refluxo gastroesofágico o que fazer por este paciente

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CEFAC
CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA
MOTRICIDADE ORAL
REFLUXO GASTROESOFÁGICO
O QUE FAZER POR ESTE PACIENTE ?
ANDRÉA GRECO
SÃO PAULO
1999
1
RESUMO
Este estudo é uma pesquisa teórica sobre a doença do refluxo
gastroesofágico ( RGE ), com a intenção de esclarecer do que se trata e refletir a
contribuição que o fonoaudiólogo pode oferecer ao paciente portador desta
afecção. Há necessidade de um conhecimento de anatomia, fisiologia e dos
distúrbios da deglutição para que se entenda a doença do RGE com suas
manifestações clínicas e se possa elaborar um tratamento específico. Alguns
autores concordam que o tratamento clínico do RGE deve ser postural, dietético e
medicamentoso. A pesquisa conclui que necessariamente o fonoaudiólogo deve
conhecer a doença do RGE para poder diagnosticá-la e tratá-la adequadamente,
uma vez que o RGE é subdiagnosticado e subtratado. Inicialmente, o
fonoaudiólogo deve reconhecer a doença do RGE, encaminhar o paciente para
uma avaliação clínica médica e seguir com orientações sobre a dieta e a postura.
O enfoque da terapia muda no caso do paciente desenvolver sintomas de disfagia
e/ou disfonia.
2
ABSTRACT
This study comprises a theorical research on gastroesophageal reflux
(GERD) in a tentative of clarifying and analyse the speech language pathology
contribuition. Anatomy, phisiology and deglutition disturbs knowledgement are
necessaries for the compreension of clinical manifestations of this pathology due to
elaborate a specific treatment. Some authors agree that GERD clinical treatment
should be postural, dietary and medicamentous. Ours results indicate that speech
language pathologist should be able to recognize and treat the disease correctly
once the reflux usually is subdiagnosticated and subtreated. The following step is
indicate a clinical avaliation and postural and dietary orientation. In case of
dysphagia and dysphonia development the aim of the therapy can be changed.
3
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
5
ELEMENTOS DE ANATOMIA
6
DEGLUTIÇÃO
8
DISTÚRBIOS DA DEGLUTIÇÃO
11
REFLUXO GASTROESOFÁGICO
14
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO RGE
18
TRATAMENTO DO RGE
21
CONSIDERAÇÕES FINAIS
24
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
25
4
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa teórica tem como objetivo auxiliar e esclarecer através da
fonoaudiologia, pais,
médicos e profissionais de áreas afins, quando nos
deparamos com a doença do refluxo gastroesofágico ( RGE ).
A idéia de desenvolver este trabalho vem acompanhada de uma angústia
por não ter nos campos da fonoaudiologia respostas para dúvidas de pais
ansiosos pela cura e qualidade de vida de seus filhos.
A reflexão que proponho aos meus colegas é : o que podemos fazer por
este paciente ? Ao longo desta pesquisa tentarei mostrar o que tem se destacado
nas descobertas sobre a doença do RGE e como os fonoaudiólogos podem se
alimentar deste conhecimento e aplicá-lo em sua prática clínica. Outra questão
sempre presente me levou a refletir : qual é o objetivo do fonoaudiólogo nos casos
de RGE ?
A deglutição é uma função biológica complexa e coordenada que consiste
no ato de propulsão do alimento da cavidade bucal até o estômago, sem que haja
ocorrência de aspiração de materiais para dentro das vias aéreas.
Com certa frequência, observam-se associações entre distúrbios da
deglutição e da voz e o RGE.
Para que nós fonoaudiólogos possamos fazer um diagnóstico diferenciado,
devemos entender o processo da deglutição e mais especificamente o distúrbio
faringoesofágico e do esôfago distal, o RGE. A orientação aos nossos pacientes
5
de acordo com este conhecimento, terá grande serventia para alcançarmos o
nosso objetivo.
ELEMENTOS DE ANATOMIA
Apresento a seguir alguns elementos de anatomia do sistema respiratório e
digestivo do corpo humano que compreendem este estudo.
Segundo Erhart (1987), cavidade nasal, faringe, laringe, traquéia e brônquios
são vias aeríferas por onde circulam o oxigênio e o gás carbônico a fim de
intercomunicar o meio ambiente com os pulmões.
A faringe, conduto ímpar e mediano que pertence à via respiratória e ao
tubo alimentar, situada posteriormente às cavidades nasal, bucal e laríngea é
continuada pelo esôfago. A musculatura da faringe, estriada, é representada pelos
músculos constritores superior, médio e inferior e músculos elevadores da faringe,
diretos responsáveis pela mecânica da deglutição.
O esôfago, tubo músculo-membranoso, continuação da faringe, desce pelo
pescoço e tórax, atravessa o diafragma e, na cavidade abdominal, termina na
cárdia, início do estômago. Mede cerca de vinte e cinco centímetros de
comprimento e amplia-se por ocasião da passagem do bolo alimentar.
A inervação do esôfago é feita pelo plexo esofágico, formado por fibras
simpáticas provenientes do tronco simpático e por fibras parassimpáticas do
nervo vago.
Impulsos parassimpáticos parecem interferir no mecanismo de
abertura do esfíncter cárdico.
6
O estômago é o segmento sacciforme, excêntrico do tubo digestivo que se
segue ao esôfago e se continua no intestino. Apresenta dois orifícios: um proximal,
de comunicação com o esôfago – cárdia – e outro distal – piloro – que o comunica
com a porção inicial do intestino delgado, denominada duodeno.
A inervação é feita por fibras simpáticas provenientes do gânglio cilíaco e
por fibras parassimpáticas integrantes do nervo vago.
Impulsos
simpáticos
aumentam o tônus dos esfíncteres e inibem a secreção dos sucos digestivos.
Impulsos parassimpáticos determinam o relaxamento dos esfíncteres e estimulam
a secreção de sucos digestivos.
7
DEGLUTIÇÃO
Marchesan (1998) afirma que a deglutição é uma ação motora automática,
na qual estão envolvidos músculos da respiração e do trato gastrointestinal. O
objetivo da deglutição é o transporte do bolo alimentar e também a limpeza do
trato respiratório. A deglutição é uma atividade neuromuscular complexa , que
pode ser iniciada conscientemente, durando de 3 a 8 segundos, sendo que a fase
oral dura 1 segundo. Participam da deglutição em torno de 30 músculos e 6 pares
encefálicos. Os pares encefálicos que fazem parte da deglutição são: trigêmeo –
V, facial – VII, glossofaríngeo – IX, vago – X, acessório espinhal – XI e hipoglosso
– XII.
Segundo Barbieri & Koda (1996), a deglutição é um ato fisiológico
resultante da interação dos músculos e nervos cranianos da cavidade oral, da
faringe e do esôfago proximal e é composto de três fases distintas : oral, faríngea
e esofágica. Marchesan (1998) considera a existência de uma fase anterior à oral,
que é a preparatória.
Na fase preparatória , o alimento é mordido e mastigado para que possa
ser transformado em um bolo homogêneo , o que facilitará a deglutição.
8
Na fase oral, a ponta da língua faz um contato ligeiro com os incisivos
inferiores, elevando-se em seguida de encontro ao palato. Ocorrem, ainda, o
vedamento anterior dos lábios, a cessação da mastigação e a inibição reflexa da
respiração. O bolo alimentar coletado na superfície dorsal da língua é levado para
a orofaringe.
Na fase faríngea observa-se uma série de reflexos : fecha-se a nasofaringe
pela elevação do palato mole contra a parede posterior da faringe evitando a
passagem do alimento para a nasofaringe, fecha-se a orofaringe pela manutenção
da posição da língua retraída e elevada contra o palato duro evitando o retorno do
alimento à boca, e fecha-se a hipofaringe pela elevação e projeção da laringe para
diante, pelo fechamento da epiglote e pela aproximação das pregas vocais. Desta
forma vedam-se as vias aéreas prevenindo a aspiração pela traquéia.
Concomitante ao início da fase faríngea da deglutição, inicia-se a primeira
onda peristáltica, impelindo o bolo alimentar para baixo. O músculo cricofaríngeo,
o componente principal do esfíncter superior do esôfago (ESE), relaxa-se
permitindo assim a entrada do conteúdo alimentar no esôfago. Normalmente o
ESE mantêm-se permanentemente fechado, evitando a aspiração do ar pela
faringe e somente se abre durante a deglutição.
Na fase esofágica da deglutição o bolo alimentar alcança o estômago pela
ação das ondas peristáltica do esôfago e pelo relaxamento reflexo dos esfíncter
inferior do esôfago (EIE). O EIE permanece também constantemente fechado,
iniciando seu relaxamento imediatamente após ser desencadeado o mecanismo
de deglutição. O bolo alimentar e impulsionado pelo esôfago através do
9
peristaltismo primário e secundário em direção ao estômago. Este peristaltismo
constitui o principal mecanismo pelo qual é devolvido para o estômago qualquer
material dele refluído.
A deglutição intra-útero é normalmente descrita como tendo início entre a 16
e 17 semana de gestação, embora haja relato de deglutições faríngeas em fetos
de 12 semanas. A deglutição pré-natal possui a importante função de manter
normal o volume do líquido amniótico.
A sucção e a deglutição , embora presentes na vida intra-uterina, não estão
totalmente desenvolvidas até depois do nascimento.
O RN normal, a termo, apresenta um modelo de sucção-deglutição imaturo,
transitório, caracterizado por quatro a cinco sucções curtas seguidas de poucas
deglutições e acompanhadas de ondas esofágicas terciárias.
Este modelo imaturo de sucção-deglutição previne a entrada de uma
quantidade de líquido
que não poderia ser tolerada por um esôfago com
peristaltismo ainda inadequado.
Um aspecto importante a considerar no RN prematuro é a relação entre a
deglutição e a respiração. O prematuro não é capaz de coordenar de forma
eficiente as duas atividades, de forma que pode ocorrer dificuldade respiratória e
aspiração durante o ato da deglutição.
Desta forma, compreende-se que a prematuridade, situação na qual a
sucção é fraca e a deglutição transitoriamente incoordenada, constitui fator de
risco do desenvolvimento de distúrbios da deglutição, principalmente quando se
10
associam várias condições, como sedação materna durante o parto, lesão
cerebral por anoxia e malformações.
DISTÚRBIOS DA DEGLUTIÇÃO
Em crianças, segundo Barbieri & Koda (1996), os distúrbios da deglutição
raramente se apresentam como problemas isolados, mas com freqüência estão
associados a malformações da cavidade oral e da faringe e/ou a alterações do
aparelho neuromuscular responsável pela adequada coordenação do processo da
deglutição. Com certa frequência, observam-se ainda associações com distúrbios
faringoesofágicos e do esôfago distal como o RGE. Esta frequência é maior nas
crianças prematuras e mais ainda naquelas com problemas neurológicos.
Os distúrbios da deglutição, em geral, se manifestam sob a forma de tosse
e engasgo imediatamente após o ato da deglutição o que implica a penetração de
material alimentar na laringe ou na árvore respiratória. Em casos mais graves,
pode ocorrer cianose ou mesmo apnéia. Episódios repetidos de aspiração podem
levar ao desenvolvimento de doenças pulmonares como broncoespasmo e/ou
pneumonia de repetição.
11
Regurgitação nasal associada com vômito, embora possa acontecer no
recém-nascido normal, deve constituir um sinal de alerta para o pediatra para
possível
distúrbio de deglutição. Por outro lado, na ausência de vômito,
regurgitação nasal é sempre patológica, sugerindo alteração de função do palato
ou da faringe.
Desnutrição
alimentares
e déficit de crescimento secundários às dificuldades
e às complicações pulmonares costumam acompanhar o quadro
clínico.
Dada a ampla variedade de situações nas quais podem ocorrer distúrbios
da deglutição, para um diagnóstico preciso a anamnese deve ser detalhada e o
exame físico cuidadoso.
Deve-se realizar um interrogatório bastante minucioso em relação à história
alimentar junto à mãe ou à pessoa diretamente envolvida na alimentação da
criança. Os dados a serem colhidos incluem: a pessoa que alimenta a criança; o
local onde a mesma é alimentada e o método de administração do alimento,
assim como o tipo de utensílio utilizado. Além disso , deve-se também perguntar
sobre a posição da cabeça, do pescoço e do corpo durante a alimentação; o
volume e a consistência do alimento ofertado; o volume tolerado; a presença ou a
ausência de mastigação; o tempo consumido na alimentação; história de engasgo
e tosse associados à alimentação.
As condições de nascimento da criança e de saúde da mãe também são
informações importantes. Miastenia grave materna pode causar disfagia transitória
12
no recém-nascido. Anoxia perinatal e alterações neurológicas no RN
fazem
antever problemas de sucção e deglutição.
O exame físico da criança com distúrbio de deglutição inclui o exame
cuidadoso do assoalho da boca, da língua, da mandíbula, do palato e do osso
hióide. Deve-se ainda avaliar o tônus do fechamento dos lábios através da
pressão negativa exercida pela criança no dedo do examinador durante a sucção
e também o tônus do palato mole.
O pediatra deve observar diretamente a sucção–deglutição da criança
através da administração de água por mamadeira, o que pode auxiliar na
identificação e no diagnóstico diferencial dos distúrbios da deglutição.
Assim, para o adequado tratamento das crianças com esta moléstia, tornase essencial, em primeiro lugar, diagnosticar precocemente se o distúrbio é
funcional ou devido à patologia orgânica e, neste caso, se passível de correção
cirúrgica.
Nos distúrbios de origem funcional, que constituem a maioria dos casos, o
tratamento consiste em medidas terapêuticas conservadoras e em programas de
estimulação.
A avaliação do mecanismo de deglutição pode ser realizada através dos
seguintes exames: o estudo radiológico que compreende a radiografia
contrastada e a videofluoroscopia ou cinerradiografia, que proporcionam
informações não só sobre a anatomia como também sobre a função oral faríngea
e esofágica. Manometria que é particularmente útil no diagnóstico diferencial entre
incoordenação e acalasia cricifaríngea. Endoscopia que permite apenas detecção
13
de eventuais alterações estruturais, não sendo possível nenhuma informação em
relação à função. E a ultra-sonografia que tem sido usada como uma nova
modalidade diagnóstica para a avaliação dos distúrbios da deglutição.
REFLUXO GASTROESOFÁGICO
Prado (1998) define o RGE fisiológico como a passagem retrógrada do
conteúdo gástrico para o esôfago. O RGE torna-se-á patológico quando: aumentar
a freqüência do refluxo, diminuir a depuração esofágica do conteúdo gástrico
refluído, o material refluído for mais nocivo e for menor a resistência da mucosa
esofágica. Quando o RGE patológico ocasionar manifestações clínicas definidas
constituirá a doença do RGE.
Segundo Brito & Mathias (1991), o RGE é patológico apenas quando se
torna exagerado ou quando provoca alguma lesão, disso se conclui que a
demonstração isolada de RGE pode não ter significado patológico, sendo
necessário quantificá-lo ou ter uma repercussão clínica apreciável.
14
Oliva et al. (1990) sugerem que o RGE é definido como uma entidade
clínica resultante do trânsito intermitente de conteúdo gástrico em direção ao
esôfago, consequente ao relaxamento da junção esofagogástrica. Tal relaxamento
ocorre, provavelmente, por incapacidade funcional do EIE.
Sataloff et al. (1997) discutem a possibilidade do RGE ser consequência de
uma disfunção do esfíncter esofágico. A função do esfíncter é impedir a
movimentação anormal do bolo alimentar para cima, e do ar para baixo. A pressão
do EIE deve ser maior que a do estômago; se for contrária, o refluxo ocorre. A
tonicidade deste esfíncter é determinada pela ação da musculatura intrínseca, mas
quando necessário, o decréscimo desta tonicidade é determinado pela ação de
medicamentos ou orientações e dieta alimentar.
Patologias gástricas, desordens da mobilidade do esfíncter e outras
condições também favorecem o refluxo.
A barreira anti-refluxo, citada por Barbieri & Koda (1996), é um eficiente
sistema de prevenção do RGE pois o refluxo ocorre só ocasionalmente e é então
fisiológico. A barreira anti-refluxo é representada por fatores anatômicos e
funcionais. Dentre os fatores anatômicos citam-se : ângulo de Hiss, pilar direito do
diafragma, membrana freno-esofágica e disposição em roseta das pregas da
mucosa do fundo do estômago.
O fator funcional principal é representado pelo EIE que em razão de sua
contração tônica atua como barreira funcional, antepondo-se ao RGE. Um outro
mecanismo que procura
manter um funcionamento competente do EIE é a
existência de um gradiente pressórico positivo entre ele e o estômago. Assim,
15
quando ocorre alguma elevação da pressão intragástrica (que facilitaria o
aparecimento do RGE), também há aumento paralelo da pressão do EIE
(mecanismo reflexo vagovagal), numa atitude de resguardo contra o refluxo.
A musculatura circular esfincteriana, a principal estrutura responsável pela
existência de um tônus basal, sofre influências neurais e hormonais e responde de
forma variável ao estímulo fisiológico, a drogas e outros fatores.
A pressão basal sofre influências neurais, quer em termos de excitação
quer de inibição, através do nervo vago.
O esôfago possui vários mecanismos através dos quais procura se defender
do material refluído quando isso ocorre mantendo, dessa forma, a sua integridade.
Entre esses mecanismos, citam-se: mecanismos de clareamento esofágico e de
resistência da mucosa esofágica.
16
Na criança pequena, o mecanismo anti-refluxo é relativamente deficitário,
pois o EIE que no adulto tem uma extensão média de três a quatro centímetros,
nas crianças abaixo de três meses de idade tem um centímetro.
Estudos iniciais demonstraram ainda pressão diminuída no nível do EIE
durante as primeiras semanas de vida, alcançando valores de adulto por volta de
dois meses após o nascimento. De acordo com os autores, a pressão reduzida
observada nessas crianças se deve provavelmente ou a uma menor resposta ao
estímulo neuro-hormonal no nível do EIE ou a uma menor massa muscular
funcionante.
Esses aspectos ontogenéticos do mecanismo anti-refluxo constituem as
razões pelas quais o RGE é um fenômeno quase habitual em RN e lactentes
jovens.
17
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO RGE
Todos os autores citados são unânimes ao referir que a principal
manifestação clínica do RGE é o vômito. Segundo Barbieri & Koda (1996), o
vômito, nas suas diversas formas é o sintoma principal, encontrado em até noventa
por cento dos casos. Pode ser uma simples regurgitação ou um vômito líquido,
incolor ou esbranquiçado, ou ainda um vômito alimentar.
Outra característica dos vômitos no RGE é a sua melhora com a posição
ereta e piora nos decúbitos.
Quando o material refluído alcança as vias respiratórias, pode provocar
quadro de faringite, laringite, traqueíte, bronquite de repetição, pneumonia
recorrente ou ainda crises de apnéia.
As manifestações respiratórias nesses pacientes ocorrem mais comumente
quando o paciente assume o decúbito dorsal, especialmente durante o sono,
quando são despertados por crises de tosse e dificuldade respiratória.
Brito & Mathias (1991) relatam que o portador do RGE se queixa de dor,
queimação retroesternal, gosto azedo na boca e regurgitação de conteúdo
gástrico ao abaixar-se após as refeições. Por outro lado, lactentes apresentam
regurgitação relacionada com o decúbito. Tais crianças apresentam crescimento
deficiente e costumam ter obstipação intestinal.
Os sintomas respiratórios provocados pelo refluxo são consequentes à
aspiração de secreção gástrica
que provoca crises asmatiformes, surtos de
18
apnéia, bronquites ou broncopneumonias de repetição e síndrome da morte súbita
na criança.
Os sintomas digestivos, além do vômito ou regurgitação, são a dor
retroesternal, a disfagia ou odinofagia quando houver intenso espasmo ou
estenose do esôfago.
Brasil et al. (1998) consideram sugestivas de RGE as seguintes queixas :
ardor, sensação de “queimação na garganta”, globus laríngeo, pigarro, tosse seca,
laringoespasmo, halitose, rouquidão, azia, pirose retroesternal e regurgitação.
Para Contencin, citado por Brasil et al. (1998), o RGE é responsável pelas
laringites recorrentes na população pediátrica.
Oliva et al. (1990) afirmam que o início dos sintomas ocorre geralmente
durante o primeiro trimestre de vida. Raramente é observado em pré-escolares e
escolares.
Para Prado (1998), o RGE e as doenças do aparelho respiratório podem
guardar entre si diversas correlações: serem apenas eventos simultâneos (embora
independentes) ou um deles ser o distúrbio básico, ou então apenas exercerem
mútuo reforço. Este agravamento recíproco também é observado entre o RGE e a
esofagite péptica: esta determina hipotonia do EEI, diminuição do peristaltismo
esofágico e comprometimento dos mecanismos de depuração, desta maneira
favorecendo o RGE, estabelecendo-se então um verdadeiro círculo vicioso.
Grande parte dos sintomas apresentados pelas crianças decorrem da esofagite
péptica. Suas complicações como: erosão, ulceração, hemorragia, estenose e
epitélio de Barrett agravam o prognóstico.
19
Apresentam predisposição ao RGE as crianças portadoras de: hérnia hiatal,
retardo do desenvolvimento neuropsicomotor (como a trisomia do 21) e atresia do
esôfago (previamente submetidas a cirurgia). Provavelmente o RGE decorre das
alterações da motilidade do esôfago, apresentadas por essas últimas crianças,
de origem congênita.
Koufman (1995) afirma que o RGE é a causa primária e/ou agravante de dois
terços dos pacientes com alterações vocais e/ou laríngeas. Esta afirmação é
controversa e não muito aceita pelos otorrinolaringologistas. Mesmo aqueles que
possuem grande incidência de RGE ainda o subdiagnosticam e subtratam. Os
principais sintomas destas alterações vocais são a rouquidão intermitente, o
pigarro, a tosse e a disfagia.
Os pacientes pediátricos com RGE podem desenvolver
laringoespasmo, laringomalácia e desordens pulmonares.
20
disfonia,
TRATAMENTO DO RGE
Segundo Barbieri & Koda (1996), o objetivo do tratamento é procurar
reduzir o refluxo para, desta forma, proteger o esôfago e os pulmões do contato
com os conteúdos gástrico e duodenal e diminuir os riscos de complicações como
esofagite e pneumonia de aspiração.
O tratamento de RGE pode ser clínico ou cirúrgico. O quadro clínico aliado
aos achados dos exames complementares determinarão a escolha da linha de
tratamento. Os autores concordam que o tratamento clínico é postural, dietético e
medicamentoso.
Tratamento postural :
Barbieri & Koda (1996) afirmam que é de
fundamental importância pois reduz a frequência e a duração dos episódios de
refluxo. Para crianças pequenas as posições preconizadas são decúbito dorsal
elevado de quarenta e cinco a sessenta graus ou ventral elevado a trinta graus
durante vinte e quatro horas. O decúbito ventral a trinta graus possui a vantagem
de facilitar o esvaziamento gástrico. Em crianças maiores deve-se elevar a
cabeceira da cama em aproximadamente quinze centímetros. O tratamento
postural pode ser interrompido após terem sido registradas seis semanas sem
sintomas. Em Prado (1998) recomenda-se: decúbito prono ( ventral ) a trinta
graus; posição ereta, com inclinação dorsal acima de sessenta graus ( supina
elevada ) e decúbito lateral. Crianças maiores e adolescentes não devem deitar
21
por duas horas após refeição e devem colocar calços na cama para reduzir o RGE
noturno.
Tratamento dietético : Barbieri & Koda (1996) relatam que consiste em
evitar alimentos ou bebidas que são estimulantes da secreção ácido-gástrica que
diminuem a força de contração do EIE e que retardam o esvaziamento gástrico.
Desta forma aconselha-se eliminar da dieta condimentos, molhos picantes,
enlatados, alimentos gordurosos, doces, cremes, chocolates, frutas ou sucos
cítricos, bebidas gaseificadas, café, chá, álcool e fumo. As refeições devem ser
fracionadas em pequenos volumes. Recomenda-se ainda, às crianças menores
comer devagar, não tomar líquidos durante ou próximo às refeições, assim como
não dormir logo a seguir as refeições.
Prado (1998) refere que deve-se corrigir se houver: obesidade, desnutrição,
anemia ou constipação intestinal. Deve-se ,ainda, evitar o aumento da pressão
intra-gástrica, estimulantes da secreção ácida, redução da competência do EEI,
ação irritativa direta sobre a mucosa esofágica e ácidos.
Tratamento medicamentoso : Barbieri & Koda (1996) descrevem que o
objetivo deste tratamento é obter melhor desempenho do EIE como barreira antirefluxo e reduzir ou amenizar os efeitos dos fatores agressores. O período de
tempo preconizado para o tratamento medicamentoso é de quatro a oito semanas.
Drogas que agem sobre o EIE : cloridrato de betanecol, metoclopramida,
bromoprida, domperidona e cisaprida. As drogas que agem modificando o
conteúdo gástrico são as que reduzem a acidez gástrica,é o que refere Barbieri &
Koda (1996).
22
Segundo Prado (1998), a conduta cirúrgica é indicada para pacientes com
complicações graves e sem resposta à conduta clínica. Cirurgias anti-refluxo:
fundoplicatura de Nissen, prótese de Algelchik etc. Os altos índices de insucesso
e o grande número de complicações inicialmente descritas (tais como: disfagia,
dificuldade ou impedimento ao vômito, dor abdominal e dispepsia) hoje estão
minimizados pelo desenvolvimento de técnicas mais aprimoradas, incluindo as da
videolaparoscopia.
23
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma história clínica cuidadosa é capaz de proporcionar dados importantes
para a suspeita diagnóstica de RGE.
As crianças que requerem condutas de emergência são minoria, a maior
parte delas, tem boa evolução e recupera-se em torno de um ou dois anos de vida.
A correlação entre o RGE e os distúrbios da deglutição é apresentada na literatura
com grande incidência na faixa etária infantil.
Na idade adulta o RGE é considerado como causa ou fator agravante de
alterações vocais e laríngeas.
Uma vez diagnosticado o RGE deverá ser tratado.
Com conhecimento sobre o RGE o fonoaudiólogo poderá atuar com
eficiência e responsabilidade, orientando o paciente principalmente na dieta e na
postura. Outro enfoque deverá ser dado à terapia no caso do paciente apresentar
sintomas referentes aos distúrbios da deglutição ou vocais .
É fundamental também a avaliação e o controle dos fatores emocionais do
portador de RGE e seus familiares.
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26
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