A Artigo Original Nutrição e radioterapia: alterações antropométricas e gastrointestinais em pacientes oncológicos Nutrição e radioterapia: alterações antropométricas e gastrointestinais em pacientes oncológicos Nutrition and radiotherapy: anthropometric and gastrointestinal alterations in patients with cancer Dayse Rafaele Lima dos Santos1 Bruna Lucia de Mendonça Soares1 Isabel Cristina Leal Muniz Carneiro2 Poliana Coelho Cabral3 Maria Goretti Pessoa de Araújo Burgos4 Unitermos: Radioterapia. Enteropatias.Câncer. Nutrição. Desnutrição. Pesos e Medidas Corporais. Keywords: Radiotherapy. Intestinal Diseases. Cancer. Nutrition. Malnutrition. Body Weights and Measures. Endereço para correspondência: Dayse Rafaele Lima dos Santos Rua Frederico Augusto, 215- Fragoso – Paulista, PE, Brasil – CEP: 53402-830 E-mail: [email protected] Submissão: 7 de julho 2014 Aceito para publicação: 19 de setembro 2014 1. 2. 3. 4. RESUMO Introdução: As neoplasias malignas constituem a segunda causa de morte da população, representando quase 17% dos óbitos de causa conhecida no Brasil.A radioterapia, uma das modalidades utilizadas no tratamento, pode provocar efeitos adversos, levando a alterações antropométricas e gastrointestinais. Objetivos: Analisar as principais alterações antropométricas e gastrointestinais entre adultos e idosos, relacionadas com distintos períodos de radioterapia nos diferentes tipos de câncer. Método: Estudo do tipo transversal, no qual foram analisados 116 adultos e idosos submetidos à radioterapia no Hospital do Câncer de Pernambuco, no período de janeiro a março de 2011. Resultados: A média de idade foi de 58,4 anos, com predominância do sexo feminino (56,9%), idosos (52,6%) e escolaridade baixa, tendo 56% apenas o ensino fundamental. Para os adultos, a média do IMC foi de 24,65 kg/m² e nos idosos 24,57 kg/m². Foi observada prevalência de perda de peso nos adultos (66,03%) e nos idosos (70,2%). O surgimento de alterações gastrointestinais se deu precocemente, não diferindo entre os grupos com < de 14 dias e > de 14 dias de tratamento. Da relação entre as alterações do trato gastrointestinal e alteração ponderal, tiveram significância estatística, p<0,05, anorexia, constipação, saciedade precoce, xerostomia e disgeusia. Conclusão: Alterações gastrointestinais e ponderais significativas ocorrem nos pacientes durante radioterapia, independentemente da faixa etária e do tempo de radiação, tornando-se o acompanhamento nutricional indispensável nesses pacientes. ABSTRACT Introduction: Malignant neoplasms constitute the second cause of death of the population, representing almost 17% of deaths of known cause in Brazil. Radiotherapy, one of the modalities used in treatment, can cause adverse effects that may compromise the quality of life of patients. Objective: To analyze the main anthropometrical and gastrointestinal between adults and elder people, alterations related to distinct radiation therapy periods in different types of cancer. Methods: Cross-sectional study, in which 116 adults and elder people submitted to radiation therapy were analyzed at Cancer Hospital of Pernambuco, from January until March 2011. Results: The average of age was 58.4 years-old, in which there was predominance of females (56.9%), elderly (52.6%) and with low school level, with only 56% having completed middle school. For adults, the BMI was 24.65 kg/m2 and for elderly 24.57 kg/m2. There was prevalence of weight loss in adults (66.0%) and in elderly (70.2%). The emergence of gastrointestinal disorders occurred early and did not differ between the groups with <14 days and >14 days of treatment. By relation the alterations in the gastrointestinal tract and ponderal alterations, it was statistically significant, p<0.05, anorexia, constipation, early satiety, xerostomy and dysgeusia. Conclusions: Significant gastrointestinal and ponderal alterations occur in patients during radiation therapy, independent of age and time of radiation, becoming the indispensable nutritional monitoring for these patients. Nutricionista. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil. Nutricionista. Especialista em nutrição clínica. Nutricionista chefe do setor de nutrição do Hospital do Câncer de Pernambuco, Recife, PE, Brasil. Nutricionista. Doutora em Nutrição. Docente do Departamento de nutrição da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil. Nutricionista. PhD em Nutrição. Docente do Departamento de nutrição da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil. Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (3): 187-92 187 Santos DRL et al. INTRODUÇÃO O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima 580 mil casos novos de câncer para o ano de 20141. No Brasil, as neoplasias malignas constituem a segunda causa de morte da população, representando quase 17% dos óbitos de causa conhecida, notificados em 2007 no sistema de informação sobre mortalidade2. Atualmente, numerosas abordagens terapêuticas são adotadas nos tratamentos antineoplásicos, que incluem a cirurgia, quimioterapia (QT), a radioterapia (RT) e o transplante de medula óssea2. Depois da cirurgia, a RT é o mais efetivo tratamento curativo para o câncer;um terço da população irá necessitar dessa modalidade terapêutica, no qual 60% farão a RT com intenções curativas, ainda que associada à cirurgia ou à QT. Apesar da eficácia, a RT tem limitações clínicas e não está isenta de efeitos adversos, tais como danos causados aos tecidos, que podem afetar o estado nutricional do paciente3. A desnutrição, durante o tratamento, pode evoluir para desnutrição moderada ou grave e levar à morte cerca de 20% desses pacientes. Essa desnutrição leva ao aumento da morbimortalidade e da toxicidade causada pela QT e RT, resultando em aumento do tempo de internação e dos custos hospitalares, além de prejudicar a condição geral do paciente e sua qualidade de vida4. Considerando os possíveis efeitos colaterais decorrentes da utilização da RT como terapêutica antineoplásica justificase este estudo, que visa analisar as principais alterações antropométricas e gastrointestinais entre adultos e idosos, relacionadas com distintos períodos de radioterapia nos diferentes tipos de câncer e, assim,otimizar a assistência nutricional oferecida para esses pacientes. MÉTODO Trata-se de estudo transversal, realizado em pacientes em atendimento radioterápico no Hospital do Câncer de Pernambuco (HCP), durante o período de janeiro a março de 2011. A amostra constou de 116 pacientes de ambos os sexos, com idade acima de 20 anos, portadores de vários tipos de câncer, separados em dois períodos de RT (≤ 14 dias e > 14 dias) a partir do segundo dia de RT, com diagnóstico confirmado por biópsia, orientado ou acompanhado por pessoa orientada. Foram excluídos da pesquisa gestantes, lactantes, acamados, edemaciados, deficientes físicos e aqueles em cuidado paliativo. Foram analisadas características socioeconômicas e demográficas, antropométricas, alterações ponderais e gastrointestinais pelo item 3 da Avaliação Subjetiva Global Produzida Pelo Próprio Paciente (ASGPPP) adaptada para paciente oncológico4, onde constam alterações do TGI prevalentes para essa doença. Para medir o peso (P) e a estatura (A) utilizou-se balança da marca Filizola®, capacidade 150 kg com escala em divisões de 0,1 kg e antropômetro fixo à balança. Todos os pacientes foram pesados descalços e com roupas leves e as medidas foram realizadas em duplicata. O Índice de Massa Corporal (IMC) foi calculado por meio da fórmula: IMC = P/ (A²), sendo “P” em kilogramas (kg) e “A” em metros (m). A classificação do IMC foi realizada de acordo com os pontos de corte recomendados pela Organização Mundial de Saúde5 para adultos (< 60 anos); e Lipschitz6, para idosos (≥ 60 anos). O percentual de perda de peso (% PP) foi calculado pela seguinte fórmula: Perda de peso (%) = (peso usual – peso atual) x 100 ÷ peso usual, e a classificação por Blackburn & Thornton7. O peso usual foi adquirido quando questionados sobre o peso antes do início da RT e o período da PP. Este estudo teve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Sociedade Pernambucana de Combate ao Câncer/Hospital de Câncer de Pernambuco, de acordo com a Resolução Nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, sob o número 69/2010. Os pacientes, após esclarecimento sobre a pesquisa, assinaram o termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O banco de dados e a análise estatística foram realizados com o uso do programa EPI INFO versão 3.1. Para comparação entre os grupos foram utilizados os testes estatísticos: t de Student com variâncias iguais; Qui-quadrado e Exato de Fisher quando as condições para utilização do teste Qui-quadrado não foram verificadas. A margem de erro utilizada na decisão dos testes estatísticos foi de 5%. RESULTADOS A população estudada foi 116 pacientes, com idade média de 58,4±14,8 anos (24 e 91 anos). Houve predominância do sexo feminino (56,9%), idosos (52,6%), a escolaridade mostrou-se baixa (56% ensino fundamental), a renda familiar de 82% era menor ou igual a dois salários mínimos, não tabagistas (96%), não etilistas (97%) e sedentários (91,6%). Alteração antropométrica e gastrointestinal (adultos x idosos) A média do IMC para adultos foi 24,65±4,25 kg/m² e para idosos 24,57±4,72 kg/m², estando 50,0% e 30,0%, respectivamente, com excesso de peso. Houve diferença estatística na análise do estado nutricional, segundo a faixa etária, com idosos apresentando frequências mais elevadas de magreza e mais baixas de excesso de peso (p=0,0001) (Figura 1). Observou-se a PP em 68% da amostra, estando 66% dos adultos e 70% dos idosos com PP (p=0,934). As alterações gastrointestinais mais frequentes nas duas faixas etárias Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (3): 187-92 188 Nutrição e radioterapia: alterações antropométricas e gastrointestinais em pacientes oncológicos Tabela 1 – Características clínicas e nutricionais, por tempo de tratamento, dos 116 pacientes submetidos à radioterapia de janeiro/março de 2011 no Hospital do Câncer de Pernambuco. Características G1 (≤ 14 dias) G2 (> 14 dias) p* Idade < 60 anos 51,3% 41,0% 0,39 ≥ 60 anos 48,7% 59,0% 0,39 Baixo peso 4,0% 7,5% 0,69 Eutrofia 50,0% 50,0% 0,69 Excesso de peso 46,0% 42,5% 0,69 Perda de peso 41,7% 35,9% 0,48 Ganho de peso 25,0% 35,9% 0,48 Manutenção do peso 33,3% 28,2% 0,48 Anorexia 76,0% 80,0% 0,82 Náusea 63,2% 65,0% 0,90 Constipação 30,3% 37,5% 0,56 Tempo de tratamento O tempo médio de tratamento foi de 12,3±8,34 dias, estando 66,1% dos pacientes realizando o tratamento até 14 dias. Segundo o IMC, foi observado que 50% dos pacientes apresentavam-se eutróficos para ambos os períodos de tempo. Quando relacionado tempo de RT com alteração ponderal, foi visto que a PP foi de 41,7% (<14 dias) e 35,9% (>14 dias), sem diferença estatística (Tabela 1). Mucosite 26,3% 45,0% 0,06 Vômito 17,1% 12,5% 0,70 Diarreia 22,4% 17,5% 0,70 Saciedade precoce 50,0% 62,5% 0,27 Disfagia 23,7% 47,5% 0,06 Xerostomia 81,6% 75,0% 0,55 Nos indivíduos submetidos à RT por período de até 14 dias, foi observado o surgimento de todas as alterações gastrointestinais, sendo as mesmas encontradas nos que estavam submetidos ao tempo maior que 14 dias de tratamento (Tabela 1). Disgeusia 63,2% 72,5% 0,42 Disosmia 56,6% 50,0% 0,63 IMC Figura 1 – IMC segundo faixa etária em pacientes submetidos à radioterapia. [(adultos excesso de peso) x (idosos excesso de peso)] = p 0,0001; [(adultos baixo peso) x (idosos magreza)] = p 0,0001. Alteração ponderal foram anorexia, náuseas, saciedade precoce, xerostomia, disgeusia e disosmia. Dentre os pacientes que apresentaram anorexia, constipação, saciedade precoce, xerostomia e disgeusia, a prevalência de perda ponderal foi significativamente maior, quando comparados àqueles que não apresentaram essas alterações do TGI (p=0,007; 0,022;0,017; 0,031; 0,013, respectivamente). Tipos de câncer Dentre os pacientes com câncer de cabeça e pescoço (n=45), as alterações gastrointestinais observadas com diferença estatística foram mucosite, disfagia e disgeusia, (p=0,001; p=0,001; p=0,02, respectivamente) (Tabela 2). Dos indivíduos com neoplasia de mama (n=27), foi verificado que 60% dos adultos ganharam peso (p=0,04), enquanto que 80% dos idosos tiveram PP. Os sintomas do TGI observados com valores significantes foram a mucosite e disfagia (p=0,01 e p=0,003, respectivamente) (Tabela 2). Nos portadores de câncer de colo uterino (n=19), as alterações do TGI vistas em maior proporção foram anorexia, Alteração gastrointestinal G1: ≤ 14 dias em tratamento radioterápico; G2: > 14 dias em tratamento radioterápico; IMC: Índice de Massa Corporal. * T-Student saciedade precoce, xerostomia, disgeusia e a disosmia (Tabela 2). Nos pacientes com neoplasia de estômago (n=10), destacou-se a diarreia (p=0,04) dentre as alterações gastrointestinais (Tabela 2). As alterações do TGI nos indivíduos com câncer de próstata (n=9) foram em menor número e no grupo classificado com outros tipos de câncer (n=5), teve como mais evidente alteração gastrointestinal, anorexia, náusea, disgeusia, saciedade precoce e a disosmia, sem diferença estatisticamente significante (Tabela 2). Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (3): 187-92 189 Santos DRL et al. Tabela 2 – Alterações do trato gastrointestinal por tipo de câncer, dos 116 pacientes submetidos à radioterapia, de janeiro/março de 2011, no Hospital do Câncer de Pernambuco. Alterações do trato gastrointestinal Câncer de cabeça e pescoço Câncer de mama Câncer de colo de útero Câncer de próstata Câncer de estômago Outros (ortopedia, intestino e linfoma) Anorexia 88,4% 77,8% 78,9% 44,4% 70,0% 80,0% Náusea 71,1% 62,9% 63,2% 33,3% 50,0% 80,0% Constipação 12,0% 7,8% 36,8% 20,0% 22,2% 40,0% Mucosite 68,9%* 11,1%**** 15,7% 0,0% 100,0% 20,0% Vômito 22,2% 13,0% 17,3% 11,1% 22,2% 20,0% Diarreia 22,0% 25,0% 26,3% 11,0% 60,0%****** 0,0% Saciedade precoce 60,0% 62,9% 52,6% 0,0% 50,0% 60,0% Disfagia 68,9%* 7,4%*** 0,0%** 11,1% 20,0% 20,0% Xerostomia 80,0% 77,8% 78,9% 44,4% 0,0%***** 40,0% Disgeusia 80,0%***** 66,6% 52,6% 22,2% 70,0% 80,0% Disosmia 53,3% 22,2% 63,2% 22,2% 60,0% 60,0% *p 0,001; **p 0,002; *** p 0,003; **** p 0,01; ***** p 0,02; ****** p 0,04. Teste T-Student DISCUSSÃO Neste estudo, a maioria (43,1%) dos pacientes encontrava-se eutrófica e observou-se 16,5% de desnutrição, segundo IMC. Porém, 68% dos pacientes apresentaram PP, sendo destes 32,7% de perda grave, colocando esses pacientes na categoria de desnutrição. A ocorrência de desnutrição tem percentual variado de incidência, 30% a 90% dos casos, de tal forma que se torna relevante o conhecimento dessa incidência para nossa realidade. Entretanto, ao utilizar o IMC para estabelecer o estado nutricional, segundo Melo et al.8, foram encontrados 72% eutróficos, corroborando com os achados do presente estudo. Além disso, deve considerar que o IMC, mesmo sendo um parâmetro bastante utilizado pela facilidade de obtenção das medidas e baixo custo, sofre interferência de diversos fatores, tais como: distúrbios hidroeletrolíticos, muito comuns nestes indivíduos. Segundo Maio et al.9, pacientes com câncer e desnutridos podem apresentar IMC com valores normais ou dentro da média de sobrepeso/obesidade, com gordura corporal mascarando a perda de massa magra. A desnutrição, diagnosticada pelo IMC, foi encontrada em maior frequência em idosos, concordando com Karnakis10, que mostrou que durante o envelhecimento ocorrem alterações fisiológicas, chamadas de imunossenescência, sendo responsáveis diretamente pelo aumento da morbimortalidade nos idosos, e que a desnutrição proteico-energética pode ser considerada um distúrbio nutricional importante, apontando pior prognóstico para à saúde. A alteração ponderal é frequentemente citada em pacientes com câncer, estando presente em todas as fases da doença, sendo dentre outras causas, acarretado pelos incômodos e alterações fisiológicas decorrentes do tratamento11, corroborando com os achados do presente trabalho, em que foi verificada a relação de maior perda de peso entre os pacientes que apresentaram anorexia, constipação, saciedade precoce, xerostomia e disgeusia. Neste estudo não foi observada diferença entre o tempo de tratamento (< 14 dias e > 14 dias) e o surgimento de alterações gastrointestinais. A escassez de trabalhos na literatura que avaliam o surgimento de alterações gastrointestinais com o tempo de tratamento dificulta a comparação com o presente estudo. No entanto, mesmo considerando o caráter explanatório, esses resultados sugerem que o acompanhamento nutricional deve ser iniciado logo que instituído o tratamento radioterápico. Sabe-se que alterações clínicas decorrentes do tratamento radioterápico podem impactar consideravelmente o estado nutricional. Os efeitos deletérios da radiação ionizante na região de cabeça e pescoço são descritos como efeitos mais evidentes, por ser esta uma região composta por estruturas com diferentes radiossensibilidades12. Disfagia em pacientes com câncer de cabeça e pescoço é um sintoma frequente e as alterações na deglutição decorrentes da presença da própria lesão tumoral já seriam esperadas13. Além disso, a RT torna-se um fator adicional para ocorrência e gravidade da disfagia14. Devido à redução do paladar nesses pacientes, muitos acabam por desenvolver aversões alimentares, tornando-se intolerantes a algumas texturas alimentares, temperaturas elevadas e acidez excessiva dos alimentos12. A disgeusia é uma complicação que pode ser relatada na segunda semana logo depois de iniciada a radioterapia, Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (3): 187-92 190 Nutrição e radioterapia: alterações antropométricas e gastrointestinais em pacientes oncológicos evidência que está demonstrado nos dados obtidos nesta pesquisa, uma vez que a perda do paladar nos pacientes apareceu logo no início da primeira semana de aplicação da radioterapia12. Os pacientes tentam compensar essas alterações consumindo alimentos ricos em sacarose, o que contribuiria para o problema de cárie de irradiação, ou usando maior quantidade de temperos, o que aumentaria o desconforto da mucosite15. A mucosite oral é um dos efeitos colaterais mais comuns do tratamento antineoplásico, sendo encontrada em quase 100% dos pacientes submetidos à RT de cabeça e pescoço, com prevalência de 68,9%16, corroborando com os resultados deste trabalho. Para Gaetti-Jardim Júnior et al.17, a mucosite é considerada a causa mais comum de dor oral, comprometendo a nutrição, qualidade de vida e há evidência que em muitos casos levam à interrupção medicamentosa, podendo levar a óbito. Dados de estudo18 indicam que a RT na região do tórax geralmente resulta em alterações no estado nutricional em virtude da irritação da parede no esôfago, que pode ocasionar disfagia, odinofagia e esofagite, sintomas não observados nesta pesquisa, visto que os portadores de neoplasia de mama tiveram baixa incidência de disfagia. Na oncologia não é esperado o ganho ponderal, porém, observamos ganho em 60% da amostra com neoplasia de mama. Segundo Beasley et al.19, a causa ainda não está clara, mas pode ser associada com ingestão alimentar, decréscimo da atividade física, alteração da taxa metabólica basal ou menopausa, ou ainda porque o câncer é considerado uma doença que frequentemente leva à desnutrição e muitos pacientes modificam suas dietas de forma inadequada, forçando uma ingestão calórica e levando a esse ganho ponderal. Segundo Yeoh et al.20, os efeitos colaterais da radiação pélvica/abdominal são diarreia e má absorção, achados concordantes para o câncer de estômago, em que observamos em 60% dos voluntários o surgimento da diarreia. CONCLUSÃO As faixas etárias estudadas apresentaram alterações antropométricas semelhantes, diferindo apenas quanto ao IMC, no qual foram verificados valores maiores de magreza e menores de excesso de peso para os idosos. A alteração ponderal mostrou ser parâmetro mais eficaz para avaliação nutricional quando comparado apenas pelo IMC, apresentando valores significativos nos pacientes durante o tratamento de RT. Dentre as alterações gastrointestinais, destacaram-se anorexia, constipação, saciedade precoce, xerostomia e disgeusia, as quais tiveram relação com maior PP, independentemente da faixa etária, período de tratamento e tipo de câncer. Assim, mostra-se a necessidade de acompanhamento nutricional durante todo período de tratamento antineoplásico, a fim de conhecer fatores que possam vir a interferir na ingestão alimentar e, assim, culminar na PP tão frequentemente vista nesses pacientes. REFERÊNCIAS 1.Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. INCA e Ministério da Saúde apresentam estimativas de câncer para 2014; 2013. [Acesso 14 Mar 2014]. 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