Por Entre Fragmentações E Resistências: A Música Brasileira Nos Anos 90 Cleyton Souza Barros Juliana Gomes Dornelas Maíra Carvalho Carneiro Silva* RESUMO: O presente artigo visa estabelecer uma breve análise da música brasileira nos anos 90, enfocando mercado fonográfico, e tentando apreender o motivo desta década ser considerada de baixa qualidade musical para a música nacional. PALAVRAS-CHAVES: música, anos 90, mercado fonográfico. ABSTRACT: This presente article aims to do a short analysis about the 90’s music focussing on the phonografic market, and trying to understand the resons why the cause this decade has been considered a low quality period for the national music. KEYWORDS: music, 90’s, phonografic market. INTRODUÇÃO O presente artigo foi escrito para um trabalho apresentado em uma das disciplinas do curso de graduação em História. Embora não sejamos estudiosos desta área, fomos levados a refletir sobre este tema, obtendo como resultado deste não conclusões, mas sim reflexões a respeito do panorama do mercado fonográfico brasileiro na década de 90 do século passado. Ademais, visualizamos a música como reflexo da sociedade na qual está inserida no momento de sua produção e divulgação. A música na década de 90 é freqüentemente envolta em um discurso pejorativo, vista como "lixo cultural", sem valor, se comparada, a produção musical das décadas anteriores1. Nosso papel não é o de juízes a respeito desta questão que se apresenta na opinião pública, entre os críticos musicais e entre a própria população. Antes sim, temos a pretensão de abordar a música enquanto produção social e cultural de seu tempo, reflexo das conjunturas históricas que se apresentam no cenário nacional e internacional, nos âmbitos econômico, político, social e cultural. * Graduandos do curso de História do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora. 1 AUGUSTO, Sérgio. Por essa Darwin não esperava: os anos 80 e 90 retratam a involução da espécie. JORNAL O GLOBO, 21/06/1997. Disponível em: <www.hps.infolink.com.br >. Dessa forma, o cenário musical brasileiro nos anos noventa se apresenta extremamente diversificado. Tal situação é esboçada pela presença de diferentes estilos e ritmos musicais; novos e velhos numa convivência indicativa de uma realidade denominada de mercado fonográfico segmentado. Para além da lógica capitalista de mercado, a multiplicidade musical dos anos 90 é reveladora da condição social e política que o Brasil passava até então nesta década. É importante esclarecer, que daremos um enfoque panorâmico ao assunto, não nos centrando em um grupo ou movimento único, podendo, desta forma, incorrer em generalizações que não correspondam à realidade da produção musical específica de cada grupo. 1. PANORAMA BRASILEIRO NOS ANOS 90 Após a ditadura militar, o país viveu um momento de entropia política, marcada por uma democracia incipiente, que teve suas bases lançadas na Constituição de 1988. Era necessário atender às demandas sociais oriundas da nova realidade e organização nas quais a sociedade brasileira se encontrava. Ou seja, já na década de 80, o país vivenciava um intenso processo de urbanização. É dessa forma, que podemos entender, a emergência de diversos movimentos sociais e suas respectivas reivindicações. Estas ajudaram a fortalecer a campanha que se construía em torno dos ideais democráticos em detrimento do autoritarismo vigente. Foi assim que se elaborou a Carta de 1988, marcada pela ampliação “das franquias democráticas e dos direitos sociais”2. A volta à democracia trouxe consigo a liberdade de expressão e o direito de contestar publicamente o governo vigente. Exemplo disto foram as manifestações que pediam o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. A partir dos governos de Fernando Henrique Cardoso, percebe-se que houve a consolidação dos direitos democráticos e a estabilização política brasileira, havendo já consolidada uma rotina democrática. Na economia, muito embora até o governo Collor tenhamos vivido momentos de alta instabilidade com inflações galopantes e sucessivos planos econômicos fracassados 2 GODINHO, Ignácio Delgado. Previdência Social e Mercado no Brasil: a presença empresarial na trajetória da política social brasileira. São Paulo, LTr,2001. (cujo objetivo era a estabilização)3, em 1994, com o Plano Real o cenário mudou. A instalação desse novo plano estabeleceu um panorama marcado pela estabilização inflacionária, cujos reflexos permitiram à população brasileira aumentar seu poder de compra, gerando, assim, uma sensação de bem estar. Dessa forma, conclui-se que a década de 90 foi marcada por um processo de estabilização da democracia e da economia no Brasil. Diferentemente do período precedente, as condições que se apresentavam à população no âmbito políticoeconômico não ofereciam a esta motivações de contestação. Os protestos foram substituídos por uma passividade política decorrente da “tranqüilidade” deste momento histórico; as dificuldades continuaram a existir, porém as liberdades democráticas estavam garantidas. 2. MULTIPLICIDADE MUSICAL DA DÉCADA DE 90 De um cenário marcado pela censura à imprensa e a produção artística, passamos a uma situação de liberdade de expressão garantida pelo fortalecimento das franquias democráticas. Acrescente-se a isso o papel cada vez maior que a mídia assume na sociedade, oferecendo espaço às múltiplas manifestações culturais. Segundo Larosa, baseado na tese de Vattimo –denominada “Sociedade transparente” -, nossa sociedade pode se caracterizada por uma comunicação generalizada, isto é, na qual os aparatos de comunicação de massa (televisão, periódicos, rádio, cinema) são determinantes para a produção, reprodução, disseminação e dissolução da realidade. Os aparelhos de comunicação de massa produziram uma explosão e uma multiplicação generalizada de visões de mundo. A partir de então, é impossível conceber o mundo e história de acordo com pontos de vista unitários. Não existe palavra única. A partir da liberalização democrática, a censura aos meios de comunicação brasileiros gradativamente cedeu lugar à possibilidade de produção artística orientada pela livre expressão. A mídia abriu espaço para a manifestação das múltiplas minorias. Isto porque, trata-se de seguir a própria lógica do mercado da 3 MOURA, Alkimar R. Rumo à entropia: a política econômica, de Geisel a Collor. In: LAMOUNIER, Bolívar (org). De Geisel a Collor: o balanço da transição. São Paulo: Editora Sumaré LTDA, 1990. p.5058. informação, embasado na constante necessidade de expansão do mesmo, o que significa de uma certa forma transformar “tudo” em objeto de comunicação.4 Confúcio (filósofo chinês, que viveu entre 551-479 a.C.), já destacava que para se saber como um povo está sendo governado é preciso conhecer sua música. Da mesma forma, Helena Bomeny, atesta o papel da música enquanto “expressão maior e mais pura da manifestação da cultura”. Além disso, a música demonstra-se capaz de ser um elemento formador de nossa identidade enquanto nação, grupo ou povo. Por detrás das letras musicais, ritmos e arranjos, emergem o que escapa aos livros, o que não conseguimos capturar com os nossos artifícios racionais mais herméticos, desliza com desenvoltura e pontaria certeira nas notas dos compositores antenados com o mundo cotidiano, os tão propalados processos sociais, como os arranjos (e desarranjos políticos) e, por fim, e mais importante, com o movimento afetivo emocional das pessoas comuns.5 Estaremos partindo também desta idéia, a fim de estabelecer uma análise sobre a música na década de 90 considerando-a “como um tipo de produção simbólica contextualizada, ou seja, que carrega traços de contextos culturais, políticos e econômicos em que foi produzida”.6 A partir da década de 80, as concepções classistas baseadas no marxismo, cederam lugar a outras mais pluralistas de identidade social, expressando assim a já noção fragmentada da sociedade, que busca atender a todos os grupos, como: negros, homossexuais, analfabetos, sindicalistas, mulheres, dentre outros. Esta questão é verificada na música, existindo vários estilos musicais, a fim de representar esses diversos setores. Dentre estes estilos, podem ser citados, por exemplo, o rap (dos subúrbios), o sertanejo (do interior), o axé (da Bahia), ou cordel (do sertão de Pernambuco). Estes componentes isolados estão servindo para que grupos sociais, de 4 VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente. Apud. LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 152-156. 5 BOMENY, Helena. Os dezessete e setecentos. In: Decantando a República, v. 02: inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira. Berenice Cavalcanti, Heloísa Maria Murgel Starling, José Eisenberg, (organizadores). Rio de Janeiro: Nova Fronteira: São Paulo: Fundação Persel Abramo, 2004. p.135 6 VIANNA, Graziela Valadares Gomes De Mello. Os vários sentidos da música: elementos contextualizados da música brasileira e sua apropriação pelo discurso político. Anais do V Congresso Latinoamericano da Associação Internacional para o Estudo da Música Popular. Disponível em: http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html. Capturado em 30 de maio de 2005. variado recorte, e procedência, se reúnam e se façam ouvir. 7 A partir dos noventa, verificamos uma pluralidade musical compatível com as “múltiplas identidades brasileiras veiculadas pelos meios de comunicação”8 Cobra-se muito da década de 90 uma música típica da MPB dos anos 70, com temas de protesto, engajada politicamente, em contraponto ao “lixo musical” desta década: axé, pagode, rap, etc. Criticada por sua superficialidade, não se percebe que esta é reflexo de seu momento político, caracterizado por uma situação de afirmação das liberdades individuais e da democracia. No único momento na década de 90, em que houve oportunidade de mobilização política da massa – Impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello, no ano de 1992 – esta acontece. Expressão disto é a música In(dig)nação da banda Skank, ainda em processo de emergência neste período, que foi apropriada como hino das manifestações pró-impeachment e da campanha do candidato à prefeitura de Belo Horizonte, Patrus Ananias (PT)9. Esta canção fala sobre a inação do povo brasileiro frente as injustiças, sendo uma crítica à passividade da sociedade. Entretanto foi utilizada em sentido contrário, ao invés, de uma “indigna inação”, toma o sentido de “indignação” ou de “indigna nação”. A presença de multinacionais é um outro fator que contribui para a fragmentação da música nos anos 90, devido a sua intensa atuação nas tendências do mercado fonográfico brasileiro. Estas multinacionais (como a Sony, BMG, Warner, Universal e Emi), a fim de impor o pop/rock internacional e vendo na música brasileira, marcada por sua extrema qualidade, um perigo para consolidação de seu objetivo, passa a investir na chamada música de “má qualidade”. Trata-se de uma estratégia mercadológica, pois, como na década de 70 não foram felizes na tentativa de estabelecer a hegemonia do pop internacional, perdendo com isto muito dinheiro, posteriormente “foram criando os monstrinhos sustentados pelo jabá”, fragmentando a música e pagando jabá para os meios de comunicação tocarem-nas até a exaustão. Isso tudo sendo possibilitado pelas vantagens fiscais da União, isentando Warner, EMI, BMG, Sony e Universal de uma quantia significativa de ICMS. Ou seja, o problema não estava no retorno financeiro que traria a música brasileira, e sim a barreira que esta trazia à 7 SANDRONI, Carlos. Adeus à MPB. In: : Decantando a República, v. 01: inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira. Berenice Cavalcanti, Heloísa Maria Murgel Starling, José Eisenberg, (organizadores). Rio de Janeiro: Nova Fronteira: São Paulo: Fundação Persel Abramo, 2004. p. 31. 8 Idem, p. 31. 9 VIANNA, Op.cit. hegemonia do pop/rock internacional.10 Dessa forma o mercado fonográfico assumiu a sua nuance de segmentação. Graças as estratégia de marketing utilizadas pelas empresas fonográficas, a música dita de “má qualidade” chega a ponto de saturar os nossos meios de comunicação, através da superexposição nos programas populares televisivos (principalmente Planeta Xuxa, Faustão e Domingo Legal), assim como nas emissoras de rádio. Como conseqüência desta política de mercado, as gravadoras independentes tornam-se uma alternativa para aqueles artistas que não desejavam se render às exigências mercadológicas. O caráter dessas produções tem sido debatido nos meios críticos. Deste debate, surgiram duas visões sobre o que caracterizaria este tipo de música. Na primeira, destacam-se aqueles que encaram a musica independente quase como um movimento (assim como o tropicalismo, ou a bossa nova) com uma proposta estética diferente da MPB tradicional. A outra visão, aponta esta tendência como uma questão mercadológica, e não estética, ou seja, os artistas lançar-se-iam como músicos independentes, devido às dificuldades de inserção neste mercado que lhes impede o acesso a divulgação de seus trabalhos. 11 Lançar-se como independentes, permite maior liberdade ao artista para escolher seu repertório, e indicar a direção de sua carreira profissional, o que tem se tornado cada vez mais freqüente, a partir da década de 90. Como pode ser percebido a partir do cenário apresentado acima, a década de 90 é marcada por uma multiplicidade musical, que abarca desde Tiririca e É o Tchan, até Marisa Monte e Nação Zumbi. Este quadro reflete a sociedade em suas diversas instâncias, o que possibilitou uma variedade de gostos musicais e uma liberdade de se poder escolher qualquer um destes, independente de sua classe social ou tendência ideológica. 3. OS “XODÓS” DA MÍDIA A primeira reação que se tem quando se refere à música nos anos 90, é a de destacar esta década como uma “porcaria só”. Na realidade o que mais aparece na televisão e nas rádios, é um estilo que foi selecionado pelas empresas fonográficas, a 10 TORRES, Sérgio Rubens de Araújo. A Pirataria de Cds e o flagelo do jabá. Disponível em www. horadopovo.com.br. Capturado em 07/06/2005. 11 VAZ, Gil Nuno. História da Música independente. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. p. 12-14. fim de enfraquecer a qualidade musical brasileira, para que esta não fizesse frente a seu pop/rock internacional. E como a mídia tem uma forte expressão, estando presente em todos os lugares, o que ela nos apresenta, e aplica até a exaustão, é mesmo a música dita “ruim”, deste período. São aqueles grupos com sucesso instantâneo, e com uma qualidade musical baixa, que despontam rapidamente, e nem sempre tem um sucesso duradouro. Realmente, o que mais marcou a música midiática na década de 90, foram o axé, o pagode e o sertanejo. O axé music foi uma rotulação utilizada no enquadramento de diversos artistas baianos, que procuravam fundir em suas músicas os ritmos nordestinos, caribenhos e africanos, embalando-os em uma moldura pop. Com seu ritmo dançante acaba conquistando o Sudeste no início da década, com o show “O Canto da Cidade”, de Daniela Mercury. Depois deste momento tudo o que veio da Bahia, foi enquadrado neste rótulo. São inúmeros os representantes deste ritmo musical, que ganharam a mídia a partir de 1992. Dentre eles, pode-se destacar, Banda Beijo, BandaMel, Banda Cheiro de Amor, Banda Eva, Araketu, Netinho, É o Tchan, Chiclete com Banana, e outros. Ao longo da década podemos perceber tendências diferenciadas dentro do Axé Music. A aproximação com o Pop pode ser percebida nas regravações de antigas canções deste estilo musical, e também nos novos arranjos e instrumentos utilizados, como no caso da Banda Beijo, Araketu, Banda Eva (que regravou a música Eva, Rádio Táxi, dando a ela novas características), e outros. Simultaneamente, ocorreu uma tentativa de resgate das raízes da música baiana – que teve sua origem filiada ao som dos timbaus dos terreiros de Candomblé – através do grupo Timbalada. Em 1995, desponta o que podemos denominar de “bunda music”. Esta categoria, é marcada pelas letras libidinosas, de duplo sentido, e que cultuavam a sensualidade e a estética corporal. Como expoentes desta, destacam-se É o Tchan (que inaugura um período de modismo musical), Companhia do Pagode, etc. Esses grupos refletem a característica esteticista da sociedade deste momento, com um “boom” da busca por um corpo perfeito, da juventude eterna, que trouxe a superlotação das academias de ginástica e das clínicas de estética. Essa superexposição na mídia levou ao esgotamento do axé, que teve uma queda a partir de 1999, quando o pop ressurgiu com uma maior força.12 O pagode, teve seu momento auge, na década de 90, sendo uma adaptação do samba de raiz ao pop, incorporando neste novas características em relação ao tradicional 12 ESSINGER, Sílvio. Axé Music. Disponível em www.cliquemusic.com.br. Capturado em 15 de junho de 2005. samba. Ficou conhecido como um estilo musical em que se toca em um churrasco, com pessoas íntimas e bebidas. Inicialmente atingia as classes menos abastadas, mas com o tempo foi entrando também no gosto da elite. Nos anos 90, este teve dois momentos. Um primeiro, no qual o samba de raiz foi adequado a um estilo pop, com grupos que possuíam um número grande de integrantes, usando roupa da moda, e fazendo as mesmas coreografias, ficando conhecidos também por mauriçolas. São inúmeros os grupos deste momento (muito devido ao mercado fonográfico, que como já foi destacado, influenciava a proliferação de grupos sem muita qualidade musical), como: Katinguelê, Só Pra Contrariar (que chegou a marca de 3 milhões de cópias vendidas em um único cd), Raça Negra, Negritude Jr, Karametade, Só No Sapatinho, dentre outros. Com seu toque suingado, com letras de refrão fácil e românticas, invadiram a mídia. Na segunda metade da década, há a volta do samba de raiz (que havia dado origem ao pagode), com Zeca Pagodinho, Dudu Nobre, Martinho da Vila, Beth Carvalho, Jorge Aragão, que redescobriram a Velha Guarda da Mangueira, e outros nomes do chamado “puro samba”.13 O sertanejo tem suas raízes vinculadas a música caipira do interior de Goiás, Sul de Minas, estado de São Paulo e sudeste do Mato Grosso do Sul, característico de pequenos sitiantes. Eram músicas que contavam uma história, que podia descrever casos extraordinários, sensacionais ou eventos do cotidiano. A partir do momento em que a música caipira entrou no mercado, começou a sofrer modificações. Já na década de 30, houve a necessidade de adaptar este estilo, pois as suas modas que eram muito longas, não cabiam em um Lp, que permitia somente gravação de 3 minutos em cada lado. Esta imposição fez com que houvesse a desvinculação do sertanejo de raiz de seu ritual próprio, passando a ser encarada somente como mercadoria. Na década de 90, o sertanejo passa a incorporar os elementos da música urbana de massa e as exigências fonográficas, se caracterizando por suas temáticas românticas e melodramáticas, com seus cantores vestidos com roupas de grife, utilizando-se não mais da viola, mas de instrumentos eletrônicos, teclados, contra baixo elétrico, se aproximando das baladas românticas da jovem guarda e da Country music. Como expoentes deste momento destacam-se: Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, Zezé de Camargo e Luciano, dentre outros. Da música caipira de raiz, restou muito pouco, como as vozes agudas e os duetos dos cantores. Este novo estilo musical, foi caracterizado como “sertanejo pop”, 13 ESSINGER, Sílvio. Pagode. Disponível em www.cliquemusic.com.br. Capturado em 15 de junho de 2005. “sertanejo romântico”, ou “neo sertanejo”, que foi modernizado a fim de garantir a vendagem de seus discos.14 Dentro do pop/rock nacional, observamos o destaque de duas bandas mineiras, oriundas da capital do Estado. Skank e Jota Quest , estouraram no início desta década, lançando seu primeiro cd com selo independente, e posteriormente sendo contratados pelas grandes gravadoras. Por serem representantes do estilo musical marcadamente defendido e proposto pelo mercado, estes grupos tem seu espaço na mídia, caindo no gosto popular. Dentro dos xodós da mídia, são considerados os de boa qualidade musical, apesar de sua superexposição. Outros expoentes deste momento, que foram também explorados pela mídia, foram Claudinho e Buchecha (que faziam uma espécie de funk-melody, com músicas de teor romântico, e com um estilo de dança característico)15, Tiririca e Mamonas Assassinas, que produziam músicas de baixa qualidade, com tons apelativos. 4. ÀS MARGENS DO JABÁ Como já foi observado, o mercado nesta época era muito seletivo, e acabou deixando uma parte da música brasileira às margens da grande mídia. Muitos destes acabaram partindo para o mercado independente a fim de continuarem produzindo seus trabalhos, ou de darem início a suas carreiras. De modo geral, estes movimentos que ficaram às margens tiveram características bastante diversas, o que dificulta uma possível categorização dos mesmos. Alguns buscaram as raízes da música brasileira, como no caso do samba e do retorno à MPB. Outros tinham características mais híbridas, alguns também buscando raízes, mas fazendo com elas novas experiências, como mangue bit. Dentro destes, há grupos que são extremamente ecléticos, sendo influenciados por diversos ritmos musicais, como nordestinos, africanos, reggae, rock, etc. Além destes, ainda haviam aqueles engajados em uma vertente de música de protesto, com contundentes críticas sociais, como é o caso do rap. 14 ZAN, José Roberto. (Des) Territorialização e novos hibridismos na música sertaneja. Anais do V Congresso Latinoamericano da Associação Internacional para o Estudo da Música Popular. Disponível em: http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html. Capturado em 30 de maio de 2005. 15 CLAUDINHO E BUCHECHA. Disponível em www.cliquemusic.com.br. Capturado em 12 de junho de 2005. O samba de raiz, voltou a ser alvo das atenções na segunda metade da década de 90, quando se redescobre as Velhas Guardas da Portela e Mangueira, por Jorge Aragão, Beth Carvalho, Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, surgindo também novos nomes que se basearam nesta categoria musical, como Dudu Nobre. Houve também uma geração intermediária de cantoras de MPB, que tiveram seu auge em meados desta década, reinterpretando velhas canções, e gravando outras de autoria própria, havendo uma aproximação com o samba, pop, ou somente banquinho e violão. Destacam-se neste grupo, Cássia Eller, Marina Lima, Marisa Monte, Zizi Possi, Adriana Calcanhoto, dentre outros.16 Em 1997, surgem novos nomes na música popular brasileira, com a intenção de fundir a música folclórica nordestina com a música do sul-sudeste, e do pop internacional. Este é o caso de Lenine, Carlinhos Brown, Pedro Luís e a Parede e Zeca Baleiro. Essa tentativa de busca da raiz musical brasileira foi impulsionada pela invasão da chamada World Music. Um outro estilo musical, característico deste momento, é marcado pelo hibridismo. Uma mistura de ritmos nordestinos, com rock, pop, reggae, ritmos africanos, samba, etc. Alguns desses grupos são classificados dentro de um movimento denominado underground, considerado alternativo, e que no dicionário tem o significado de subterrâneo. Os críticos destacam que neste período tudo o que era considerado fora da mídia, que tinha em sua moda própria os piercings, coturnos e a cor preta, foi definida como alternativo, mas isso para eles é julgar sem conhecer verdadeiramente este estilo. Também destacam que ultimamente, estes grupos têm muito mais espaço do que tinham antes, devido principalmente ao avanço da internet.17 Presente nesta década também, o mangue bit caracteriza-se por uma mistura de maracatu, hip hop, samba-reggae, funk, rap e regionalismo. Chico Science, líder da banda Nação Zumbi, é o principal expoente deste movimento, ao lado do Mundo Livre S/A. De acordo com Nadilson Silva, sociólogo e pesquisador do Mangue, diz que: “o mangue é o movimento cultural mais importante para a música pop local desde a Tropicália. Quebrou a barreira da hegemonia da música do sudeste e de Brasília em nosso pop. Absorveu a cultura de fora, mas reverteu o processo. 16 Todas as informações com base nas informações do site Clique Music. Disponível em www.cliquemusic.com.br. Capturado em 23 de junho de 2005. 17 FONTES, Vanessa. O estilo nem tão alternativo assim virou moda. Disponível em: www.revistaparadoxo.com/materia. Capturado em 20 de junho de 2005. Um movimento para pessoas antenadas com o mundo, mas que não desprezam a cultura local”.18 Na década de 90, a MTV se volta para esses movimentos independentes, e as gravadoras começam a ficar de olho na música do Recife. Nação Zumbi foi lançado por uma etiqueta da Sony (Chãos), mas acabou não tendo uma vendagem significativa (30 mil cópias). Mundo Livre S/A foi lançado também por um selo independente (Banguela), mas também não foi feliz em suas vendas. Outros grupos dentro deste estilo híbrido maior são: Raimundos, O Rappa, Charlie Brown Jr, Los Hermanos, Cordel do Fogo Encantado, etc. Dentro de um movimento maior denominado hip hop, está inserido o rap brasileiro. Este estilo musical, que teve início na periferia paulista, é caracterizado por letras marcadas pela violência urbana e pela discriminação social. Pois, geralmente, seus integrantes vem das periferias das grandes cidades, e até mesmo de dentro de presídios (como o Carandiru), com exceção de seu representante de classe média alta, Gabriel, o Pensador. Marcado por falas ritmadas, jogadas por cima de bases dançantes, utilizandose muitas vezes dos scratchers (famosos arranhões feitos com os Lps), estas músicas expressam a vida pobre do negro nas favelas, havendo até a dicotomia Boy (considerados ricos e brancos, covardes e arrogantes e alienados do mundo que os cercam), e Mano (considerados pobres e negros, que seriam discriminados pela forma como se vestem, sendo muitas vezes molestados pela polícia), para estabelecer as diferenças.19 Fazem parte do rap, nomes como: Gabriel, os Pensadores, Racionais Mcs (que em 1992, ganharam o prêmio MTV de melhor clipe, e venderam um milhão de cópias deste mesmo cd), Pavilhão 9, Xis, Planet Hemp, e outros. Todos estes grupos, que foram de certa forma excluídos pela mídia, em algum momento de sua trajetória, acabaram conseguindo certo espaço de divulgação de seus trabalhos, cativando um público fiel, que os acompanha independente da sua exposição constante nos meios de comunicação. 18 SILVA, Nadilson. Apud. SCHOTT, Ricardo. Antes, durante e depois. Disponível em www.bacana.mus.br. Capturado em 17 de junho de 2005. 19 SANTOS, Rosana Aparecida Martins. Linguagens Urbanas de Pertencimento: O rap nacional e as práticas identitárias. Anais do V Congresso Latinoamericano da Associação Internacional para o Estudo da Música Popular. Disponível em: http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html. Capturado em 30 de maio de 2005. CONCLUSÃO Através deste trabalho buscou-se apresentar um panorama musical da década de 90, não pretendendo de forma alguma tentar esgotá-lo. É explícita a pluralidade de ritmos, grupos, estilos musicais brasileiros neste momento. Entendemos tal situação dentro da lógica da conjuntura internacional e nacional, marcada pela consolidação do capitalismo e da democracia, respectivamente. A queda do Muro de Berlim simbolizou o surgimento de uma nova organização mundial, não mais marcada pela bipolarização, antes sim marcada pela multipolarização. A partir de então, os ideais democráticos seriam os componentes principais da ideologia capitalista. O Brasil passava por sua consolidação democrática, o que representou experiências de liberdade possibilitadoras de livre expressão. Desde então, tudo passou a ser ouvido, na medida em que a censura foi silenciada, e o cotidiano não é mais marcado por uma necessidade de engajamento político (tão necessário na época da ditadura). Os diversos grupos emergidos no pós-ditadura ganharam suas representações no campo musical, ouvindo-se e se fazendo ouvir. Estamos conscientes da limitação a que este trabalho está imposto, principalmente quando pensamos na multiplicidade cultural brasileira apresentada também na música. Dessa forma, não foi possível a abordagem de todos os grupos artísticos deste momento, procurando ter como objeto de análise as manifestações musicais de grande destaque na mídia e a produção independente. A música é uma expressão cultural de um determinado momento, podendo também ser transformada em objeto de consumo. Na década de 90, tal artefato cultural refletiu a multiplicidade da sociedade brasileira, a liberdade advinda com o regime democrático, e a imposição expansionista do mercado fonográfico. BIBLIOGRAFIA: AUGUSTO, Sérgio. Por essa Darwin não esperava: os anos 80 e 90 retratam a involução da espécie. JORNAL O GLOBO, 21/06/1997. Disponível em: <www.hps.infolink.com.br >. BOMENY, Helena. Os dezessete e setecentos. In: Decantando a República, v. 02: inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira. Berenice Cavalcanti, Heloísa Maria Murgel Starling, José Eisenberg, (organizadores). Rio de Janeiro: Nova Fronteira: São Paulo: Fundação Persel Abramo, 2004. CLAUDINHO E BUCHECHA. Disponível em www.cliquemusic.com.br. Capturado em 12 de junho de 2005. ESSINGER, Sílvio. Axé Music. Disponível em www.cliquemusic.com.br. Capturado em 15 de junho de 2005. ESSINGER, Sílvio. Pagode. Disponível em www.cliquemusic.com.br. Capturado em 15 de junho de 2005. FONTES, Vanessa. O estilo nem tão alternativo assim virou moda. Disponível em: www.revistaparadoxo.com/materia. Capturado em 20 de junho de 2005. GODINHO, Ignácio Delgado. Previdência Social e Mercado no Brasil: a presença empresarial na trajetória da política social brasileira. São Paulo, LTr,2001. MOURA, Alkimar R. Rumo à entropia: a política econômica, de Geisel a Collor. In: LAMOUNIER, Bolívar (org). De Geisel a Collor: o balanço da transição. São Paulo: Editora Sumaré LTDA, 1990. SANDRONI, Carlos. Adeus à MPB. In: : Decantando a República, v. 01: inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira. Berenice Cavalcanti, Heloísa Maria Murgel Starling, José Eisenberg, (organizadores). Rio de Janeiro: Nova Fronteira: São Paulo: Fundação Persel Abramo, 2004. SANTOS, Rosana Aparecida Martins. Linguagens Urbanas de Pertencimento: O rap nacional e as práticas identitárias. Anais do V Congresso Latinoamericano da Associação Internacional para o Estudo da Música Popular. Disponível em: http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html. Capturado em 30 de maio de 2005. SILVA, Nadilson. Apud. SCHOTT, Ricardo. Antes, durante e depois. Disponível em www.bacana.mus.br. Capturado em 17 de junho de 2005. TORRES, Sérgio Rubens de Araújo. A Pirataria de Cds e o flagelo do jabá. Disponível em www. horadopovo.com.br. Capturado em 07/06/2005. VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente. Apud. LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. VAZ, Gil Nuno. História da Música independente. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. VIANNA, Graziela Valadares Gomes De Mello. Os vários sentidos da música: elementos contextualizados da música brasileira e sua apropriação pelo discurso político. Anais do V Congresso Latinoamericano da Associação Internacional para o Estudo da Música Popular. Disponível em: http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html. Capturado em 30 de maio de 2005. ZAN, José Roberto. (Des) Territorialização e novos hibridismos na música sertaneja. Anais do V Congresso Latinoamericano da Associação Internacional para o Estudo da Música Popular. Disponível em: http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html. Capturado em 30 de maio de 2005.