Destaque Depec - Bradesco Ano XIII - Número 146 - 14 de junho de 2016 Os riscos da potencial saída do Reino Unido da União Europeia não devem ser descartados Ellen Regina Steter possibilidade de saída da economia inglesa da UE. Há ainda outro ponto a ser considerado: as contas externas do Reino Unido mostram nítidos sinais de deterioração. Segundo informações do ONS (Office for National Statistics), a partir de 2008 a economia inglesa intensificou seu déficit em conta corrente, alcançando o recorde em 2014 de 5,1% do PIB. Vale destacar que a piora observada nos últimos anos não foi procedente da balança comercial e sim do fluxo de rendimentos externos (remessas de lucros e dividendos). Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos No próximo dia 23 de junho haverá a votação do referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia (UE). Antes de verificarmos as probabilidades atribuídas ao pleito, é importante qualificarmos a relação econômica que está em debate. Dados econômicos do Reino Unido sugerem um elevado grau de dependência da economia inglesa em relação à UE1. Em 2015, os países membros da UE representavam cerca de 45% de suas exportações e 55% de suas importações. Praticamente o mesmo percentual de integração é observado na alocação dos investimentos externos: os países da UE foram responsáveis, em 2014, por quase 50% dos investimentos recebidos pelo Reino Unido. Da mesma forma, cerca de 40% dos investimentos externos ingleses foram destinados aos países membros da UE. O aumento do déficit em conta corrente acumulado ao longo dos últimos anos adiciona risco à discussão da possível saída da UE, pois eventualmente haveria maior dificuldade em se obter financiamento ou atrair investimentos, fatores que intensificariam a tendência de depreciação da Libra, caso a opção seja pela saída. Nessa situação, a perda de valor da libra ante o dólar Essas informações são emblemáticas para ilustrar poderia ser mais forte, podendo chegar a até 20%. representaria uma cotação entre £/ oFonte: grau de relacionamento do Reino Unidoe importações com a (de Participação da União Europeia nas exportações bens eIsso serviços) do ONS Reino Unido - emetermos nominais US$1,15 e £/US$1,20, ante a atual cotação de UE do ponto de vista do setor externo, evidenciar o desconforto de qualquer analista sobre a aproximadamente £/US$ 1,45. 60,0% 56,9% Exportações 56,6% 54,2% Importações 54,4% 52,4% 52,0% 50,9% 50,0% 50,3% 51,5% 48,7% 50,7% 48,6% 50,5% 50,9% 51,6% 52,8% 53,1% 48,7% 46,1% 44,3% 44,8% 43,7% Participação da União Europeia nas exportações e importações (de bens e serviços) do Reino Unido - em termos nominais 40,0% 30,0% 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Fonte: ONS Elaboração: BRADESCO 1 O Reino Unido ingressou na UE em 01/01/1973. Atualmente a União Europeia é composta por 28 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Holanda, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Romênia e Suécia. 1 Conta corrente do Reino Unido em relação ao PIB - Em % Fonte: ONS Conta corrente do Reino Unido em relação ao PIB Em % -0,2 0 -0,2 -0,5 -0,5 -1,1 -1,2 -1,4 -1,7 -1,7 -2,2 -2,5 -3,3 -3,6 -4,4 -4,3 2014 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1984 -5,5 1985 -5,1 Fonte: ONS Elaboração: BRADESCO Evidentemente que o estreito relacionamento entre maior de imigrantes ingressando no Reino Unido, o Reino Unido e a UE não se restringe ao setor especialmente no período pós-crise 2008/2009. externo. A integração também é percebida no setor Apenas em 2014, a diferença no fluxo foi de 174.000 produtivo, como por exemplo no mercado de trabalho. trabalhadores. Com isso, o estoque de trabalhadores Cerca de 30% dos trabalhadores ingleses emigrantes da UE no Reino Unido é crescente. Esse ponto se tiveram como destino países da UE em 2014. No tornou um dos principais argumentos de defesa da mesmo período, mas em sentido oposto, 42% dos parcela da população favorável à saída do Reino Unido trabalhadores imigrantes para a economia inglesa da UE, lembrando que devemos adicionar ao debate Participação da trabalhadores imigrantes ingleses que tem como destino a União Europeia Fonte: Ceic foram provenientes de países membros da UE. Como a questão do acolhimento dos refugiados, ponto que resultado desse fluxo, observou-se um contingente ainda não foi pacificado na região. 35,0% Participação da trabalhadores imigrantes ingleses que tem como destino a União Europeia 31,4% 29,2% 30,0% 27,9% 25,0% 23,4% 20,3% 20,0% 18,6% 17,6% 15,0% 12,5% Fonte: CEIC Elaboração: BRADESCO 1991 1992 1993 1993 1994 1994 1995 1996 1996 1997 1997 1998 1998 1999 2000 2000 2001 2001 2002 2003 2003 2004 2004 2005 2005 2006 2007 2007 2008 2008 2009 2010 2010 2011 2011 2012 2012 2013 2014 2014 10,0% Origem dos trabalhadores estrangeiros no Reino Unido (em mil) Fonte: ONS 13,5% 2.146 União Europeia ex-União Europeia 1.734 1800 987 800 1.146 Além do potencial impacto na atividade econômica corrente, vale lembrar que o Reino Unido é um importante centro financeiro para a região, acrescentando riscos à 1o.tri/16 3o.tri/15 1o.tri/15 3o.tri/14 1o.tri/14 3o.tri/13 1o.tri/13 3o.tri/12 1o.tri/12 3o.tri/11 1o.tri/11 3o.tri/10 1o.tri/10 3o.tri/09 1o.tri/09 3o.tri/08 1o.tri/08 3o.tri/07 1o.tri/07 3o.tri/06 1o.tri/06 3o.tri/05 1o.tri/05 3o.tri/04 1o.tri/04 3o.tri/03 1o.tri/03 3o.tri/02 1o.tri/02 1o.tri/01 3o.tri/00 1o.tri/00 3o.tri/99 1o.tri/99 3o.tri/98 1o.tri/98 3o.tri/97 650 542 491 3o.tri/01 491 437 Fonte: ONS Elaboração: BRADESCO 1.192 1.171 1.091 716 565 300 1.419 1.321 1300 1o.tri/97 Destaque DEPEC - Bradesco 2300 Origem dos trabalhadores estrangeiros no Reino Unido (em mil) atividade bancária e retroalimentando a desaceleração econômica, através da depreciação de ativos e da redução da oferta de liquidez/crédito. DEPEC 2 Essas simples estatísticas esboçam o grau de complexidade subjacente a uma eventual saída da UE, considerando o impacto direto para a economia inglesa e o indireto em relação aos demais países membros, especialmente aos demais integrantes da UE. Os países da UE estão completamente integrados, operando como um mercado único de bens, serviços, pessoas e capitais. Dessa forma, a possível saída traria grandes incertezas quanto ao futuro da região, inclusive do ponto de vista regulatório e político. Para qualificar e quantificar os impactos de eventuais choques econômicos, podemos ter como referência eventos anteriores. Entretanto, quando tratamos da possibilidade de saída da economia inglesa da UE, evento também conhecido como Brexit, não localizamos nenhum precedente histórico que possua magnitude equivalente. Tal fato concede maior risco e instabilidade para o evento em questão. A única referência de saída de algum membro da UE ocorreu em 1985 com a Groenlândia, com efeitos secundários consideravelmente inferiores aos que estão sendo colocados na atual discussão. Esse processo foi iniciado em 1982 a partir de um referendo e, até efetivar a saída, a trajetória foi marcada por tratativas difíceis e prolongadas entre a Groenlândia, o governo dinamarquês e a Comissão Europeia. Do ponto de vista de regulamentação, o Tratado da União Europeia pressupõe a possibilidade de saída de um de seus membros (Artigo 50º.). No caso, o pleito do país em questão deverá ser enviado ao Conselho 2015 Destaque DEPEC - Bradesco Reino Unido 2,30 2016 Europeu, que orientará a UE na negociação da saída. Esse acordo, que levará em consideração as relações futuras do país solicitante, será celebrado em nome da UE pelo Conselho, após ter sido aprovado, por maioria qualificada2 no Parlamento Europeu. Os Tratados da União Europeia só deixarão de ser aplicados ao país solicitante a partir da data de entrada em vigor do acordo de saída ou, na ausência desse, dois anos após a notificação do país ao Conselho Europeu. Vale mencionar que caso o Conselho Europeu decida, mediante acordo com o país do pleito, por unanimidade, o prazo de retirada poderá ser prorrogado3. Apesar de a regulação vigente tentar estabelecer um movimento de transição negociável, até que ele se consolide, será um evento desestabilizador para os países envolvidos, principalmente para o Reino Unido. A percepção majoritária, portanto, será de instabilidade, inclusive do ponto de vista político. Empresas financeiras e não-financeiras estabelecidas no Reino Unido terão que tomar decisões importantes sobre suas estratégias futuras em ambiente de grande incerteza. Diante desse contexto de volatilidade, devemos levar em conta os impactos na atividade econômica. A expectativa de expansão do PIB do Reino Unido para este e o para o próximo ano (considerando uma média do mercado, coletada pela Bloomberg) são de 1,9% e 2,1%, respectivamente. Contudo, desde o início do ano, as projeções de crescimento para 2016 foram sendo paulatinamente revisadas para baixo, absorvendo principalmente as incertezas relacionadas ao Referendo. 2017 jan/16 mai/16 jun/16 jan/16 mai/16 2,30 1,90 1,90 2,20 2,10 Essas projeções atuais, entretanto, não contemplam a saída do Reino Unido da UE. Estudos têm buscado quantificar o choque na atividade econômica caso o Brexit se confirme, focando no curto prazo. Com essa metodologia, o choque poderia retirar cerca de 30% do crescimento do PIB deste ano. Ou seja, para uma projeção de 1,9% sem a saída, o PIB pós-saída ficaria ao redor de 1,3%. O maior impacto ocorreria em 2017, com as projeções se deslocando para um cenário de recessão, de até 0,4%. Diante desse cenário recessivo de atividade econômica, o Banco Central da Inglaterra (BoE) poderia adotar jun/16 2,10 Projeção de crescimento do PIB anual - em % Fonte: Bloomberg Elaboração: BRADESCO uma política mais flexível, promovendo afrouxamento quantitativo para tentar estabilizar os mercados. Entre as medidas, uma opção factível seria reduzir a taxa de juros do nível atual de 0,5% a.a. para 0% a.a. No entanto, tal tendência seria oposta à perspectiva atual, que contempla elevação da taxa de juros para 1,0% em 2017. O risco desse cenário seria uma possível limitação de atuação do BoE caso se concretize um período de estagflação, ou seja, retração econômica combinada com pressão inflacionária. Isso porque nesse contexto a Libra teria experimentado forte depreciação, que seria repassada via elevação de custo. Maioria qualificada corresponde a, pelo menos, 72% dos membros do Conselho. Sendo que os membros do Conselho deverão representar no mínimo 65% dos os países membros da UE. 3 Para maiores detalhes do Tratado da União Europeia: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=OJ:C:2016:202:TOC. 2 DEPEC 3 Com o Brexit, essa volatilidade deverá se propagar através de aversão ao risco para a economia mundial, com maior ênfase para a economia europeia e, especialmente, para a Área do Euro. Estimativas apontam para estabilidade do PIB da Área do Euro no próximo ano, caso a opção Brexit seja confirmada. Como referência, nosso cenário base é expansão de 1,7%. Diante desse ambiente, a política monetária adotada pelo BCE deverá ter uma postura ainda mais flexível, intensificando o afrouxamento monetário já em curso. As elevadas relações comerciais e financeiras já mencionadas fazem com que o contágio entre Reino Unido e UE tenda a ser elevado. favoráveis a essa posição). Outro ponto que chamou atenção nessa pesquisa foi o percentual da população que votaria a favor de deixar a UE: em média 33%, sendo os casos mais emblemáticos na Itália (48%) e na França (41%). Soma-se a isso, a possibilidade de se desencadear (ou reaquecer) questionamentos relativos à possível independência econômica, como um possível Referendo na Escócia, na Irlanda do Norte, ou até mesmo em algumas regiões espanholas (como Catalunha). Dessa forma, a instabilidade política tornará a mensuração econômica do Brexit extremamente complexa, levando a um período de potencial grande aversão ao risco no mercado financeiro internacional. Além do impacto econômico direto, a maior instabilidade deverá ser política. Há um crescente risco de que o movimento de saída se difunda entre outros membros Esperamos que a opção de permanência seja da UE, aumentando ainda mais a incerteza em relação majoritária, mas não podemos ignorar os riscos aos possíveis desdobramentos desta decisão. Em envolvidos no debate. Até o dia do referendo, pesquisa recente em nove países europeus, o instituto monitoraremos as pesquisas. Apesar de elas não Ipsos Mori, apurou que em média 45% da população mostrarem grande oscilação desde 2015, a simples Pesquisa Brexit (compilação das pesquisas) Fonte: Bloomberg desses países gostariam de realizar um Referendo manutenção do equilíbrio entre o percentual de de permanência na UE (destacando-se os 58% da favoráveis à permanência na UE e os adeptos à saída população italiana e 55% da população francesa é causa de grande desconforto. 65 58,0 55 52,0 54,0 51,0 45,0 45 35 Sair Ficar Indecisos 41,0 36,0 32,0 33,0 46,0 Pesquisa Brexit (compilação das pesquisas) 41,3 35,0 25 15 14,0 10,0 10,0 9,0 12,7 Fonte: Bloomberg Elaboração: BRADESCO Destaque DEPEC - Bradesco 07/10/2015 12/10/2015 19/10/2015 23/10/2015 27/10/2015 01/11/2015 11/11/2015 17/11/2015 24/11/2015 03/12/2015 13/12/2015 18/12/2015 10/01/2016 17/01/2016 25/01/2016 31/01/2016 07/02/2016 15/02/2016 20/02/2016 23/02/2016 29/02/2016 02/03/2016 06/03/2016 14/03/2016 20/03/2016 24/03/2016 03/04/2016 07/04/2016 11/04/2016 14/04/2016 18/04/2016 24/04/2016 28/04/2016 06/05/2016 15/05/2016 17/05/2016 24/05/2016 29/05/2016 31/05/2016 05/06/2016 10/06/2016 12,0 5 DEPEC 4 Destaque DEPEC - Bradesco Equipe Técnica Octavio de Barros - Diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos Fernando Honorato Barbosa - Superintendente executivo Economia Internacional: Economia Doméstica: Pesquisa Proprietária: Análise Setorial: Estagiários: Fabiana D’Atri / Felipe Wajskop França / Thomas Henrique Schreurs Pires / Ellen Regina Steter Igor Velecico / Estevão Augusto Oller Scripilliti/ Andréa Bastos Damico / Myriã Tatiany Neves Bast / Daniela Cunha de Lima / Ariana Stephanie Zerbinatti Regina Helena Couto Silva / Priscila Pacheco Trigo Leandro Câmara Negrão / Ana Maria Bonomi Barufi Wesley Paixão Bachiega / Carlos Henrique Gomes de Brito O DEPEC – BRADESCO não se responsabiliza por quaisquer atos/decisões tomadas com base nas informações disponibilizadas por suas publicações e projeções. 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