Um escritor clássico que incomodava a era vitoriana

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setembro2011
Jornal Unesp
Ciências humanas
O espelho, Paul Delvaux
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Um escritor clássico que
incomodava a era vitoriana
Embora o Império Britânico tenha tomado Roma como modelo, tese revela
que obra erótica de Ovídio era malvista pela moral conservadora do século XIX
Embora se considerassem herdeiros do Império Romano, os vitorianos não lidavam bem com alguns
valores culturais de seus “precursores”, sobretudo nas questões sexuais. Um estudo da Faculdade de
Ciências e Letras, Câmpus de Assis, mostra como alguns críticos da
época emitiam opiniões moralizantes sobre o poeta Ovídio (Publius
Ovidius Naso, 43 a.C. – 18 d.C.),
famoso por fazer uma literatura
erótica, em grande parte voltada à
mulher emancipada.
Concepções da sexualidade romana na
Inglaterra vitoriana: a leitura sobre Ovídio
é a tese de doutorado da historiadora
Renata Cerqueira Barbosa, defendida
este ano. Ela contou com a orientação
do professor Hélio Rebello Cardoso
Jr., da FCL.
“A Era Vitoriana foi uma época
marcada por revolução industrial,
êxodo rural e imperialismo sobre
países da África, o que gerou riqueza,
mas também levou poluição às cidades, descontroles sociais e prostituição”, explica a pesquisadora. “Para
responder a essas questões, as teorias
liberais de controle demográfico e
social ganhavam força, e isso incluía a
imposição de uma moral rígida sobre
o comportamento sexual.” Diretrizes
da Igreja Anglicana, religião oficial do
Reino Unido, também reforçaram
essa conduta, acrescenta a estudiosa.
Renata afirma que havia a necessidade de justificar o Império Britânico para o mundo. O discurso
que vinculava o Reino Unido ao
Império Romano foi difundido amplamente – pelas artes, pela arqui-
tetura e pela imprensa. Reforçando
essa ideia, o meio intelectual recorria aos autores clássicos romanos, como Cícero (Marco Túlio Cícero, 106 a.C. – 43 a.C.). “Ovídio
também era uma influência para os
escritores vitorianos, mas essa referência era feita de forma velada,
embora frequente”, esclarece.
Moralismo – Renata estudou
artigos sobre Ovídio de três críticos ingleses: George Gordon Byron
(1788–1824), ou Lorde Byron, autor
de obras como Don Juan, que teve uma
vida conturbada, com amantes, separações e alegações de incesto; Algernon Charles Swinburne (1837–1909),
que escrevia poemas com realces sadomasoquistas, lésbicos, fúnebres e
antirreligiosos; e o dramaturgo Ro-
bert Browning (1812–1889), que foi
melhor reconhecido postumamente.
Nos artigos, a pesquisadora verificou opiniões extremamente negativas
e moralistas. “Era uma reprodução do
discurso conservador da elite inglesa”, comenta. Renata analisou, ainda,
uma tese defendida por Sybil Rose, em
1920, na Universidade de Londres, sobre a obra do poeta romano, em que o
tom de desaprovação moral se repete.
Dicas de sedução – Considerado um dos principais tradutores dos
textos gregos para o latim, Ovídio
era poeta elegíaco, ou seja, que declamava suas poesias em estilo melancólico. Já era famoso em Roma
quando produziu livros eróticos
que ampliaram a repercussão de seu
trabalho. Um deles, Ars Amatoria ou
Arte de amar, em português, é uma
espécie de manual de sedução em
três volumes. Renata fez uma análise
dessa obra em seu mestrado, na Universidade Federal do Paraná.
Os dois primeiros livros de Ars
Amatoria “ensinam” o homem a conquistar e a manter a mulher amada. O
terceiro era dirigido para as ex-escravas, mulheres livres que, pela lógica
social da época, não se casariam. Eram
“as outras”, as amantes dos homens casados. O texto era bastante explícito e
trazia desde dicas de beleza e higiene
(como comer uma maçã para disfarçar
o mau hálito), até conceitos avançados
para a época – por exemplo, o de que
o sexo deveria proporcionar prazer
igualmente para homens e mulheres.
Sugestões de vestuário, carícias e
poses que favoreciam a beleza do corpo, entre outros truques da conquista
amorosa, fizeram do livro uma espécie
de best seller da época. Até mesmo as
“matronas”, como eram chamadas as
senhoras casadas e respeitáveis, também se interessaram, desagradando
muito a machista sociedade romana,
explica a estudiosa.
Nessa época, o imperador Augusto
(Caio Júlio César Otaviano Augusto,
63 a.C. – 14 d.C.) vinha sendo pressionado a impor certa moralidade.
Ele já tinha proibido bacanais e reformava a constituição para oficializar as
regras do casamento. Historiadores
indicam que esse momento de rigor
pode ter sido a causa do banimento
de Ovídio de Roma. O poeta viveu
exilado na Romênia do ano 8 d.C. até
sua morte, dez anos depois.
Cínthia Leone
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