THE DARK SIDE OF THE MOON Quatro décadas de uma obra de arte para consumo de massa. Pablo Laignier1 1. Obra de arte para consumo de massa? Qual é a importância que um álbum de música massiva pode assumir enquanto obra de arte? A música massiva pode se tornar obra de arte, mesmo sem possuir a unicidade de um quadro ou o grau de elaboração de uma peça erudita? Há autores que se constituíram como referência fundamental do pensamento crítico no século XX, como Horkheimer e Adorno (1985), para quem a arte teria pedido sua função crítica após ter passado por um processo de industrialização em decorrência da modernização capitalista dos séculos XVIII e XIX. Outros expoentes da escola de Frankfurt foram em uma direção similar, enquanto Walter Benjamin apontou uma possibilidade de análise distinta. Em A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, Benjamin não afirma uma morte da arte, mas sim uma transformação das obras artísticas devido à industrialização. Mais do que valorar em sentido hierárquico as obras de diferentes eras, o autor alemão apresenta em seu texto as características pelas quais passam as obras de arte em diferentes momentos da humanidade. Segundo Benjamin (1994), a obra de arte reprodutível tecnicamente perderia seu caráter aurático, sua unicidade. Ao invés de autênticas, estas obras passariam a ser idênticas. É neste caso que se encontrariam os discos de rock (ou quaisquer outros discos, na verdade), visto que se tratam de obras concebidas (assim como no cinema) para serem reprodutíveis em grande escala. Não há um único original, como no caso de uma pintura (originária de uma era anterior à reprodutibilidade técnica comentada por Benjamin). Todos os discos empilhados em uma vitrine são originais e são cópias simultaneamente; ou melhor, a noção de original e 1 Doutor em Comunicação pela UFRJ e professor da UNESA [email protected] cópia não se aplica exatamente a estas obras tal como era feito com relação aos quadros e esculturas de períodos históricos anteriores: A esfera da autenticidade, como um todo, escapa à reprodutibilidade técnica, e naturalmente não apenas à técnica. Mas, enquanto o autêntico preserva toda a sua autoridade com relação à reprodução manual, em geral considerada uma falsificação, o mesmo não ocorre no que diz respeito à reprodução técnica (...) (BENJAMIN, 1994, p. 167- 168). Originalmente lançado em março de 1973 como Dark Side of the Moon e tendo recebido o artigo definido The em sua reedição de 1993, a obra da banda Pink Floyd, também conhecida simplesmente como o “álbum do prisma”, constitui um exemplo muito interessante de um produto massivo que indubitavelmente assumiu o status (desde o seu lançamento) de obra de arte. Há muitos motivos que atestam o caráter artístico desta obra e da banda que a produziu, mas o que impressiona mesmo é que este disco tornou-se o segundo mais vendido da história, atrás apenas de Thriller, do artista pop Michael Jackson. A banda Pink Floyd nunca foi exatamente um caso típico de banda pop, mas tornou-se pop, por assim dizer, a partir deste disco. Ou seja, Dark Side of the Moon é, ao mesmo tempo, considerado por muitos críticos e parte significativa do público a grande obra da banda, sendo também o disco que mais os projetou massivamente. Discutir qual a grande obra da banda é sempre algo que passa por um julgamento de ordem subjetiva, pois determinar quais critérios definem uma obra como melhor do que a outra passa necessariamente por diversas questões de ordem cultural/subjetiva. Ainda assim, pode-se dizer que o “álbum do prisma” é um dos trabalhos mais significativos da banda do ponto de vista artístico, e, ao pensar sobre sua projeção em termos comerciais e de influência no público e até mesmo em outros artistas, este disco passa a assumir o status de obra-prima da banda Pink Floyd. Além do mais, se no posterior The Wall o compositor Roger Waters já dominaria os processos de composição e produção da obra de modo bastante desigual em relação aos outros componentes da banda, em Dark Side é nítida a colaboração de todos os envolvidos em um processo criativo peculiar e que contou com sessões de estúdio em diferentes períodos, entremeadas por shows em que o grupo tocava o material ao vivo para testá-lo diante do seu público. Como álbum massivo, a trajetória deste disco impressiona: “Dark Side of the Moon alcançou o primeiro lugar nas paradas dos Estados Unidos. O disco chegou ao segundo lugar na Inglaterra, número 1 na França e Bélgica, e número 3 na Austrália, com colocações similares no Brasil, na Alemanha e na Espanha” (BLAKE, 2012, p. 233). Ou, como afirma John Harris (2006, p. 8): Nas três décadas que sucederam seu lançamento, o disco teve cerca de 30 milhões de unidades vendidas no mundo todo. Em sua primeira incursão nas listas de álbuns mais vendidos dos Estados Unidos, permaneceu por nada mais que 724 semanas. No país natal da banda, estimava-se que uma em cada cinco residências possuía o álbum. Num contexto global, como a revista britânica Q declarou, com tantas cópias vendidas, era “virtualmente impossível que se passe um minuto sem que Dark Side toque em algum lugar do planeta”. Segundo a Revista inglesa Mojo, por ocasião do aniversário de 25 anos da obra em questão, em 1998, Pink Floyd’s Dark Side of the Moon, aged 25 on March 24, is one of the great monuments of rock history – as overwhelming aesthetically as it is statistically. That is, it’s pretty dazzling that the album has sold around 29 million copies worldwide, already the biggest album by a British band ever, but is still shifting a million more every year; that despite never reaching Number 1 in the UK, it stayed in the Top 75 for 310 consecutive weeks from the day of its release and, even now puts in a periodic appearance during the record token season (Number 72 again just after New Year ’98) (...) (SUTCLIFFE e HENDERSON, 1998, p. 68).2 Porém, se é sem dúvida um produto massivo de destaque, determinado pelo sucesso quantitativo de cópias vendidas e outros parâmetros mercadológicos usados como “termômetro” ou garantia de sucesso pela indústria fonográfica, Dark Side é um dos discos que vem atravessando a linha do tempo nas últimas quatro décadas de modo a se tornar uma referência também enquanto obra artística e não somente comercial. Seguindo a linha neste artigo de que a “Era da reprodutibilidade técnica” (leia-se industrialização) permite ainda o aparecimento de obras de arte e que, por outro lado, não se pode considerar todo e qualquer produto para consumo de massas como sendo uma obra de arte propriamente (mesmo que utilize linguagens artísticas como a música), pode-se afirmar que existem múltiplas evidências de que Dark Side constitui-se como obra de arte3. Um dos maiores comentaristas da arte pictórica do século XX, Ernst Gombrich, acredita que 2 “Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, que completou 25 anos em 24 de Março, é um dos grandes monumentos da história do rock – tanto estética quanto estatisticamente. Isto quer dizer que é impressionante que o álbum tenha vendido em torno de 29 milhões de cópias ao redor do mundo, ainda hoje o mais vendido por uma banda britânica em todos os tempos, mas ainda vendendo um milhão a mais a cada ano; que apesar de nunca ter alcançado o número 1 no Reino Unido, permaneceu no Top 75 por 310 semanas consecutivas desde o dia de seu lançamento, ainda hoje aparece periodicamente durante a record token season (número 72 novamente logo após o Ano Novo de 1998) (…)”. A tradução deste trecho é de responsabilidade do autor deste artigo. 3 Devido à brevidade deste artigo, não será possível estender por demais aqui esta discussão, que ficará para outro momento. Apenas reafirma-se aqui que, a respeito da visão da canção massiva como um produto industrial que não necessariamente se constitui como um elemento somente de banalização da arte, o texto de ECO (2004) é uma referência importante. Nada existe realmente a que se possa dar o nome de Arte. Existem somente artistas. Outrora eram homens que apanhavam um punhado de terra colorida e com ela modelavam toscamente as formas de um bisão na parede de uma caverna; hoje, alguns compram suas tintas e desenham cartazes para tapumes; eles faziam e fazem muitas outras coisas. Não prejudica ninguém dar o nome de arte a todas essas atividades, desde que se conserve em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que Arte com A maiúsculo não existe. Na verdade, Arte com A maiúsculo passou a ser algo como um bicho-papão, como um fetiche (GOMBRICH, 1999, p. 15). É claro que existe na citação acima um tom de provocação sutil por parte do autor, ao demonstrar a complexidade que envolve a definição de arte e o quanto se pode ser injusto ao determinar uma Lei Universal para as obras de arte. Enquanto elemento social, todo o processo de concepção, produção, recepção e discussão que envolve as obras artísticas é dinâmico o suficiente para, de tempos em tempos e respeitando as diferenças locais de cada organização social, sofrer alterações, revisões, complementos. Da mesma forma e sem nenhuma espécie de contradição, uma leitura atenta do livro de Gombrich (1999), que tornouse a grande obra de referência sobre arte durante a segunda metade do século XX (pelo menos no mundo ocidental), demonstra o quanto existem de fato obras artísticas que significaram e ainda significam muito, devido a: a) sua qualidade expressiva/comunicacional; b) sua elaboração técnica; c) sua influência em outros artistas; d) seus desdobramentos junto à crítica especializada; e) seu impacto no público receptor quando da época de seu lançamento; f) seu impacto no universo artístico e na sociedade em geral através dos tempos; g) seu grau de experimentação/distinção estética. Comentando brevemente estas características e aplicando-as à obra em questão, podese afirmar que Dark Side of the Moon é: a) uma obra extremamente expressiva/comunicacional. Trata-se de um álbum conceitual e que permite que o ouvinte encontre uma discussão sobre as pressões da vida contemporânea nas grandes cidades, incluindo temas como o trabalho, a loucura, as relações entre as pessoas neste contexto, a violência (incluindo a guerra), o dinheiro, a morte. O conceito do álbum foi sendo desenvolvido principalmente pelo letrista Roger Waters e assumiu um formato estético com a colaboração dos outros três integrantes do grupo e de alguns engenheiros de som e técnicos que acompanharam o processo de criação do disco; b) Tecnicamente elaborado ao longo de mais de um ano, Dark Side é um álbum que teve um processo de criação intermitente, tendo sido entremeado por outros trabalhos da banda Pink Floyd, como o disco/trilha-sonora Obscured By Clouds e um balé conceitual (Harris, 2006, p. 111-115; 137-139). O grau de elaboração técnica foi bastante alto neste disco, tendo a banda utilizado tecnologias de ponta disponíveis em sua época (como os sintetizadores VCS3 e Synthi A4), explorando a criatividade em todas as etapas da produção do disco, desde as ideias contidas nas canções até a arte gráfica usada na capa; c) Trata-se, inegavelmente, de um dos discos mais influentes da história do rock e da música em geral. Dark Side vendeu o suficiente para se tornar onipresente no mundo globalizado, sendo citado frequentemente por diversos artistas como obra de referência e influência em seus próprios trabalhos: The album has had numerous full-length cover versions. Phish and Dream Theater are among the bands who’ve covered the album in its entirety in concert, and the Flaming Lips released a studio version of their take on the album. There have been bluegrass, a cappella, and string-quartet album versions, not to mention the notorious, reggae-died Dub Side of the Moon (WILLMAN, 20135); d) No que se refere aos desdobramentos de Dark Side junto à crítica especializada, é recorrente encontrar artigos jornalísticos sobre este álbum e sua importância estético-artística (além de seus feitos comerciais já citados anteriormente), principalmente nas datas comemorativas “redondas” de seu aniversário (10, 20, 25, 30, 40 anos), como são os exemplos da matéria citada acima (publicada na internet no site da yahoo, de grande visibilidade e alto número de acessos) e da já citada reportagem da revista Mojo (usada como referência fundamental para a elaboração deste artigo); e) seu impacto no público na época de seu lançamento foi crucial para tornar o Pink Floyd uma banda de rock de sucesso massivo nos EUA e consolidá-lo como um grupo de referência no Reino Unido, dois grandes mercados produtores e exportadores do rock como gênero musical. A turnê de lançamento deste disco foi a que colocou pela primeira vez o Pink Floyd para tocar em estádios de futebol, multiplicando seu público e tornando-os pop stars em nível mundial. Embora a construção do sucesso da banda tenha etapas e discos anteriores importantes, assim como outras obras de referência posteriores, Dark Side of the Moon foi o turning point (“ponto de virada”) para o imenso sucesso que o Pink Floyd conquistou enquanto um dos maiores grupos de rock de todos os tempos; f) As diferentes versões integrais posteriores deste disco (Dub Side of the Moon, 4 A respeito dos sintetizadores citados e de seu uso em Dark Side of the Moon, ver Harris (2006, p. 139-144). “O álbum teve várias versões cover integrais. Phish e Dream Theater estão entre as bandas que tocaram este álbum na íntegra em seus concertos, e o Flaming Lips lançou uma versão de estúdio própria do álbum. Há versões do álbum em bluegrass, a capella e com quarteto de cordas, para não mencionar a notória versão reggae Dub Side of the Moon” (WILLMAN, 2013). A tradução deste trecho é de responsabilidade do autor deste artigo. O texto original em Inglês, como citado no corpo do artigo, está disponível em: http://music.yahoo.com/blogs/stop-the-presses/pink-floyd-dark-side-40-years-later-40-205227757.html, última consulta em 05/08/2013. 5 Charque Side of the Moon, Pulse), seja em estúdio ou ao vivo, produzidas por diferentes artistas, incluindo a própria banda; os documentários e reportagens elaborados a partir deste álbum; as periódicas caixas especiais, versões comemorativas (com novas mixagens, masterizações, takes alternativos, versões ao vivo etc.) deste álbum; e os produtos derivados do mesmo6 são alguns dos exemplos da longevidade e do impacto constante que este álbum tem sobre o universo artístico e a sociedade em geral; g) Distinção estética e experimentação são elementos bastante presentes neste álbum. Todos os relatos dos principais livros a respeito da construção do disco em estúdio atestam o grau de experimentação estética constantemente associado à banda Pink Floyd, algo que não tem relação somente com Dark Side, mas também com álbuns anteriores como Ummagumma, Atom Heart Mother e Meddle. Mas talvez Dark Side of the Moon seja realmente o álbum em que a banda melhor conjugou seu experimentalismo e originalidade musicais com o lado comercial presente na trajetória de sucesso de uma banda de rock nos meandros da indústria fonográfica. Ao mesmo tempo em que a distinção artística de Dark Side repousa em sua escuta como obra completa, com músicas emendadas do início ao fim, este álbum possui canções passíveis de um desmembramento, ou seja, que podem (e puderam) ser tocadas individualmente e obter sucesso radiofônico junto ao público, ao contrário dos discos anteriores citados, que possuem longas peças musicais que excedem em muito o formato radiofônico/massivo já tão analisado por autores como Jambeiro (1975) e Janotti Jr (2006; 2007). Transitando entre a facilidade auditiva dos produtos de massa e a condição expressiva das obras de arte, Dark Side of the Moon apresenta uma complexidade que sugere uma análise mais atenta a respeito de alguns aspectos de sua trajetória, como se verá a seguir. 2. As refrações iluminadas do “álbum do prisma” Considerando-se, então, Dark Side of the Moon um álbum especial, capaz de se constituir simultaneamente como obra de arte e produto para consumo massivo, considera-se aqui fundamental analisar um pouco da trajetória deste álbum, sua concepção, produção, difusão e recepção. De sua feitura aos feitos obtidos pelo álbum nas quatro décadas que se 6 De canecas para tomar café a aventais para cozinhar, passando por adesivos etc., havia inúmeros produtos derivados do álbum Dark Side of the Moon à venda em 2013, ano em que este artigo foi produzido. Na página http://shop.pinkfloyd.com/ é possível encontrar muitos destes produtos. Última consulta em 05/08/2013. seguiram, pretende-se agora apontar alguns dos aspectos principais que tornam este um álbum único e capaz de ser obra de arte/produto massivo. Em primeiro lugar, a história pregressa da banda Pink Floyd é dado necessário para se compreender o sucesso e a elaboração de Dark Side. Formada na Inglaterra em 1965, a banda Pink Floyd, que teve diversos nomes até chegar a esta homenagem a dois bluesmen estadunidenses, Pink Anderson e Floyd Council, possuía, desde o seu início, uma mistura peculiar que caracteriza algumas bandas de rock de sucesso: seus quatro integrantes iniciais são apontados (ainda que de forma não tipológica como num artigo científico) como partes constituintes de um todo em que cada uma destas partes contribui com algo diverso. É comum imaginar que numa banda de sucesso todos os integrantes são necessariamente grandes músicos/instrumentistas, mas o fato é que grandes bandas muitas vezes apresentam uma disparidade no domínio técnico de seus instrumentos, principalmente em sua fase inicial. Por outro lado, aqueles integrantes que não dominam totalmente os aspectos musicais em sua juventude (como em qualquer outra profissão) contribuem muitas vezes com outros aspectos tão fundamentais quanto a parte musical para se chegar a uma obra/carreira de sucesso. No caso do Pink Floyd, Syd Barrett é normalmente apontado pelos livros a respeito da trajetória do grupo como o “gênio” da formação inicial da banda. Dono de um carisma e de um brilhantismo inigualáveis, ao mesmo tempo em que era possuidor de uma volatilidade e de uma dispersão que o levaram, juntamente com seus problemas relativos às drogas (particularmente o LSD), a uma situação crescente de inadequação à carreira musical. Isto porque sua inconstância cada vez maior (associada em alguns relatos à loucura) o foi retirando de cena a partir de 1967, justamente enquanto o Pink Floyd estava assumindo compromissos cada vez mais profissionais fonograficamente. É creditado à Barrett uma parte significativa do apelo visual/carismático que uma banda de sucesso necessita para se tornar realmente grande no cenário pop da segunda metade do século XX. Não fez parte do disco Dark Side of the Moon diretamente, mas sua trajetória pessoal é vista como inspiração para parte das letras e dos temas abordados no álbum do prisma. A “loucura” de Barrett estaria, por exemplo, representada na canção intitulada Brain Damage, embora situações vividas por Waters também tenham inspirado esta e outras canções que abordam a questão da loucura (HARRIS, 2006). Neste sentido, é notório também que o disco seguinte ao bem sucedido Dark Side of the Moon seja Wish You Were Here, um álbum cujas letras remetem também ao histórico de Syd Barrett. Roger Waters seria a liderança conceitual da banda, segundo relatos contidos em obras a respeito do Pink Floyd (HARRIS, 2006; BLAKE, 2012). Sua vontade de poder, de sucesso profissional e de afirmação no cenário musical o levaram a ser visto como o cérebro da banda, ainda que na fase inicial sua personalidade fosse ofuscada por Barrett. Com a saída oficial do guitarrista/compositor/vocalista da banda em 1968, Roger Waters assumiu gradualmente uma liderança incontestável na carreira do Pink Floyd, até meados dos anos 1980, quando saiu oficialmente do grupo. Considerado um músico cujo talento não se sobressaía na fase inicial da banda, Waters assumiu a responsabilidade de tornar-se o letrista principal do grupo ao longo de todo o período entre a saída de Barrett e a sua própria da banda. No caso de Dark Side of the Moon, o baixista/vocalista/compositor do Pink Floyd ainda dividia suas ideias com o resto do grupo aparentemente. Porém, é tido como o cérebro que buscou amarrar um conceito para o álbum e para as letras, obtendo um resultado inegavelmente brilhante neste aspecto. Letras como as de “Time” são cantadas semanalmente por diferentes gerações em bares e shows de músicos cover em diferentes países do mundo globalizado. Richard “Rick” Wright é apontado como o grande músico da banda em seu período inicial. Capaz de executar o piano e os teclados de modo acima da média para uma banda de rock iniciante, Wright possuía uma conhecimento abrangente de música e era influenciado por música erudita e jazz mais até do que pelo rock de sua época. Além disso, o tecladista também compunha (e bem) canções que chegaram a ser gravadas pela banda (o caso de “Paintbox” é exemplar neste sentido7). Talvez por isso, tenha sido sempre colocado num lugar subalterno pelo competitivo Waters, o que ocasionou sua saída da banda anos depois. Dono de um canto suave e de uma personalidade blasé (envolvia-se pouco em discussões e questões de liderança), alguns dos momentos mais memoráveis de Dark Side of the Moon são consequência direta de seu talento musical e de suas peculiaridades vocais: as bases de piano para “Us and Them” e para “The Great Gig in the Sky”8 e os vocais principais da parte B de “Time” (juntamente com os backing vocals de David Gilmour) são exemplos de momentos do álbum do prisma em que sua participação fora fundamental. Nicholas “Nick” Mason é normalmente tido como uma espécie de elo emocional do grupo. Se havia divisões artísticas na concepção dos discos do Pink Floyd que começam a se acentuar justamente na produção de Dark Side of the Moon, o baterista de personalidade dócil e bom-humor constante teria sido uma força agregadora que tornaria a química da banda possível por mais alguns anos. Mason não costuma ser citado como um grande baterista, mas 7 “Paintbox”, composta por Richard Wright, está contida no lado B do single da canção “Apples and Oranges”, lançado em 1967. A este respeito, Blake (2012, p. 114) afirma: “Syd pode ter sido considerado o gênio compositor do Floyd, mas foi o lado B de Richard Wright, ‘Paintbox’, que parecia ser agora a melhor canção”. 8 Intitulada inicialmente de “Mortality Sequence”, esta música é uma das mais peculiares do disco, como se verá mais adiante neste artigo. é notória sua participação no Pink Floyd desde o início da banda. Diferentes grupos de rock possuem figuras como Mason cuja presença apascenta os ânimos e realiza a mediação entre a convivialidade de personalidades difíceis. Um dos momentos originais memoráveis do disco, a introdução de “Time” é marcada pelo uso de ron-ton-tons por Mason, pequenos tambores que podem ser afinados em notas específicas e dão um efeito bem peculiar à canção. David Gilmour não seria um dos integrantes iniciais do Pink Floyd, tendo ingressado na banda para ser uma espécie de suporte às guitarras e vocais de Syd Barrett, quando este começara a demonstrar uma instabilidade emocional no que se refere às apresentações ao vivo da banda. Gilmour não se tornou apenas um substituto de Barrett, mas um divisor de águas na história do Pink Floyd. Há fãs que consideram a primeira fase a melhor da banda, enquanto muitos outros só realmente admiram o Pink Floyd a partir da fase com Gilmour. O fato é que o som do Pink Floyd estava mudando e a entrada de Gilmour reforça a transição. Considerado um grande guitarrista e dono de uma bela voz extremamente afinada, Gilmour tinha ainda, em sua juventude, a qualidade de ser bonito e carismático. Desta forma, assumiu os vocais principais do Pink Floyd e substituiu o “brilho” que se apagava gradualmente de Syd Barrett. Por outro lado, nunca foi um exímio escritor de letras ou uma força conceitual da banda, tendo sido a genialidade de Barrett substituída pela crescente dominância obstinada e talento de Waters nestes quesitos. Há um aspecto fundamental na presença de David Gilmour na banda que não se pode negar ou negligenciar quando se discute o sucesso obtido por Dark Side e outros discos do Pink Floyd: o rock é um gênero musical normalmente associado a canções bem interpretadas (a questão da performance é indissociável do gênero) e à presença de guitarras através de solos, rifes, bases e seus múltiplos efeitos. O desenvolvimento da guitarra elétrica maciça é indissociável do surgimento do rock como gênero musical nos anos 1950, de modo que ambos (a guitarra e o rock) tornaram-se elementos icônicos da cultura cada vez mais globalizada da segunda metade do século XX. Pois David Gilmour, através de suas performances vocais precisas e de seu brilhantismo ao tocar guitarra (tanto no que diz respeito ao uso de sonoridades interessantes e agradáveis aos ouvidos quanto à elaboração de melodias e solos ao instrumento), possuía o talento necessário para se tornar o frontman de uma grande banda de rock. “Time” e “Money”, só para citar músicas do disco em questão, são exemplos de solos icônicos da história do rock. Tocar estes solos de modo similar às gravações originais que os popularizaram é um dos aferidores de habilidade e destreza para guitarristas de várias partes do mundo ainda hoje. Algo que precisa ser dito a respeito de Dark Side é que, apesar de visões musicais diversas e que aparecem na feitura do disco, o momento de sua produção (ao longo de todo o ano de 1972 e início de 1973) era ainda propício a uma colaboração dos integrantes da banda de modo conjunto. A química musical e as qualidades de cada um dos integrantes do Pink Floyd aparecem neste disco em seu ápice, algo que foi se deteriorando a partir do sucesso desta mesma obra. Nos discos seguintes e de forma crescente até o álbum de 1983 The Final Cut (cujo nome sugestivo já afirma uma espécie de fim para uma fase da banda), a crescente dominância de Roger Waters em todos os principais aspectos da composição, produção, interpretação das músicas etc., e sua rivalidade específica com David Gilmour só se acentuaram, tornando algumas das obras posteriores resultados menos colaborativos do ponto de vista artístico. Um aspecto importante relativo à produção de Dark Side of the Moon é o fato de que o Pink Floyd almejava maior sucesso comercial, pois era considerado um grupo de vanguarda britânico, mas não tinha ainda obtido um sucesso significativo em termos de mainstream ou cultura pop. Além disso, artisticamente, a banda lutava para livrar-se da “sombra” de Syd Barrett, pois ficara marcada na Inglaterra pelas composições e o carisma de seu primeiro “líder” musical. Algo começara a ocorrer com Atom Heart Mother e Meddle, discos anteriores que iniciaram um processo de reconhecimento da banda nos Estados Unidos da América. Houve também alguns discos do Pink Floyd que eram, de fato, trilhas-sonoras encomendadas por cineastas de vanguarda europeus, como More e Obscured by Clouds. Este último foi produzido entre as sessões de Dark Side e a experiência de ter que realizar um álbum inteiro em poucas semanas a partir de demandas específicas do filme parece ter feito bem à banda, no sentido de que os forçou a desenvolver certa economia de ideias. Ou, melhor dizendo, a serem mais práticos e sintéticos em suas experimentações, indo direto ao ponto que interessava nas canções. Embora não produzisse singles desde 1968, algumas canções de Dark Side of the Moon possuíam esta possibilidade, podendo tornar-se um single a partir de uma escolha da banda e dos produtores de sua gravadora. Por mais conceitual que seja o disco em termos de temática e por mais que se utilize de experimentações musicais (algo característico da banda até então), o álbum do prisma se caracteriza por ser uma coletânea de belas canções, ou seja, pode ser desmembrado como qualquer álbum pop. Mesmo em se tratando de canções peculiares e talvez sem o apelo pop imediato de uma canção composta para o formato radiofônico, “Money”9, “Time”, “Breathe” diferem muito de peças como “Echoes” e “Atom Heart Mother”, que ocupam lados inteiros de seus respectivos álbuns. 9 “Money” foi lançada como single para promover o “álbum do prisma” nos EUA, em 1973. O lado experimental do Pink Floyd também está presente em Dark Side, o que corrobora a ideia de que se trata de uma obra artística com certo grau de elaboração acima da média dos discos de paradas de sucesso da indústria fonográfica. Não obstante, trata-se de uma experimentação aplicada, neste caso, ao uso de novos equipamentos (como os já citados sintetizadores) e à procura de sonoridades específicas em termos de timbres. Há, de fato, entre as já citadas canções com maior possibilidade comercial, algumas rápidas peças instrumentais como “Speak to me” e “On the Run” que buscam rechear o álbum com uma expressividade narrativa típica de quem conta uma história que se desenvolve aos poucos, como em uma peça erudita ou ópera. São músicas climáticas que introduzem ou entremeiam outras canções durante o álbum. Há também “Any Colour You Like”, uma peça instrumental recheada de solos de teclado e guitarra, onde o talento musical de Wright e Gilmour encontram um veículo adequado para se expressarem. Talvez a mais experimental das canções deste disco seja a lírica “The Great Gig in the Sky” que, apesar de não possuir letra, encontra na voz da vocalista contratada Clare Torry uma potente ferramenta que a eleva a um patamar musical bastante único e original. Trata-se de uma música que remete a ópera e ao canto lírico, pela técnica e destreza vocais apresentados pela cantora em questão, ao mesmo tempo em que seu improviso (pois não havia melodia escrita para esta música quando a cantora a gravou) traz um lado blues/jazz que também esteve sempre presente de algum modo na obra do Pink Floyd. O disco possui também uma característica narrativa/conceitual que não se limita aos sons dos instrumentos musicais e vozes cantadas, mas que inclui falas de pessoas que de algum modo estavam ligadas à banda durante a produção de Dark Side. Do porteiro do estúdio Abbey Road, onde este álbum foi gravado, a roadies e outros músicos, muitos foram os que gravaram as vozes para o disco. Obviamente, nem todas foram aproveitadas, mas a ideia de gravar as respostas destas pessoas a determinadas perguntas relacionadas à temática conceitual do disco é um dos pontos cruciais para tornar o “álbum do prisma” uma obra extremamente original e cuja unidade de sentido permeia toda a sua narrativa. A música e as palavras contidas nas letras e nas vozes narram as pressões da vida contemporânea, questões como vida e morte nas grandes cidades do século XX, o amor, a empatia, a loucura, o isolamento e o mistério. O lado escuro da lua, representado pelo título do disco, remete (dentre outras coisas) ao lado oculto de cada um de nós, seres humanos; ao desconhecido de nossas personalidades, ao inconsciente. O disco possui também uma qualidade gráfica muito peculiar. Do ponto de vista artístico, trata-se de uma obra em que não há na capa ou contracapa nenhuma referência gráfico/visual à banda ou a seu título. A imagem de um prisma refratando a luz que passa por seu interior e se torna colorida pode ser interpretada de múltiplas formas, sendo um dos elementos artísticos evidentes de Dark Side. Não apenas não remete diretamente à banda, como não evidencia diretamente o título da obra. Não há menção ao lado escuro da lua, embora a capa de fundo preto e a referência à luz que se transforma não estejam completamente dissociadas da ideia simbólica da luz do sol refletida no satélite terrestre. A luz e suas transformações permeiam esta obra cujos sons se transformam ao longo de sua escuta completa. Adicionalmente, é preciso ressaltar que o impacto da imagem desta capa a tornou, ao longo das últimas quatro décadas, uma das mais reconhecíveis dentre todas as capas de discos da história. A capa funciona quase que como uma logotipo do álbum e da banda, tal a sua capacidade de síntese, singeleza e integralidade. A parte gráfica deste disco é tão conceitual quanto a sua parte sonora. Trata-se de um círculo completo, tal como a capa dupla e sua parte interna sugerem. O tempo de maturação do disco em termos de suas muitas sessões de estúdio, entremeadas por apresentações ao vivo em que o material sonoro apresentado no disco era testado diante do público, é outra característica muito peculiar desta obra, pois nem sempre este é o caso na indústria fonográfica. É verdade que músicos apresentam canções antes de seus discos serem lançados, mas é muito mais comum que um material sonoro completo seja apresentado após o lançamento do disco que será posto à venda, pois os shows ajudam a vender o disco (pelo menos era este o caso nos anos 197010). Após o seu lançamento, Dark Side também obteve feitos notórios. Alçou o Pink Floyd a um novo patamar, o de banda pop, habitante do mainstream musical de sua época, vendedora de milhões de discos e influência de algumas gerações. O disco ficou no top 200 da Billboard norte-americana durante 15 anos consecutivos, de 1973 a 1988, um recorde impressionante. Existe uma regularidade na venda deste álbum que demonstra um impacto menos imediato (embora tenha havido impacto suficiente quando de seu lançamento nos EUA e na Europa) e mais longevo. Para além dos números em si, obras de arte como quadros de grandes pintores dos séculos anteriores à reprodutibilidade técnica apontada por Benjamin e citada na seção anterior deste artigo possuem a característica fundamental de atravessarem sua época e continuarem impactando outras gerações de crítica e público. Para os padrões efêmeros da segunda metade do século XX, em que uma sociedade nomeada por alguns autores das 10 Ocorreram diversas mudanças e reconfigurações nas últimas décadas nos procedimentos relativos à indústria fonográfica, principalmente no que se refere ao crescimento da pirataria, como aponta Herschmann (2007). ciências sociais como “pós-moderna” ou como “sociedade de consumo”, Dark Side vem demonstrando sinais de uma longevidade bastante acentuada. Recentemente, por ocasião de seus quarenta anos, o “álbum do prisma” foi indicado como obra fundamental de referência nos EUA, sendo catalogado no acervo da biblioteca do congresso estadunidense: Todos os anos a Biblioteca do Congresso norte-americano escolhe 25 discos culturalmente e historicamente relevantes para integrarem o seu arquivo discográfico nacional, preservando assim estas obras para a posteridade. Mesmo que os Pink Floyd tenham nascido no Reino Unido, Dark Side of the Moon (1973) dos Pink Floyd foi uma das obras recentemente escolhidas para integrarem esse arquivo, dada a sua importância cultural e histórica. Segundo os responsáveis da Biblioteca do Congresso dos EUA, este disco "é um exemplo de uma produção brilhante e inovadora ao serviço da música", cita a BBC. Este ano celebram-se quatro décadas desde que esse álbum foi originalmente editado (MOÇO, 201311). Muitas edições comemorativas deste álbum já foram lançadas pela própria banda, sendo a última a caixa intitulada Dark Side of the Moon – Immersion Box Set. Contendo seis discos (entre CDs e DVDs), incluindo a última versão remasterizada do álbum, esta caixa foi lançada em setembro de 2011 nos Estados Unidos da América. Mas uma coisa não pode ser deixada de fora desta trajetória. Em 1995, os integrantes remanescentes do Pink Floyd (Gilmour, Mason e Wright) lançaram um CD duplo ao vivo, intitulado Pulse, que continha canções de seu último disco de estúdio, lançado no ano anterior, The Division Bell, alguns sucessos de outros álbuns anteriores do grupo e uma surpresa: Dark Side of the Moon tocado ao vivo na íntegra. O CD 2 é basicamente composto desta versão, além de mais três músicas que fechavam o show (“Wish You Were Here”, “Comfortably Numb” e “Run Like Hell”). Em 2006, uma versão em DVD destes shows foi lançada, mantendo a versão na íntegra de Dark Side of the Moon. O som foi remasterizado para 5.1. O CD obteve uma vendagem expressiva, tendo recebido discos de ouro, platina e platina dupla nos EUA, além de ter chegado ao topo da parada da Billboard em 1995. 3. O quadragésimo aniversário de Dark Side of the Moon através do site oficial do grupo Após uma trajetória que inclui recordes e aspectos muito peculiares, tais como os já citados anteriormente neste artigo, (The) Dark Side of the Moon chega aos quarenta anos com uma “vitalidade” tremenda. Trata-se de um disco que não poderia não ter uma comemoração específica por uma data tão significativa. Por outro lado, devido às inúmeras remasterizações 11 Disponível em: http://www.dn.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=3122810&seccao=M%FAsica, última consulta em 19/08/2013. e relançamentos com adições de material gráfico inédito, takes ao vivo ou alternativos etc., a pergunta que um observador atento à história da banda Pink Floyd se fez em fevereiro deste ano é: Como a banda comemorará oficialmente esta data tão importante? O que ela oferecerá de novo aos fãs? É preciso lembrar que até mesmo a versão na íntegra deste álbum já havia sido realizada pelo Pink Floyd, como se viu na seção anterior. Deste modo, para os fãs, a curiosidade aumentava a partir da proximidade com a data. Pois em março de 2013, época do lançamento do álbum, o site oficial da banda foi remodelado para comemorar os quarenta anos da obra em questão. Assim, a resposta veio no ciberespaço. De forma simples e ao mesmo tempo original, o site do Pink Floyd passou a apresentar (e no momento em que este artigo estava sendo finalizado, em agosto de 2013, ainda apresentava) imagens que remetiam ao álbum, oferecendo ao público novas versões da capa, além da possibilidade de interagir com o site e, através deste, com outros usuários da rede a respeito do álbum e da obra do Pink Floyd. Amplamente analisado por autores do campo da Comunicação Social e de outras áreas das Ciências Sociais, o ciberespaço (nome conceitual utilizado para nomear o que na prática cotidiana é informalmente conhecido como o conjunto da internet e das intranets) apresenta algumas características importantes, dentre as quais: 1) a capacidade de estocagem, transmissão e acessibilidade referentes a dados informacionais, incluindo signos diversos como imagens, sons e textos acoplados em hiperdocumentos, de um modo nunca antes visto até o final do século XX; 2) novas possibilidades de interação mediada por dispositivos técnicos, como os computadores e os recentes tablets e smartphones. A respeito destas características, autores como Sodré (2002), Santaella (2004) e Lévy (1999) já se dedicaram a discuti-las e podem ser fontes de consulta para quem pretende ler mais a respeito. Como afirma Santaella com relação à capacidade interativa dos sistemas computacionais que funcionam como suporte material para o ciberespaço: Embora um elemento textual possa ainda ser isolado, sistemas baseados em computador são primordialmente interativos em vez de unidirecionais, abertos em vez de fixos. O diálogo, regulado e disseminado pela computação digital, tira a ênfase da autoria em favor de “mensagens em circuito” que tomam formas fixas, mas efervescentes e continuamente variáveis (SANTAELLA, 2003, p. 93-94). Com relação ao assunto tratado neste artigo, o sítio eletrônico oficial da banda Pink Floyd ofereceu aos fãs de todo o mundo, através do ciberespaço, novas versões estilizadas da capa do prisma, algumas delas parodiando/homenageando o traço de artistas famosos das artes pictóricas, como Salvador Dalí e Roy Lichtenstein. Pretende-se aqui na próximas linhas desta seção, de forma muito breve, apresentar uma rápida descrição analítica do material visual presente no site oficial da banda Pink Floyd por ocasião da já citada comemoração das quatro décadas do álbum Dark Side of the Moon. Ao digitar o endereço www.pinkfloyd.com12, o usuário da internet é direcionado ao site oficial da banda. Porém, por ocasião das comemorações, o endereço da homepage do site em questão foi modificado de modo que o usuário é redirecionado para: http://darkside40.pinkfloyd.com/ 13. Na página inicial, como se pode observar na Figura 1 abaixo, o prisma contido na capa do álbum está circundado por outros objetos gráficos: Figura 1: Homepage do site oficial do Pink Floyd durante as comemorações pelo quadragésimo aniversário de Dark Side of the Moon14 Acima do prisma está uma logotipo comemorativa dos quarenta anos de Dark Side, em que o algarismo 4 representa a refração de luz a partir do prisma, sendo que este está representado pelo algarismo 0 estilizado. O desenho comemorativo inverte a ordem (esquerda-direita para direita-esquerda) do movimento de refração de luz tal como este era representado na capa original (e ainda é no próprio site, logo abaixo da logo). À direita do desenho original (para um observador que esteja de frente para a tela do computador) está um desenho quadrado, como uma capa de disco de vinil, subdividido de modo a conter diversas versões estilizadas da capa original do álbum. Ao clicar em cima desta 12 Última consulta em 19/08/2013. Idêntico à nota anterior. 14 Disponível em: http://darkside40.pinkfloyd.com/, imagem reproduzida às 16h:26m do dia 19/08/2013. 13 imagem, o usuário é direcionado para uma tela onde se é possível ver a imagem apresentada na Figura 2 abaixo: Figura 2: Pôster que pode ser baixado diretamente do site oficial da banda gratuitamente, contendo novas versões estilizadas da capa original do álbum15. Trata-se, de fato, da mesma figura da homepage, só que ampliada. Ao clicar em cima de cada uma das capas apresentadas no interior desta figura, a capa escolhida é ampliada e colocada em destaque, para que se possa vê-la separadamente das outras. Além disto, o site oferece diferentes formatos desta imagem principal (Figura 2) para download gratuito, com diferentes dimensões e resoluções para a mesma imagem. À esquerda do prisma original (Figura 1), há a imagem de uma lua cheia. Ao clicar na mesma, o usuário é redirecionado para uma página onde esta imagem está ampliada (tal como a do pôster já citado acima). Porém, talvez esta seja a parte mais interessante no que diz respeito às novas possibilidades de interação contidas no ciberespaço. A lua em questão, a partir do momento em que o usuário chega à página, começa a gradualmente apresentar pontos claros, iluminados, em sua superfície, como se pode ver na Figura 3 abaixo (à esquerda). Estes pontos vão se multiplicando com o passar dos segundos, durante o tempo em que o usuário fica na página em questão, como se pode ver na Figura 4, abaixo (à direita): 15 Disponível para download gratuito em: http://darkside40.pinkfloyd.com/, última consulta em 19/08/2013. Figuras 3 (esquerda) e 4 (direita): Imagens da lua com a crescente presença de pontos iluminados16. Ao clicar em cada um destes pontos iluminados, mensagens de fãs aparecem imediatamente, com breves textos, fotos e até mesmo links disponibilizados por estes fãs/internautas. Cada ponto iluminado está associado a uma mensagem e estas vêm de diferentes partes do mundo e apresentam diversos idiomas, e não apenas a Língua Inglesa, idioma nativo dos integrantes do Pink Floyd e presente nas letras e falas contidas em Dark Side of the Moon. As mensagens foram enviadas através do site de rede social chamado twitter. Assim que se entra nesta página com a imagem da lua (Figuras 3 e 4), aparece um pop-up na tela (em Inglês) convidando o usuário a se cadastrar no twitter para ver sua mensagem na lua (“Sign in with twitter to see your tweet on the moon”17). A diversidade de mensagens é grande, mas pode-se dizer que predominam as reproduções de trechos de letras do álbum homenageado, além de comentários afetivos e elogiosos sobre o mesmo. Algumas bandas cover do Pink Floyd apresentam links para os seu trabalho e alguns internautas fornecem links para arquivos de áudio e vídeo relacionados a Dark Side of the Moon. A figura 5, abaixo (à esquerda) mostra uma mensagem em Português de um fã que considera Dark Side o disco “mais revolucionário de todos os tempos”. Já a figura 6, também abaixo (à direita), mostra uma mensagem em Espanhol de uma banda cover do Pink Floyd que procura divulgar o seu trabalho: 16 Imagens reproduzidas a partir do endereço: http://darkside40.pinkfloyd.com/, capturadas às 14h:39m (Figura 3) e 14h:40m (Figura 4) do dia 19/08/2013. 17 Texto contido na página analisada do endereço: http://darkside40.pinkfloyd.com/, última consulta em 19/08/2013. Figura 5 (esquerda) e 6 (direita): Mensagens de fãs e bandas cover twittadas “na lua”18. Finalizando a descrição analítica do site oficial da banda por ocasião dos 40 anos de Dark Side of the Moon, ao clicar na logotipo apresentada logo no início desta seção, o usuário é redirecionado para uma página onde há algumas informações a respeito do “álbum do prisma” e quatro diferentes versões comemorativas que podem ser adquiridas através do comércio eletrônico, mais especificamente: Discovery Edition, Experience Edition, Immersion Edition e Vinyl Edition. A Figura 7, abaixo, mostra isso: Figura 7: Tela com informações sobre o álbum e versões do mesmo para venda19. Considerações Finais: uma obra que suscita discussões Dark Side of the Moon é inegavelmente uma das maiores obras da história do rock. Trata-se de um dos casos peculiares em que o sucesso comercial e os aspectos expressivos e 18 Imagens reproduzidas a partir do endereço: http://darkside40.pinkfloyd.com/, capturadas às 14h:41m (Figura 5) e 14h:40m (Figura 6) do dia 19/08/2013. 19 Disponível em: http://darkside40.pinkfloyd.com/, imagem reproduzida às 14h:39m do dia 19/08/2013. de elaboração artística não se anulam e nem se contradizem: o “álbum do prisma” é um dos mais bem sucedidos exemplos de produto fonográfico para consumo de massas, ao mesmo tempo em que se constitui também como uma obra artística de referência que vem atravessando gerações e influenciando músicos de todas as partes do mundo. Além da merecida atenção que a obra em questão suscita por conta de seu aniversário de quatro décadas, este artigo inicia uma discussão conceitual que se pretende aprofundar posteriormente a respeito do que constitui uma obra de arte em tempos de consumo de massa. Porque se aqui se adota a visão de que é possível um produto massivo ser considerado também uma obra de arte, do mesmo modo se adota aqui a ideia de que não parece possível considerar todos os produtos de massa como obras de arte. Os critérios e parâmetros que corroboram a natureza da obra artística ainda necessitam de uma discussão mais aprofundada, principalmente no que se refere à música da indústria fonográfica contemporânea. Referências: Livros e artigos acadêmicos: BECKER, Howard. “Arte como ação coletiva” In: Uma teoria da ação coletiva. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1977, p. 205-222. BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica.” In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994 (Obras escolhidas; v. 1), p.165-196. BLAKE, Mark. Nos bastidores do Pink Floyd. Trad. Alexandre Callari. – São Paulo: Ed. Évora, 2012. ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Ed. 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