O avesso do Teatro Castro Alves nas

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O avesso do Teatro Castro Alves nas arquiteturas cênicas de Lina Bo Bardi
Carolina Leonelli
Arquiteta e Urbanista graduada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
(2007), Mestranda em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo (2008 - ) sob orientação do Prof. Dr. Luciano Migliaccio.
[email protected] I [email protected]
O avesso do Teatro Castro Alves nas arquiteturas cênicas de Lina Bo Bardi
Resumo
Durante os anos passados em Salvador dirigindo o Museu de Arte Moderna, Lina Bo Bardi manteve uma
estreita relação com a Universidade da Bahia, especialmente através da Escola de Teatro, então dirigida por
Martim Gonçalves. Dessa parceria resultaram a “Exposição Bahia no Ibirapuera” (1959), assim como as
montagens de “A Ópera de Três Tostões” (1960) e “Calígula” (1961), peças teatrais dirigidas por Martim com
arquitetura cênica de Lina. Para essas montagens, a arquiteta apropriou-se do espaço semi destruído do
grandioso teatro de ópera que nunca chegara a ser inaugurado devido à ocorrência de um incêndio.
Paredes sujas de fumaça, nada de cortinados ou poltronas confortáveis. Em arquibancadas de tábuas
brutas montadas no espaço do antigo palco o público assistiu a Brecht e Camus. Nas palavras de Lina,
“meios ‘secos’ e despidos de qualquer manifestação supérflua, ligados à expressão mais moderna e válida”.
Tendo em vista a noção de “desvio”, a partir da qual um objeto é deslocado em relação à sua forma de uso
ou significados habituais, discorreremos sobre a maneira como Lina Bo Bardi se apropriou do incendiado
espaço do Teatro Castro Alves, re-significando-o no contexto da paisagem e do cotidiano da cidade de
Salvador. Apoiando-nos em pesquisa realizada diretamente sobre material do arquivo pessoal de Lina,
assim como em documentos da imprensa da época, consideramos possível vislumbrar os sentidos
adquiridos por tal procedimento no conjunto da obra da arquiteta, especialmente no que se refere à relação
entre história, arquitetura e teatro.
palavras chave: Lina Bo Bardi, Teatro Castro Alves, arquitetura cênica
The reversal of Castro Alves Theater on the scenographical architectures of Lina Bo
Bardi
Abstract
During the years spent in Salvador directing the Museum of Modern Art, Lina Bo Bardi kept a narrow
connection with the University of Bahia, especially through the Theather School, then directed by Martim
Gonçalves. The results of this partnership were the “Exposição Bahia no Ibirapuera” (1959), as well as “A
Ópera de Três Tostões” (1960) and “Calígula” (1961), plays directed by Martim with Lina´s scenographical
architecture. The architect took part of the grand opera theater, never inaugurated because of the ocurrence
of a fire. There were begrimed walls by the smoke and no comfortable armchair or curtains were found in
the place. The public watched Brecht and Camus at the space occupied by the old stage, sitting on the
setted bleachers made by raw wooden boards. In the words of Lina: “dry and naked of any superfluous
manifestation, connected to the most modern and valid expression”.
Looking for the “diversion” notion, which an object is dislocated in relation to its use and its regular meaning,
we will assert on how Lina Bo Bardi explored the burnt Castro Alves Theater, reconsidering it on the
landscape scene of the city of Salvador.
Supported by the research done directly on Lina´s personal archive, along with the press documents of that
time, we think its possible to glimpse the directions acquired for such procedure in the set of the artwork of
the architect, especially for the history, architectural and theatrical concerns.
key words: Lina Bo Bardi, Castro Alves Theater, scenographical architecture
2
O avesso do Teatro Castro Alves nas arquiteturas cênicas de Lina Bo Bardi
Salvador, novembro de 1960: com o espaço semi destruído por um incêndio e ocupado por uma
ópera de mendigos foi inaugurado o Teatro Castro Alves, personagem na vida da cidade desde,
pelo menos, 1948.
Projetado pelo arquiteto José Bina Fonyat e pelo engenheiro Humberto Lemos Lopes, o Teatro
Castro Alves teve sua construção concluída em julho de 1958, apresentando-se para a cidade de
Salvador, se não como sua maior casa de espetáculos, pelo menos como aquela dotada do
melhor aparato cenotécnico, equiparando-se às melhores salas de ópera do mundo e sendo
capaz de alinhar Salvador a outras importantes capitais da época.
Artigo da Revista Habitat, publicado em maio de 1958, pouco antes da conclusão das obras
comenta:
“(...) Não se trata de um teatro de pequenas proporções pois conjuga, com elasticidade
bastante, uma platéia de 1.600 poltronas divididas em três lances, a qual possui a
possibilidade de redução para espetáculos de comédia, quando pode contrair-se a cerca
de 600 localidades.
Para essa platéia está em função um palco excepcional. Tem 16 metros de largura por
20 de profundidade e 9 de altura. O ciclorama foi, então, devidamente estudado em
relação às características e às necessidades do palco, abrangendo 20 metros de altura,
17 de profundidade e 125 de abertura. Como não poderia deixar de ser para uma obra
de tal envergadura, os urdimentos para a movimentação dos cenários são
mecanizados.(...)
Há vários pormenores técnicos de inegável interesse para os conjuntos de atores, quais
sejam os reguladores do palco, de estrutura metálica, que permitem variar a boca até um
mínimo de 10 metros de largura por 6 metros de altura. A estrutura é dotada de
passarela móvel de iluminação. (...)
Toda a experiência da moderna arquitetura do teatro se refletirá na grande casa de
espetáculos do Salvador, colocando-se à altura do adiantamento que os cursos de
teatro, incorporados à Universidade pela primeira vez no Brasil, inspiram e
1
impulsionam”.
Apropriado para a apresentação de grandes espetáculos ilusionistas, o teatro também é elogiado
em artigo publicado pela revista Brasil Arquitetura Contemporânea, ainda durante as obras de
construção, em 1957:
“Fato digno de mencionar é a iluminação do horizonte do palco com projetores especiais
munidos com lâmpadas fluorescentes de luz regulada, uma renovação ultramoderna
que, com uma vantagem enorme devida ao fato de que a luz fluorescente contém no seu
espectro porcentagem muito grande de luz azul, indispensável para criar o efeito
verdadeiro do céu no horizonte. Com estes meios os iluminadores (...) poderão criar uma
verdadeira sinfonia de luzes e cores dando vida riquíssima ao espetáculo de ópera ou
2
ballet”.
No entanto, logo após o término da construção, alguns dias antes de sua inauguração, essa
grandiosa estrutura foi vítima de um incêndio atribuído a um curto circuito nas instalações elétricas
e, dessa maneira, a inauguração deu-se, de fato, apenas em novembro de 1960 com a montagem
de “A Ópera de Três Tostões”, uma ópera de mendigos escrita por Bertolt Brecht e dirigida por
Martim Gonçalves, com arquitetura cênica de Lina Bo Bardi.3
Dupla face
Na época da montagem de “A Ópera de Três Tostões”, o foyer do Teatro Castro Alves abrigava
1
Teatro Castro Alves, Salvador, Bahia. In Habitat n.48, 1958, p. 10 -12.
Teatro Castro Alves. In Brasil Arquitetura Contemporânea apud SILVA, Mateus Bertone da. Lina Bo Bardi – Arquitetura cênica. São
Carlos, 2005, p. 47.
3
O final da década de 50 é o período das primeiras montagens profissionais de Brecht no Brasil, segundo Iná Camargo surgidas por
aqui a partir de 1958, com a montagem de “A alma boa de Setsuã”, por Maria Della Costa.
2
3
provisoriamente o Museu de Arte Moderna, então dirigido por Lina Bardi em estreita relação com a
Universidade da Bahia, especialmente através da Escola de Teatro dirigida por Martim Gonçalves.
Da parceria entre Lina e Martim resultaram a “Exposição Bahia no Ibirapuera” (1959) assim como
as montagens de “A Ópera de Três Tostões” (1960) e “Calígula” (1961), peças que inauguraram a
produção da arquiteta no campo teatral.
Negando a idéia de “cenografia” no sentido tradicional, Lina defendeu o projeto para o espaço
teatral como um todo, principio que norteou o desenvolvimento de suas “arquiteturas cênicas”
projetadas entre 1960 e 1985, entre as cidades de Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro.4
Em importante estudo sobre o tema, Mateus Bertone da Silva comenta que é de Bertolt Brecht a
autoria do termo “Bühnenbauer”, que significa “construtor de cena” ou “arquiteto de cena“,
reclamando por uma “’construção em profundidade’, ou seja, que a construção do espaço cênico
contribua para a destruição do achatamento da imagem cênica, para o fim da bidimensionalidade
que o cenário e a cena ilusionista tradicional continham”. 5
Nesse sentido é interessante observar a forma como Lina tratou o espaço interno do Teatro Castro
Alves que, consumido pelo fogo, não possuía mais nenhum daqueles elementos que um dia o
equipararam às melhores salas de espetáculo do mundo.
No teatro semi destruído, as arquiteturas cênicas de “A Ópera de Três Tostões” e “Calígula”
estruturaram-se pela incorporação das ruínas, tirando partido estético do espaço seco pela
ausência de qualquer aparato cenotécnico. Partindo do que se apresentava como uma “caixa
bruta”, a arquiteta reconfigurou o espaço do teatro como um todo, propondo uma nova relação
entre palco e platéia através da instalação de uma rústica arquibancada de tábuas de madeira
sobre o antigo palco italiano. Espaço de cena e platéia foram dispostos sobre um único e amplo
plano – o plano do palco, a princípio concebido para uso exclusivo dos atores.
Tendo as arquibancadas localizadas como continuidade do palco, ou melhor, sobre o próprio
palco, eliminou-se o fosso da orquestra que anteriormente separava atores e público. Configurouse, assim, um novo espaço, envolto pela atmosfera cinza do antigo teatro incendiado; um espaço
carregado de significados que foram sendo acumulados ao longo da história da cidade de
Salvador.
Paredes sujas de fumaça. Nada mais restava das confortáveis poltronas destinadas ao público
assim como dos antigos revestimentos, cortinados e veludos. Ao contrário, revelava-se o que
existia por trás deles: a rude alvenaria de blocos de concreto, sobras de argamassa, bastidores,
varas de iluminação e cenário, enfim, todo o mecanismo oferecido aos olhos do público que, por
sua vez, encontrava-se sobre o palco, ao lado dos atores. Criou-se o espetáculo dentro do
espetáculo, valendo-se do choque representado pela trágica (e verdadeira) inauguração do (um
dia) luxuoso teatro com uma ópera de mendigos e desconfortáveis arquibancadas de madeira.
Além de repensar a relação entre os espaços reservados a atores e público, o conjunto de croquis
relacionados à arquitetura cênica de “A Ópera de Três Tostões” expressa a intenção de criar
“cenas laterais” por onde a ação pudesse extrapolar o espaço restrito do palco, superando a
frontalidade da cena. Para tanto, Lina sugere a instalação de algumas passarelas articuladas por
escadas ao longo das paredes laterais do teatro.6 Anotações da arquiteta indicam que tais
4
São cinco as arquiteturas cênicas para teatro projetadas por Lina Bo Bardi e efetivamente executadas: “A Ópera de Três Tostões”
(1960–Salvador/BA – direção Martim Gonçalves); “Calígula” (1961– Salvador/BA – direção Martim Gonçalves); “Na Selva das Cidades”
(1969 – São Paulo/SP – direção José Celso Martinez Corrêa); “Gracias Señor” (1971 – São Paulo/SP / Rio de Janeiro/RJ – direção
José Celso Martinez Corrêa); “Ubu – folias physicas, pataphysicas e musicaes” (1985 – São Paulo/SP – direção Cacá Rosset).
Atualmente procuramos precisar informações em torno da possível montagem de “Pena ela ser o que é”, peça de John Ford traduzida
por Manuel Bandeira e dirigida por Martim Gonçalves com “Arquitetura Cênica, Trajes e Máscaras de Lina Bo Bardi”, noticiada pelo
jornal “O Correio” com data de “25 de outubro de 1969”, conforme documento encontrado nos arquivos do Instituto Lina Bo e P. M.
Bardi.
5
SILVA, Mateus Bertone da. Lina Bo Bardi – Arquitetura cênica. São Carlos, 2005, p. 80.
6
Em planta para estudo da distribuição e circulação do público pelas arquibancadas de madeira Lina chega a esboçar acomodações
para expectadores ao longo das paredes laterais do teatro, na forma de plataformas suspensas. No entanto, na mesma folha, uma
anotação da arquiteta registra sua inquietação quanto à restrição da representação ao espaço do palco, indicando o caminho
concretizado pelo desenho das cenas laterais. Nesse sentido lê-se: "Perchè la 'finzione*' deve essere cisc__scritta al palco cenico?
4
estruturas poderiam ser construídas com “armação tipo obra”, ou seja, elementos semelhantes a
andaimes ou escoras, conferindo ao espaço o caráter provisório de um edifício em obras referência que seria retomada futuramente no projeto para o espaço do Teatro Oficina.
Estudos para a instalação de “cenas laterais” também compõe o projeto desenvolvido por Lina
Bardi para a recuperação do Teatro Castro Alves, que, segundo ela não deveria ser reconstruído
nos moldes do “teatro de ‘Corte’ italiano do século XVIII ou do burguês do século XIX” mas “como
teatro popular moderno, sem a anacrônica mecanização do palco e com cenas laterais sem a
‘decoração’ pretenciosa”, 7 idéias que colocaram Lina e José Bina Fonyat em conflito aberto, em
1961.8 Em texto publicado no jornal A Tarde, em torno da recuperação do Teatro Castro Alves
argumenta Lina:
“O Teatro Castro Alves não poderá continuar sendo um ‘teatro de corte’ do século XVIII,
burguês, constuído para a ópera antiga, apresentando um palco igual a um simples
quadrado e longe do espectador. Isto é a idéia de um teatro anti-democrático, longe da
9
concepção moderna de teatro”.
O desenho das “cenas laterais” não se concretizou nas arquiteturas cênicas de “A Ópera de Três
Tostões” e “Calígula”, tampouco na recuperação do teatro que, como sabemos, foi restaurado de
forma a recuperar a configuração original que privilegiava a relação frontal entre palco e platéia.
Concretizando a idéia brechtiana de construção em profundidade, o espaço de cena de “A Ópera
de Três Tostões” foi composto a partir de uma estrutura tridimensional com três níveis ligados por
escadas onde todos os ambientes que as cenas percorriam apresentavam-se simultaneamente
aos expectadores. Dentro do próprio sentido da montagem de uma ópera de mendigos no
grandioso teatro incendiado, Lina somou ao desenho simples e geométrico da estrutura que
abrigava os diversos ambientes, o acúmulo de objetos de cena em “estilo Luis XV”, compondo a
crítica ao provincianismo local notavelmente desenvolvida no conjunto de textos publicados no
Diário de Noticias de Salvador.10
Em um quadro mais amplo, vale ressaltar o fato de que tanto “A Ópera de Três Tostões” quanto
“Calígula” foram concebidas como parte da estrutura didática dos cursos da Escola de Teatro,
respectivamente dos semestres letivos de 1960 e 1961.11 Durante esse período, sob direção de
Martim Gonçalves, a escola desenvolveu uma série de eventos ligados ao Museu de Arte
Moderna da Bahia e, nesta rede de contatos e atividades, a forma de apropriação do Teatro
Castro Alves ganha uma relevância que escapa ao seu interior, revirando-se para o espaço da
cidade de Salvador como significativa agitação cultural. Nesse sentido escreve Glauber Rocha, na
época estudante do curso de Direito da Universidade da Bahia e ativo colunista da imprensa local:
“A guerra que as novas gerações devem abrir contra a província deve ser imediata: a
ação cultural da Universidade e do Museu de Arte Moderna são dois tanques de choque
(...), os clarins da batalha foram tocados pelas grandes exposições do Museu de Arte
Moderna e pela montagem da Ópera dos Três Tostões de Brecht, que provocaram
grande excitação no pensamento pequeno - burguês. A dinamização da imprensa, que
deve perder os mais tolos preconceitos de linguagem, seria o terceiro tempo a vencer
(...). Contra o doutorismo, a oratória, a mitologia de praça pública, contra a gravata e o
bigode. (...) está sendo derrotada na província a própria província: derrotada na sua
linguagem convencional, no seu tabu contra a liberdade de amar, na sua conveniência
do traje, nas suas leis contra a revolução (...). Gostaria que todos vocês que lideram
Qual' è la ragione? - La 'finzione' può continuare lungo le pareti e in tutto lo spazio disponibile".
7
FERRAZ, Marcelo Carvalho (Org.) Lina Bo Bardi. São Paulo, 2008, p.161-162.
8
Cf. SANTANA, Jussilene. Impressões modernas: teatro e jornalismo na Bahia. Salvador, 2009, p. 236 - 237.
9
Depoimento de Lina Bo Bardi publicado na coluna “7 dias” do Jornal A Tarde, Salvador, 20 de março de 1961 apud SANTANA,
Jussilene. Impressões modernas: teatro e jornalismo na Bahia. Salvador, 2009, p. 236 - 237.
10
Esse importante conjunto de textos, voltado a um público amplo e não especializado pode ser consultado na recente publicação
“Lina por escrito – Textos escolhidos de Lina Bo Bardi”, organizada por Silvana Rubino e Marina Grinover.
11
Tal diferencial reside, precisamente, no claro programa de formação, não só dos jovens atores, como também de um público
freqüentador. Como diretor da Escola de Teatro da Universidade da Bahia, Martim Gonçalves preocupou-se em ressaltar o caráter
profissional da atividade teatral e, ao mesmo tempo, sua profunda vinculação com as atividades cotidianas da cidade. Assim, conforme
nos informa Santana, passam a ser importantes detalhes como pontualidade e preço dos ingressos, além da realização de uma série
de eventos gratuitos abertos ao público, objetivando incorporar as discussões sobre teatro ao cotidiano da população.
5
nosso verdadeiro pensamento se empenhassem para levar a Bahia um passo à frente”.
12
Estreitamente ligado a Lina e Martim, Glauber Rocha chama a atenção para a grande repercussão
da peça através da cobertura do rádio, jornais e tv, anunciando que, por esses meios, o público da
peça atingiu a casa estrondosa de cem mil pessoas.13
O teatro revira-se para a cidade
Se no Brasil, ao longo dos primeiros anos da década de cinqüenta, Lina e Pietro Bardi já tinham
consciência da ação do MASP, do Instituto de Arte Contemporânea e mesmo da Revista Habitat
como meios capazes de colaborar no processo de construção de uma cultura moderna, os anos
compreendidos entre 1958 e 1964 com suas atividades ligadas à Universidade da Bahia, a
direção do Museu de Arte Moderna e do Museu de Arte Popular do Unhão envolveram Lina em
uma efetiva experiência com a cultura popular nordestina, permitindo-lhe identificar elementos
que, a seu ver, poderiam constituir-se como bases fundamentais para a construção de uma
verdadeira cultura moderna nacional (em sentido diverso de nacionalista, conforme a arquiteta fez
questão de frisar).14
Na análise da produção cultural nordestina, na urgência que leva ao desenho justo e apurado dos
objetos cotidianos Lina identificou uma força incrível – em suas palavras “suculentas e verdadeiras
raízes culturais”, “contribuição indigesta, seca, dura de digerir” – de onde também Glauber Rocha
arrancou seus personagens famintos. Tanto Lina quanto Glauber identificaram uma violência
potencial naquelas situações limite, naquele “não poder esperar mais”, conforme escreveu ela em
seu “Tempos de Grossura”.
Em “Cinco anos entre os brancos”, fazendo um balanço do que foi o período passado na Bahia
anos antes do golpe de 1964, Lina escreve:
“(...) O Museu de Arte Moderna da Bahia não foi ‘museu’ no sentido tradicional: dada a
miséria do Estado pouco podia ‘conservar’; suas atividades foram dirigidas à criação de
um movimento cultural que assumindo os valores de uma cultura historicamente (em
sentido áulico) pobre, pudesse lucidamente, superando as fases ‘culturalística’ e
‘historicística’ do Ocidente, apoiando-se numa experiência popular, (rigorosamente
15
distinta do folclore) , entrar no mundo da verdadeira cultura moderna, com os
instrumentos da técnica, como método, e a força de um novo humanismo (nem
humanitarismo nem ‘Umanesimo’). Não foi um programa ambicioso, era apenas um
caminho.
(...) Ao assumir desde a fundação do MAMB, as possibilidades do Norte do país deramme a certeza que a inércia conservadora do Sul podia ser superada, em campo cultural,
pela ‘tensão’ e pelo caráter fortemente popular do Nordeste.
Comecei o trabalho eliminando a ‘cultura estabelecida’ da cidade, procurando o apoio da
Universidade e dos estudantes, abrindo o Museu gratuitamente ao povo, procurando
16
desenvolver ao máximo uma atividade didática”.
Durante o período passado no nordeste, Lina realizou uma série de trabalhos com Martim
Gonçalves, a exemplo da montagem de exposições e da concepção de diversos cursos
ministrados tanto na Escola de Teatro quanto no Museu de Arte Moderna da Bahia.17
12
GERBER, Raquel. Glauber Rocha. Rio de Janeiro, 1977, p. 23.
ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. São Paulo, 2004, p. 325.
14
Em conferência proferida na FAUUSP em 1990 Lina comenta: “Existe uma grande diferença entre nacional e nacionalista. O nacional
popular é a identidade de um povo, de um país. O nacionalista é, por exemplo, a Itália fascista, a Espanha de Franco e outros
exemplos. O nacionalismo é um erro gravíssimo que confunde as idéias das pessoas, tirando o sentido do nacional. Você pode ser
branco, preto ou amarelo, do norte ou do sul, e ser nacional, entrando no grande convívio internacional com as características originais
e sagradas de seu país, o que é digno de orgulho”. São Paulo, Revista Projeto nº 133 – setembro de 1990.
15
Sobre a diferença fundamental entre folclore e arte popular escreve Lina em texto de apresentação da “Exposição Nordeste”, que
inaugura o Museu de Arte Popular do Unhão em 1963: “(...) Chamamos este museu de Arte Popular e não de Folclore por ser o folclore
uma herança estática e regressiva, cujo aspecto é amparado paternalisticamente pelos responsáveis da cultura, ao passo que a arte
popular (usamos a palavra arte não somente no sentido artístico mas também no de fazer tecnicamente), define a atitude progressiva
da cultura popular ligada a problemas reais”. FERRAZ, Marcelo Carvalho (Org.) Lina Bo Bardi. São Paulo, 2008, p. 158.
16
FERRAZ, Marcelo Carvalho (Org.) Lina Bo Bardi. São Paulo, 2008, p. 161.
17
Sobre o assunto ver PEREIRA, Juliano Aparecido. Lina Bo Bardi: Bahia, 1958-1964. Uberlândia, 2008.
13
6
A Exposição Bahia no Ibirapuera (1959), resultante da parceria entre Lina e Martim, aparece como
uma importante baliza para o entendimento e discussão sobre as perspectivas visualizadas em
torno da linguagem teatral. Dotada de forte caráter cenográfico, tal exposição reuniu uma série de
objetos pertencentes ao cotidiano popular, além de elementos sonoros e aromáticos capazes de
compor o universo da cultura baiana.
Em texto que acompanhou o evento, Lina e Martim negam a idéia de “Arte” como uma atividade
abstrata, colocando-se contrários às subdivisões da arte em categorias como “arte primitiva”, “arte
popular”, “arte espontânea” que, “mesmo que tacitamente”, distanciam a idéia de arte da vida
cotidiana dos homens e da satisfação de suas necessidades estéticas.
Deslocando simples objetos de uso cotidiano para o espaço organizado de uma exposição de arte
(significativamente montada em paralelo à V Bienal Internacional de Artes Plásticas e da II Bienal
de Teatro), a dupla lançou luz sobre utensílios desgastados pelo tempo e pelo uso diário,
“aproximando-os do sentido expresso pela arte moderna com suas colagens e o polimaterialismo
que, não se importando com a eternidade, visam, sobretudo, ser reabsorvidos no momento
histórico”. Nessa perspectiva escrevem:
“Ao organizar esta exposição procuramos ter em mira todo fato, ainda que mínimo, que,
na vida cotidiana, exprima poesia. Nesse sentido apresentamos toda uma série de
objetos comuns carinhosamente cuidados, exemplos importantes para o moderno
desenho industrial que, criado no Ocidente por uma elite especializada, representa no
Oriente, onde o homem estético teve, durante séculos, a preponderância sobre o homem
científico, um fato normal. Este carinhoso amor pelos objetos de todos os dias não se
deve confundir com o esteticismo decadente, é uma necessidade vital que se acha nos
primórdios da vida humana. É neste sentido, todo ligado a uma vivência, que
apresentamos esta exposição. É um jeito de ser que se estende à maneira de olhar as
coisas, de se mover, de apoiar o pé no chão, um modo não ‘estetizante’, mas próximo da
natureza, do ‘verdadeiro’ humano. Não por mero acaso esta exposição é apresentada
por uma Escola de Teatro, pois o teatro reúne todas as necessidades do homem
18
estético”.
Lina e Martim evidenciam, dessa maneira, o sentido estético do conjunto de elementos que
compõe a vida com suas cenas corriqueiras e o teatro aparece, assim, como forma de “re–
apresentar” o cotidiano que, dia a dia tomado como “natural” ou “inevitável”, despe-se de seu
sentido histórico, estético e político, totalmente aberto às transformações possíveis ao longo da
história. Calcando-se em procedimentos didáticos legitimamente brechtianos, lança-se mão do
teatro como forma de re-apresentação da própria vida, buscando desencadear um processo de
reflexão crítica capaz de recolocar para o homem comum a realidade de seu “papel” como sujeito
histórico e de sua produção como arte.
Nesse sentido vale atentar para o texto do folheto impresso pela Escola de Teatro da Universidade
da Bahia por ocasião da montagem de “A Ópera de Três Tostões”. Nele, após alguns comentários
sobre a peça de Brecht, chama-se a atenção para o mecanismo brechtiano do ‘distanciamento’
acrescentando que:
“(...) o teatro passa a adquirir uma nova função: não puramente estética, mas ética e
exige do expectador não mais e unicamente a compaixão, a integração no papel, a
identificação emocional com o ‘herói’, mas sim a reflexão sobre a condição social do
homem a fim de que, como insiste Brecht, mais tarde se possa alterar, na realidade, essa
19
situação anômala”.
Em estudo sobre as arquiteturas cênicas de Lina, Mateus Bertone da Silva destaca a importância
da forma como Brecht se apropria da ópera enquanto gênero teatral, isolando cada um de seus
elementos constitutivos (pantomima, música, dança, pintura, arquitetura), de forma a apresentá18
19
FERRAZ, Marcelo Carvalho (Org.) Lina Bo Bardi. São Paulo, 2008, p.134.
Grupo da Escola de Teatro da Universidade da Bahia/Museu de Arte Moderna da Bahia. A ópera de três tostões. Salvador, 1960, p.8.
7
los criticamente. Apoiado em Bornheim, Bertone sustenta que o grande sentido da apropriação da
ópera por Brecht reside em explorar a separação dos diversos elementos que a compõe, negando
a síntese perfeita entre todos eles – noção que atinge seu ápice com a idéia de obra de arte total
desenvolvida por Richard Wagner.
Brecht, ao contrário, de Wagner e dos ilusionistas em geral, explorou a força do isolamento de
cada um dos elementos componentes da cena, conferindo-lhes o sentido de comentadores
críticos uns dos outros e revelando, dessa forma, a própria estrutura do espetáculo teatral. 20
Como ópera de mendigos,21 a peça de Brecht questionava profundamente a forma da ópera,
assim como a montagem feita por Lina e Martim Gonçalves questionava os padrões culturais
baseados nas importações artísticas européias, a começar pela forma como foi projetado o Teatro
Castro Alves: uma sala de grandes dimensões, dotada de todo o aparato cenotécnico necessário
à cena ilusionista. Não por acaso, a intervenção de Lina Bardi transformou as ruínas do imponente
teatro de ópera em mera (e ao mesmo tempo significativa) atmosfera envoltória de um pequeno
anfiteatro improvisado, questionando a monumentalidade do edifício, assim como a idéia de teatro
a ele associada.
Por suas características específicas enquanto linguagem teatral, assim como pelo contexto em
que se inseriu, a montagem de “A Ópera de Três Tostões” constituiu-se em considerável estímulo
à reflexão crítica na cidade de Salvador, conforme atesta a seqüência de notícias publicadas pelos
jornais da época. Tal processo foi detonado não somente pelo conteúdo apresentado pela peça no
âmbito mais restrito da sala de espetáculos, mas também pela dimensão de “evento solene” que a
montagem adquiriu ao inaugurar, inusitadamente, um monumento incendiado, com uma ópera de
Brecht.
Em texto publicado pelo jornal A Tarde em 25 de novembro de 1960, Napoleão Lopes Filho
lamenta:
“O TCA foi inaugurado nos bastidores, de modo sorrateiro e bastante fora da proporção
com a grandiosidade da sua arquitetura e com o nome do grande poeta (...). Porém, os
responsáveis pela montagem seguiram a consigna do autor Bertolt Brecht, um alemão
da linhagem de Marx e Engels, de fazer as coisas com astúcia (...) Podemos dizer que
os responsáveis pela Ópera dos Três Tostões alcançaram plenamente seus objetivos:
atingir em cheio a burguesia anestesiada com uma bofetada. Será esta a meta dos que
22
querem ancorar o Encouraçado Potemkin no Campo Grande?”
Aqui vale lembrar que, embora as obras de construção do Teatro Castro Alves tenham se
concentrado entre 1957 e 1958, seu início (com o lançamento das fundações), deu-se às
vésperas das comemorações do IV Centenário da cidade, ou seja, praticamente dez anos antes
da conclusão, em 1958. Ao longo desses anos marcados pela interrupção das obras e pelo
abandono do projeto inicial (que previa uma sala bem maior, com 3.500 assentos), o Teatro Castro
Alves constituiu-se em um objeto amplamente discutido através da imprensa local. Conflitos em
torno de questões ligadas às suas dimensões, ao número de salas disponíveis na cidade e à
importância do teatro na cena cultural de Salvador atravessaram significativamente o cotidiano da
cidade, fato que se acentuou após a ocorrência do incêndio, conforme nos revela em detalhes
“Impressões modernas: teatro e jornalismo na Bahia”.23
Nessas condições, o ato de inaugurar o Teatro Castro Alves semi destruído e ocupado por uma
ópera de mendigos, com todas as implicações estéticas e políticas reunidas em torno da figura de
20
Cf. SILVA, Mateus Bertone da. Lina Bo Bardi – Arquitetura cênica. São Carlos, 2005, p. 87.
No folheto que acompanhou a peça, Lina e Martim indicam que óperas de mendigos eram montadas desde o século XVIII na Europa
e que a peça de Brecht inspira-se, em grande parte, na “Ópera dos mendigos” de John Gay, escrita durante os anos de 1700 em
Londres. Grupo da Escola de Teatro da Universidade da Bahia / Museu de Arte Moderna da Bahia. A ópera de três tostões. Salvador,
1960.
22
LOPES FILHO, Napoleão. A “Ópera de Três Tostões”. Jornal A Tarde, Salvador, 25 de novembro de 1960 apud SANTANA, Jussilene.
Impressões modernas: teatro e jornalismo na Bahia. Salvador, 2009, p.209 – 210.
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SANTANA, Jussilene. Impressões modernas: teatro e jornalismo na Bahia. Salvador, 2009, p. 65.
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Bertolt Brecht, se inseriu, imediatamente, em um campo de discussão que permeava a vida da
cidade desde, pelo menos, 1948, quando a criação do Teatro Castro Alves foi solicitada à
Assembléia Legislativa da Bahia.
A forma como Lina se apropriou do espaço incendiado, incorporando os significados ali
impregnados e construídos ao longo da história da cidade (sendo, dessa maneira, socialmente
reconhecidos), apresenta-se como uma questão central para as montagens nordestinas,
desdobrando-se e desenvolvendo-se em projetos futuros. Assim como o Teatro Castro Alves, com
suas paredes sujas de fumaça e seus equipamentos destruídos pelo fogo foi tomado como um
conjunto significativo e estruturador das arquiteturas cênicas de “A Ópera de Três Tostões” e
“Calígula”, em “Na Selva das Cidades”, por exemplo, reconhecendo a condição de destruição por
que passava a cidade de São Paulo em 1969, Lina incorporou o entorno imediato do Teatro
Oficina (no caso, o bairro do Bexiga). Neste último caso, a arquiteta se apropriou dos destroços e
do lixo resultante das obras do Elevado Costa e Silva (o Minhocão), captando os significados
encarnados nos diversos elementos que compunham aquela cena diária da cidade, levando-a
para dentro do teatro.
A incorporação dos significados presentes em determinados espaços (arquitetônicos ou
urbanísticos) como dados estruturadores das intervenções revela-se como elemento central na
concretização daquele que Lina chamou de seu “teatro pobre”, no sentido da “simplicidade dos
meios de comunicação”. A leitura e posicionamento diante de determinada conjuntura histórica
aparecem, assim, como dados fundamentais no estabelecimento de suas diretrizes projetuais,
conforme deixam claro os textos já citados sobre o Museu de Arte Moderna da Bahia e o Museu
de Arte Popular do Unhão, por exemplo. Poderíamos dizer que, no âmbito dos procedimentos
brechtianos, as arquiteturas cênicas do início dos anos 60 aparecem (para a arquiteta e para o
público) como exercícios de leitura e análise crítica sobre a situação histórica, instigando o público
a refletir sobre os possíveis significados dos objetos em dados contextos.
No conjunto das arquiteturas cênicas projetadas por Lina, a intervenção no espaço do Teatro
Castro Alves e, assim, em todo o seu entorno urbano, apresenta-se como momento inaugural
carregado de elementos que se desdobrariam ao longo da obra da arquiteta. A busca por
evidenciar o sentido histórico e estético presente nos objetos que compõe as cenas da vida
cotidiana constitui-se em importante traço da obra de Lina. Tal característica, bastante
desenvolvida nos projetos para exposições e arquiteturas cênicas, poderá ser identificado também
na forma como são concebidos seus edifícios, notadamente através da relação com a paisagem
urbana e com seu público – pensemos no Sesc Fábrica da Pompéia e no Teatro Oficina.
No reconhecimento do significado histórico e estético presente na própria materialidade de um
edifício, incluindo, neste caso, as possíveis relações estabelecidas com o entorno urbano e seus
usuários, encontra-se uma questão fundamental. Trata-se, precisamente, da identificação da
arquitetura com o próprio espaço da ação cênica, conforme escreve a arquiteta a respeito da
“cenografia” para Ubu. Assumindo que “o teatro é a vida”, em 1985 Lina nega abertamente a
cenografia tradicional, tratando-a como sendo o contrário da arquitetura. A ausência de cenografia,
conforme se deu no projeto para Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes” seria, assim,
pura arquitetura e a arquitetura o lugar da ação coletiva na história. Em texto decorrente da
premiação da arquitetura cênica da peça de Alfred Jarry, dirigida por Cacá Rosset escreve Lina:
“Agradeço ao júri pelo prêmio a mim atribuído. Na realidade, o público pode perguntar:
que cenografia é esta onde não tem nada?
A este ponto eu cito Lautreamont: ‘a arte deve ser feita por todos e não por um só’.
O Teatro é a vida e na ausência de dados ‘pré-estabelecidos’, uma cenografia ‘aberta’ e
despojada pode oferecer ao expectador a possibilidade de ‘inventar’ e ‘participar’ do ‘ato
existencial’ que representa um espetáculo de teatro.
Assim nascem a ‘nave’, o jantar sem nada, o Palácio que não existe, os pequenos
paraventos laterais. Tenho certeza que Jarry teria gostado.
Num certo sentido, a cenografia tradicional é o contrário da arquitetura e a ausência de
‘cenografia’ é, como dizia Walter Gropius, pura arquitetura.
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Agradeço ao júri por ter compreendido tudo isso”
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Á bibliografia acima citada somam-se folhetos, anotações, desenhos e fotografias pertencentes ao arquivo
pessoal de Lina Bo Bardi / Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, onde atualmente a pesquisadora colabora com a
catalogação do material relacionado às arquiteturas cênicas projetadas por Lina.
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FERRAZ, Marcelo Carvalho (Org.) Lina Bo Bardi. São Paulo, 2008, p. 260.
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