de Pier Paolo Pasolini

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Orgia
de Pier Paolo Pasolini
teatro 29, 30 e 31 de março, 1, 3, 4, 5 e 6 de abril de 2006
21h30 · Palco do Grande Auditório · Duração 2h00
Tradução Pedro Marques Com José Airosa, Sylvie Rocha e Sofia Correia Cenografia e Figurinos Rita Lopes
Alves Assistente de Cenografia Daniel Fernandes Apoio Vocal Rui Baeta Operador de Som e Luz João Cachulo
Encenação e Luz Pedro Marques Assistência de Encenação Ricardo Carolo
Uma produção A&M/Artistas Unidos/Culturgest
Outras apresentações Teatro Viriato (Viseu) a 10 e 11 de Fevereiro, TAGV (Coimbra) a 15 e 16 de Fevereiro, Casa
das Artes de Famalicão a 17 e 18 de Fevereiro, Teatro Municipal de Bragança a 3 de Março, Rivoli Teatro Municipal
(Porto) de 8 a 18 de Março, Teatro Municipal da Guarda a 23 de Março, Teatro Virgínia (Torres Novas) a 8 de Abril.
O texto de Orgia, juntamente com Pocilga, está editado nos Livrinhos de Teatro dos Artistas Unidos/Livros
Cotovia. Tradução e publicação realizadas no âmbito do Atelier Européen de la Traduction / Scène Nationale
d’Orléans com o apoio da União Europeia – Comissão de Educação e Cultura – Programa Cultura 2000.
Conversas com o público após o espectáculo nos dias 31 de Março, 4 e 6 de Abril.
© Jorge Gonçalves
Nota de Encenação
para Orgia
de Pier Paolo Pasolini
na Culturgest
Ao olhar para trás, agora, percebo que
a ideia de voltar ao teatro de Pier Paolo
Pasolini nasceu na régie de luz do Teatro
da Cornucópia enquanto assistia às representações de Afabulação. Sem contar com
os ensaios, vi o espectáculo cerca de trinta
vezes e em todas elas a representação, os
actores, o texto, me emocionaram, me tocaram. Por ser uma obra poética mas também
por conseguir ser ao mesmo tempo política. Para mim, estas são duas características fundamentais de um bom espectáculo
de teatro. Ser pessoal e privado, actuando
ao nível das emoções (da poesia) e ser ao
mesmo tempo público, através da encenação e da sua relação com o público.
Mais tarde, levado pela curiosidade, e
quando tive conhecimentos para traduzir
italiano (visto que só estava traduzida uma
das peças do autor em português – justamente aquela que já conhecia, Afabulação)
li as outras peças do autor e deparei-me
com Orgia. Como sempre faço quando leio
peças de teatro, imaginei um texto que se
podia montar com poucos meios, que possibilitasse a circulação por vários pontos
do país, com um cenário transportável e
mínimo, poucos actores, etc. A primeira
ideia de cenário, de facto, tinha mais a
ver com a relação que queria estabelecer
com o público do que com as imagens que
pudessem vir a ser conjuradas. Achava importante oferecer o texto e as ideias nele
veiculadas de uma maneira directa. Por
isso pensei no público disposto em U à
volta do quarto do casal, que estaria como
que num recinto de boxe. Depois percebi que a ideia de recinto de boxe não era
boa porque mais do que um combate, um
conflito, na peça existe uma introspecção
a dois que era preciso realçar. E também
contrariava a ideia (importante) de poder
montar o espectáculo em vários sítios do
país. Muitos palcos dos teatros municipais
são à italiana e demasiado pequenos para
podermos pôr público e cenário no palco.
Por isso nasceu a necessidade de construir
um dispositivo cénico que “mostrasse” o
texto de modo igualmente significativo
qualquer que fosse o sítio onde actuássemos; fosse o Teatro Municipal de Bragança
ou o Pequeno Auditório do Rivoli; fosse no
Teatro Viriato em Viseu (onde parecia que
estávamos em casa), fosse em Vila Nova de
Famalicão (onde tivemos a maior afluência
de público). E chegámos a esta solução de
um palcozinho inclinado que como que faz
deslizar as personagens para cima do público, tornando a relação mais vertiginosa
e emotiva. E isto, acho, corresponde àquilo
que o teatro de Pasolini pede. Esta Orgia
não é tanto uma orgia sexual, embora todas as personagens sejam mais ou menos
conduzidas pelo desejo, mas mais uma orgia de emoções provocadas pelas palavras
habitadas pelos corpos dos actores. Pelo
mesmo motivo, a ideia desta encenação foi
apenas a de conduzir narrativamente os
corpos, de modo a que apenas eles, sem palavras, contassem a história, enquanto as
palavras ficariam como “responsabilidade”
dos actores.
Esta ideia do desaparecimento da encenação coincide com as ideias expressas
pelo próprio Pasolini no seu Manifesto, mas
o que foi curioso é que chegámos a ela através do próprio processo de trabalho, eliminando dia a dia o que era supérfluo ou que,
© Jorge Gonçalves
segundo a nossa ideia, distraía do contexto
global da peça. Desta maneira chegámos a
uma forma de teatro que vai além do Teatro
da Palavra, que o próprio autor sublinha no
seu Manifesto, e chega ao que gostaria de
chamar Teatro do Corpo. Da palavra que
precisa de um corpo para ser vida. Do corpo em toda a sua despudorada nudez. Por
isso, é tão difícil representar este teatro.
Porque exige dos actores e do público uma
disponibilidade total e um convívio que se
aproxima daquilo a que Pasolini chamava
Rito Cultural.
Depois do exercício de ausência de encenação passámos à análise temática do texto. O homem diz no prólogo: “Não tens mais
nada para fazer, Diferente, senão perderes-te para assim te reencontrares?” Esta frase
exprime uma tragédia. Só na assunção da
nossa diferença, isto é, perdendo-nos para
os outros, poderemos nós assumir as nossas diferenças, reencontrarmo-nos e tornarmo-nos santos (como diz o homem mais
tarde)? Por isto, decidimos que o tema da diferença seria o tema da peça. Mas não a diferença sexual (como poderá ser óbvio, no
caso do autor) ou racial, ou religiosa. Não.
A diferença como Escândalo e não como
prova de um escândalo – que só atesta uma
escala de valores imposta. Por isso, no final
da peça o Homem só veste as roupas de mulher para “desvirtuar” a normal função dos
objectos da sua vida, projectando simbolicamente, ao mesmo tempo, uma espécie
de trágica incompletude ligada a todos nós
pelo aparecimento, na adolescência, da sexualidade. Esta ideia de liberdade, de atribuir novas funções aos objectos, levou-me
à ideia da gravata que na encenação vai adquirindo várias funções: primeiro é símbolo
do conformismo da burguesia (na construção da personagem – por isso assistimos à
colocação da gravata), depois é objecto de
tortura (associado ao desejo) no segundo e
terceiro episódios, e finalmente corda com
que o protagonista se enforca no final.
Durante o longo processo de ensaios
fomos acrescentando, lentamente, diariamente, pormenores que a princípio pareciam ser irrelevantes mas que se revelavam,
através da intensidade da representação,
sempre altamente significativos.
Foi isso que procurámos. Um teatro que
fosse relevante, verdadeiro nos corpos dos
actores, ligado às emoções provocadas
pelas palavras, sem convenções teatrais
que não fossem as da partilha de um Rito
Cultural que se queria Único e Finito. Sério
e despudorado. Revelador e enigmático.
Pedro Marques
O autor
Pier Paolo Pasolini nasceu a 5 de Março
de 1922 em Bolonha. Filho de um militar,
seguiu o pai nas mudanças dele, mas frequentou o liceu e a faculdade em Bolonha,
onde teve como mestres Contini e Longhi
e como amigos Leonetti e Roversi, até à licenciatura, em 1945, sobre a linguagem de
Pascoli. Passava os verões em Casarsa, na
região do Friuli, cidade de origem da mãe.
Aí se refugiou depois do 8 de Setembro de
1943, para fugir à chamada do exército.
Compôs os primeiros poemas em dialecto
friulano, Poesie a Casarsa (1942), publicados mais tarde junto de outros textos
friulanos em La Meglio Gioventù (1958).
Em 1945 soube que o irmão mais novo
Guido tinha sido morto num conflito entre dois grupos de partigiani com ideias
políticas diferentes. Em 1947 inscreveu-se
no Partido Comunista. Depois de ter encontrado trabalho como professor, numa
aldeia perto de Casarsa, foi despedido e a
seguir expulso do PCI por um obscuro episódio de homossexualidade que causou
um processo por corrupção de menores.
Esse foi o primeiro de uma lista muito comprida de processos (mais de 30) que deram
a Pasolini a consciência da sua diversidade
e marcaram o seu destino (e até o seu papel
público, que ele próprio criou) de marginalizado e rebelde.
Devido ao escândalo, em 1949 teve de
deixar Casarsa, com a mãe (a relação com
o pai já estava estragada), e mudou-se
para Roma, vivendo primeiro numa borgata (bairro de periferia) e ganhando a vida
com explicações e ensino em escolas particulares. A descoberta do mundo do sub-proletariado romano inspirou-lhe – para
além de poemas contidos em Le Cenere di
Gramsci (1957) e La Religione del mio Tempo
(1961), escritos depois de L’Usignolo della
Chiesa Católica (1943 – 1949, ou seja antes
de Les Cenere di Gramsci) – sobretudo os
romances Ragazzi di Vita (1955) e Una Vita
Violenta (1959), que provocaram grande
escândalo, mas asseguraram-lhe o primeiro êxito literário. Com os antigos colegas
da faculdade Leonetti e Roversi fundou e
dirigiu entre 1955 e 1959 a revista Officina,
que contou com Fortini, Volponi e outros
importantes estudiosos e críticos militantes como colaboradores.
Começou entretanto a sua actividade
no mundo cinematográfico: colaborou em
alguns guiões (entre os quais As Noites
de Cabíria de Federico Fellini), e a partir
de 1961 realizou filmes como Accattone,
Uccellacci e Uccellini, Il Vangelo Secondo
Matteo, Edipo Re, Medea, Il Decameron,
Salò o le 120 Giornate di Sodoma. Muitos
desses filmes provocaram escândalo e custaram ao seu realizador outros processos.
Nos anos 60 publicou Il Sogno di Una
Cosa (escrito em 1949), mais poemas
(Poesia in Forma di Rosa, 1964, Trasumanar
e Organizzar, 1971), e foi muito activo como
crítico militante em vários diários e revistas (entre outras, dirigiu com Moravia
e Carocci a Nuovi Argomenti), actividade que, depois da colecção Passione e
Ideologia, deu vida a muitas publicações,
parcialmente póstumas: Empirismo Eretico
(1972), Scritti Corsari (1975), Descrizioni di
Descrizioni (1979).
A sua produção teatral conta seis tragédias, cinco delas escritas em 1966: Calderón,
Affabulazione, Pilade, Porcile, Orgia e Bestia
da Stile.
Pier Paolo Pasolini morreu assassinado
num campo em Ostia em circunstâncias
misteriosas em 1975.
O Teatro da Palavra
No “Manifesto por um novo teatro” que lançou em 1968, Pasolini defende uma terceira
via entre o teatro burguês convencional e o
teatro experimental, “do gesto e do grito”.
O teatro que esperamos, mesmo o mais absolutamente novo, não poderá ser o teatro
que esperamos. De facto se esperamos um
novo teatro, esperamos necessariamente
dentro das ideias que já temos, além disso,
aquilo que esperamos, de alguma forma já
existe.
A quem se destina
Os destinatários desse novo teatro não serão os burgueses (que vão ao teatro para
divertir-se e que, às vezes, se escandalizam)
mas sim os grupos avançados da burguesia constituídos pelos poucos intelectuais
realmente interessados em cultura: progressistas de esquerda, sobreviventes do
laicismo liberal e radicais. Esses grupos
© Jorge Gonçalves
avançados não se divertirão nem se escandalizarão já que são semelhantes em tudo
ao seu autor. Esta classificação é e pretende ser esquemática.
Aconselha-se calorosamente a uma senhora que frequente os teatros da cidade
que não assista às representações do novo
teatro. Ou, caso se apresente com o seu
simbólico, patético, casaco de vison encontrará na entrada um cartaz a explicar que
as senhoras com casacos de vison deverão
pagar um preço trinta vezes mais alto que
o preço normal. Nesse mesmo cartaz, pelo
contrário, estará escrito que os jovens fascistas de vinte e cinco anos poderão entrar
de graça. Além disso, pediremos também
que não aplaudam. Vaias e outras formas
de desaprovação serão admitidas.
O Teatro da Palavra
O novo teatro quer definir-se como Teatro
da Palavra. Incompatibiliza-se tanto com o
teatro tradicional como com todo o tipo de
contestação ao teatro tradicional. Remete
explicitamente para o teatro da democracia
ateniense, saltando completamente toda a
tradição do teatro burguês e, porque não
dizer, a inteira tradição moderna do teatro
renascentista e de Shakespeare. Espera-se
que o espectador oiça mais do que veja. As
personagens são ideias a serem ouvidas.
Destinatários e espectadores
É um teatro possibilitado, solicitado e
desfrutado no círculo cultural dos grupos
avançados de cultura.
É o único que pode chegar, não por determinação ou retórica, à classe operária.
Já que esta se encontra unida por uma relação directa aos intelectuais.
O Teatro da Palavra opõe-se ao teatro da
conversa (tradicional) e ao teatro do gesto
e do grito (não tradicional). Desta dupla posição nasce uma das principais características do Teatro da Palavra: a ausência quase total de acção cénica, desaparecendo
quase totalmente a encenação. Reduzindo
todos os seus elementos (luz, cenário, figurinos, etc...) ao indispensável. Não deixará
de ser uma forma de rito (ainda que jamais
experimentada). O seu rito não pode ser definido de outro modo que não seja um Rito
Cultural.
O actor do Teatro da Palavra
O actor do Teatro da Palavra não terá que
apoiar as suas faculdades numa especial
atracção pessoal (teatro tradicional), ou
numa espécie de força histérica messiânica (teatro não tradicional), explorando
demagogicamente o desejo de espectáculo do espectador (teatro tradicional), ou
enganando o espectador através da implícita imposição de fazê-lo participar num
rito sagrado (teatro não tradicional). Terá
que sustentar as suas faculdades na sua
capacidade para compreender realmente
o texto e ser, assim, veículo vivo do próprio
texto. Será melhor actor quanto mais o espectador, ao ouvi-lo dizer o texto, compreenda que o actor compreendeu. O actor do
Teatro da Palavra terá de ser simplesmente
um homem de cultura.
Epílogo
O Teatro da Palavra é um teatro completamente novo porque se dirige a um novo tipo
de público.
O teatro da Palavra não tem nenhum
interesse espectacular, mundano, etc. O
seu único interesse é cultural, comum ao
autor, aos actores e aos espectadores, que
portanto, quando se reúnem, cumprem um
Rito Cultural.
Pier Paolo Pasolini
O Teatro de Pasolini
Para o Teatro e não para o Espectáculo
Quase ao mesmo tempo que O Mundo
Salvo Pelos Rapazes [de Elsa Morante] e as
primeiras peças de Natalia Ginzburg, Pier
Paolo Pasolini escreveu de um jacto seis
tragédias. Eram para o teatro, não para o
espectáculo.
Com Ginzburg e Testori ele é um outro
caso interessante de um repertório de origem literária na segunda metade do século.
Os seus textos também gozaram de um
sucesso inesperado nos teatros, mas enquanto com Ginzburg e Testori o sucesso
foi imediato, os textos de Pasolini pareceram inadaptáveis à cena e só à distância
de quinze ou vinte anos se descobriu como
os representar. Foi sobretudo o encenador Luca Ronconi que demonstrou – neste
como noutros casos – como era infundada
a pretensão de definir a priori a teatralidade ou ausência de teatralidade de um texto
dramático.
Calderón, Afabulação, Pílades, Pocilga,
Orgia e Besta de Estilo foram todas escritas
por Pasolini em 66, e depois corrigidas e publicadas entre 73 e 79. As anteriores relações
de Pasolini com o teatro limitam-se a duas
traduções, A Oresteia de Ésquilo e O Soldado
Fanfarrão de Plauto, respectivamente de
60 e de 63, encomendadas por Vittorio
Gassman e vertidas numa língua popular
construída à base do dialecto da Romagna,
na esteira do Gadda de Quer Pasticciaccio di
Via Merulana. As seis tragédias escritas em
66 não têm, ao invés, qualquer ideia de realização e correspondem a um pensamento
radical sobre o teatro, que ganhará forma
no “Manifesto por Um Novo Teatro” publicado em 68 no número de Fevereiro-Março da
revista Nuovi Argumenti.
A opinião de muitos especialistas era
que nestes textos pasolinianos existiam
muitíssimas coisas boas mas também
muita confusão, eram considerados um
magma indefinido: não pareciam adaptáveis aos palcos normais, mas também não
eram poesia dialogada. Era “teatro” verdadeiro, mas “teatro de palavra”. Além disso,
era perturbante a enorme distância entre
estes textos (moldados pela estrutura da
tragédia clássica) e a cinematografia pasoliniana. Então, porque é que vinte anos
depois o teatro de Pasolini pode ser a verdadeira descoberta da dramaturgia italiana dos anos 80 e início dos 90? Não se trata
nem de atraso nem de uma assimilação
demasiado lenta. A presença de Pasolini no
teatro é forte ao nível do pensamento, mas
não ao nível do espectáculo, quer os espectáculos com textos dele o sejam ou não.
Pasolini não ofereceu ao teatro materiais
para pôr em cena, mas ideias, e sobretudo
nostalgia. Dos seus textos, emana um amor
pelas coisas longínquas que frustra os modos, reinventa a necessidade de teatro e
evoca possíveis relações, ainda não (ou já
não) existentes, entre actores e espectadores. O seu teatro assemelha-se ao de Alfieri.
Também para ele “teatro de palavra” queria
dizer teatro de palavra-acção.
Parece um teatro difícil, mas observado
de perto é supreendentemente simples:
quer criar interesse no ouvinte, envolvê-lo
numa discussão cerrada e pungente, enredá-lo numa teia que o cinge, embora seja
uma teia de argumentações, isto é, de acontecimentos teatrais. É um diálogo, não no
sentido de conversa, mas de luta, de conflito. Se aceitarmos ouvir com humildade, descobrimos que não é possível saborear simplesmente a obra, que temos de a partilhar
mentalmente, de encontrar um equilíbrio,
pois o entrançado de problemas cria uma
inquietação intelectual que nos faz perguntar – nem mais nem menos como numa história policial – “como é que vai acabar?”
A questão recorrente e mais inquietante é
a da Razão, que agora, no final do Século XX,
depois de tantas experiências científicas, já
não surge como a verdade nua e crua, mas
como nobre e anciã Consoladora. A tragédia enreda-se quando os acontecimentos já
não permitem mais consolações racionais
e a História rebenta com a sua feroz e imperscrutável irracionalidade. A Razão como
moderna Consolatrix afflictorum é para
Pasolini o socialismo científico, o materialismo histórico, talvez a psicanálise, o grande sonho de uma compreensão profunda
da história ou das profundezas da História,
isto é, o futuro. Mas não é pura abstracção,
manifesta-se como arte, por exemplo na pureza da Piazza dei Miracoli em Pisa (que no
filme Medea serve para representar a Atena
do mito), reveste-se de figuras de que falava
o grande historiador de arte Roberto Longhi
nas suas aulas em Bolonha que Pasolini frequentou nos anos de Universidade, e que
nunca mais esqueceu.
O cinema é para ele aquilo que está mais
distante do teatro: “um amor sagrado pelo
mundo”, um conjunto de técnicas que o libertam da “estilização que eram impostas
à literatura”, a Realidade que rompe a membrana da película, “Realidade [que] protege
da realidade” (cito o mais incisivo contributo sobre o cinema de Pasolini como pesquisa do sagrado: Walter Siti, “Il Sole Vero e il
Sole della Pellicola, o sull’expressionismo
di Pasolini”, Rivista di letteratura italiana,
VII, 1, 1989). Se é verdade que nos seus filmes Pasolini procura uma autêntica (e por
isso inconfessada) dimensão do mito e do
sagrado, o seu teatro apresenta-se como
anti-cinema. É anti-mito tal como, segundo
alguns estudiosos, foi a tragédia ateniense:
tradução de um conflito mítico nos termos
de um debate ideológico e civil. Mas sem
optimismo: Pasolini de facto não prediz
nem prevê soluções. Mas recorda, no seu
Manifesto “... a grande ilusão de Maiakovski,
de Essénine, e dos outros grandes e comoventes jovens que operaram com ele naquele tempo. É a esses que é dedicado o nosso
novo teatro. Nada de obreirismo oficial, por
isso, mesmo que o teatro da Palavra vá com
os seus textos (sem cenário, figurinos, musiquetas, gravações e mímica) às fábricas
e aos círculos culturais comunistas, talvez
em salões ornamentados com bandeiras
vermelhas de 45”.
Pasolini, visto que andava à conquista
da simplicidade, era o oposto de uma pessoa politicamente ingénua e crédula, comovido pelo destino ou pelo pretenso progresso da justiça. Quando, em Calderón, a
protagonista se precipita no último sonho
que ela mais uma vez troca pela vida real,
sonho de libertação num cortejo fluvial de
operários, Basilio concluindo a tragédia
diz: “Um sonho belíssimo, Rosaura, realmente / um sonho belíssimo. Mas eu penso
/ (e é meu dever dizer-to) que exactamente
/ neste momento começa a verdadeira tragédia. / Porque todos os sonhos que tiveste
ou virás a ter / pode-se dizer que podiam
ser ainda verdade. / Mas, quanto a este dos
operários, não há dúvidas: / este é um sonho, nada mais que um sonho”.
Neste teatro onde tudo é para o ouvido
da mente e nada para o olho, Pasolini repudia a acção teatral tradicional, mas miniaturiza-a. Em alguns casos escreve cenas
aventurosas de acção restritas a ínfimos
vislumbres e olhares fixos (como no episódio XIV de Calderón e no II de Afabulação),
diálogos complexos de flechas disparadas
dos olhos que derivam directamente de
Dante e da sua multiforme e incansável dramaturgia do olhar e do olhar-se. Um teatro
mental obviamente privado de golpes de
teatro mas com golpes de olhos e ideias.
No “Manifesto para Um Novo Teatro”, recapitulando o inteiro discurso: “O teatro de
Palavra procura o seu ‘espaço teatral’ não
no ambiente, mas na cabeça”.
Ferdinando Taviani
Uomini di Scena Uomini di Libro,
ed. Il Mulino, 1995
Trad. PM
Pasolini em Portugal
O teatro de Pier Paolo Pasolini foi revelado em Portugal por Mário Feliciano, que
encenou no Centro de Arte Moderna da
Fundação Gulbenkian, em 1985, Pílades (em
tradução feita em conjunto com Luiza Neto
Jorge), com Alexandra Lencastre, Alexandre
Sousa, António Capelo, Fernanda Neves,
Fernando José Oliveira, Guilherme Filipe,
João Cabral, João Grosso, João Romão, Júlia
Correia, Luísa Cruz, Manuela de Freitas,
Maria Amélia Matta e Mário Feliciano, cenário de Carlos Amado, figurinos de Rosa
Ramos, música e direcção musical de
Constança Capdeville (interpretada por
Olga Prats, António Sousa Dias e Nuno
Bastos), desenho de luzes de Orlando Worm
e colaboração dramatúrgica de José Gabriel
Trindade dos Santos.
Mário Feliciano encenou ainda em 1987
no Teatro do Gymnásio Calderón (em tradução feita em conjunto com António Barahona), com António Fonseca, Bibi Perestrelo, Carmen Santos, Fernando Cardoso,
Fernando José Oliveira, Gisela Cañamero,
João Cabral, João Coutinho, Jorge Sequerra,
Júlia Correia, Luísa Cruz, Marques D’Arede,
Mário Feliciano, Nestor de Sousa, Pedro
Arrabaça,Teresa Mónica e Vera Mónica Alves, cenografia de José João Freitas, figurinos de José Gonçalves, música de Lluis Llach e desenho de luzes de Orlando Worm.
Orgia foi estreada numa encenação de
Celso Cleto no Teatro Politeama em 1999,
com interpretação de Ângelo Torres, Daniel
Martinho e Mafalda Vilhena, dramaturgia
de Luís Zafalo e realização plástica de Luís
Santos. Orgia foi ainda encenada por João
Grosso no Teatro Nacional D. Maria II, com
apresentações em 2005 e 2006, tradução
de José Lima, intepretação de João Grosso,
Luísa Cruz e Kjersti Kaasa, cenografia de
Rui Alexandre, figurinos de Dino Alves, música de Stefano Zorzanello e desenho de luz
de José Nuno Lima.
© Jorge Gonçalves
Afabulação estreou no Teatro do Bairro
Alto em 1999, com tradução de Maria
Jorge Vilar de Figueiredo, encenação de
Luís Miguel Cintra, cenário e figurinos de
Cristina Reis, interpretação de António
Pedro Cerdeira, Glicínia Quartin, José
Manuel Mendes, Luís Lucas, Luís Miguel
Cintra, Rita Durão e Rita Loureiro.
Para além destes espectáculos em português, foram apresentadas em Portugal
produções estrangeiras de Orgia (1992,
Auditório Nacional Carlos Alberto, encenação de Sara Molina) e Pocilga (2000,
Pequeno Auditório do CCB, encenação de
Stanislas Nordey), bem como o espectáculo A História do Soldado, de Pasolini, Sergio
Citti e Giulio Paradisi (1996, Culturgest, encenação de Gigi Dall’Aglio, Giorgio Barberio
Corsetti e Mário Martone).
O texto
Orgia compõe-se de um prólogo e seis
episódios e prevê três personagens. No
prólogo, um Homem enforcado apresenta
o espectáculo como o flashback de um percurso de consciência da sua diversidade
que leva ao suicídio. No primeiro episódio,
no dia de Páscoa, o Homem e a Mulher evocam o tempo em que a acção não fora ainda substituída pela palavra. No segundo, o
Homem descreve as violências que gostaria de infligir à Mulher e depois bate-lhe. De
madrugada, a Mulher conta os seus sonhos
ligados nostalgicamente ao passado, e ambos distinguem a linguagem da carne da
linguagem da palavra (terceiro episódio).
No quarto, os dois, pouco antes de irem
para a cama, evocam um passado feliz que
produziu pessoas infelizes. O Homem adormece e a Mulher decide matar os filhos e
afogar-se no rio. Quinto episódio: é o fim
do Verão e, depois do suicídio da mulher,
o Homem leva para casa uma Rapariga
e violenta-a sexualmente. Sente-se mal,
vomita e desmaia, enquanto a Rapariga
consegue fugir. No último episódio, depois
de ter voltado a si, o Homem veste a roupa
que a Rapariga deixou, enquanto reflecte
sobre o conceito de Diversidade. Na passagem da antiga para a nova realidade, que
implica o triunfo da burguesia e a consequente anulação de toda a alteridade, podem existir diferentes reacções: sujeitar-se
à autoridade, desaparecer sem discutir a
homologação como fez a Mulher, ou então
afirmar uma Diversidade. Para transformar
a afirmação do Diverso de simples reacção
ao poder em verdadeira “revolução” não
podemos, porém, limitar-nos à inversão
da função dos objectos, é preciso torná-la
pública através de um clamoroso suicídio
vestido com roupas femininas: clamoroso,
mas inútil, porque esta revolução não terá
sucesso. Depois desta reflexão, o Homem,
travestido e maquilhado com baton e
pó-de-arroz, sobe para cima de uma cadeira e enforca-se.
Um apontamento poético que antecede
o início da primeira versão mostra como foi
a génese da tragédia:
- Unidade de tempo e de lugar.
- O interior de uma casa pequeno-burguesa
ou operária.
- Dois coros, ou seja, dois homens sentados
um à direita e outro à esquerda do palco,
que falam para o público.
- TODO O TEXTO É EM POESIA.
- O homem (chamar-lhe-ei neste momento
Ésquilo) e a mulher (com o nome provisório
de Norma)
estão no palco a representar
um dos seus dias de amor (falam dele em
poesia,
a poesia média deste autor neomozartiano):
o seu deus é Sadomasoch... (MP2, 1704)
(...) A esta primeira intuição juntam-se
outras solicitações. As acções finais da
Mulher, por exemplo, são fruto da síncrese de duas personagens de Eurípides e de
Shakespeare: como Medeia, a Mulher mata
os seus próprios filhos com lúcida determinação, e, como Ofélia, deixa-se morrer afogando-se no rio. A figura do Homem é, por
sua vez, enriquecida a partir de um provável
facto da actualidade: o suicídio de um sério
professor de Amsterdão que foi encontrado
enforcado, travestido de mulher. (...)
Conceito portador e objecto da obra é
a diversidade, aqui transformada na categoria absoluta – e por isso maiúscula – da
Diversidade, que víramos surgir pela primeira vez no Récit inspirado em Racine, entendida como terceira via “revolucionária”
entre a sujeição à autoridade e a morte, a
manifestar através da inversão pública
da função dos objectos no espectacular
e ritual suicídio final. Justamente a espectacularidade do suicídio mostra que
Orgia não é propriamente a tragédia da
Diversidade, mas antes a tragédia da representação da Diversidade, a que o travestimento e a maquilhagem final do Homem
dão forma explícita. Aliás, os protagonistas
recordam continuamente o seu estatuto de
personagens diante de um público a quem
é recordado o seu estatuto de público. E
não só: Orgia é também representação
da questão da própria representação, tal
como Pasolini concebera o projecto do espectáculo sobre Gadda. (...)
A questão da representação teatral
está relacionada com a da representação
cinematográfica. No mesmo período em
que escreve Orgia, Pasolini, na tentativa de
enfrentar o cinema também de um ponto
de vista analítico-ensaístico e de fundar
uma semiologia geral da realidade, chega
à consideração de “que a realidade não
será, afinal, senão o cinema na natureza”
(“La lingua scritta della realtà”). Seguindo
um raciocínio lógico, deveremos deduzir
que a representação pode limitar-se – também no teatro – à linguagem da presença e
da acção corporal, evitando as “estúpidas
palavras”. A tragédia do casal burguês está,
portanto, na consciência da função mistificadora do código linguístico que, pelo contrário, não pertence à linguagem do corpo.
E a expressão desta consciência acontece,
para maior paradoxo e maior tragicidade,
através da própria palavra.
(...) Em Orgia (...), a tragicidade – em oposição a uma partilha linguística por parte
de todas as personagens – manifesta-se no
conflito entre a estigmatização da palavra
e a sua substancial exaltação como principal meio de comunicação. É ainda Barthes
quem neste momento difícil orienta o
pensamento de Pasolini com um ensaio,
publicado precisamente na revista co-dirigida por Pasolini Nuovi Argomenti, em
que desconstrói a escrita de Sade, fazendo
ressaltar em muitos pontos a sua profunda
teatralidade. O ponto central da reflexão
de Barthes é a caracterização da palavra
como instrumento do poder e fundamento
necessário da acção: “O carrasco é aquele
que fala, que dispõe da linguagem na sua
inteireza; o objecto é aquele que se cala,
que fica separado, em virtude de uma ausência, mais absoluta do que todos os suplícios eróticos, de todo e qualquer acesso
à linguagem”. Esta análise sugere a Pasolini
a formulação de uma nova versão de Orgia,
mais atenta às questões levantadas por
Barthes, que leva a uma espécie de prioridade do tema linguístico relativamente
aos metateatrais e conceptuais que tinham
tido maior destaque na primeira versão. E,
com o aperfeiçoamento da questão linguística, tornam-se plenamente evidentes os
vários desvios auto-irónicos disseminados
no texto (por exemplo: “Como eu sofria!
/Trá-lá-lá”), que destituem substancialmente a autoridade burguesa da palavra,
estabelecendo as premissas da própria autodestruição de Orgia enquanto tragédia
da burguesia e da sua identidade de classe
social totalizadora.
Stefano Casi
I teatri di Pasolini, ed. Ubulibri, 2004
Trad. Ana Campos
A Encenação de Orgia
em 1968
O Porquê de uma Encenação
Em 1968 depois de ter escrito o “Manifesto
Para Um Novo Teatro” Pasolini fala da necessidade de pôr à prova as suas teorias (...).
Finalmente, no Teatro Stabile de Turim,
dirigido na altura por Bartolucci, Doglio,
Chiarella, Messina, Morteo, apresenta, na
temporada de 1968/69, a tragédia Orgia,
com encenação de Pier Paolo Pasolini, cenografia de Mario Ceroli, com Laura Betti,
Nelide Giammarco, Luigi Mezzanotte; a
música é de Ennio Morricone, estando ao
trompete Tolmino Marianini.
A Montagem no D.A.P. de Turim
A montagem fez-se no Deposito d’Arte
Presente de Turim, escolha que pode fazer
pensar em muito do teatro de vanguarda
destes anos, ambientado em locais muitas vezes não usuais, na pesquisa de um
contacto com os locais “da vida e do presente” e de um maior envolvimento com o
público.
Mas é de sublinhar que neste caso, no
interior, foram reconstruídos os clássicos
foyer, plateia e palco, e as clássicas “quatro
paredes”: tanto que Renzo Tiam, crítico do
Messaggero, escreveu que “na sala do D.A.P.
foi reproduzida uma estrutura idêntica aos
teatros que ele (Pasolini) abominava”.
O foyer é completamente tapado por palavras de ordem estampadas em papel que
pretendem fornecer leituras do espectáculo, na linha das indicações do Manifesto,
aliás republicado nos Quaderni do Stabile,
nessa ocasião: “O espaço teatral está nas
nossas cabeças”, “O actor é um crítico – O
encenador é um crítico – O espectador é
um crítico”, “Os escândalos têm lugar fora
deste lugar: nós estamos a cumprir um RITO
TEATRAL”, “O teatro pode ser um RITO porque também tem corpos”, etc.
A plateia é constituída por bancos em
vez das clássicas poltronas. No palco está
um grande estrado no qual está apoiada
uma caixa branca de três metros por dois
com uma tampa que se abre, para o público, no início de cada episódio; poucos são
os objectos que constituem a cenografia
depurada de Ceroli: uma porta, um candeeiro, uma corda, uma cama, uma cadeira,
um cinzeiro.
A luz é fixa, uniforme, clara, com projectores virados para o público entre um episódio e o outro – enquanto, de uma única
coluna de som, soa uma marcha fúnebre
que se torna música exultante e alegre no
final (depois do suicídio do protagonista).
Os actores que interpretam as personagens principais foram cuidadosamente escolhidos por Pasolini: Laura Betti foi sempre a sua intérprete ideal, a “sobrinha teatral de Gadda”; Luigi Mezzanotte também
vem dos circuitos não tradicionais, tendo
representado com Carmelo Bene. A representação pretende ser objectiva no que diz
respeito à palavra: devendo os actores ser
veículos vivos do texto, que dizem de modo
asséptico e didascálico, e para mais usando
microfones de som metálico, “estranhos”.
A Incompreensão da Crítica
Não há dúvidas de que o espectáculo não
consegue transmitir ao espectador e à crítica as ideias que estão na base das teorias
teatrais de Pasolini, ideias aliás de difícil
realização prática, dada a arbitrariedade
provocatória com que eram expostas no
“Manifesto Para Um Novo Teatro”.
As críticas da época testemunham uma
ampla incompreensão das intenções do
poeta-encenador, que é considerado, mais
que qualquer outra coisa, o narcísico provocador de sempre e ainda mais reaccionário: alguns críticos decididamente retrógrados disparam até contra uma alegada
degeneração de “invertidos”, reclamando
a intervenção da Democracia Cristã (em Lo
specchio fala-se de porno-marxismo); há
quem se lamente “daquela acústica péssima, aqueles horríveis bancos, aquele tecto
baixo e sufocante”.
As críticas mais esforçadas apontam
para a distância que parece irrecuperável
entre o texto dramático e a sua efectiva representação cénica: Roberto De Monticelli
escreve que “no teatro, a palavra tem o
seu peso específico que não é aquele que
tem na página. E aqui a dramatização da
palavra não existe”; Franco Cuomo fala de
“substancial fractura entre aquilo a que o
autor se fixou na fase de rascunho do texto
e aquilo que acabou por realizar na fase da
encenação”; Massimo Dursi mantém que
“esta primeira obra de Pasolini permanece
um pequeno poema sobre a angústia que
não explode dramaticamente e fenece liricamente”. Só um crítico do L’Unità mantém
que, seja como for, “a acção irrompe poderosíssima, de episódio em episódio”.
(...)
À distância de muitos anos, Luca Ronconi
– que assistiu – fez um juízo comedido da
encenação, se bem que negativo: “recordo
que a comunicação directa com os espectadores (que era a coisa que ele dizia que
havia mais) era praticamente nula; a mensagem não chegava, as palavras voltavam
dos espectadores como bumerangues. (...)
Havia uma tentativa de reproduzir a leitura
através da voz, uma leitura que ele pensava
ser “objectiva” do texto, como se negasse
ao actor qualquer responsabilidade no que
diz respeito ao texto, sem reflectir que a leitura já é um acto de extrema liberdade.”
A interessante oportunidade que representou o “Manifesto Para Um Novo Teatro”,
que falava do actor-intelectual, não vingou
na primeira verificação concreta, predominando, em termos muito restritivos, a
definição de veículo vivo do texto, onde o
texto é pensado utopicamente como bloco
estável e estático, imutável e legível num
só sentido – aquele que o autor-encenador
pretende, embora esteja por outro lado bem
consciente de que em particular uma peça
de teatro como Orgia nunca será representada nem sequer lida do mesmo modo. Por
isso, é fácil perceber como um crítico atento
como Franco Quadri tenha podido escrever
que naquela representação de Turim a palavra acabou “por não se distinguir em nada
daquela ‘conversa’ que o próprio Pasolini
censura noutro tipo de teatro”.
A Reacção de Pasolini
A reacção de Pasolini ao acolhimento negativo de Orgia é testemunhada em dois artigos publicados no Il Giorno.
O primeiro, intitulado “No Teatro Com
Pasolini”, é escrito “a quente” depois de
duas representações do texto, e lamenta
aliás a própria presença da crítica teatral: o
autor queria que o espectáculo fosse visto
num momento “de maior maturidade”, ou
se não pudesse ser, que também estivessem presentes os críticos literários, porque
“este novo tipo de teatro, que eu chamo da
palavra, é um misto de ‘poesia lenta em voz
alta’ e de ‘convenção teatral’, ainda que reduzida ao mínimo.”
Quanto ao público, o erro esteve logo
na raiz, dado que os destinatários que
Pasolini prenunciava eram a vanguarda
intelectual da burguesia, enquanto os convidados reais tinham sido simplesmente
aprovados pelo Teatro: “a relação não pode
deixar de ser um equívoco”, e não nos devemos espantar com “os longos torceres
de narizes vagamente enjoados, os olhos
carregados de sentimento, uma espécie de
ódio pessoal por quem os obrigou a um sacrifício, que se poderia literalmente definir
físico, por terem de ouvir grandes pedaços
semi-incompreensíveis, escritos em verso”,
mesmo que no final diga que “o público de
Turim é belissimamente educado e respeitador”.
(...)
No segundo artigo, com o título, “A Raiva
Primeiro, Depois a Confiança” o nosso autor não se distancia das impressões da primeira crónica, especialmente no que tem a
ver com a crítica: é um “público deformado”
que viu deslealmente o espectáculo só nos
dois primeiros dias, quando os actores não
tinham ainda experimentado a nova representação e a acústica era praticamente
experimental, por isso “quem veio com um
real interesse cultural, se ouviu e viu mal é
provável que volte”.
Depois de um semana de representações,
verifica-se uma alteração na composição do
público: nas primeiras noites esteve “quem
tem mais poder: e se sente, por razões sociais, num grau de absoluta paridade para
com os produtores do espectáculo (e isto é
bom), ou mesmo até ‘superiores’, que consideram que os que fazem teatro são seus
bobos (...) e o padrão imutável do próprio
juízo é a própria satisfação: que consiste em
consumir qualquer coisa já vista”.
Quem, por outro lado, viu as representações seguintes, mesmo fazendo parte
da mesma burguesia de Turim, é um público de profissionais, estudantes, operários
“caracterizados pelo respeito do trabalho
dos outros: que lhes é apresentado como
‘mensagem’ e não como ‘divertimento’. É
afinal de contas a burguesia ‘tímida’ amada
por Tati...” (...)
Alberto Ferrari
in Momenti teatrali nell’opera e nella
fortuna di Pier Paolo Pasolini. Tese di Laurea,
Università di Pavia 2002
Trad. PM
© Jorge Gonçalves
Biografias
José Airosa tem o curso de formação de
actores da Escola Superior de Teatro.
Estreou-se em 1991 com os Ópera Segundo
São Mateus, tendo depois trabalhado com
Carlos Pessoa, Luís Miguel Cintra, José
Wallenstein, Christine Laurent (Teatro da
Cornucópia). No Teatro da Malaposta trabalhou com Rui Mendes e José Peixoto.
Trabalhou ainda com João Perry, Jean
Jourdheuil e Giorgio B. Corsetti. Para a televisão integrou o elenco de Fé, Esperança
e Caridade de Horváth (real.: Maria João
Rocha). No cinema participou em Sinais
de Fogo de Luís Filipe Rocha, As Bodas de
Deus de João César Monteiro e António,
Um Rapaz de Lisboa de Jorge Silva Melo.
Nos últimos anos, nos Artistas Unidos e no
Teatro da Cornucópia, representou obras de
Goethe, Sarah Kane, Harold Pinter, Ferenc
Molnár, Shakespeare, Séneca, Heiner Müller,
Bertolt Brecht, irmãos Presniakov, Fausto
Paravidino e Jean-Luc Lagarce. Interpretou
a solo Itália-Brasil 3 a 2 de Davide Enia,
que estreou em 2004. Recentemente interpretou no TNDMII Bérénice de Racine com
encenação de Carlos Pimenta e Os Animais
Domésticos de Letizia Russo com encenação de Jorge Silva Melo. Realizou um recital
de poesia de António Ramos Rosa na Casa
Fernando Pessoa.
Sylvie Rocha trabalhou com Rogério de
Carvalho, Joaquim Benite, Jorge Listopad,
Miguel Guilherme, José Martins e José
Wallenstein. Com Os Satyros participou em
Woyzeck de Büchner. Com Brigitte Jacques
trabalhou em Sertório de Corneille (Teatro
da Cornucópia). Trabalhou com Luís Pais em
Nada do Outro Mundo de António Cabrita.
Com Manuel Wiborg trabalhou em O
Amante de Ninguém a partir de Dostoiévski
e Universos e Frigoríficos de Jacinto Lucas
Pires. Na televisão participou nas telenovelas Desencontros, Roseira Brava, Filhos do
Vento e Os Lobos. No cinema trabalhou com
Pedro Ruivo, Joaquim Sapinho, João César
Monteiro, Pedro Caldas, Jacinto Lucas Pires
e Jorge Silva Melo. Com os Artistas Unidos
participou em António, Um Rapaz de Lisboa
e Prometeu de Jorge Silva Melo, A Tragédia
de Coriolano de Shakespeare, A Queda do
Egoísta Johann Fatzer de Brecht, Crime e
Castigo de José Maria Vieira Mendes, Falta
de Sarah Kane, Sonho de Outono de Jon
Fosse, Cada Dia a Cada Um a Liberdade e
o Reino. Recentemente e com os Artistas
Unidos interpretou Marcado Pelo Tipex
de Antonio Onetti (encenação de João
Meireles), Inverno de Jon Fosse, Conferência
de Imprensa e Outras Aldrabices (vários autores) e Os Animais Domésticos de Letizia
Russo (encenações de Jorge Silva Melo).
Sofia Correia trabalha em teatro desde
1997 quando se iniciou no grupo GAS. É licenciada em Ciências da Comunicação na
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa. Entre
2001 e 2003 realizou vários workshops de
teatro, televisão e cinema. É professora de
Expressão Dramática. Frequenta o Curso de
Formação de Actores da Escola Superior de
Teatro e Cinema. Este é o seu primeiro trabalho profissional.
Pedro Marques frequentou o curso de luminotecnia do IFICT em 1988. Como luminotécnico trabalhou com Rogério de Carvalho,
José Peixoto, Rui Mendes, Luís Miguel Cintra,
José Meireles, José Mora Ramos, António
Fonseca, entre outros. Trabalhou no Teatro
Maizum, no Teatro do Tejo, no Teatro da
Malaposta entre 1989 e 1993, e no Teatro da
Cornucópia de 1993 a 1999. Trabalhou como
técnico de palco no CCB durante Lisboa 94
Capital da Cultura. É autor da banda sonora
de várias produções do Teatro do Tejo. Como
actor entrou, no Teatro da Cornucópia, em
A Margem da Alegria de Ruy Belo e Amor/
Enganos de Gil Vicente. Colabora regularmente com os Artistas Unidos desde 1998,
com traduções de autores como Harold
Pinter, Sarah Kane, Gregory Motton, David
Harrower, Gerardjan Rijnders, Anthony
Neilson, David Greig, Letizia Russo e
Pasolini; encenou Um Para o Caminho de
Pinter, Cicatrizes de Anthony Neilson e Itália
Brasil 3 a 2 de Davide Enia; entrou como actor em Traições e Nova Ordem Mundial de
Pinter, Cada dia a cada um a Liberdade e o
Reino, Terrorismo dos Irmãos Presniakov, O
Amor de Fedra de Sarah Kane, Dois Irmãos
de Fausto Paravidino; é co-editor da Revista
Artistas Unidos. Frequentou a International
Residency do Royal Court Theatre em 2002,
na modalidade de encenador. Foi distinguido com uma Menção Honrosa no Concurso
de Novas Dramaturgias organizado no
ano 2002 pelo Dramat, pela peça Pigs from
Hell. Co-encenou São Nicolau de Conor
McPherson (Teatro dos Aloés). Encenou no
CITAC a peça de final de curso A Ilha de Deus
de Gregory Motton.
Rita Lopes Alves trabalhou no guarda-roupa de vários filmes de Jorge Silva Melo,
Pedro Costa, Joaquim Sapinho, João Botelho,
Margarida Gil, Luís Filipe Costa e Cunha Teles.
No teatro tem trabalhado com Jorge Silva
Melo como cenógrafa e figurinista desde
1994. Realizou o guarda-roupa de Universos
e Frigoríficos de Jacinto Lucas Pires para a
APA. Tem dirigido os trabalhos de cenografia
e figurinos no projecto Artistas Unidos n´A
Capital. Ultimamente, assinou as cenografias de Terrorismo dos Irmãos Presniakov, O
Caracal de Judith Herzberg, T1 de José Maria
Vieira Mendes, O Nosso Hóspede de Joe
Orton, Se o Mundo Não Fosse Assim de José
Maria Vieira Mendes, No Papel da Vítima
dos Irmãos Presniakov, As Regras de Bem
Viver na Sociedade Moderna de Jean-Luc
Lagarce, Conferência de Imprensa e Outras
Aldrabices de Harold Pinter e outros e Os
Animais Domésticos de Letizia Russo.
Próximo espectáculo
música 8 de abril
21h30 · Em vários espaços da Culturgest · Dur. 1h20
Berio em Sequência
Pela OrchestrUtopica
Num total de catorze (que, com as variantes,
acabam por ser dezoito), as sequenze de Luciano
Berio espalham-se por um período de quase meio
século.
Desde a primeira, para Flauta (1958), até à
última, para Violoncelo (2002), elas reflectem de
um modo concentrado, a carreira e o génio de
uma das mais importantes figuras no panorama da
composição da segunda metade do século. Como
na restante obra de Luciano Berio, o respeito pelo
instrumento e pela sua história (que não se liquida
mas se prolonga), é aqui uma vez mais afirmado, e
de um modo ainda mais particular, tratando-se de
obras para solista.
As sequenze representam um testemunho
incontornável das tendências e das preocupações
estéticas de cada etapa criativa, não só deste
compositor, mas de toda uma geração, constituindo uma história viva e audível da evolução e
transformação da linguagem musical, naquele que
é um dos períodos mais fascinantes da história da
música: o século XX.
No concerto Berio em Sequência, os solistas da
OrchestrUtopica apresentam seis dessas sequenze
(curiosamente, inclui‑se neste programa, a primeira e a última), propondo um itinerário de
escuta em diferentes espaços da Culturgest e uma
relação participativa e inovadora com a música de
Luciano Berio.
Os portadores de bilhete para o espectáculo têm
acesso ao Parque de Estacionamento da Caixa
Geral de Depósitos.
Conselho de Administração
Presidente Manuel José Vaz
Vice-Presidente Miguel Lobo Antunes
Vogal Luís dos Santos Ferro
Assessores
Gil Mendo (Dança)
Francisco Frazão (Teatro)
Miguel Wandschneider (Arte Contemporânea)
Raquel Ribeiro dos Santos (Serviço Educativo)
Direcção de Produção
Margarida Mota
Produção e Secretariado
Patrícia Blazquez
Mariana Cardoso de Lemos
Jorge Epifânio
Exposições
António Sequeira Lopes (Produção e Montagem)
Paula Tavares dos Santos (Produção)
Susana Sameiro (Culturgest Porto)
Comunicação
Filipe Folhadela Moreira
Maria João Franco (estagiária)
Publicações
Marta Cardoso
Rosário Sousa Machado
Actividades Comerciais
Catarina Carmona
Serviços Administrativos e Financeiros
Cristina Ribeiro
Paulo Silva
Culturgest, uma casa do mundo.
Informações 21 790 51 55
Edifício Sede da CGD, Rua Arco do Cego, 1000-300 Lisboa
[email protected] • www.culturgest.pt
Direcção Técnica
Eugénio Sena
Direcção de Cena e Luzes
Horácio Fernandes
Audiovisuais
Américo Firmino (Chefe de Imagem)
Paulo Abrantes (Chefe de Audio)
Tiago Bernardo
Iluminação de Cena
Fernando Ricardo (Chefe)
Nuno Alves
Maquinaria de Cena
José Luís Pereira (Chefe)
Alcino Ferreira
Técnico Auxiliar
Álvaro Coelho
Frente de Casa
Rute Moraes Bastos
Bilheteira
Manuela Fialho
Edgar Andrade
Joana Marto
Recepção
Teresa Figueiredo
Sofia Fernandes
Auxiliar Administrativo
Nuno Cunha
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