THE DARK SIDE OF THE MOON Quatro décadas de uma obra de

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THE DARK SIDE OF THE MOON
Quatro décadas de uma obra de arte para consumo de massa.
Pablo Laignier1
1. Obra de arte para consumo de massa?
Qual é a importância que um álbum de música massiva pode assumir enquanto obra de
arte? A música massiva pode se tornar obra de arte, mesmo sem possuir a unicidade de um
quadro ou o grau de elaboração de uma peça erudita? Há autores que se constituíram como
referência fundamental do pensamento crítico no século XX, como Horkheimer e Adorno
(1985), para quem a arte teria pedido sua função crítica após ter passado por um processo de
industrialização em decorrência da modernização capitalista dos séculos XVIII e XIX. Outros
expoentes da escola de Frankfurt foram em uma direção similar, enquanto Walter Benjamin
apontou uma possibilidade de análise distinta.
Em A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, Benjamin não afirma uma
morte da arte, mas sim uma transformação das obras artísticas devido à industrialização. Mais
do que valorar em sentido hierárquico as obras de diferentes eras, o autor alemão apresenta
em seu texto as características pelas quais passam as obras de arte em diferentes momentos da
humanidade. Segundo Benjamin (1994), a obra de arte reprodutível tecnicamente perderia seu
caráter aurático, sua unicidade. Ao invés de autênticas, estas obras passariam a ser idênticas.
É neste caso que se encontrariam os discos de rock (ou quaisquer outros discos, na verdade),
visto que se tratam de obras concebidas (assim como no cinema) para serem reprodutíveis em
grande escala. Não há um único original, como no caso de uma pintura (originária de uma era
anterior à reprodutibilidade técnica comentada por Benjamin). Todos os discos empilhados
em uma vitrine são originais e são cópias simultaneamente; ou melhor, a noção de original e
1
Doutor em Comunicação pela UFRJ e professor da UNESA [email protected]
cópia não se aplica exatamente a estas obras tal como era feito com relação aos quadros e
esculturas de períodos históricos anteriores:
A esfera da autenticidade, como um todo, escapa à reprodutibilidade técnica,
e naturalmente não apenas à técnica. Mas, enquanto o autêntico preserva
toda a sua autoridade com relação à reprodução manual, em geral
considerada uma falsificação, o mesmo não ocorre no que diz respeito à
reprodução técnica (...) (BENJAMIN, 1994, p. 167- 168).
Originalmente lançado em março de 1973 como Dark Side of the Moon e tendo
recebido o artigo definido The em sua reedição de 1993, a obra da banda Pink Floyd, também
conhecida simplesmente como o “álbum do prisma”, constitui um exemplo muito interessante
de um produto massivo que indubitavelmente assumiu o status (desde o seu lançamento) de
obra de arte. Há muitos motivos que atestam o caráter artístico desta obra e da banda que a
produziu, mas o que impressiona mesmo é que este disco tornou-se o segundo mais vendido
da história, atrás apenas de Thriller, do artista pop Michael Jackson. A banda Pink Floyd
nunca foi exatamente um caso típico de banda pop, mas tornou-se pop, por assim dizer, a
partir deste disco. Ou seja, Dark Side of the Moon é, ao mesmo tempo, considerado por
muitos críticos e parte significativa do público a grande obra da banda, sendo também o disco
que mais os projetou massivamente.
Discutir qual a grande obra da banda é sempre algo que passa por um julgamento de
ordem subjetiva, pois determinar quais critérios definem uma obra como melhor do que a
outra passa necessariamente por diversas questões de ordem cultural/subjetiva. Ainda assim,
pode-se dizer que o “álbum do prisma” é um dos trabalhos mais significativos da banda do
ponto de vista artístico, e, ao pensar sobre sua projeção em termos comerciais e de influência
no público e até mesmo em outros artistas, este disco passa a assumir o status de obra-prima
da banda Pink Floyd. Além do mais, se no posterior The Wall o compositor Roger Waters já
dominaria os processos de composição e produção da obra de modo bastante desigual em
relação aos outros componentes da banda, em Dark Side é nítida a colaboração de todos os
envolvidos em um processo criativo peculiar e que contou com sessões de estúdio em
diferentes períodos, entremeadas por shows em que o grupo tocava o material ao vivo para
testá-lo diante do seu público.
Como álbum massivo, a trajetória deste disco impressiona: “Dark Side of the Moon
alcançou o primeiro lugar nas paradas dos Estados Unidos. O disco chegou ao segundo lugar
na Inglaterra, número 1 na França e Bélgica, e número 3 na Austrália, com colocações
similares no Brasil, na Alemanha e na Espanha” (BLAKE, 2012, p. 233).
Ou, como afirma John Harris (2006, p. 8):
Nas três décadas que sucederam seu lançamento, o disco teve cerca de 30
milhões de unidades vendidas no mundo todo. Em sua primeira incursão nas
listas de álbuns mais vendidos dos Estados Unidos, permaneceu por nada
mais que 724 semanas. No país natal da banda, estimava-se que uma em
cada cinco residências possuía o álbum. Num contexto global, como a
revista britânica Q declarou, com tantas cópias vendidas, era “virtualmente
impossível que se passe um minuto sem que Dark Side toque em algum
lugar do planeta”.
Segundo a Revista inglesa Mojo, por ocasião do aniversário de 25 anos da obra em
questão, em 1998,
Pink Floyd’s Dark Side of the Moon, aged 25 on March 24, is one of the
great monuments of rock history – as overwhelming aesthetically as it is
statistically. That is, it’s pretty dazzling that the album has sold around 29
million copies worldwide, already the biggest album by a British band ever,
but is still shifting a million more every year; that despite never reaching
Number 1 in the UK, it stayed in the Top 75 for 310 consecutive weeks from
the day of its release and, even now puts in a periodic appearance during the
record token season (Number 72 again just after New Year ’98) (...)
(SUTCLIFFE e HENDERSON, 1998, p. 68).2
Porém, se é sem dúvida um produto massivo de destaque, determinado pelo sucesso
quantitativo de cópias vendidas e outros parâmetros mercadológicos usados como
“termômetro” ou garantia de sucesso pela indústria fonográfica, Dark Side é um dos discos
que vem atravessando a linha do tempo nas últimas quatro décadas de modo a se tornar uma
referência também enquanto obra artística e não somente comercial.
Seguindo a linha neste artigo de que a “Era da reprodutibilidade técnica” (leia-se
industrialização) permite ainda o aparecimento de obras de arte e que, por outro lado, não se
pode considerar todo e qualquer produto para consumo de massas como sendo uma obra de
arte propriamente (mesmo que utilize linguagens artísticas como a música), pode-se afirmar
que existem múltiplas evidências de que Dark Side constitui-se como obra de arte3.
Um dos maiores comentaristas da arte pictórica do século XX, Ernst Gombrich,
acredita que
2
“Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, que completou 25 anos em 24 de Março, é um dos grandes
monumentos da história do rock – tanto estética quanto estatisticamente. Isto quer dizer que é impressionante
que o álbum tenha vendido em torno de 29 milhões de cópias ao redor do mundo, ainda hoje o mais vendido por
uma banda britânica em todos os tempos, mas ainda vendendo um milhão a mais a cada ano; que apesar de
nunca ter alcançado o número 1 no Reino Unido, permaneceu no Top 75 por 310 semanas consecutivas desde o
dia de seu lançamento, ainda hoje aparece periodicamente durante a record token season (número 72 novamente
logo após o Ano Novo de 1998) (…)”. A tradução deste trecho é de responsabilidade do autor deste artigo.
3
Devido à brevidade deste artigo, não será possível estender por demais aqui esta discussão, que ficará para
outro momento. Apenas reafirma-se aqui que, a respeito da visão da canção massiva como um produto industrial
que não necessariamente se constitui como um elemento somente de banalização da arte, o texto de ECO (2004)
é uma referência importante.
Nada existe realmente a que se possa dar o nome de Arte. Existem somente
artistas. Outrora eram homens que apanhavam um punhado de terra colorida
e com ela modelavam toscamente as formas de um bisão na parede de uma
caverna; hoje, alguns compram suas tintas e desenham cartazes para
tapumes; eles faziam e fazem muitas outras coisas. Não prejudica ninguém
dar o nome de arte a todas essas atividades, desde que se conserve em mente
que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares
diferentes, e que Arte com A maiúsculo não existe. Na verdade, Arte com A
maiúsculo passou a ser algo como um bicho-papão, como um fetiche
(GOMBRICH, 1999, p. 15).
É claro que existe na citação acima um tom de provocação sutil por parte do autor, ao
demonstrar a complexidade que envolve a definição de arte e o quanto se pode ser injusto ao
determinar uma Lei Universal para as obras de arte. Enquanto elemento social, todo o
processo de concepção, produção, recepção e discussão que envolve as obras artísticas é
dinâmico o suficiente para, de tempos em tempos e respeitando as diferenças locais de cada
organização social, sofrer alterações, revisões, complementos. Da mesma forma e sem
nenhuma espécie de contradição, uma leitura atenta do livro de Gombrich (1999), que tornouse a grande obra de referência sobre arte durante a segunda metade do século XX (pelo menos
no mundo ocidental), demonstra o quanto existem de fato obras artísticas que significaram e
ainda significam muito, devido a: a) sua qualidade expressiva/comunicacional; b) sua
elaboração técnica; c) sua influência em outros artistas; d) seus desdobramentos junto à crítica
especializada; e) seu impacto no público receptor quando da época de seu lançamento; f) seu
impacto no universo artístico e na sociedade em geral através dos tempos; g) seu grau de
experimentação/distinção estética.
Comentando brevemente estas características e aplicando-as à obra em questão, podese afirmar que Dark Side of the Moon é:
a) uma obra extremamente expressiva/comunicacional. Trata-se de um álbum
conceitual e que permite que o ouvinte encontre uma discussão sobre as pressões da vida
contemporânea nas grandes cidades, incluindo temas como o trabalho, a loucura, as relações
entre as pessoas neste contexto, a violência (incluindo a guerra), o dinheiro, a morte. O
conceito do álbum foi sendo desenvolvido principalmente pelo letrista Roger Waters e
assumiu um formato estético com a colaboração dos outros três integrantes do grupo e de
alguns engenheiros de som e técnicos que acompanharam o processo de criação do disco;
b) Tecnicamente elaborado ao longo de mais de um ano, Dark Side é um álbum que
teve um processo de criação intermitente, tendo sido entremeado por outros trabalhos da
banda Pink Floyd, como o disco/trilha-sonora Obscured By Clouds e um balé conceitual
(Harris, 2006, p. 111-115; 137-139). O grau de elaboração técnica foi bastante alto neste
disco, tendo a banda utilizado tecnologias de ponta disponíveis em sua época (como os
sintetizadores VCS3 e Synthi A4), explorando a criatividade em todas as etapas da produção
do disco, desde as ideias contidas nas canções até a arte gráfica usada na capa;
c) Trata-se, inegavelmente, de um dos discos mais influentes da história do rock e da
música em geral. Dark Side vendeu o suficiente para se tornar onipresente no mundo
globalizado, sendo citado frequentemente por diversos artistas como obra de referência e
influência em seus próprios trabalhos:
The album has had numerous full-length cover versions. Phish and Dream
Theater are among the bands who’ve covered the album in its entirety in
concert, and the Flaming Lips released a studio version of their take on the
album. There have been bluegrass, a cappella, and string-quartet album
versions, not to mention the notorious, reggae-died Dub Side of the Moon
(WILLMAN, 20135);
d) No que se refere aos desdobramentos de Dark Side junto à crítica especializada, é
recorrente encontrar artigos jornalísticos sobre este álbum e sua importância estético-artística
(além de seus feitos comerciais já citados anteriormente), principalmente nas datas
comemorativas “redondas” de seu aniversário (10, 20, 25, 30, 40 anos), como são os
exemplos da matéria citada acima (publicada na internet no site da yahoo, de grande
visibilidade e alto número de acessos) e da já citada reportagem da revista Mojo (usada como
referência fundamental para a elaboração deste artigo);
e) seu impacto no público na época de seu lançamento foi crucial para tornar o Pink
Floyd uma banda de rock de sucesso massivo nos EUA e consolidá-lo como um grupo de
referência no Reino Unido, dois grandes mercados produtores e exportadores do rock como
gênero musical. A turnê de lançamento deste disco foi a que colocou pela primeira vez o Pink
Floyd para tocar em estádios de futebol, multiplicando seu público e tornando-os pop stars
em nível mundial. Embora a construção do sucesso da banda tenha etapas e discos anteriores
importantes, assim como outras obras de referência posteriores, Dark Side of the Moon foi o
turning point (“ponto de virada”) para o imenso sucesso que o Pink Floyd conquistou
enquanto um dos maiores grupos de rock de todos os tempos;
f) As diferentes versões integrais posteriores deste disco (Dub Side of the Moon,
4
A respeito dos sintetizadores citados e de seu uso em Dark Side of the Moon, ver Harris (2006, p. 139-144).
“O álbum teve várias versões cover integrais. Phish e Dream Theater estão entre as bandas que tocaram este
álbum na íntegra em seus concertos, e o Flaming Lips lançou uma versão de estúdio própria do álbum. Há
versões do álbum em bluegrass, a capella e com quarteto de cordas, para não mencionar a notória versão reggae
Dub Side of the Moon” (WILLMAN, 2013). A tradução deste trecho é de responsabilidade do autor deste artigo.
O texto original em Inglês, como citado no corpo do artigo, está disponível em:
http://music.yahoo.com/blogs/stop-the-presses/pink-floyd-dark-side-40-years-later-40-205227757.html, última
consulta em 05/08/2013.
5
Charque Side of the Moon, Pulse), seja em estúdio ou ao vivo, produzidas por diferentes
artistas, incluindo a própria banda; os documentários e reportagens elaborados a partir deste
álbum; as periódicas caixas especiais, versões comemorativas (com novas mixagens,
masterizações, takes alternativos, versões ao vivo etc.) deste álbum; e os produtos derivados
do mesmo6 são alguns dos exemplos da longevidade e do impacto constante que este álbum
tem sobre o universo artístico e a sociedade em geral;
g) Distinção estética e experimentação são elementos bastante presentes neste álbum.
Todos os relatos dos principais livros a respeito da construção do disco em estúdio atestam o
grau de experimentação estética constantemente associado à banda Pink Floyd, algo que não
tem relação somente com Dark Side, mas também com álbuns anteriores como Ummagumma,
Atom Heart Mother e Meddle. Mas talvez Dark Side of the Moon seja realmente o álbum em
que a banda melhor conjugou seu experimentalismo e originalidade musicais com o lado
comercial presente na trajetória de sucesso de uma banda de rock nos meandros da indústria
fonográfica. Ao mesmo tempo em que a distinção artística de Dark Side repousa em sua
escuta como obra completa, com músicas emendadas do início ao fim, este álbum possui
canções passíveis de um desmembramento, ou seja, que podem (e puderam) ser tocadas
individualmente e obter sucesso radiofônico junto ao público, ao contrário dos discos
anteriores citados, que possuem longas peças musicais que excedem em muito o formato
radiofônico/massivo já tão analisado por autores como Jambeiro (1975) e Janotti Jr (2006;
2007).
Transitando entre a facilidade auditiva dos produtos de massa e a condição expressiva
das obras de arte, Dark Side of the Moon apresenta uma complexidade que sugere uma análise
mais atenta a respeito de alguns aspectos de sua trajetória, como se verá a seguir.
2. As refrações iluminadas do “álbum do prisma”
Considerando-se, então, Dark Side of the Moon um álbum especial, capaz de se
constituir simultaneamente como obra de arte e produto para consumo massivo, considera-se
aqui fundamental analisar um pouco da trajetória deste álbum, sua concepção, produção,
difusão e recepção. De sua feitura aos feitos obtidos pelo álbum nas quatro décadas que se
6
De canecas para tomar café a aventais para cozinhar, passando por adesivos etc., havia inúmeros produtos
derivados do álbum Dark Side of the Moon à venda em 2013, ano em que este artigo foi produzido. Na página
http://shop.pinkfloyd.com/ é possível encontrar muitos destes produtos. Última consulta em 05/08/2013.
seguiram, pretende-se agora apontar alguns dos aspectos principais que tornam este um álbum
único e capaz de ser obra de arte/produto massivo.
Em primeiro lugar, a história pregressa da banda Pink Floyd é dado necessário para se
compreender o sucesso e a elaboração de Dark Side. Formada na Inglaterra em 1965, a banda
Pink Floyd, que teve diversos nomes até chegar a esta homenagem a dois bluesmen
estadunidenses, Pink Anderson e Floyd Council, possuía, desde o seu início, uma mistura
peculiar que caracteriza algumas bandas de rock de sucesso: seus quatro integrantes iniciais
são apontados (ainda que de forma não tipológica como num artigo científico) como partes
constituintes de um todo em que cada uma destas partes contribui com algo diverso. É comum
imaginar que numa banda de sucesso todos os integrantes são necessariamente grandes
músicos/instrumentistas, mas o fato é que grandes bandas muitas vezes apresentam uma
disparidade no domínio técnico de seus instrumentos, principalmente em sua fase inicial. Por
outro lado, aqueles integrantes que não dominam totalmente os aspectos musicais em sua
juventude (como em qualquer outra profissão) contribuem muitas vezes com outros aspectos
tão fundamentais quanto a parte musical para se chegar a uma obra/carreira de sucesso.
No caso do Pink Floyd, Syd Barrett é normalmente apontado pelos livros a respeito da
trajetória do grupo como o “gênio” da formação inicial da banda. Dono de um carisma e de
um brilhantismo inigualáveis, ao mesmo tempo em que era possuidor de uma volatilidade e
de uma dispersão que o levaram, juntamente com seus problemas relativos às drogas
(particularmente o LSD), a uma situação crescente de inadequação à carreira musical. Isto
porque sua inconstância cada vez maior (associada em alguns relatos à loucura) o foi
retirando de cena a partir de 1967, justamente enquanto o Pink Floyd estava assumindo
compromissos cada vez mais profissionais fonograficamente. É creditado à Barrett uma parte
significativa do apelo visual/carismático que uma banda de sucesso necessita para se tornar
realmente grande no cenário pop da segunda metade do século XX. Não fez parte do disco
Dark Side of the Moon diretamente, mas sua trajetória pessoal é vista como inspiração para
parte das letras e dos temas abordados no álbum do prisma. A “loucura” de Barrett estaria, por
exemplo, representada na canção intitulada Brain Damage, embora situações vividas por
Waters também tenham inspirado esta e outras canções que abordam a questão da loucura
(HARRIS, 2006). Neste sentido, é notório também que o disco seguinte ao bem sucedido
Dark Side of the Moon seja Wish You Were Here, um álbum cujas letras remetem também ao
histórico de Syd Barrett.
Roger Waters seria a liderança conceitual da banda, segundo relatos contidos em obras
a respeito do Pink Floyd (HARRIS, 2006; BLAKE, 2012). Sua vontade de poder, de sucesso
profissional e de afirmação no cenário musical o levaram a ser visto como o cérebro da banda,
ainda que na fase inicial sua personalidade fosse ofuscada por Barrett. Com a saída oficial do
guitarrista/compositor/vocalista da banda em 1968, Roger Waters assumiu gradualmente uma
liderança incontestável na carreira do Pink Floyd, até meados dos anos 1980, quando saiu
oficialmente do grupo. Considerado um músico cujo talento não se sobressaía na fase inicial
da banda, Waters assumiu a responsabilidade de tornar-se o letrista principal do grupo ao
longo de todo o período entre a saída de Barrett e a sua própria da banda. No caso de Dark
Side of the Moon, o baixista/vocalista/compositor do Pink Floyd ainda dividia suas ideias com
o resto do grupo aparentemente. Porém, é tido como o cérebro que buscou amarrar um
conceito para o álbum e para as letras, obtendo um resultado inegavelmente brilhante neste
aspecto. Letras como as de “Time” são cantadas semanalmente por diferentes gerações em
bares e shows de músicos cover em diferentes países do mundo globalizado.
Richard “Rick” Wright é apontado como o grande músico da banda em seu período
inicial. Capaz de executar o piano e os teclados de modo acima da média para uma banda de
rock iniciante, Wright possuía uma conhecimento abrangente de música e era influenciado
por música erudita e jazz mais até do que pelo rock de sua época. Além disso, o tecladista
também compunha (e bem) canções que chegaram a ser gravadas pela banda (o caso de
“Paintbox” é exemplar neste sentido7). Talvez por isso, tenha sido sempre colocado num lugar
subalterno pelo competitivo Waters, o que ocasionou sua saída da banda anos depois. Dono
de um canto suave e de uma personalidade blasé (envolvia-se pouco em discussões e questões
de liderança), alguns dos momentos mais memoráveis de Dark Side of the Moon são
consequência direta de seu talento musical e de suas peculiaridades vocais: as bases de piano
para “Us and Them” e para “The Great Gig in the Sky”8 e os vocais principais da parte B de
“Time” (juntamente com os backing vocals de David Gilmour) são exemplos de momentos do
álbum do prisma em que sua participação fora fundamental.
Nicholas “Nick” Mason é normalmente tido como uma espécie de elo emocional do
grupo. Se havia divisões artísticas na concepção dos discos do Pink Floyd que começam a se
acentuar justamente na produção de Dark Side of the Moon, o baterista de personalidade dócil
e bom-humor constante teria sido uma força agregadora que tornaria a química da banda
possível por mais alguns anos. Mason não costuma ser citado como um grande baterista, mas
7
“Paintbox”, composta por Richard Wright, está contida no lado B do single da canção “Apples and Oranges”,
lançado em 1967. A este respeito, Blake (2012, p. 114) afirma: “Syd pode ter sido considerado o gênio
compositor do Floyd, mas foi o lado B de Richard Wright, ‘Paintbox’, que parecia ser agora a melhor canção”.
8
Intitulada inicialmente de “Mortality Sequence”, esta música é uma das mais peculiares do disco, como se verá
mais adiante neste artigo.
é notória sua participação no Pink Floyd desde o início da banda. Diferentes grupos de rock
possuem figuras como Mason cuja presença apascenta os ânimos e realiza a mediação entre a
convivialidade de personalidades difíceis. Um dos momentos originais memoráveis do disco,
a introdução de “Time” é marcada pelo uso de ron-ton-tons por Mason, pequenos tambores
que podem ser afinados em notas específicas e dão um efeito bem peculiar à canção.
David Gilmour não seria um dos integrantes iniciais do Pink Floyd, tendo ingressado
na banda para ser uma espécie de suporte às guitarras e vocais de Syd Barrett, quando este
começara a demonstrar uma instabilidade emocional no que se refere às apresentações ao vivo
da banda. Gilmour não se tornou apenas um substituto de Barrett, mas um divisor de águas na
história do Pink Floyd. Há fãs que consideram a primeira fase a melhor da banda, enquanto
muitos outros só realmente admiram o Pink Floyd a partir da fase com Gilmour. O fato é que
o som do Pink Floyd estava mudando e a entrada de Gilmour reforça a transição. Considerado
um grande guitarrista e dono de uma bela voz extremamente afinada, Gilmour tinha ainda, em
sua juventude, a qualidade de ser bonito e carismático. Desta forma, assumiu os vocais
principais do Pink Floyd e substituiu o “brilho” que se apagava gradualmente de Syd Barrett.
Por outro lado, nunca foi um exímio escritor de letras ou uma força conceitual da banda,
tendo sido a genialidade de Barrett substituída pela crescente dominância obstinada e talento
de Waters nestes quesitos. Há um aspecto fundamental na presença de David Gilmour na
banda que não se pode negar ou negligenciar quando se discute o sucesso obtido por Dark
Side e outros discos do Pink Floyd: o rock é um gênero musical normalmente associado a
canções bem interpretadas (a questão da performance é indissociável do gênero) e à presença
de guitarras através de solos, rifes, bases e seus múltiplos efeitos. O desenvolvimento da
guitarra elétrica maciça é indissociável do surgimento do rock como gênero musical nos anos
1950, de modo que ambos (a guitarra e o rock) tornaram-se elementos icônicos da cultura
cada vez mais globalizada da segunda metade do século XX. Pois David Gilmour, através de
suas performances vocais precisas e de seu brilhantismo ao tocar guitarra (tanto no que diz
respeito ao uso de sonoridades interessantes e agradáveis aos ouvidos quanto à elaboração de
melodias e solos ao instrumento), possuía o talento necessário para se tornar o frontman de
uma grande banda de rock. “Time” e “Money”, só para citar músicas do disco em questão,
são exemplos de solos icônicos da história do rock. Tocar estes solos de modo similar às
gravações originais que os popularizaram é um dos aferidores de habilidade e destreza para
guitarristas de várias partes do mundo ainda hoje.
Algo que precisa ser dito a respeito de Dark Side é que, apesar de visões musicais
diversas e que aparecem na feitura do disco, o momento de sua produção (ao longo de todo o
ano de 1972 e início de 1973) era ainda propício a uma colaboração dos integrantes da banda
de modo conjunto. A química musical e as qualidades de cada um dos integrantes do Pink
Floyd aparecem neste disco em seu ápice, algo que foi se deteriorando a partir do sucesso
desta mesma obra. Nos discos seguintes e de forma crescente até o álbum de 1983 The Final
Cut (cujo nome sugestivo já afirma uma espécie de fim para uma fase da banda), a crescente
dominância de Roger Waters em todos os principais aspectos da composição, produção,
interpretação das músicas etc., e sua rivalidade específica com David Gilmour só se
acentuaram, tornando algumas das obras posteriores resultados menos colaborativos do ponto
de vista artístico.
Um aspecto importante relativo à produção de Dark Side of the Moon é o fato de que o
Pink Floyd almejava maior sucesso comercial, pois era considerado um grupo de vanguarda
britânico, mas não tinha ainda obtido um sucesso significativo em termos de mainstream ou
cultura pop. Além disso, artisticamente, a banda lutava para livrar-se da “sombra” de Syd
Barrett, pois ficara marcada na Inglaterra pelas composições e o carisma de seu primeiro
“líder” musical. Algo começara a ocorrer com Atom Heart Mother e Meddle, discos anteriores
que iniciaram um processo de reconhecimento da banda nos Estados Unidos da América.
Houve também alguns discos do Pink Floyd que eram, de fato, trilhas-sonoras encomendadas
por cineastas de vanguarda europeus, como More e Obscured by Clouds. Este último foi
produzido entre as sessões de Dark Side e a experiência de ter que realizar um álbum inteiro
em poucas semanas a partir de demandas específicas do filme parece ter feito bem à banda, no
sentido de que os forçou a desenvolver certa economia de ideias. Ou, melhor dizendo, a serem
mais práticos e sintéticos em suas experimentações, indo direto ao ponto que interessava nas
canções.
Embora não produzisse singles desde 1968, algumas canções de Dark Side of the
Moon possuíam esta possibilidade, podendo tornar-se um single a partir de uma escolha da
banda e dos produtores de sua gravadora. Por mais conceitual que seja o disco em termos de
temática e por mais que se utilize de experimentações musicais (algo característico da banda
até então), o álbum do prisma se caracteriza por ser uma coletânea de belas canções, ou seja,
pode ser desmembrado como qualquer álbum pop. Mesmo em se tratando de canções
peculiares e talvez sem o apelo pop imediato de uma canção composta para o formato
radiofônico, “Money”9, “Time”, “Breathe” diferem muito de peças como “Echoes” e “Atom
Heart Mother”, que ocupam lados inteiros de seus respectivos álbuns.
9
“Money” foi lançada como single para promover o “álbum do prisma” nos EUA, em 1973.
O lado experimental do Pink Floyd também está presente em Dark Side, o que
corrobora a ideia de que se trata de uma obra artística com certo grau de elaboração acima da
média dos discos de paradas de sucesso da indústria fonográfica. Não obstante, trata-se de
uma experimentação aplicada, neste caso, ao uso de novos equipamentos (como os já citados
sintetizadores) e à procura de sonoridades específicas em termos de timbres. Há, de fato, entre
as já citadas canções com maior possibilidade comercial, algumas rápidas peças instrumentais
como “Speak to me” e “On the Run” que buscam rechear o álbum com uma expressividade
narrativa típica de quem conta uma história que se desenvolve aos poucos, como em uma peça
erudita ou ópera. São músicas climáticas que introduzem ou entremeiam outras canções
durante o álbum. Há também “Any Colour You Like”, uma peça instrumental recheada de
solos de teclado e guitarra, onde o talento musical de Wright e Gilmour encontram um veículo
adequado para se expressarem. Talvez a mais experimental das canções deste disco seja a
lírica “The Great Gig in the Sky” que, apesar de não possuir letra, encontra na voz da
vocalista contratada Clare Torry uma potente ferramenta que a eleva a um patamar musical
bastante único e original. Trata-se de uma música que remete a ópera e ao canto lírico, pela
técnica e destreza vocais apresentados pela cantora em questão, ao mesmo tempo em que seu
improviso (pois não havia melodia escrita para esta música quando a cantora a gravou) traz
um lado blues/jazz que também esteve sempre presente de algum modo na obra do Pink
Floyd.
O disco possui também uma característica narrativa/conceitual que não se limita aos
sons dos instrumentos musicais e vozes cantadas, mas que inclui falas de pessoas que de
algum modo estavam ligadas à banda durante a produção de Dark Side. Do porteiro do
estúdio Abbey Road, onde este álbum foi gravado, a roadies e outros músicos, muitos foram
os que gravaram as vozes para o disco. Obviamente, nem todas foram aproveitadas, mas a
ideia de gravar as respostas destas pessoas a determinadas perguntas relacionadas à temática
conceitual do disco é um dos pontos cruciais para tornar o “álbum do prisma” uma obra
extremamente original e cuja unidade de sentido permeia toda a sua narrativa. A música e as
palavras contidas nas letras e nas vozes narram as pressões da vida contemporânea, questões
como vida e morte nas grandes cidades do século XX, o amor, a empatia, a loucura, o
isolamento e o mistério. O lado escuro da lua, representado pelo título do disco, remete
(dentre outras coisas) ao lado oculto de cada um de nós, seres humanos; ao desconhecido de
nossas personalidades, ao inconsciente.
O disco possui também uma qualidade gráfica muito peculiar. Do ponto de vista
artístico, trata-se de uma obra em que não há na capa ou contracapa nenhuma referência
gráfico/visual à banda ou a seu título. A imagem de um prisma refratando a luz que passa por
seu interior e se torna colorida pode ser interpretada de múltiplas formas, sendo um dos
elementos artísticos evidentes de Dark Side. Não apenas não remete diretamente à banda,
como não evidencia diretamente o título da obra. Não há menção ao lado escuro da lua,
embora a capa de fundo preto e a referência à luz que se transforma não estejam
completamente dissociadas da ideia simbólica da luz do sol refletida no satélite terrestre. A
luz e suas transformações permeiam esta obra cujos sons se transformam ao longo de sua
escuta completa. Adicionalmente, é preciso ressaltar que o impacto da imagem desta capa a
tornou, ao longo das últimas quatro décadas, uma das mais reconhecíveis dentre todas as
capas de discos da história. A capa funciona quase que como uma logotipo do álbum e da
banda, tal a sua capacidade de síntese, singeleza e integralidade. A parte gráfica deste disco é
tão conceitual quanto a sua parte sonora. Trata-se de um círculo completo, tal como a capa
dupla e sua parte interna sugerem.
O tempo de maturação do disco em termos de suas muitas sessões de estúdio,
entremeadas por apresentações ao vivo em que o material sonoro apresentado no disco era
testado diante do público, é outra característica muito peculiar desta obra, pois nem sempre
este é o caso na indústria fonográfica. É verdade que músicos apresentam canções antes de
seus discos serem lançados, mas é muito mais comum que um material sonoro completo seja
apresentado após o lançamento do disco que será posto à venda, pois os shows ajudam a
vender o disco (pelo menos era este o caso nos anos 197010).
Após o seu lançamento, Dark Side também obteve feitos notórios. Alçou o Pink Floyd
a um novo patamar, o de banda pop, habitante do mainstream musical de sua época,
vendedora de milhões de discos e influência de algumas gerações. O disco ficou no top 200
da Billboard norte-americana durante 15 anos consecutivos, de 1973 a 1988, um recorde
impressionante. Existe uma regularidade na venda deste álbum que demonstra um impacto
menos imediato (embora tenha havido impacto suficiente quando de seu lançamento nos EUA
e na Europa) e mais longevo.
Para além dos números em si, obras de arte como quadros de grandes pintores dos
séculos anteriores à reprodutibilidade técnica apontada por Benjamin e citada na seção
anterior deste artigo possuem a característica fundamental de atravessarem sua época e
continuarem impactando outras gerações de crítica e público. Para os padrões efêmeros da
segunda metade do século XX, em que uma sociedade nomeada por alguns autores das
10
Ocorreram diversas mudanças e reconfigurações nas últimas décadas nos procedimentos relativos à indústria
fonográfica, principalmente no que se refere ao crescimento da pirataria, como aponta Herschmann (2007).
ciências sociais como “pós-moderna” ou como “sociedade de consumo”, Dark Side vem
demonstrando sinais de uma longevidade bastante acentuada. Recentemente, por ocasião de
seus quarenta anos, o “álbum do prisma” foi indicado como obra fundamental de referência
nos EUA, sendo catalogado no acervo da biblioteca do congresso estadunidense:
Todos os anos a Biblioteca do Congresso norte-americano escolhe 25 discos
culturalmente e historicamente relevantes para integrarem o seu arquivo
discográfico nacional, preservando assim estas obras para a posteridade.
Mesmo que os Pink Floyd tenham nascido no Reino Unido, Dark Side of the
Moon (1973) dos Pink Floyd foi uma das obras recentemente escolhidas para
integrarem esse arquivo, dada a sua importância cultural e histórica.
Segundo os responsáveis da Biblioteca do Congresso dos EUA, este disco "é
um exemplo de uma produção brilhante e inovadora ao serviço da música",
cita a BBC. Este ano celebram-se quatro décadas desde que esse álbum foi
originalmente editado (MOÇO, 201311).
Muitas edições comemorativas deste álbum já foram lançadas pela própria banda,
sendo a última a caixa intitulada Dark Side of the Moon – Immersion Box Set. Contendo seis
discos (entre CDs e DVDs), incluindo a última versão remasterizada do álbum, esta caixa foi
lançada em setembro de 2011 nos Estados Unidos da América.
Mas uma coisa não pode ser deixada de fora desta trajetória. Em 1995, os integrantes
remanescentes do Pink Floyd (Gilmour, Mason e Wright) lançaram um CD duplo ao vivo,
intitulado Pulse, que continha canções de seu último disco de estúdio, lançado no ano
anterior, The Division Bell, alguns sucessos de outros álbuns anteriores do grupo e uma
surpresa: Dark Side of the Moon tocado ao vivo na íntegra. O CD 2 é basicamente composto
desta versão, além de mais três músicas que fechavam o show (“Wish You Were Here”,
“Comfortably Numb” e “Run Like Hell”). Em 2006, uma versão em DVD destes shows foi
lançada, mantendo a versão na íntegra de Dark Side of the Moon. O som foi remasterizado
para 5.1. O CD obteve uma vendagem expressiva, tendo recebido discos de ouro, platina e
platina dupla nos EUA, além de ter chegado ao topo da parada da Billboard em 1995.
3. O quadragésimo aniversário de Dark Side of the Moon através do site oficial do grupo
Após uma trajetória que inclui recordes e aspectos muito peculiares, tais como os já
citados anteriormente neste artigo, (The) Dark Side of the Moon chega aos quarenta anos com
uma “vitalidade” tremenda. Trata-se de um disco que não poderia não ter uma comemoração
específica por uma data tão significativa. Por outro lado, devido às inúmeras remasterizações
11
Disponível em: http://www.dn.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=3122810&seccao=M%FAsica, última
consulta em 19/08/2013.
e relançamentos com adições de material gráfico inédito, takes ao vivo ou alternativos etc., a
pergunta que um observador atento à história da banda Pink Floyd se fez em fevereiro deste
ano é: Como a banda comemorará oficialmente esta data tão importante? O que ela oferecerá
de novo aos fãs?
É preciso lembrar que até mesmo a versão na íntegra deste álbum já havia sido
realizada pelo Pink Floyd, como se viu na seção anterior. Deste modo, para os fãs, a
curiosidade aumentava a partir da proximidade com a data. Pois em março de 2013, época do
lançamento do álbum, o site oficial da banda foi remodelado para comemorar os quarenta
anos da obra em questão. Assim, a resposta veio no ciberespaço. De forma simples e ao
mesmo tempo original, o site do Pink Floyd passou a apresentar (e no momento em que este
artigo estava sendo finalizado, em agosto de 2013, ainda apresentava) imagens que remetiam
ao álbum, oferecendo ao público novas versões da capa, além da possibilidade de interagir
com o site e, através deste, com outros usuários da rede a respeito do álbum e da obra do Pink
Floyd.
Amplamente analisado por autores do campo da Comunicação Social e de outras áreas
das Ciências Sociais, o ciberespaço (nome conceitual utilizado para nomear o que na prática
cotidiana é informalmente conhecido como o conjunto da internet e das intranets) apresenta
algumas características importantes, dentre as quais: 1) a capacidade de estocagem,
transmissão e acessibilidade referentes a dados informacionais, incluindo signos diversos
como imagens, sons e textos acoplados em hiperdocumentos, de um modo nunca antes visto
até o final do século XX; 2) novas possibilidades de interação mediada por dispositivos
técnicos, como os computadores e os recentes tablets e smartphones. A respeito destas
características, autores como Sodré (2002), Santaella (2004) e Lévy (1999) já se dedicaram a
discuti-las e podem ser fontes de consulta para quem pretende ler mais a respeito. Como
afirma Santaella com relação à capacidade interativa dos sistemas computacionais que
funcionam como suporte material para o ciberespaço:
Embora um elemento textual possa ainda ser isolado, sistemas baseados em
computador são primordialmente interativos em vez de unidirecionais,
abertos em vez de fixos. O diálogo, regulado e disseminado pela computação
digital, tira a ênfase da autoria em favor de “mensagens em circuito” que
tomam formas fixas, mas efervescentes e continuamente variáveis
(SANTAELLA, 2003, p. 93-94).
Com relação ao assunto tratado neste artigo, o sítio eletrônico oficial da banda Pink
Floyd ofereceu aos fãs de todo o mundo, através do ciberespaço, novas versões estilizadas da
capa do prisma, algumas delas parodiando/homenageando o traço de artistas famosos das
artes pictóricas, como Salvador Dalí e Roy Lichtenstein.
Pretende-se aqui na próximas linhas desta seção, de forma muito breve, apresentar
uma rápida descrição analítica do material visual presente no site oficial da banda Pink Floyd
por ocasião da já citada comemoração das quatro décadas do álbum Dark Side of the Moon.
Ao digitar o endereço www.pinkfloyd.com12, o usuário da internet é direcionado ao
site oficial da banda. Porém, por ocasião das comemorações, o endereço da homepage do site
em
questão
foi
modificado
de
modo
que
o
usuário
é
redirecionado
para:
http://darkside40.pinkfloyd.com/ 13. Na página inicial, como se pode observar na Figura 1
abaixo, o prisma contido na capa do álbum está circundado por outros objetos gráficos:
Figura 1: Homepage do site oficial do Pink Floyd durante as
comemorações pelo quadragésimo aniversário de Dark Side of the
Moon14
Acima do prisma está uma logotipo comemorativa dos quarenta anos de Dark Side,
em que o algarismo 4 representa a refração de luz a partir do prisma, sendo que este está
representado pelo algarismo 0 estilizado. O desenho comemorativo inverte a ordem
(esquerda-direita para direita-esquerda) do movimento de refração de luz tal como este era
representado na capa original (e ainda é no próprio site, logo abaixo da logo).
À direita do desenho original (para um observador que esteja de frente para a tela do
computador) está um desenho quadrado, como uma capa de disco de vinil, subdividido de
modo a conter diversas versões estilizadas da capa original do álbum. Ao clicar em cima desta
12
Última consulta em 19/08/2013.
Idêntico à nota anterior.
14
Disponível em: http://darkside40.pinkfloyd.com/, imagem reproduzida às 16h:26m do dia 19/08/2013.
13
imagem, o usuário é direcionado para uma tela onde se é possível ver a imagem apresentada
na Figura 2 abaixo:
Figura 2: Pôster que pode ser baixado diretamente do site
oficial da banda gratuitamente, contendo novas versões
estilizadas da capa original do álbum15.
Trata-se, de fato, da mesma figura da homepage, só que ampliada. Ao clicar em cima
de cada uma das capas apresentadas no interior desta figura, a capa escolhida é ampliada e
colocada em destaque, para que se possa vê-la separadamente das outras. Além disto, o site
oferece diferentes formatos desta imagem principal (Figura 2) para download gratuito, com
diferentes dimensões e resoluções para a mesma imagem.
À esquerda do prisma original (Figura 1), há a imagem de uma lua cheia. Ao clicar na
mesma, o usuário é redirecionado para uma página onde esta imagem está ampliada (tal como
a do pôster já citado acima). Porém, talvez esta seja a parte mais interessante no que diz
respeito às novas possibilidades de interação contidas no ciberespaço. A lua em questão, a
partir do momento em que o usuário chega à página, começa a gradualmente apresentar
pontos claros, iluminados, em sua superfície, como se pode ver na Figura 3 abaixo (à
esquerda). Estes pontos vão se multiplicando com o passar dos segundos, durante o tempo em
que o usuário fica na página em questão, como se pode ver na Figura 4, abaixo (à direita):
15
Disponível para download gratuito em: http://darkside40.pinkfloyd.com/, última consulta em 19/08/2013.
Figuras 3 (esquerda) e 4 (direita): Imagens da lua com a crescente
presença de pontos iluminados16.
Ao clicar em cada um destes pontos iluminados, mensagens de fãs aparecem
imediatamente, com breves textos, fotos e até mesmo links disponibilizados por estes
fãs/internautas. Cada ponto iluminado está associado a uma mensagem e estas vêm de
diferentes partes do mundo e apresentam diversos idiomas, e não apenas a Língua Inglesa,
idioma nativo dos integrantes do Pink Floyd e presente nas letras e falas contidas em Dark
Side of the Moon. As mensagens foram enviadas através do site de rede social chamado
twitter. Assim que se entra nesta página com a imagem da lua (Figuras 3 e 4), aparece um
pop-up na tela (em Inglês) convidando o usuário a se cadastrar no twitter para ver sua
mensagem na lua (“Sign in with twitter to see your tweet on the moon”17). A diversidade de
mensagens é grande, mas pode-se dizer que predominam as reproduções de trechos de letras
do álbum homenageado, além de comentários afetivos e elogiosos sobre o mesmo. Algumas
bandas cover do Pink Floyd apresentam links para os seu trabalho e alguns internautas
fornecem links para arquivos de áudio e vídeo relacionados a Dark Side of the Moon. A figura
5, abaixo (à esquerda) mostra uma mensagem em Português de um fã que considera Dark
Side o disco “mais revolucionário de todos os tempos”. Já a figura 6, também abaixo (à
direita), mostra uma mensagem em Espanhol de uma banda cover do Pink Floyd que procura
divulgar o seu trabalho:
16
Imagens reproduzidas a partir do endereço: http://darkside40.pinkfloyd.com/, capturadas às 14h:39m (Figura
3) e 14h:40m (Figura 4) do dia 19/08/2013.
17
Texto contido na página analisada do endereço: http://darkside40.pinkfloyd.com/, última consulta em
19/08/2013.
Figura 5 (esquerda) e 6 (direita): Mensagens de fãs e bandas cover twittadas “na lua”18.
Finalizando a descrição analítica do site oficial da banda por ocasião dos 40 anos de
Dark Side of the Moon, ao clicar na logotipo apresentada logo no início desta seção, o usuário
é redirecionado para uma página onde há algumas informações a respeito do “álbum do
prisma” e quatro diferentes versões comemorativas que podem ser adquiridas através do
comércio eletrônico, mais especificamente: Discovery Edition, Experience Edition,
Immersion Edition e Vinyl Edition. A Figura 7, abaixo, mostra isso:
Figura 7: Tela com informações sobre o álbum e versões do mesmo para venda19.
Considerações Finais: uma obra que suscita discussões
Dark Side of the Moon é inegavelmente uma das maiores obras da história do rock.
Trata-se de um dos casos peculiares em que o sucesso comercial e os aspectos expressivos e
18
Imagens reproduzidas a partir do endereço: http://darkside40.pinkfloyd.com/, capturadas às 14h:41m (Figura
5) e 14h:40m (Figura 6) do dia 19/08/2013.
19
Disponível em: http://darkside40.pinkfloyd.com/, imagem reproduzida às 14h:39m do dia 19/08/2013.
de elaboração artística não se anulam e nem se contradizem: o “álbum do prisma” é um dos
mais bem sucedidos exemplos de produto fonográfico para consumo de massas, ao mesmo
tempo em que se constitui também como uma obra artística de referência que vem
atravessando gerações e influenciando músicos de todas as partes do mundo.
Além da merecida atenção que a obra em questão suscita por conta de seu aniversário
de quatro décadas, este artigo inicia uma discussão conceitual que se pretende aprofundar
posteriormente a respeito do que constitui uma obra de arte em tempos de consumo de massa.
Porque se aqui se adota a visão de que é possível um produto massivo ser considerado
também uma obra de arte, do mesmo modo se adota aqui a ideia de que não parece possível
considerar todos os produtos de massa como obras de arte. Os critérios e parâmetros que
corroboram a natureza da obra artística ainda necessitam de uma discussão mais aprofundada,
principalmente no que se refere à música da indústria fonográfica contemporânea.
Referências:
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Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1977, p. 205-222.
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________________. Música popular massiva e comunicação: um universo particular.
Trabalho apresentado no VII Encontro dos Núcleos de Pesquisa em Comunicação (NP
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Disponível
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WILLMAN, Chris. Pink Floyd’s ‘Dark Side’: 40 Years Later, 40 mind-blowing facts about
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Publicado
em
09/03/2013.
Disponível
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http://music.yahoo.com/blogs/stop-the-presses/pink-floyd-dark-side-40-years-later-40205227757.html, último acesso em 20/08/2013.
Sítios Eletrônicos:
http://darkside40.pinkfloyd.com/.
CDs:
PINK FLOYD. The Dark Side of the Moon. London, UK: EMI, 1992, 1 CD.
DVDs:
CLASSIC Albums: The Making of The Dark Side of the Moon. Direção: Matthew
Longfellow. Produtor: Nick de Grunwald e Martin R. Smith. São Paulo: ST2 Video/Eagle
Rock Entertainment, c2003, 1 DVD.
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