.
Diante de cada nova geração, a sociedade se encontra como se estivesse
perante uma tábula rasa, à qual, deve transmitir as experiências humanas
acumuladas como mecanismo de sobrevivência e conservação.
“Os frutos da experiência humana são quase que integralmente
conservados, graças à tradição oral, graças aos livros, aos monumentos
figurados, aos utensílios e instrumentos de toda a espécie, que se transmitem
de geração em geração.” 29
Ainda nesta perspectiva, a análise durkheimiana, ao ressaltar as
relações entre a sociedade e o indivíduo, procura demonstrar que não há um
suposto antagonismo entre essas duas instâncias, uma vez que são idéias
dependentes uma da outra. A sociedade, por intermédio do processo
educativo, não tem por objetivo “comprimir o indivíduo, amesquinhá-lo,
desnaturá-lo, mas ao contrário engrandecê-lo e torná-lo verdadeiramente
humano.30
Com efeito, na visão durkheimiana, educação é um processo de socialização que envolve educadores e educandos em um contexto de
tradições, hábitos, instituições o que, necessariamente, significa adaptação às
normas e sanções, de tal maneira que elas se tornam parte inerente à vida dos
indivíduos. Nesta reflexão, identifica a educação como uma ação que produz
e reforça atributos específicos do ser social, ou certas similitudes essenciais
requeridas pela vida coletiva e por determinadas condições históricas da
sociedade. Daí a definição:
Fragm. Cult. Goiânia. v. 10. n. 3. p. 623-640. maio/jun. 2000
a educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas não ainda
amadurecidas para a vida social. Tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança,
certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade
política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança particularmente se
destine.31
A referida definição destaca a importância da educação, tendo como
axioma fundamental a idéia de que ela se aplica às disposições encontradas
no ser individual; tendências estas gerais, maleáveis, flexíveis que podem
receber determinações muito variadas. Nestes termos, diz Durkheim, é
ampla a distância que existe entre as “virtualidades indecisas que constituem
o homem ao nascer e a personalidade definida que ele deve tornar-se”.32 É
precisamente essa distância que potencializa a função, a influência e o poder
da ação educativa.
Para ilustrar o poder da ação educativa, Durkheim apoiou-se na
comparação feita pelo psicólogo francês Jean Marie Guyan entre os efeitos
da educação e os efeitos da sugestão hipnótica. Durkheim considera a
comparação pertinente, nas relações que o educador estabelece com a
criança. Esta, submetida à ação educativa, vivencia condições semelhantes
àquelas criadas artificialmente pela hipnose, encontra-se predisposta à
sugestão e à imitação, em estado de passividade, uma vez que a sua
consciência é portadora de reduzido número de representações e a sua
vontade é incipiente. Por outro lado, o fato de que o educador possui
ascendência sobre o educando, em razão da superioridade de conhecimento e
da experiência, fornece-lhe poder para eficientemente exercer influência. Tal
similaridade da ação educativa à sugestão hipnótica impõe aos agentes (pais,
professores etc.) severa responsabilidade. Ainda nesta perspectiva, ele faz a
analogia do educador ao magnetizador no que se refere ao exercício da
autoridade. Para influenciar, o magnetizador faz uso imperativo de sua
autoridade e, semelhantemente o ato educativo, é um trabalho de imposição
e autoridade. A imposição é exigência da própria natureza individual, egoísta
e associal da criança ao nascer, quando necessita ser coercitivamente
constrangida para tornar-se ser social. Nesses termos, a ação educativa não é
necessariamente espontânea e prazerosa. Diz:
ora, não podemos elevar-nos acima de nós mesmos senão por esforço mais ou menos
penoso. Nada é tão falso e enganador como a concepção epicuriana da educação, a
concepção de Montaigne, por exemplo, segundo a qual o homem pode formar-se
divertindo, sem outro aguilhão senão o do prazer (...) Para aprender a conter o
egoísmo natural, subordiná-lo a fins mais altos (...) será preciso que o educando
exerça sobre si mesmo grande trabalho de contenção. Ora, não nos constrangemos,
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Fragm. Cult. Goiânia. v. 8. n. 1. p. 79-98, jan./fev. 1998
não nos submetemos senão por uma destas duas razões; ou por força da necessidade
física, ou porque o devamos moralmente.33
Cabe ressaltar que, no pensamento durkheimiano, a coerção, o
constrangimento ou a violência à natureza essencial do homem, além de
necessária e benéfica, se realiza como atração e sedução, pois são forças
morais relacionadas à noção de dever. A aceitação da disciplina, dos valores
culturais dos costumes, o espírito de renúncia em favor de uma vida social
são conseqüências da consciência que o educando adquire do dever
personificado, por meio da prática desenvolvida pelos pais e mestres. Esta
concepção impõe a esses agentes educativos a necessidade de assumirem
posições morais claras e definidas, ampliando suas responsabilidades em
relação à autoridade exercida.
Entendendo que a ação educativa deve ser um trabalho de autoridade,
Durkheim a compreende não como um processo violento e compressor, mas
como resultado da ascendência moral que o educador tem sobre o educando.
A autoridade manifesta-se, assim, mediante duas condições essenciais:
Primeiro, que ele tenha vontade. Porque a autoridade implica a confiança, e criança
não pode manifestar confiança em quem vê hesitar, tergiversar, voltar sobre suas
decisões. Mas essa primeira condição não é a principal. O que importa, antes de
tudo, é que o mestre demonstre sentir realmente, sinceramente, o sentimento da
própria autoridade.34
Na elaboração do significado da autoridade, Durkheim salienta que ela
é “uma força que ninguém pode manifestar; se efetivamente não a possuir” e
que provém não do poder material ou da imposição de castigos, mas da “fé
interior”, da consciência e da crença que o educador tem da grandeza de sua
missão. Nesses termos, o educador constituiria uma espécie de intérprete das
idéias morais de seu tempo, da sociedade como entidade moral, e a sua
autoridade decorreria, pois, de causas impessoais. Estaria expressa na
linguagem, no gesto, na conduta do educador, reconhecida como força moral
pelo educando.
Compreendida como um ato de autoridade, a ação educativa consiste
em uma socialização metódica do indivíduo e de cada geração nova e, assim,
implica em um processo de inculcação de modos de pensar, agir e sentir,
representações coletivas de uma sociedade. Também, para Durkheim, a
função de inculcação do fenômeno educativo não se restringe ao aspecto
moral/ideológico, mas supõe a transmissão de categorias lógicas
fundamentais na constituição do pensamento dos indivíduos e de sua
capacidade de interpretação do real.
Fragm. Cult. Goiânia. v. 10. n. 3. p. 623-640. maio/jun. 2000
Em sua obra As formas elementares da vida religiosa, ele procura
demonstrar que categorias fundamentais do pensamento como o tempo, o
espaço, número e classe derivam, em última instância, das condições de
existência dos indivíduos, entendendo que a estrutura cognitiva do homem
está determinada pela estrutura da sociedade. O tempo, por exemplo,
constitui uma representação coletiva de um tipo de vida social, e a divisão
em dias, semanas e anos corresponde à recorrência periódica dos ritos, festas
e cerimônias públicas. Um calendário expressa o ritmo das atividades
coletivas e tem a função de assegurar sua regularidade. As categorias de
pensamento não existem a priori, mas derivam da estrutura da existência
social, e, uma vez inculcadas na mente dos homens, parecem imanentes a
ela.
Segundo Zeithem, 1977, Durkheim realiza em seus estudos um debate
epistemológico com os empiricistas e aprioristas, reafirmando que os
primeiros se equivocam ao supor que o conhecimento é o resultado das
percepções sensoriais e que as categorias não intervêm no conhecimento.
Para ele, o conhecimento realiza-se, como sustentam os racionalistas, pela
mediação das categorias, porém, estas não são imanentes mas de natureza
social e histórica. Assim, as representações coletivas dependem das
estruturas sociais subjacentes, que não só produzem um mínimo de
conformidade moral, senão também uma mínima conformidade lógica.
Na produção social da conformidade lógica, Durkheim enfatiza a
noção de classificação. Entende ele que a classificação ou hierarquização das
coisas do mundo em agrupamento e gênero reproduz a classificação dos
homens, o que implica em considerar que ela tem como base a organização
social. O sistema lógico de classificação então reproduz o sistema social. Diz
Miceli,
Durkheim afirma que o sistema de classificação configura uma ordem lógica que
recobre a ordem social (e recobre no sentido literal de revestir), impondo-se sobre o
agente e regulando não apenas a apropriação de símbolos mas também fornecendo
as regras e os materiais significantes que dão sentido às suas práticas.35
Ao procurar delimitar a educação como um fato social, a exemplo de
sua preocupação em tratar o suicídio como um fenômeno de caráter
eminentemente social, Durkheim fundamentava-se em explicações
conceituais e empíricas, visando estabelecer a legitimidade da sociologia
como ciência possuidora de objeto próprio e distinto. Por esse esforço, como
diria Gabriel Cohn, Durkheim é um daqueles autores que, pelo alcance e
profundidade de sua contribuição original e pela sua presença na atividade
sociológica contemporânea, merece ser qualificado de clássico.
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Cf. Durkheim apud Moya, 1970, p. 13.
Cf. Durkheim apud Moya, 1970, p. 23.
Cf. Durkheim, 1987, p. 1.
Cf. Durkheim, 1987, p. 1-2.
Cf. Durkheim, 1987, p. 25.
Cf. Durkheim, 1987, p. 2.
Cf. Durkheim, 1987, p. 11.
Cf. Durkheim, 1987, p. 8.
Cf. Durkheim, 1987, p. 20.
Cf. Durkheim, 1987, p. 21.
Cf. Durkheim, 1987, p. 17.
Cf. Durkheim, 1987, p. 13-14.
Cf. Durkheim, 1987, p. 13.
Cf. Durkheim, 1987, p. 13.
Cf. Durkheim, 1987, p. 27.
Cf. Durkheim, 1987, p. 30.
Cf. Durkheim, 1987, p. 31.
Cf. Durkheim, 1987, p. 26.
Cf. Durkheim, 1977, p. 14.
Cf. Durkheim, 1977, p. 9.
Cf. Durkheim, 1977, p. 16.
Cf. Durkheim, 1977, p. 234.
Cf. Durkheim, 1977, p. 299.
Cf. Durkheim, 1977, p. 109.
Cf. Durkheim, 1973a, p. 9.
Cf. Durkheim, 1973a, p. 42.
Cf. Durkheim, 1973a, p. 42.
Cf. Durkheim, 1973a, p. 45
Cf. Durkheim, 1973a, p. 46.
Cf. Durkheim, 1973a, p. 47.
Cf. Durkheim, 1973, p. 41.
Cf. Durkheim, 1973, p. 52.
Cf. Durkheim, 1973a, p. 54.
Cf. Durkheim, 1973a, p. 55.
Cf. Miceli, 1987, p. 15-16.
Referências bibliográficas
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. São Paulo: Nacional, 1987.
. Educação e sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1973.
. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Abril, 1973a. (Os Pensadores)
. O suicídio: estudo sociológico. Portugal: Presença: Brasil: Martins Fontes, 1977.
MICELI, S. Introdução: a força do sentido. In: BORDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São
Paulo: Perspectiva, 1987.
MOYA, C. Sociólogos y sociologia. Madrid: Ediciones Castilha S. A., 1970.
ZEITHEM, I. Ideologia e teoria sociológica. Buenos Aires: Amorrostu Editores, 1997.
Fragm. Cult. Goiânia. v. 10. n. 3. p. 623-640. maio/jun. 2000
Abstract: this article seeks to outline the thoughts of Emile Durkeim,
highlighting the social factors, the methodology and the educational aspects
as the object of study of positive sociology.
Key words: Durkeim, object, method.
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Fragm. Cult. Goiânia. v. 8. n. 1. p. 79-98, jan./fev. 1998
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