1 Afundamentos de Tensão Provocados por Descargas Atmosféricas Indiretas L. C. Alves, UFMG, A. E. A. Araújo, UFMG, G. C. Miranda, UFMG Resumo—Atualmente, transmitir e/ou distribuir energia elétrica com altos índices de qualidade aos seus consumidores é uma necessidade das companhias energéticas impostas tanto pela competitividade do mercado quanto pelos órgãos que o regulam. Devido ao aumento de cargas sensíveis nos sistemas de potência, um dos indicadores de qualidade cada vez mais influente é o afundamento de tensão. Este trabalho apresenta uma metodologia para a estimativa dos afundamentos de tensão provocados por descargas atmosféricas indiretas em linhas de distribuição de energia elétrica. O cálculo da sobretensão induzida pelas descargas é feito a partir de dados metereológicos, históricos e simulados, da região na qual a linha está localizada. A partir desse, é realizada através de método estocástico uma estimativa dos afundamentos que serão impostos ao sistema de distribuição. Palavras-Chave—Qualidade da Energia, Afundamentos de Tensão, Descargas Atmosféricas, Linhas de Distribuição, Tensão Induzida. I. INTRODUÇÃO A Maior parte dos índices de desempenho de um sistema de distribuição de energia elétrica é fortemente influenciada por sobretensões causadas pela incidência direta ou indireta de descargas atmosféricas. Devido à crescente modernização tecnológica nos processos industriais dos clientes das companhias, há necessidade de um fornecimento de energia confiável e de alta qualidade. Os distúrbios ocasionados por descargas atmosféricas indiretas numa linha de distribuição de energia degradam a qualidade do fornecimento, podendo causar desde interrupções dos processos industriais à perda de qualidade dos produtos. Para uma empresa de fornecimento de energia elétrica, isto pode significar desde perda de credibilidade a multas elevadas. O principal objetivo deste trabalho é apresentar uma metodologia para a estimativa do número de afundamentos de tensão provocados por descargas atmosféricas indiretas em sistemas de distribuição. Para isso, é realizado o cálculo das sobretensões induzidas pelas descargas a partir da teoria de Rusck [1] e adaptações necessárias, na mesma, para sua implementação em um programa de cálculo de transitórios eletromagnéticos, conforme sugerido em [1], [2], e [3]. A partir das sobretensões é realizada através de método estocástico uma estimativa dos afundamentos que serão impostos ao sistema de distribuição. Outro objetivo é mostrar que o problema pode ser mitigado utilizando-se pára-raios de óxido-metálico. II. CÁLCULO DA TENSÃO INDUZIDA A. Método Rusck-EMTP Devido à sua relativa simplicidade, um dos modelos mais utilizados para o cálculo da tensão induzida em linhas aéreas foi desenvolvido por Sune Rusck em sua tese de doutorado [1], defendida no ano de 1957. Os resultados do trabalho de Rusck, apesar de serem limitados à análise de casos relativamente simples, tinham grande acurácia com os dados de medições. A partir de algumas adaptações e da utilização de uma rotina para cálculo de transitórios eletromagnéticos no domínio do tempo (EMTP) é possível aplicar o método de Rusck nos sistemas aéreos usuais, conforme sugerido nas referências [2], [3], [4] e [5]. Esta adaptação à Teoria de Rusck é conhecida como método Rusck-EMTP. Esse método consiste basicamente em simular a interação dos campos elétrico e magnético, gerados pela descarga, com a linha. Isto é feito através da injeção de fontes de corrente equivalentes a essas componentes, ao longo de pontos da linha de comprimento L, particionada em n segmentos de comprimento ∆L. A Fig. 1 ilustra uma idéia básica do método. Para maiores detalhes ver [2], [3], [4], [5] e [6]. Fig. 1. Circuito equivalente para cálculo da tensão induzida em linhas aéreas pelo método Rusck-EMTP. B. Análise Probabilística das Descargas Atmosféricas A maior dificuldade das análises que envolvem surtos atmosféricos reside no fato da grande aleatoriedade dos 2 parâmetros envolvidos no fenômeno. Principalmente nos dois mais importantes para a estimativa das sobretensões induzidas e conseqüentes afundamentos de tensão, que são a localização do ponto de incidência e pico da corrente do canal da descarga. Isto porque estudos [7] já comprovaram que a maioria dos parâmetros relacionados a descargas atmosféricas (corrente do canal, tensão, etc) pode ser eficientemente representada por distribuições do tipo lognormal. A expressão matemática da densidade de probabilidade dessa distribuição é mostrada em (1). f I onde z M ln I z2 1 exp 2 I 2 trifásicos equilibrados, o que normalmente simplifica o seu cálculo significativamente. A Fig. 3, extraída de [12], mostra uma oscilografia da sobretensões nas fases de um sistema de distribuição experimental. A parte referente aos afundamentos desequilibrados se deve normalmente às assimetrias na configuração geométrica das estruturas dos postes, ou seja, níveis de isolamento diferentes para cada fase, quando a descarga ocorre em tempo seco. (1) ; M é a mediana da distribuição; ln é o desvio padrão logarítmico. Para uma boa representação dessa distribuição deve-se ter uma base de dados com pelo menos umas 30 amostras de pico de corrente. Já as coordenadas do ponto de incidência seguem uma distribuição uniforme no espaço, o que exige uma base de dados muito maior. Para isso, pode-se utilizar um método como o de Monte Carlo. Como os afundamentos de tensão ocorrem com uma freqüência muito pequena, segundo os estudos de realizados em [8], seria necessária uma base de dados histórica de vários anos, por exemplo, cerca de 30 anos para uma precisão de apenas 10%. O que normalmente não está disponível com facilidade. A fim de minimizar tal adversidade, e mesmo assim manter a acurácia dos resultados, se propõe utilizar uma base de dados histórica de poucos anos para pontos de incidência de descarga. E a partir dos mesmos gerar, aleatoriamente, uma base de dados ampliada. Fig. 2. Ilustração de um afundamento de tensão. III. ESTIMATIVA DO NÚMERO DE AFUNDAMENTOS DE TENSÃO Um afundamento de tensão é definido como uma redução do valor eficaz de tensão, numa faixa de variação de 0,1 pu a 0,9 pu, com duração entre 0,5 ciclo da fundamental a 1 minuto, sendo classificado principalmente pela amplitude, duração e freqüência de ocorrência. O afundamento pode ser equilibrado ou desequilibrado, de acordo com o tipo de falta que o gerou. Para maiores informações, ver [9], [10] e [11]. A Fig. 2 ilustra um afundamento de tensão em uma das fases de um sistema de distribuição. Como as tensões induzidas consideradas nas linhas de distribuição são provenientes de descargas indiretas, com canal de descarga com cerca de 2 km de comprimento e como as alturas e as distâncias dos condutores das fases diferem no máximo em poucas unidades de metro, a interação dos campos elétrico e magnético provoca nas três fases praticamente os mesmo níveis de sobretensão. Tal característica do fenômeno implica, na grande maioria dos casos, em afundamentos Fig. 3. Sobretensões induzidas por descarga indireta numa linha experimental. IV. ANÁLISE DOS RESULTADOS A. Considerações Gerais A fim de validar a metodologia sugerida, será feito o estudo de caso de uma linha de distribuição, fictícia, de 13 kV, porém com configuração muito semelhante à de uma linha de distribuição experimental localizada no México. A escolha se deve à rara disponibilidade de dados históricos da incidência descargas atmosféricas na literatura. A base de dados da linha experimental mexicana está disponível em [13], e a partir da mesma foram geradas as amostras para a linha fictícia. A linha considerada neste trabalho possui as seguintes características: - Classe de tensão: 13 kV - Sistema: trifásico 3 - Altura média dos condutores: 10 m Tipo dos condutores: 3/0 ACSR Comprimento: 2.8 km Isolamento: NBI de 95 kV ou CFO de 102 kV Nível ceráunico: GFD de 12.4 descargas/km/ano Impedâncias: seqüência positiva: 0,0970 + j0, 2600 pu/km seqüência zero: 0,1840 + j1,1200 pu/km A Fig 4. mostra o diagrama unifilar do sistema analisado. VAMT , é o nível de tensão para qual o barramento afundou; Z S é a impedância de curto-circuito do sistema; Z F é a impedância do ponto de falta ao PCC; E é a tensão do gerador do sistema. Fig. 6. Modelo Divisor de Tensão para cálculo do AMT. Fig. 4. Diagrama unifilar do sistema de distribuição. O barramento A do sistema de distribuição alimenta uma indústria com as seguintes características de curto-circuito: - Impedância de curto trifásico: 0,0494 + j0, 6590 pu - Impedância de curto monofásico: 7,87 00+ j2,2000 pu Uma visão básica da localização geográfica da linha (em destaque) e das amostras de descargas que compõem a base de dados, gerada pelo sistema de localização, está mostrada na Fig. 5., que foi retirada de [13]. Fig. 5. Dados do Sistema de Localização de Descargas da área Experimental. Devido à simplicidade do circuito usado no estudo de caso (sistema radial), pode-se realizar o cálculo aproximado do afundamento através do modelo Divisor de Tensão. O circuito equivalente do modelo está exibido na Fig. 6. Do modelo, pode-se concluir que uma falta provocada pela descarga indireta causará no ponto de acoplamento comum (PCC), no qual a carga está conectada, um afundamento momentâneo de tensão (AMT), dado por (2). VAMT Onde ZF E ZS ZF (2) Obviamente, deve-se lançar mão de metodologias e/ou ferramentas de cálculo mais apuradas, para uma melhor estimativa, quando se tratar de sistemas mais complexos. B. Determinação da ocorrência das faltas Um ponto crucial para a eficácia da metodologia proposta é a determinação da falta provocada pela sobretensão induzida pela descarga indireta. A ocorrência de uma falta causada pela disrupção num isolador, muito conhecida como flashover, pode ser determinada por meio de métodos estatísticos ou determinísticos, ambos baseados na tensão de suportabilidade do isolamento. O método probabilístico, do ponto de vista econômico, é mais interessante que o determinístico. Porém o mesmo deve ser feito através do cálculo do risco de falha, que envolve o cálculo integral e conhecimento das distribuições estatísticas dos níveis de sobretensões e suportabilidade do isolamento, conforme discutido em [14]. No entanto, o método determinístico, apesar de conservativo, possibilita a determinação de uma falta na cadeia de isoladores muito facilmente. O método determinístico mais utilizado na literatura é o que considera falha no isolamento quando a tensão aplicada no mesmo supera em pelo menos 1,5 vezes a sua tensão de suportabilidade, para 50% dos casos (V50% ou CFO). Deste modo, será considerado que ocorreu uma falta sempre que a incidência indireta de uma descarga elevar a tensão de algum ponto da linha para mais de 153 kV. C. Resultados As simulações das descargas da base de dados apontaram tensões induzidas que causaram flashover em apenas 3,7% dos casos, e somente no barramento B do sistema. O que resultaria no PCC somente AMTs para 54,58 pu. A partir disso, utilizando-se (3) chegou-se ao número esperado de 1,3 AMTs/por ano. num AMT GFD L PAMT 100 (3) Onde num AMT é o número de afundamentos momentâneos de 4 tensão provocados por descargas atmosféricas; GFD é a densidade de descargas do local da linha; L é o comprimento da linha (km); PAMT , percentual de AMT’s encontrados nas simulações. D. Mitigação dos AMTs por uso de pára-raios Atualmente, o uso de pára-raios de óxido metálico (ZnO, principalmente) é uma das melhores formas de mitigação dos AMT’s causados por sobretensões induzidas em sistemas de distribuição. Isto é devido ao fato do pára-raios de ZnO proverem ao sistema uma proteção eficiente, e uma excelente relação custo benefício, comparada a outros dispositivos supressores de surto. A Fig. 7 mostra um esboço com o formato típico da curva tensão versus corrente (VxI) de páraraios de ZnO (linha cheia) e de SiC (linha tracejada). Uma outra vantagem do uso de supressores de óxido metálico é o fato do mesmo poder ser conectado diretamente no sistema, sem a necessidade adicional de gaps, chaves controladas, etc. distribuição, o que exige metodologias de cálculo e previsão apropriadas. Apesar da relativa simplicidade do caso analisado, o mesmo foi capaz de mostrar que a metodologia de estimativa do número de afundamentos de tensão provocados por surtos atmosféricos indiretos com o auxílio do Método Rusck-EMTP é plenamente aplicável. Porém, sua eficiência está intimamente ligada ao volume e confiabilidade da base de dados gerada pelo sistema de localização dessas descargas. Ainda cabe ressaltar que uma boa escolha para mitigar os afundamentos de tensão dos sistemas de distribuição frente a surtos atmosféricos é a utilização de pára-raios de óxidometálico, estrategicamente posicionados. VI. REFERÊNCIAS [1] [2] [3] [4] [5] [6] Fig. 7. Modelo Divisor de Tensão para cálculo do AMT. Como o sistema analisado é um caso muito particular, praticamente susceptível a curtos induzidos por descargas indiretas em apenas um ponto de falta, foi possível reduzir a zero o número esperado de AMTs no sistema, utilizando-se apenas três pára-raios de ZnO, posicionados nos seus barramentos B, C e D (realizando as novas simulações com a mesma base dados). Ainda cabe ressaltar que a eficiência da proteção com páraraios de ZnO está extremamente ligada à qualidade da resistência de aterramento destes equipamentos. Já que as sobretensões induzidas resultantes são diretamente proporcionais à mesma. [7] [8] [9] [10] [11] [12] V. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES A constante evolução tecnológica vem aumentando a quantidade de carga sensíveis conectadas nos sistemas de distribuição, o que exige fornecimento de energia elétrica com altos índices de qualidade. Atualmente, o afundamento de tensão causado por distúrbios atmosféricos é um dos principais fatores de influência na qualidade da energia dos sistemas de [13] [14] S. Rusck. “Induced Lightning Over-Voltages on Power-Transmission Lines with Special Reference to The Over-Voltage Protection of LowVoltage Networks”. Tese de Doutorado, Göteborg, 1957.2 IEEE: std 1410, IEEE Guide for Improving the Lightning Performance of Electric Power Overhead Distribution Lines, 2004. J. O. S. Paulino. “Tensões induzidas por descargas atmosféricas em redes Elétricas: Implementação da teoria de Rusck no EMTP; Estudo da influência das perdas na linha.”, Exame de classificação para cargo de professor da UFMG, Belo Horizonte, 1994. J. O. S. Paulino, A. E. A. Araújo, G. C. de Miranda. ”Lightning Induced Voltage Calculation in Lossy Transmission Lines”, IEEE Transactions on Magnetics, Vol 34, No. 5, Setembro de 1998. A. E. A Araújo, J. G. Costa, J. P. Silva, H. W. Dommel. “Calculation of lightning-induced voltage with RUSCK’s method in EMTP. Part I: Comparison with measurements and Agrawal’s coupling model”. Electric Power Systems Research. Vol. 60, Setembro de 2001. J. P. Silva, A. E. A Araújo, J. O. S. Paulino. “Calculation of lightninginduced voltage with RUSCK’s method in EMTP. Part II: effects of lightning parameter variations”. Electric Power Systems Research. Vol. 61, Dezembro de 2001. A. J. Eriksson , M. F. Stringfellow and D. V. Meal., “Lightning – Induced Overvoltages on Overhead Distribution Lines”.IEEE Transactions on Power Apparatus and systems, vol. PAS-101, n 4, Apr. 1982. CIGRE: Working Group 33.01, Guide to Procedures for Estimating the Lightning Performance of Transmission Lines – CIGRE Brochure 63, Paris, Outubro de 1991. M. F. Alves, J. G. Costa, V. R. C. Fonseca. “Impacto Econômico do Afundamento de Tensão na Indústria: Uma Metodologia Aplicada a grandes redes elétricas”. 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Vol. 61, Dezembro de 2001. L. C. Alves, M. B. Martins, F. B. Teixeira, S. L. Senna, J. A. Vasconcelos, A. E. A. Araújo, S. S. Soares. ”Metodologia para Posicionamento Ótimo de Pára-Raios em Linhas de Distribuição de Energia Elétrica”, XII Encontro Regional Ibero-Americano do CIGRÉ, p. 8, Maio de 2007. 5 VII. BIOGRAFIAS Leandro Chagas Alves é aluno do curso de pós-graduação em Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Graduou-se em Engenharia Elétrica pela UFMG em 2006. Suas principais áreas de interesse são transitórios eletromagnéticos, compatibilidade eletromagnética e qualidade da energia, nas quais desenvolve pesquisa atualmente. (e-mail: [email protected]) Antônio Emílio Angueth de Araujo é PhD em Engenharia Elétrica pela The University of British Columbia e professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFMG desde 1980. (e-mail: [email protected]) Glássio Costa de Miranda é Professor Adjunto na Escola de Engenharia, Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi graduado na UFMG em Engenharia Elétrica em 1987. Em 1990 foi pós-graduado na UFMG como Mestre em Engenharia Elétrica. Em 1994 foi pós-graduado na Universidade Estadual de Campinas como Doutor em Engenharia Elétrica. Trabalha nas áreas de alta tensão, transitórios eletromagnéticos, compatibilidade eletromagnética e qualidade da energia. (email: [email protected])