Orgia de Pier Paolo Pasolini teatro 29, 30 e 31 de março, 1, 3, 4, 5 e 6 de abril de 2006 21h30 · Palco do Grande Auditório · Duração 2h00 Tradução Pedro Marques Com José Airosa, Sylvie Rocha e Sofia Correia Cenografia e Figurinos Rita Lopes Alves Assistente de Cenografia Daniel Fernandes Apoio Vocal Rui Baeta Operador de Som e Luz João Cachulo Encenação e Luz Pedro Marques Assistência de Encenação Ricardo Carolo Uma produção A&M/Artistas Unidos/Culturgest Outras apresentações Teatro Viriato (Viseu) a 10 e 11 de Fevereiro, TAGV (Coimbra) a 15 e 16 de Fevereiro, Casa das Artes de Famalicão a 17 e 18 de Fevereiro, Teatro Municipal de Bragança a 3 de Março, Rivoli Teatro Municipal (Porto) de 8 a 18 de Março, Teatro Municipal da Guarda a 23 de Março, Teatro Virgínia (Torres Novas) a 8 de Abril. O texto de Orgia, juntamente com Pocilga, está editado nos Livrinhos de Teatro dos Artistas Unidos/Livros Cotovia. Tradução e publicação realizadas no âmbito do Atelier Européen de la Traduction / Scène Nationale d’Orléans com o apoio da União Europeia – Comissão de Educação e Cultura – Programa Cultura 2000. Conversas com o público após o espectáculo nos dias 31 de Março, 4 e 6 de Abril. © Jorge Gonçalves Nota de Encenação para Orgia de Pier Paolo Pasolini na Culturgest Ao olhar para trás, agora, percebo que a ideia de voltar ao teatro de Pier Paolo Pasolini nasceu na régie de luz do Teatro da Cornucópia enquanto assistia às representações de Afabulação. Sem contar com os ensaios, vi o espectáculo cerca de trinta vezes e em todas elas a representação, os actores, o texto, me emocionaram, me tocaram. Por ser uma obra poética mas também por conseguir ser ao mesmo tempo política. Para mim, estas são duas características fundamentais de um bom espectáculo de teatro. Ser pessoal e privado, actuando ao nível das emoções (da poesia) e ser ao mesmo tempo público, através da encenação e da sua relação com o público. Mais tarde, levado pela curiosidade, e quando tive conhecimentos para traduzir italiano (visto que só estava traduzida uma das peças do autor em português – justamente aquela que já conhecia, Afabulação) li as outras peças do autor e deparei-me com Orgia. Como sempre faço quando leio peças de teatro, imaginei um texto que se podia montar com poucos meios, que possibilitasse a circulação por vários pontos do país, com um cenário transportável e mínimo, poucos actores, etc. A primeira ideia de cenário, de facto, tinha mais a ver com a relação que queria estabelecer com o público do que com as imagens que pudessem vir a ser conjuradas. Achava importante oferecer o texto e as ideias nele veiculadas de uma maneira directa. Por isso pensei no público disposto em U à volta do quarto do casal, que estaria como que num recinto de boxe. Depois percebi que a ideia de recinto de boxe não era boa porque mais do que um combate, um conflito, na peça existe uma introspecção a dois que era preciso realçar. E também contrariava a ideia (importante) de poder montar o espectáculo em vários sítios do país. Muitos palcos dos teatros municipais são à italiana e demasiado pequenos para podermos pôr público e cenário no palco. Por isso nasceu a necessidade de construir um dispositivo cénico que “mostrasse” o texto de modo igualmente significativo qualquer que fosse o sítio onde actuássemos; fosse o Teatro Municipal de Bragança ou o Pequeno Auditório do Rivoli; fosse no Teatro Viriato em Viseu (onde parecia que estávamos em casa), fosse em Vila Nova de Famalicão (onde tivemos a maior afluência de público). E chegámos a esta solução de um palcozinho inclinado que como que faz deslizar as personagens para cima do público, tornando a relação mais vertiginosa e emotiva. E isto, acho, corresponde àquilo que o teatro de Pasolini pede. Esta Orgia não é tanto uma orgia sexual, embora todas as personagens sejam mais ou menos conduzidas pelo desejo, mas mais uma orgia de emoções provocadas pelas palavras habitadas pelos corpos dos actores. Pelo mesmo motivo, a ideia desta encenação foi apenas a de conduzir narrativamente os corpos, de modo a que apenas eles, sem palavras, contassem a história, enquanto as palavras ficariam como “responsabilidade” dos actores. Esta ideia do desaparecimento da encenação coincide com as ideias expressas pelo próprio Pasolini no seu Manifesto, mas o que foi curioso é que chegámos a ela através do próprio processo de trabalho, eliminando dia a dia o que era supérfluo ou que, © Jorge Gonçalves segundo a nossa ideia, distraía do contexto global da peça. Desta maneira chegámos a uma forma de teatro que vai além do Teatro da Palavra, que o próprio autor sublinha no seu Manifesto, e chega ao que gostaria de chamar Teatro do Corpo. Da palavra que precisa de um corpo para ser vida. Do corpo em toda a sua despudorada nudez. Por isso, é tão difícil representar este teatro. Porque exige dos actores e do público uma disponibilidade total e um convívio que se aproxima daquilo a que Pasolini chamava Rito Cultural. Depois do exercício de ausência de encenação passámos à análise temática do texto. O homem diz no prólogo: “Não tens mais nada para fazer, Diferente, senão perderes-te para assim te reencontrares?” Esta frase exprime uma tragédia. Só na assunção da nossa diferença, isto é, perdendo-nos para os outros, poderemos nós assumir as nossas diferenças, reencontrarmo-nos e tornarmo-nos santos (como diz o homem mais tarde)? Por isto, decidimos que o tema da diferença seria o tema da peça. Mas não a diferença sexual (como poderá ser óbvio, no caso do autor) ou racial, ou religiosa. Não. A diferença como Escândalo e não como prova de um escândalo – que só atesta uma escala de valores imposta. Por isso, no final da peça o Homem só veste as roupas de mulher para “desvirtuar” a normal função dos objectos da sua vida, projectando simbolicamente, ao mesmo tempo, uma espécie de trágica incompletude ligada a todos nós pelo aparecimento, na adolescência, da sexualidade. Esta ideia de liberdade, de atribuir novas funções aos objectos, levou-me à ideia da gravata que na encenação vai adquirindo várias funções: primeiro é símbolo do conformismo da burguesia (na construção da personagem – por isso assistimos à colocação da gravata), depois é objecto de tortura (associado ao desejo) no segundo e terceiro episódios, e finalmente corda com que o protagonista se enforca no final. Durante o longo processo de ensaios fomos acrescentando, lentamente, diariamente, pormenores que a princípio pareciam ser irrelevantes mas que se revelavam, através da intensidade da representação, sempre altamente significativos. Foi isso que procurámos. Um teatro que fosse relevante, verdadeiro nos corpos dos actores, ligado às emoções provocadas pelas palavras, sem convenções teatrais que não fossem as da partilha de um Rito Cultural que se queria Único e Finito. Sério e despudorado. Revelador e enigmático. Pedro Marques O autor Pier Paolo Pasolini nasceu a 5 de Março de 1922 em Bolonha. Filho de um militar, seguiu o pai nas mudanças dele, mas frequentou o liceu e a faculdade em Bolonha, onde teve como mestres Contini e Longhi e como amigos Leonetti e Roversi, até à licenciatura, em 1945, sobre a linguagem de Pascoli. Passava os verões em Casarsa, na região do Friuli, cidade de origem da mãe. Aí se refugiou depois do 8 de Setembro de 1943, para fugir à chamada do exército. Compôs os primeiros poemas em dialecto friulano, Poesie a Casarsa (1942), publicados mais tarde junto de outros textos friulanos em La Meglio Gioventù (1958). Em 1945 soube que o irmão mais novo Guido tinha sido morto num conflito entre dois grupos de partigiani com ideias políticas diferentes. Em 1947 inscreveu-se no Partido Comunista. Depois de ter encontrado trabalho como professor, numa aldeia perto de Casarsa, foi despedido e a seguir expulso do PCI por um obscuro episódio de homossexualidade que causou um processo por corrupção de menores. Esse foi o primeiro de uma lista muito comprida de processos (mais de 30) que deram a Pasolini a consciência da sua diversidade e marcaram o seu destino (e até o seu papel público, que ele próprio criou) de marginalizado e rebelde. Devido ao escândalo, em 1949 teve de deixar Casarsa, com a mãe (a relação com o pai já estava estragada), e mudou-se para Roma, vivendo primeiro numa borgata (bairro de periferia) e ganhando a vida com explicações e ensino em escolas particulares. A descoberta do mundo do sub-proletariado romano inspirou-lhe – para além de poemas contidos em Le Cenere di Gramsci (1957) e La Religione del mio Tempo (1961), escritos depois de L’Usignolo della Chiesa Católica (1943 – 1949, ou seja antes de Les Cenere di Gramsci) – sobretudo os romances Ragazzi di Vita (1955) e Una Vita Violenta (1959), que provocaram grande escândalo, mas asseguraram-lhe o primeiro êxito literário. Com os antigos colegas da faculdade Leonetti e Roversi fundou e dirigiu entre 1955 e 1959 a revista Officina, que contou com Fortini, Volponi e outros importantes estudiosos e críticos militantes como colaboradores. Começou entretanto a sua actividade no mundo cinematográfico: colaborou em alguns guiões (entre os quais As Noites de Cabíria de Federico Fellini), e a partir de 1961 realizou filmes como Accattone, Uccellacci e Uccellini, Il Vangelo Secondo Matteo, Edipo Re, Medea, Il Decameron, Salò o le 120 Giornate di Sodoma. Muitos desses filmes provocaram escândalo e custaram ao seu realizador outros processos. Nos anos 60 publicou Il Sogno di Una Cosa (escrito em 1949), mais poemas (Poesia in Forma di Rosa, 1964, Trasumanar e Organizzar, 1971), e foi muito activo como crítico militante em vários diários e revistas (entre outras, dirigiu com Moravia e Carocci a Nuovi Argomenti), actividade que, depois da colecção Passione e Ideologia, deu vida a muitas publicações, parcialmente póstumas: Empirismo Eretico (1972), Scritti Corsari (1975), Descrizioni di Descrizioni (1979). A sua produção teatral conta seis tragédias, cinco delas escritas em 1966: Calderón, Affabulazione, Pilade, Porcile, Orgia e Bestia da Stile. Pier Paolo Pasolini morreu assassinado num campo em Ostia em circunstâncias misteriosas em 1975. O Teatro da Palavra No “Manifesto por um novo teatro” que lançou em 1968, Pasolini defende uma terceira via entre o teatro burguês convencional e o teatro experimental, “do gesto e do grito”. O teatro que esperamos, mesmo o mais absolutamente novo, não poderá ser o teatro que esperamos. De facto se esperamos um novo teatro, esperamos necessariamente dentro das ideias que já temos, além disso, aquilo que esperamos, de alguma forma já existe. A quem se destina Os destinatários desse novo teatro não serão os burgueses (que vão ao teatro para divertir-se e que, às vezes, se escandalizam) mas sim os grupos avançados da burguesia constituídos pelos poucos intelectuais realmente interessados em cultura: progressistas de esquerda, sobreviventes do laicismo liberal e radicais. Esses grupos © Jorge Gonçalves avançados não se divertirão nem se escandalizarão já que são semelhantes em tudo ao seu autor. Esta classificação é e pretende ser esquemática. Aconselha-se calorosamente a uma senhora que frequente os teatros da cidade que não assista às representações do novo teatro. Ou, caso se apresente com o seu simbólico, patético, casaco de vison encontrará na entrada um cartaz a explicar que as senhoras com casacos de vison deverão pagar um preço trinta vezes mais alto que o preço normal. Nesse mesmo cartaz, pelo contrário, estará escrito que os jovens fascistas de vinte e cinco anos poderão entrar de graça. Além disso, pediremos também que não aplaudam. Vaias e outras formas de desaprovação serão admitidas. O Teatro da Palavra O novo teatro quer definir-se como Teatro da Palavra. Incompatibiliza-se tanto com o teatro tradicional como com todo o tipo de contestação ao teatro tradicional. Remete explicitamente para o teatro da democracia ateniense, saltando completamente toda a tradição do teatro burguês e, porque não dizer, a inteira tradição moderna do teatro renascentista e de Shakespeare. Espera-se que o espectador oiça mais do que veja. As personagens são ideias a serem ouvidas. Destinatários e espectadores É um teatro possibilitado, solicitado e desfrutado no círculo cultural dos grupos avançados de cultura. É o único que pode chegar, não por determinação ou retórica, à classe operária. Já que esta se encontra unida por uma relação directa aos intelectuais. O Teatro da Palavra opõe-se ao teatro da conversa (tradicional) e ao teatro do gesto e do grito (não tradicional). Desta dupla posição nasce uma das principais características do Teatro da Palavra: a ausência quase total de acção cénica, desaparecendo quase totalmente a encenação. Reduzindo todos os seus elementos (luz, cenário, figurinos, etc...) ao indispensável. Não deixará de ser uma forma de rito (ainda que jamais experimentada). O seu rito não pode ser definido de outro modo que não seja um Rito Cultural. O actor do Teatro da Palavra O actor do Teatro da Palavra não terá que apoiar as suas faculdades numa especial atracção pessoal (teatro tradicional), ou numa espécie de força histérica messiânica (teatro não tradicional), explorando demagogicamente o desejo de espectáculo do espectador (teatro tradicional), ou enganando o espectador através da implícita imposição de fazê-lo participar num rito sagrado (teatro não tradicional). Terá que sustentar as suas faculdades na sua capacidade para compreender realmente o texto e ser, assim, veículo vivo do próprio texto. Será melhor actor quanto mais o espectador, ao ouvi-lo dizer o texto, compreenda que o actor compreendeu. O actor do Teatro da Palavra terá de ser simplesmente um homem de cultura. Epílogo O Teatro da Palavra é um teatro completamente novo porque se dirige a um novo tipo de público. O teatro da Palavra não tem nenhum interesse espectacular, mundano, etc. O seu único interesse é cultural, comum ao autor, aos actores e aos espectadores, que portanto, quando se reúnem, cumprem um Rito Cultural. Pier Paolo Pasolini O Teatro de Pasolini Para o Teatro e não para o Espectáculo Quase ao mesmo tempo que O Mundo Salvo Pelos Rapazes [de Elsa Morante] e as primeiras peças de Natalia Ginzburg, Pier Paolo Pasolini escreveu de um jacto seis tragédias. Eram para o teatro, não para o espectáculo. Com Ginzburg e Testori ele é um outro caso interessante de um repertório de origem literária na segunda metade do século. Os seus textos também gozaram de um sucesso inesperado nos teatros, mas enquanto com Ginzburg e Testori o sucesso foi imediato, os textos de Pasolini pareceram inadaptáveis à cena e só à distância de quinze ou vinte anos se descobriu como os representar. Foi sobretudo o encenador Luca Ronconi que demonstrou – neste como noutros casos – como era infundada a pretensão de definir a priori a teatralidade ou ausência de teatralidade de um texto dramático. Calderón, Afabulação, Pílades, Pocilga, Orgia e Besta de Estilo foram todas escritas por Pasolini em 66, e depois corrigidas e publicadas entre 73 e 79. As anteriores relações de Pasolini com o teatro limitam-se a duas traduções, A Oresteia de Ésquilo e O Soldado Fanfarrão de Plauto, respectivamente de 60 e de 63, encomendadas por Vittorio Gassman e vertidas numa língua popular construída à base do dialecto da Romagna, na esteira do Gadda de Quer Pasticciaccio di Via Merulana. As seis tragédias escritas em 66 não têm, ao invés, qualquer ideia de realização e correspondem a um pensamento radical sobre o teatro, que ganhará forma no “Manifesto por Um Novo Teatro” publicado em 68 no número de Fevereiro-Março da revista Nuovi Argumenti. A opinião de muitos especialistas era que nestes textos pasolinianos existiam muitíssimas coisas boas mas também muita confusão, eram considerados um magma indefinido: não pareciam adaptáveis aos palcos normais, mas também não eram poesia dialogada. Era “teatro” verdadeiro, mas “teatro de palavra”. Além disso, era perturbante a enorme distância entre estes textos (moldados pela estrutura da tragédia clássica) e a cinematografia pasoliniana. Então, porque é que vinte anos depois o teatro de Pasolini pode ser a verdadeira descoberta da dramaturgia italiana dos anos 80 e início dos 90? Não se trata nem de atraso nem de uma assimilação demasiado lenta. A presença de Pasolini no teatro é forte ao nível do pensamento, mas não ao nível do espectáculo, quer os espectáculos com textos dele o sejam ou não. Pasolini não ofereceu ao teatro materiais para pôr em cena, mas ideias, e sobretudo nostalgia. Dos seus textos, emana um amor pelas coisas longínquas que frustra os modos, reinventa a necessidade de teatro e evoca possíveis relações, ainda não (ou já não) existentes, entre actores e espectadores. O seu teatro assemelha-se ao de Alfieri. Também para ele “teatro de palavra” queria dizer teatro de palavra-acção. Parece um teatro difícil, mas observado de perto é supreendentemente simples: quer criar interesse no ouvinte, envolvê-lo numa discussão cerrada e pungente, enredá-lo numa teia que o cinge, embora seja uma teia de argumentações, isto é, de acontecimentos teatrais. É um diálogo, não no sentido de conversa, mas de luta, de conflito. Se aceitarmos ouvir com humildade, descobrimos que não é possível saborear simplesmente a obra, que temos de a partilhar mentalmente, de encontrar um equilíbrio, pois o entrançado de problemas cria uma inquietação intelectual que nos faz perguntar – nem mais nem menos como numa história policial – “como é que vai acabar?” A questão recorrente e mais inquietante é a da Razão, que agora, no final do Século XX, depois de tantas experiências científicas, já não surge como a verdade nua e crua, mas como nobre e anciã Consoladora. A tragédia enreda-se quando os acontecimentos já não permitem mais consolações racionais e a História rebenta com a sua feroz e imperscrutável irracionalidade. A Razão como moderna Consolatrix afflictorum é para Pasolini o socialismo científico, o materialismo histórico, talvez a psicanálise, o grande sonho de uma compreensão profunda da história ou das profundezas da História, isto é, o futuro. Mas não é pura abstracção, manifesta-se como arte, por exemplo na pureza da Piazza dei Miracoli em Pisa (que no filme Medea serve para representar a Atena do mito), reveste-se de figuras de que falava o grande historiador de arte Roberto Longhi nas suas aulas em Bolonha que Pasolini frequentou nos anos de Universidade, e que nunca mais esqueceu. O cinema é para ele aquilo que está mais distante do teatro: “um amor sagrado pelo mundo”, um conjunto de técnicas que o libertam da “estilização que eram impostas à literatura”, a Realidade que rompe a membrana da película, “Realidade [que] protege da realidade” (cito o mais incisivo contributo sobre o cinema de Pasolini como pesquisa do sagrado: Walter Siti, “Il Sole Vero e il Sole della Pellicola, o sull’expressionismo di Pasolini”, Rivista di letteratura italiana, VII, 1, 1989). Se é verdade que nos seus filmes Pasolini procura uma autêntica (e por isso inconfessada) dimensão do mito e do sagrado, o seu teatro apresenta-se como anti-cinema. É anti-mito tal como, segundo alguns estudiosos, foi a tragédia ateniense: tradução de um conflito mítico nos termos de um debate ideológico e civil. Mas sem optimismo: Pasolini de facto não prediz nem prevê soluções. Mas recorda, no seu Manifesto “... a grande ilusão de Maiakovski, de Essénine, e dos outros grandes e comoventes jovens que operaram com ele naquele tempo. É a esses que é dedicado o nosso novo teatro. Nada de obreirismo oficial, por isso, mesmo que o teatro da Palavra vá com os seus textos (sem cenário, figurinos, musiquetas, gravações e mímica) às fábricas e aos círculos culturais comunistas, talvez em salões ornamentados com bandeiras vermelhas de 45”. Pasolini, visto que andava à conquista da simplicidade, era o oposto de uma pessoa politicamente ingénua e crédula, comovido pelo destino ou pelo pretenso progresso da justiça. Quando, em Calderón, a protagonista se precipita no último sonho que ela mais uma vez troca pela vida real, sonho de libertação num cortejo fluvial de operários, Basilio concluindo a tragédia diz: “Um sonho belíssimo, Rosaura, realmente / um sonho belíssimo. Mas eu penso / (e é meu dever dizer-to) que exactamente / neste momento começa a verdadeira tragédia. / Porque todos os sonhos que tiveste ou virás a ter / pode-se dizer que podiam ser ainda verdade. / Mas, quanto a este dos operários, não há dúvidas: / este é um sonho, nada mais que um sonho”. Neste teatro onde tudo é para o ouvido da mente e nada para o olho, Pasolini repudia a acção teatral tradicional, mas miniaturiza-a. Em alguns casos escreve cenas aventurosas de acção restritas a ínfimos vislumbres e olhares fixos (como no episódio XIV de Calderón e no II de Afabulação), diálogos complexos de flechas disparadas dos olhos que derivam directamente de Dante e da sua multiforme e incansável dramaturgia do olhar e do olhar-se. Um teatro mental obviamente privado de golpes de teatro mas com golpes de olhos e ideias. No “Manifesto para Um Novo Teatro”, recapitulando o inteiro discurso: “O teatro de Palavra procura o seu ‘espaço teatral’ não no ambiente, mas na cabeça”. Ferdinando Taviani Uomini di Scena Uomini di Libro, ed. Il Mulino, 1995 Trad. PM Pasolini em Portugal O teatro de Pier Paolo Pasolini foi revelado em Portugal por Mário Feliciano, que encenou no Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, em 1985, Pílades (em tradução feita em conjunto com Luiza Neto Jorge), com Alexandra Lencastre, Alexandre Sousa, António Capelo, Fernanda Neves, Fernando José Oliveira, Guilherme Filipe, João Cabral, João Grosso, João Romão, Júlia Correia, Luísa Cruz, Manuela de Freitas, Maria Amélia Matta e Mário Feliciano, cenário de Carlos Amado, figurinos de Rosa Ramos, música e direcção musical de Constança Capdeville (interpretada por Olga Prats, António Sousa Dias e Nuno Bastos), desenho de luzes de Orlando Worm e colaboração dramatúrgica de José Gabriel Trindade dos Santos. Mário Feliciano encenou ainda em 1987 no Teatro do Gymnásio Calderón (em tradução feita em conjunto com António Barahona), com António Fonseca, Bibi Perestrelo, Carmen Santos, Fernando Cardoso, Fernando José Oliveira, Gisela Cañamero, João Cabral, João Coutinho, Jorge Sequerra, Júlia Correia, Luísa Cruz, Marques D’Arede, Mário Feliciano, Nestor de Sousa, Pedro Arrabaça,Teresa Mónica e Vera Mónica Alves, cenografia de José João Freitas, figurinos de José Gonçalves, música de Lluis Llach e desenho de luzes de Orlando Worm. Orgia foi estreada numa encenação de Celso Cleto no Teatro Politeama em 1999, com interpretação de Ângelo Torres, Daniel Martinho e Mafalda Vilhena, dramaturgia de Luís Zafalo e realização plástica de Luís Santos. Orgia foi ainda encenada por João Grosso no Teatro Nacional D. Maria II, com apresentações em 2005 e 2006, tradução de José Lima, intepretação de João Grosso, Luísa Cruz e Kjersti Kaasa, cenografia de Rui Alexandre, figurinos de Dino Alves, música de Stefano Zorzanello e desenho de luz de José Nuno Lima. © Jorge Gonçalves Afabulação estreou no Teatro do Bairro Alto em 1999, com tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo, encenação de Luís Miguel Cintra, cenário e figurinos de Cristina Reis, interpretação de António Pedro Cerdeira, Glicínia Quartin, José Manuel Mendes, Luís Lucas, Luís Miguel Cintra, Rita Durão e Rita Loureiro. Para além destes espectáculos em português, foram apresentadas em Portugal produções estrangeiras de Orgia (1992, Auditório Nacional Carlos Alberto, encenação de Sara Molina) e Pocilga (2000, Pequeno Auditório do CCB, encenação de Stanislas Nordey), bem como o espectáculo A História do Soldado, de Pasolini, Sergio Citti e Giulio Paradisi (1996, Culturgest, encenação de Gigi Dall’Aglio, Giorgio Barberio Corsetti e Mário Martone). O texto Orgia compõe-se de um prólogo e seis episódios e prevê três personagens. No prólogo, um Homem enforcado apresenta o espectáculo como o flashback de um percurso de consciência da sua diversidade que leva ao suicídio. No primeiro episódio, no dia de Páscoa, o Homem e a Mulher evocam o tempo em que a acção não fora ainda substituída pela palavra. No segundo, o Homem descreve as violências que gostaria de infligir à Mulher e depois bate-lhe. De madrugada, a Mulher conta os seus sonhos ligados nostalgicamente ao passado, e ambos distinguem a linguagem da carne da linguagem da palavra (terceiro episódio). No quarto, os dois, pouco antes de irem para a cama, evocam um passado feliz que produziu pessoas infelizes. O Homem adormece e a Mulher decide matar os filhos e afogar-se no rio. Quinto episódio: é o fim do Verão e, depois do suicídio da mulher, o Homem leva para casa uma Rapariga e violenta-a sexualmente. Sente-se mal, vomita e desmaia, enquanto a Rapariga consegue fugir. No último episódio, depois de ter voltado a si, o Homem veste a roupa que a Rapariga deixou, enquanto reflecte sobre o conceito de Diversidade. Na passagem da antiga para a nova realidade, que implica o triunfo da burguesia e a consequente anulação de toda a alteridade, podem existir diferentes reacções: sujeitar-se à autoridade, desaparecer sem discutir a homologação como fez a Mulher, ou então afirmar uma Diversidade. Para transformar a afirmação do Diverso de simples reacção ao poder em verdadeira “revolução” não podemos, porém, limitar-nos à inversão da função dos objectos, é preciso torná-la pública através de um clamoroso suicídio vestido com roupas femininas: clamoroso, mas inútil, porque esta revolução não terá sucesso. Depois desta reflexão, o Homem, travestido e maquilhado com baton e pó-de-arroz, sobe para cima de uma cadeira e enforca-se. Um apontamento poético que antecede o início da primeira versão mostra como foi a génese da tragédia: - Unidade de tempo e de lugar. - O interior de uma casa pequeno-burguesa ou operária. - Dois coros, ou seja, dois homens sentados um à direita e outro à esquerda do palco, que falam para o público. - TODO O TEXTO É EM POESIA. - O homem (chamar-lhe-ei neste momento Ésquilo) e a mulher (com o nome provisório de Norma) estão no palco a representar um dos seus dias de amor (falam dele em poesia, a poesia média deste autor neomozartiano): o seu deus é Sadomasoch... (MP2, 1704) (...) A esta primeira intuição juntam-se outras solicitações. As acções finais da Mulher, por exemplo, são fruto da síncrese de duas personagens de Eurípides e de Shakespeare: como Medeia, a Mulher mata os seus próprios filhos com lúcida determinação, e, como Ofélia, deixa-se morrer afogando-se no rio. A figura do Homem é, por sua vez, enriquecida a partir de um provável facto da actualidade: o suicídio de um sério professor de Amsterdão que foi encontrado enforcado, travestido de mulher. (...) Conceito portador e objecto da obra é a diversidade, aqui transformada na categoria absoluta – e por isso maiúscula – da Diversidade, que víramos surgir pela primeira vez no Récit inspirado em Racine, entendida como terceira via “revolucionária” entre a sujeição à autoridade e a morte, a manifestar através da inversão pública da função dos objectos no espectacular e ritual suicídio final. Justamente a espectacularidade do suicídio mostra que Orgia não é propriamente a tragédia da Diversidade, mas antes a tragédia da representação da Diversidade, a que o travestimento e a maquilhagem final do Homem dão forma explícita. Aliás, os protagonistas recordam continuamente o seu estatuto de personagens diante de um público a quem é recordado o seu estatuto de público. E não só: Orgia é também representação da questão da própria representação, tal como Pasolini concebera o projecto do espectáculo sobre Gadda. (...) A questão da representação teatral está relacionada com a da representação cinematográfica. No mesmo período em que escreve Orgia, Pasolini, na tentativa de enfrentar o cinema também de um ponto de vista analítico-ensaístico e de fundar uma semiologia geral da realidade, chega à consideração de “que a realidade não será, afinal, senão o cinema na natureza” (“La lingua scritta della realtà”). Seguindo um raciocínio lógico, deveremos deduzir que a representação pode limitar-se – também no teatro – à linguagem da presença e da acção corporal, evitando as “estúpidas palavras”. A tragédia do casal burguês está, portanto, na consciência da função mistificadora do código linguístico que, pelo contrário, não pertence à linguagem do corpo. E a expressão desta consciência acontece, para maior paradoxo e maior tragicidade, através da própria palavra. (...) Em Orgia (...), a tragicidade – em oposição a uma partilha linguística por parte de todas as personagens – manifesta-se no conflito entre a estigmatização da palavra e a sua substancial exaltação como principal meio de comunicação. É ainda Barthes quem neste momento difícil orienta o pensamento de Pasolini com um ensaio, publicado precisamente na revista co-dirigida por Pasolini Nuovi Argomenti, em que desconstrói a escrita de Sade, fazendo ressaltar em muitos pontos a sua profunda teatralidade. O ponto central da reflexão de Barthes é a caracterização da palavra como instrumento do poder e fundamento necessário da acção: “O carrasco é aquele que fala, que dispõe da linguagem na sua inteireza; o objecto é aquele que se cala, que fica separado, em virtude de uma ausência, mais absoluta do que todos os suplícios eróticos, de todo e qualquer acesso à linguagem”. Esta análise sugere a Pasolini a formulação de uma nova versão de Orgia, mais atenta às questões levantadas por Barthes, que leva a uma espécie de prioridade do tema linguístico relativamente aos metateatrais e conceptuais que tinham tido maior destaque na primeira versão. E, com o aperfeiçoamento da questão linguística, tornam-se plenamente evidentes os vários desvios auto-irónicos disseminados no texto (por exemplo: “Como eu sofria! /Trá-lá-lá”), que destituem substancialmente a autoridade burguesa da palavra, estabelecendo as premissas da própria autodestruição de Orgia enquanto tragédia da burguesia e da sua identidade de classe social totalizadora. Stefano Casi I teatri di Pasolini, ed. Ubulibri, 2004 Trad. Ana Campos A Encenação de Orgia em 1968 O Porquê de uma Encenação Em 1968 depois de ter escrito o “Manifesto Para Um Novo Teatro” Pasolini fala da necessidade de pôr à prova as suas teorias (...). Finalmente, no Teatro Stabile de Turim, dirigido na altura por Bartolucci, Doglio, Chiarella, Messina, Morteo, apresenta, na temporada de 1968/69, a tragédia Orgia, com encenação de Pier Paolo Pasolini, cenografia de Mario Ceroli, com Laura Betti, Nelide Giammarco, Luigi Mezzanotte; a música é de Ennio Morricone, estando ao trompete Tolmino Marianini. A Montagem no D.A.P. de Turim A montagem fez-se no Deposito d’Arte Presente de Turim, escolha que pode fazer pensar em muito do teatro de vanguarda destes anos, ambientado em locais muitas vezes não usuais, na pesquisa de um contacto com os locais “da vida e do presente” e de um maior envolvimento com o público. Mas é de sublinhar que neste caso, no interior, foram reconstruídos os clássicos foyer, plateia e palco, e as clássicas “quatro paredes”: tanto que Renzo Tiam, crítico do Messaggero, escreveu que “na sala do D.A.P. foi reproduzida uma estrutura idêntica aos teatros que ele (Pasolini) abominava”. O foyer é completamente tapado por palavras de ordem estampadas em papel que pretendem fornecer leituras do espectáculo, na linha das indicações do Manifesto, aliás republicado nos Quaderni do Stabile, nessa ocasião: “O espaço teatral está nas nossas cabeças”, “O actor é um crítico – O encenador é um crítico – O espectador é um crítico”, “Os escândalos têm lugar fora deste lugar: nós estamos a cumprir um RITO TEATRAL”, “O teatro pode ser um RITO porque também tem corpos”, etc. A plateia é constituída por bancos em vez das clássicas poltronas. No palco está um grande estrado no qual está apoiada uma caixa branca de três metros por dois com uma tampa que se abre, para o público, no início de cada episódio; poucos são os objectos que constituem a cenografia depurada de Ceroli: uma porta, um candeeiro, uma corda, uma cama, uma cadeira, um cinzeiro. A luz é fixa, uniforme, clara, com projectores virados para o público entre um episódio e o outro – enquanto, de uma única coluna de som, soa uma marcha fúnebre que se torna música exultante e alegre no final (depois do suicídio do protagonista). Os actores que interpretam as personagens principais foram cuidadosamente escolhidos por Pasolini: Laura Betti foi sempre a sua intérprete ideal, a “sobrinha teatral de Gadda”; Luigi Mezzanotte também vem dos circuitos não tradicionais, tendo representado com Carmelo Bene. A representação pretende ser objectiva no que diz respeito à palavra: devendo os actores ser veículos vivos do texto, que dizem de modo asséptico e didascálico, e para mais usando microfones de som metálico, “estranhos”. A Incompreensão da Crítica Não há dúvidas de que o espectáculo não consegue transmitir ao espectador e à crítica as ideias que estão na base das teorias teatrais de Pasolini, ideias aliás de difícil realização prática, dada a arbitrariedade provocatória com que eram expostas no “Manifesto Para Um Novo Teatro”. As críticas da época testemunham uma ampla incompreensão das intenções do poeta-encenador, que é considerado, mais que qualquer outra coisa, o narcísico provocador de sempre e ainda mais reaccionário: alguns críticos decididamente retrógrados disparam até contra uma alegada degeneração de “invertidos”, reclamando a intervenção da Democracia Cristã (em Lo specchio fala-se de porno-marxismo); há quem se lamente “daquela acústica péssima, aqueles horríveis bancos, aquele tecto baixo e sufocante”. As críticas mais esforçadas apontam para a distância que parece irrecuperável entre o texto dramático e a sua efectiva representação cénica: Roberto De Monticelli escreve que “no teatro, a palavra tem o seu peso específico que não é aquele que tem na página. E aqui a dramatização da palavra não existe”; Franco Cuomo fala de “substancial fractura entre aquilo a que o autor se fixou na fase de rascunho do texto e aquilo que acabou por realizar na fase da encenação”; Massimo Dursi mantém que “esta primeira obra de Pasolini permanece um pequeno poema sobre a angústia que não explode dramaticamente e fenece liricamente”. Só um crítico do L’Unità mantém que, seja como for, “a acção irrompe poderosíssima, de episódio em episódio”. (...) À distância de muitos anos, Luca Ronconi – que assistiu – fez um juízo comedido da encenação, se bem que negativo: “recordo que a comunicação directa com os espectadores (que era a coisa que ele dizia que havia mais) era praticamente nula; a mensagem não chegava, as palavras voltavam dos espectadores como bumerangues. (...) Havia uma tentativa de reproduzir a leitura através da voz, uma leitura que ele pensava ser “objectiva” do texto, como se negasse ao actor qualquer responsabilidade no que diz respeito ao texto, sem reflectir que a leitura já é um acto de extrema liberdade.” A interessante oportunidade que representou o “Manifesto Para Um Novo Teatro”, que falava do actor-intelectual, não vingou na primeira verificação concreta, predominando, em termos muito restritivos, a definição de veículo vivo do texto, onde o texto é pensado utopicamente como bloco estável e estático, imutável e legível num só sentido – aquele que o autor-encenador pretende, embora esteja por outro lado bem consciente de que em particular uma peça de teatro como Orgia nunca será representada nem sequer lida do mesmo modo. Por isso, é fácil perceber como um crítico atento como Franco Quadri tenha podido escrever que naquela representação de Turim a palavra acabou “por não se distinguir em nada daquela ‘conversa’ que o próprio Pasolini censura noutro tipo de teatro”. A Reacção de Pasolini A reacção de Pasolini ao acolhimento negativo de Orgia é testemunhada em dois artigos publicados no Il Giorno. O primeiro, intitulado “No Teatro Com Pasolini”, é escrito “a quente” depois de duas representações do texto, e lamenta aliás a própria presença da crítica teatral: o autor queria que o espectáculo fosse visto num momento “de maior maturidade”, ou se não pudesse ser, que também estivessem presentes os críticos literários, porque “este novo tipo de teatro, que eu chamo da palavra, é um misto de ‘poesia lenta em voz alta’ e de ‘convenção teatral’, ainda que reduzida ao mínimo.” Quanto ao público, o erro esteve logo na raiz, dado que os destinatários que Pasolini prenunciava eram a vanguarda intelectual da burguesia, enquanto os convidados reais tinham sido simplesmente aprovados pelo Teatro: “a relação não pode deixar de ser um equívoco”, e não nos devemos espantar com “os longos torceres de narizes vagamente enjoados, os olhos carregados de sentimento, uma espécie de ódio pessoal por quem os obrigou a um sacrifício, que se poderia literalmente definir físico, por terem de ouvir grandes pedaços semi-incompreensíveis, escritos em verso”, mesmo que no final diga que “o público de Turim é belissimamente educado e respeitador”. (...) No segundo artigo, com o título, “A Raiva Primeiro, Depois a Confiança” o nosso autor não se distancia das impressões da primeira crónica, especialmente no que tem a ver com a crítica: é um “público deformado” que viu deslealmente o espectáculo só nos dois primeiros dias, quando os actores não tinham ainda experimentado a nova representação e a acústica era praticamente experimental, por isso “quem veio com um real interesse cultural, se ouviu e viu mal é provável que volte”. Depois de um semana de representações, verifica-se uma alteração na composição do público: nas primeiras noites esteve “quem tem mais poder: e se sente, por razões sociais, num grau de absoluta paridade para com os produtores do espectáculo (e isto é bom), ou mesmo até ‘superiores’, que consideram que os que fazem teatro são seus bobos (...) e o padrão imutável do próprio juízo é a própria satisfação: que consiste em consumir qualquer coisa já vista”. Quem, por outro lado, viu as representações seguintes, mesmo fazendo parte da mesma burguesia de Turim, é um público de profissionais, estudantes, operários “caracterizados pelo respeito do trabalho dos outros: que lhes é apresentado como ‘mensagem’ e não como ‘divertimento’. É afinal de contas a burguesia ‘tímida’ amada por Tati...” (...) Alberto Ferrari in Momenti teatrali nell’opera e nella fortuna di Pier Paolo Pasolini. Tese di Laurea, Università di Pavia 2002 Trad. PM © Jorge Gonçalves Biografias José Airosa tem o curso de formação de actores da Escola Superior de Teatro. Estreou-se em 1991 com os Ópera Segundo São Mateus, tendo depois trabalhado com Carlos Pessoa, Luís Miguel Cintra, José Wallenstein, Christine Laurent (Teatro da Cornucópia). No Teatro da Malaposta trabalhou com Rui Mendes e José Peixoto. Trabalhou ainda com João Perry, Jean Jourdheuil e Giorgio B. Corsetti. Para a televisão integrou o elenco de Fé, Esperança e Caridade de Horváth (real.: Maria João Rocha). No cinema participou em Sinais de Fogo de Luís Filipe Rocha, As Bodas de Deus de João César Monteiro e António, Um Rapaz de Lisboa de Jorge Silva Melo. Nos últimos anos, nos Artistas Unidos e no Teatro da Cornucópia, representou obras de Goethe, Sarah Kane, Harold Pinter, Ferenc Molnár, Shakespeare, Séneca, Heiner Müller, Bertolt Brecht, irmãos Presniakov, Fausto Paravidino e Jean-Luc Lagarce. Interpretou a solo Itália-Brasil 3 a 2 de Davide Enia, que estreou em 2004. Recentemente interpretou no TNDMII Bérénice de Racine com encenação de Carlos Pimenta e Os Animais Domésticos de Letizia Russo com encenação de Jorge Silva Melo. Realizou um recital de poesia de António Ramos Rosa na Casa Fernando Pessoa. Sylvie Rocha trabalhou com Rogério de Carvalho, Joaquim Benite, Jorge Listopad, Miguel Guilherme, José Martins e José Wallenstein. Com Os Satyros participou em Woyzeck de Büchner. Com Brigitte Jacques trabalhou em Sertório de Corneille (Teatro da Cornucópia). Trabalhou com Luís Pais em Nada do Outro Mundo de António Cabrita. Com Manuel Wiborg trabalhou em O Amante de Ninguém a partir de Dostoiévski e Universos e Frigoríficos de Jacinto Lucas Pires. Na televisão participou nas telenovelas Desencontros, Roseira Brava, Filhos do Vento e Os Lobos. No cinema trabalhou com Pedro Ruivo, Joaquim Sapinho, João César Monteiro, Pedro Caldas, Jacinto Lucas Pires e Jorge Silva Melo. Com os Artistas Unidos participou em António, Um Rapaz de Lisboa e Prometeu de Jorge Silva Melo, A Tragédia de Coriolano de Shakespeare, A Queda do Egoísta Johann Fatzer de Brecht, Crime e Castigo de José Maria Vieira Mendes, Falta de Sarah Kane, Sonho de Outono de Jon Fosse, Cada Dia a Cada Um a Liberdade e o Reino. Recentemente e com os Artistas Unidos interpretou Marcado Pelo Tipex de Antonio Onetti (encenação de João Meireles), Inverno de Jon Fosse, Conferência de Imprensa e Outras Aldrabices (vários autores) e Os Animais Domésticos de Letizia Russo (encenações de Jorge Silva Melo). Sofia Correia trabalha em teatro desde 1997 quando se iniciou no grupo GAS. É licenciada em Ciências da Comunicação na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Entre 2001 e 2003 realizou vários workshops de teatro, televisão e cinema. É professora de Expressão Dramática. Frequenta o Curso de Formação de Actores da Escola Superior de Teatro e Cinema. Este é o seu primeiro trabalho profissional. Pedro Marques frequentou o curso de luminotecnia do IFICT em 1988. Como luminotécnico trabalhou com Rogério de Carvalho, José Peixoto, Rui Mendes, Luís Miguel Cintra, José Meireles, José Mora Ramos, António Fonseca, entre outros. Trabalhou no Teatro Maizum, no Teatro do Tejo, no Teatro da Malaposta entre 1989 e 1993, e no Teatro da Cornucópia de 1993 a 1999. Trabalhou como técnico de palco no CCB durante Lisboa 94 Capital da Cultura. É autor da banda sonora de várias produções do Teatro do Tejo. Como actor entrou, no Teatro da Cornucópia, em A Margem da Alegria de Ruy Belo e Amor/ Enganos de Gil Vicente. Colabora regularmente com os Artistas Unidos desde 1998, com traduções de autores como Harold Pinter, Sarah Kane, Gregory Motton, David Harrower, Gerardjan Rijnders, Anthony Neilson, David Greig, Letizia Russo e Pasolini; encenou Um Para o Caminho de Pinter, Cicatrizes de Anthony Neilson e Itália Brasil 3 a 2 de Davide Enia; entrou como actor em Traições e Nova Ordem Mundial de Pinter, Cada dia a cada um a Liberdade e o Reino, Terrorismo dos Irmãos Presniakov, O Amor de Fedra de Sarah Kane, Dois Irmãos de Fausto Paravidino; é co-editor da Revista Artistas Unidos. Frequentou a International Residency do Royal Court Theatre em 2002, na modalidade de encenador. Foi distinguido com uma Menção Honrosa no Concurso de Novas Dramaturgias organizado no ano 2002 pelo Dramat, pela peça Pigs from Hell. Co-encenou São Nicolau de Conor McPherson (Teatro dos Aloés). Encenou no CITAC a peça de final de curso A Ilha de Deus de Gregory Motton. Rita Lopes Alves trabalhou no guarda-roupa de vários filmes de Jorge Silva Melo, Pedro Costa, Joaquim Sapinho, João Botelho, Margarida Gil, Luís Filipe Costa e Cunha Teles. No teatro tem trabalhado com Jorge Silva Melo como cenógrafa e figurinista desde 1994. Realizou o guarda-roupa de Universos e Frigoríficos de Jacinto Lucas Pires para a APA. Tem dirigido os trabalhos de cenografia e figurinos no projecto Artistas Unidos n´A Capital. Ultimamente, assinou as cenografias de Terrorismo dos Irmãos Presniakov, O Caracal de Judith Herzberg, T1 de José Maria Vieira Mendes, O Nosso Hóspede de Joe Orton, Se o Mundo Não Fosse Assim de José Maria Vieira Mendes, No Papel da Vítima dos Irmãos Presniakov, As Regras de Bem Viver na Sociedade Moderna de Jean-Luc Lagarce, Conferência de Imprensa e Outras Aldrabices de Harold Pinter e outros e Os Animais Domésticos de Letizia Russo. Próximo espectáculo música 8 de abril 21h30 · Em vários espaços da Culturgest · Dur. 1h20 Berio em Sequência Pela OrchestrUtopica Num total de catorze (que, com as variantes, acabam por ser dezoito), as sequenze de Luciano Berio espalham-se por um período de quase meio século. Desde a primeira, para Flauta (1958), até à última, para Violoncelo (2002), elas reflectem de um modo concentrado, a carreira e o génio de uma das mais importantes figuras no panorama da composição da segunda metade do século. Como na restante obra de Luciano Berio, o respeito pelo instrumento e pela sua história (que não se liquida mas se prolonga), é aqui uma vez mais afirmado, e de um modo ainda mais particular, tratando-se de obras para solista. As sequenze representam um testemunho incontornável das tendências e das preocupações estéticas de cada etapa criativa, não só deste compositor, mas de toda uma geração, constituindo uma história viva e audível da evolução e transformação da linguagem musical, naquele que é um dos períodos mais fascinantes da história da música: o século XX. No concerto Berio em Sequência, os solistas da OrchestrUtopica apresentam seis dessas sequenze (curiosamente, inclui‑se neste programa, a primeira e a última), propondo um itinerário de escuta em diferentes espaços da Culturgest e uma relação participativa e inovadora com a música de Luciano Berio. Os portadores de bilhete para o espectáculo têm acesso ao Parque de Estacionamento da Caixa Geral de Depósitos. Conselho de Administração Presidente Manuel José Vaz Vice-Presidente Miguel Lobo Antunes Vogal Luís dos Santos Ferro Assessores Gil Mendo (Dança) Francisco Frazão (Teatro) Miguel Wandschneider (Arte Contemporânea) Raquel Ribeiro dos Santos (Serviço Educativo) Direcção de Produção Margarida Mota Produção e Secretariado Patrícia Blazquez Mariana Cardoso de Lemos Jorge Epifânio Exposições António Sequeira Lopes (Produção e Montagem) Paula Tavares dos Santos (Produção) Susana Sameiro (Culturgest Porto) Comunicação Filipe Folhadela Moreira Maria João Franco (estagiária) Publicações Marta Cardoso Rosário Sousa Machado Actividades Comerciais Catarina Carmona Serviços Administrativos e Financeiros Cristina Ribeiro Paulo Silva Culturgest, uma casa do mundo. Informações 21 790 51 55 Edifício Sede da CGD, Rua Arco do Cego, 1000-300 Lisboa [email protected] • www.culturgest.pt Direcção Técnica Eugénio Sena Direcção de Cena e Luzes Horácio Fernandes Audiovisuais Américo Firmino (Chefe de Imagem) Paulo Abrantes (Chefe de Audio) Tiago Bernardo Iluminação de Cena Fernando Ricardo (Chefe) Nuno Alves Maquinaria de Cena José Luís Pereira (Chefe) Alcino Ferreira Técnico Auxiliar Álvaro Coelho Frente de Casa Rute Moraes Bastos Bilheteira Manuela Fialho Edgar Andrade Joana Marto Recepção Teresa Figueiredo Sofia Fernandes Auxiliar Administrativo Nuno Cunha