UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC CENTRO DE CIÊNCIA DA EDUCAÇÃO, HUMANAS E LETRAS ORIENTADOR: PROF. DR. ROQUE STRIEDER MESTRANDA: NATALINA SALETE BORTONCELLO DA SILVA DISSERTAÇÃO FILOSOFIA: UMA POSSIBILIDADE PARA REFLETIR GRANDES TEMAS/PROBLEMAS DA ATUALIDADE HUMANA Maravilha p/Joaçaba 2007 1 UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC CENTRO DE CIÊNCIA DA EDUCAÇÃO, HUMANAS E LETRAS ORIENTADOR: PROF. DR. ROQUE STRIEDER MESTRANDA: NATALINA SALETE BORTONCELLO DA SILVA DISSERTAÇÃO FILOSOFIA: UMA POSSIBILIDADE PARA REFLETIR GRANDES TEMAS/PROBLEMAS DA ATUALIDADE HUMANA Dissertação apresentada ao Programa de Pesquisa: Ensino-Aprendizagem, da UNOESC — Joaçaba/SC. Maravilha p/Joaçaba 2007 2 3 4 Que o jovem não espere para filosofar, nem o velho de filosofar se canse. Ninguém, com efeito, é ainda imaturo ou já está demasiado maduro para cuidar da saúde da alma. Quem diz não ter chegado sua hora de filosofar ou já ter ela passado, fala como quem diz não ter ainda chegado ou já ter passado a hora de ser feliz. EPICURO 5 DEDICATÓRIA Dedico essa Dissertação ao meu pai Jorge Bortoncello (in memoriun) e minha mãe Ilda de Ávila Bortoncello, os quais devo minha vida biológica e espiritual. Aos meus filhos João Filho, Ana Paula e João Antônio e a meu esposo João Clovis da Silva, os quais amo muito. 6 AGRADECIMENTOS Neste momento especial de reflexão da vida e das realizações acadêmicas resta agradecer: - Ao meu Orientador Prof. Dr. Roque Strieder, pela dedicação acima de seu compromisso acadêmico, possibilitando minha ascensão e motivação para concluir este Mestrado. - Aos demais professores do curso pela colaboração e orientação nas discussões e formação de novas concepções. - Aos membros da banca pela significativa e indispensável contribuição na conclusão desta Dissertação. - Aos colegas de Mestrado que me apoiaram nas horas difíceis. - Aos colegas de trabalho da EEB Nossa Senhora da Salete, especialmente a Rosemari Barden Turcatto e Antônio Valmor de Campos. - Às pessoas que acreditam e confiam em meu potencial, que mesmo não estando nominados fazem parte da minha história. - Aos amigos especiais que sabem da minha consideração. - Aos meus doze irmãos e irmãs e todos os familiares, principalmente, a Inês, a Ana, o Jorge Odilar, minha cunhada Silvana e meu afilhado Diego, pela participação especial. - E acima de tudo, agradeço a Deus, ao Universo e aos meus Guias Espirituais, por me concederem luz, proteção e sabedoria em todos os momentos da minha vida. 7 RESUMO A problemática sobre a presença ou ausência da Filosofia na educação escolar brasileira, sempre foi conflituosa e tem oscilado muito no decorrer das várias fases da educação brasileira. Constata-se a ausência, em determinadas fases da reflexão filosófica nas escolas. Com a consolidação do ensino público a polêmica permanece, mas, argumentos cada vez mais consistentes a consolidam, gradativamente, como um componente curricular. Para conhecer e entender melhor a relevância da filosofia na vida escolar e para o cotidiano de vida dos alunos, foi desenvolvido uma pesquisa junto a alunos e professores do Ensino Médio em escolas do município de Maravilha-SC. A temática central versa sobre motivação ou não em relação à Filosofia e os conteúdos trabalhados em sala de aula. A problematização foi assim expressa: Como e que tipo de reflexão é conduzida pelos professores que trabalham a disciplina de filosofia em escolas de Ensino Médio do município de Maravilha-SC? Os objetivos foram: verificar quais temas são levados pelos professores para serem refletidos junto aos alunos; o que pensam os alunos em relação aos temas e às reflexões feitas nas aulas de Filosofia; ainda, verificar quais as estratégias metodológicas que favoreceram reflexões participativas e contribuem na construção de conhecimento. A pesquisa teve caráter qualitativo e contou com a participação de oito alunos da Escola de Educação Básica Nossa Senhora da Salete, e seis Escola de Educação Básica João XXIII, dois do Centro de Educação de Jovens e Adultos – CEJA, dois do Centro de Educação Universo do Saber – CEUS e os professores que lecionam filosofia nas mesmas. Como instrumento de coleta foi utilizado um questionário. Entre os resultados destacamos a afirmação de que os temas levados para discussão integram conteúdos da Filosofia. Que a postura do/a professor/a é fundamental para a motivação da aprendizagem dos alunos. Os temas discutidos, quando envolvem situações do cotidiano e afetas à vida dos jovens, merecem atenção e motivam a participação. Os alunos destacam o desejo de compreender o mundo, em sua estrutura e configuração, bem como as possibilidades da vida e em vida. Temas sobre questões sociais, éticas e sobre a condição humana, tanto no âmbito da formação, quanto no da preparação para o trabalho ou no relacionamento interpessoal, são os mais promissores em termos de motivação. A Filosofia continua sendo referência de significativa importância para o aperfeiçoamento pessoal, para a formação humana, para a reflexão sobre a condição existencial, o ser e o estar aqui, sem negligenciar os inúmeros desafios da formação profissional. Palavras-chave: Filosofia; Reflexão e motivação; Temas filosóficos. 8 ABSTRACT The problems on the presence or absence of philosophy at the Brazilian school education, has always been confrontational and has oscillated much during the various stages of Brazilian education. There is a lack in certain phases of philosophical reflection in schools. With the consolidation of public education remains a controversy, but arguments increasingly consistent to consolidate, gradually, as a component curriculum. To know and better understand the relevance of philosophy in school life and the daily life of the students, a search was conducted with students and teachers of high school in the municipality of schools Wonder-SC. The central theme versa on motivation or not in relation to the philosophy and content worked in the classroom. The problematization was well expressed: How and what kind of reflection is conducted by teachers who work the discipline of philosophy in schools from high school in the commune of Wonder-SC? The objectives were: check which subjects are taken by teachers to be reflected with the students, the students who think in relation to the themes and the reflections made in class of Philosophy; yet, check what strategies methodological reflections which facilitated participatory and contribute in construction of knowledge. The qualitative research had character and counted with the participation of eight students of the School of Basic Education Our Lady of Salete and six School of Basic Education John XXIII, two of the Center of Education for Youth and Adults - JSCA, two of the Centre for Education Worlds Learn from - CEUS and teachers who lecionam under the same philosophy. How instrument was used to collect a questionnaire. Among the findings highlighted the claim that the issues brought for discussion integrate content of Philosophy. That the attitude of / a teacher and the motivation is fundamental to the learning of students. The topics discussed when involve situations of daily life and afetas the lives of young people, deserve attention and motivate participation. Students highlight the desire to understand the world in its structure and configuration, as well as the possibilities of life and in life. Subjects on social issues, ethical and the human condition, both in the field of training, as in the preparation for work or in interpersonal relationships, are the most promising in terms of motivation. The philosophy remains reference of significant importance for improving personnel, training human, for reflection on the existential condition, and to be here, without neglecting the many challenges of training. Keywords: Philosophy; Reflection and motivation; philosophical themes. SUMÁRIO 9 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .......................................................................................... 10 1.1 PROPOSTA METODOLÓGICA ...................................................................................... 16 1.2 POPULAÇÃO ATINGIDA E PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS .... 18 2 NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DA FILOSOFIA .......................................................... 20 2.1 OS PRIMEIROS FILÓSOFOS .......................................................................................... 21 2.2 CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DOS PENSADORES CLÁSSICOS ............................. 23 2.3 PERÍODO HELENÍSTICO ................................................................................................ 25 2.4 A FILOSOFIA NO PERÍODO MEDIEVAL ..................................................................... 28 2.5 A IDADE MODERNA....................................................................................................... 31 2.6 A IDADE CONTEMPORÂNEA ....................................................................................... 33 2.7 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA ............................................................. 35 3 RELAÇÃO DA FILOSOFIA COM OUTRAS ÁREAS DO CONHECIMENTO ........ 43 3.1 FILOSOFIA: RELAÇÃO PROFESSOR/ALUNO X ESCOLA ........................................ 47 3.2 PROPOSTAS NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO - PCNEM .................................................................................................... 49 3.3 A REFLEXÃO FILOSÓFICA E A POSSIBILIDADE DE MUDANÇA NO MODO DE PENSAR E VIVER .................................................................................................................. 50 3.4 OS GRANDES TEMAS A SEREM DISCUTIDOS NAS AULAS DE FILOSOFIA ...... 51 4 SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS EMPÍRICOS .......................................................... 63 4.1 REFLEXÃO SOBRE AS INFORMAÇÕES OBTIDAS JUNTO AOS ALUNOS ........... 63 4.2 REFLEXÕES SOBRE AS INFORMAÇÕES OBTIDAS JUNTO AO PROFESSORES . 74 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 80 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 88 10 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS A sociedade está vivendo momentos de transformações extremas em todos os seus segmentos e a escola inserida neste meio, passa por diversas discussões para atender, da melhor forma, esta nova demanda de educandos, com vivências e saberes diferentes daqueles vividos pelos seus professores. Diante disto a escola busca adequar sua matriz curricular e surgem as discussões a cerca da importância, o que e para quem trabalhar determinado componente curricular. Neste desenrolar, a discussão em torno das disciplinas do eixo das humanas, passaram a ganhar força entre os professores e principalmente entre os alunos. Hoje, pode-se observar que as formas desviam a atenção dos conteúdos, a ênfase sobre os heróis desvia a atenção do processo histórico. Produz-se uma visão compartimentalizada da realidade, não há interação entre as partes, uma está desconectada da outra. Subjacente a esta maneira de ver a sociedade fragmentariamente, a esse fenômeno de restrição da capacidade de pensar em termos de estruturas, está a concepção acumulativa do conhecimento, a concepção de que aprender significa absorver informações e não proceder o relacionamento de umas com as outras. Dessa forma, a realidade passa a ser reproduzida de maneira fragmentada, sem haver correlação entre as partes e o todo que a compõe. O indivíduo passa a ter uma visão exclusiva de uma única possibilidade estrutural. Então, continuamos adeptos das estruturas e exatamente da concepção de Democrito e Leucipo: o átomo tem existência. Por exemplo, as concepções da física quântica reconhecem a existência de processos e não de estruturas sólidas e determinadas, sobre as quais nada pode ser mudado. No entanto isso é uma proposição que carece de afirmação para tornar-se majoritária, por enquanto prevalece a já consolidada concepção de uma sociedade imutável, de verdades absolutas – estruturada sobre supostas bases sólidas - nada se muda e o caminho é lógico. Assim, os professores que não estabelecem relações entre a filosofia, a arte, a ciência, e os aspectos sociais, pouco criam, provocando 11 uma deformação da curiosidade natural do educando, formando um sujeito que pouco se interessa pela realidade social. A dificuldade, porém, é preparar um professor/professora que esteja preocupado com as diversas dimensões que ultrapassam o dualismo, buscando guarida em novas posições da vida social, passando pela construção do conhecimento e manutenção de informações ou dos dados, que não estejam isolados do conjunto. É preciso situar as informações e os dados em seu contexto fazendo reflexões permanentes, para que adquiram sentidos, de acordo com as condições e os movimentos sociais em que ocorrem. Nos tempos atuais, por uma especialização suscitada pela competitividade profissional, sobretudo nas áreas técnicas, vemos que essa especialização tem se dado num ritmo cada vez mais acelerado e quase sempre em detrimento de uma concepção de mundo mais abrangente, desprezando a constituição de uma base cultural sólida dos educandos desse nível de ensino. Nesse sentido, Silva (1992, p. 162) chama atenção, “[...] um tratamento de questões que possam fornecer os contornos da base cultural [...] ou se dá no nível do segundo grau ou, na prática e na maioria das vezes, nunca mais”. No Brasil, durante o período colonial, mais precisamente em 1534, aconteceu a primeira experiência pedagógica formal como educação escolar, que se baseava na pedagogia dos jesuítas. Alves (2002, p. 10), explica que o ensino acontecia em dois estágios: um ensino secundário e um ensino superior. Neste contexto pedagógico, a filosofia correspondia a um curso superior incluindo teologia, onde se estudava a filosofia que interessava realmente aos projetos dos jesuítas. No Período Pombalino, Marquês de Pombal realizou várias reformas, principalmente no campo educacional, representando uma abertura às idéias iluministas e liberais. A mais significativa destas reformas, aconteceu em 1772, com a fundação da Universidade de Coimbra. Foram criadas mais duas faculdades: matemática e filosofia. Segundo Alves (2002, p.14), “a filosofia é compreendida neste período como ‘ciência natural’, numa perspectiva pragmática e utilitária, de acordo com a ‘concepção de mundo burguesa’, que tem como sua maior preocupação o domínio do mundo material.” 12 Por volta de 1808, durante o Período Imperial, houve uma estruturação do ensino superior responsável pela reprodução política e administrativa. As disciplinas de ciências naturais foram transferidas do curso de filosofia controlado pela igreja, para os cursos médicos e para a academia militar, e depois para a escola politécnica. Após a Independência, em 1822, a estrutura escolar modificou-se, passando a existir o setor do ensino estatal (secular) e o ensino particular (religioso e secular), sendo do Estado a responsabilidade de organizar o ensino por ele ministrado, conforme Alves (2002, p. 21). A problemática em torno da presença ou ausência da Filosofia na educação escolar oscilou muito depois da Proclamação da República. Por ocasião da Primeira República, em 1889, as reformas educacionais significavam formar uma nova elite para um novo Estado. A República fundada com idéias liberais e positivistas, contrapunha-se à Monarquia e à Igreja católica, e uma das medidas adotadas foi descentralizar o poder, instituindo como forma de governo, o Federalismo. Este rompimento teve diversos reflexos na organização social, política e econômica, com reflexos na educação. Desta forma, o ensino escolar se tornou o principal instrumento ideológico do Estado, sendo propostas várias reformas educacionais. Alves (2002, p. 26-27), esclarece que Benjamin Constant, ministro da Instrução Pública, baixou o decreto nº 981 de 8 de novembro de 1890, antecipando-se à Constituição de 1891 nas reformas educacionais, introduzindo disciplinas científicas nos currículos escolares. Porém, pela primeira vez, a filosofia, enquanto disciplina escolar, fica ausente do currículo. Alves cita Cartolano (1985, p. 47/49), na tentativa de explicar o processo de inclusão e exclusão da Filosofia no currículo: Sendo retirada do currículo na Reforma de Benjamin Constant, em 1890, que conferia predominância à parte científica, a filosofia retorna ao currículo em 1901, com a Reforma de Epitácio Pessoa, que acentuava a parte literária, retirando sociologia, biologia e moral e incluindo lógica no 6º ano secundário; em 1911, Rivadávia da Cunha Corrêa, então ministro da Justiça e Negócios Interiores, parlamentar ligado aos positivistas do Rio Grande do Sul, empreende a terceira reforma republicana, no período da sua gestão, 1910-1914, conhecida como Reforma Rivadávia Côrrea, que torna a retirar a filosofia do currículo, ao introduzir uma organização mais prática dos 13 programas do Colégio Pedro II; em 1915, uma nova reforma se faz necessária, a de Carlos Maximiliano, que volta a contemplar a filosofia no currículo, mas, num curso facultativo, que deveria ser cursado para além das disciplinas obrigatórias; e, finalmente, com a Reforma Rocha Vaz, em 1925, tem-se a última reforma educacional até 1930, e a filosofia volta a figurar no currículo como matéria obrigatória. (2002, p. 29). O segmento social que o aluno pertence é um fator importante, na formação de seus conhecimentos, pois, como um ser social, sente os reflexos do meio que está envolvido, e, a partir dele é influenciado. Mas acima de tudo interage numa troca recíproca de saberes, desperta a necessidade de compreensão de si mesmo e do outro para aperfeiçoar-se, a partir de comparativos. As aulas de filosofia podem tornar-se um objeto primordial dessa compreensão e interação. Em decorrência disso, essas aulas tornam-se um instrumental indispensável no presente projeto de pesquisa. Diante da realidade que estou vivenciando, como professora de Filosofia, preocupada com a educação, me senti motivada em conhecer o que os alunos do Ensino Médio pensam sobre a Filosofia, se há motivação pela disciplina ou não. Da mesma forma pretendo buscar elementos sobre os motivos dos alunos adotarem uma ou outra posição. Também busco lançar um olhar sobre a metodologia e saber quais conteúdos ministram nas aulas de Filosofia. Serão abordados os pensamentos de autores atuais e contemporâneos ou pós-modernos, nos quais se buscará subsídios para contribuir na elucidação das questões levantadas, como: Dalton José Alves (2002), Celso João Carminati (2003), Maria Cartolano (1985), Gabriel Chalita (2005), Marilena Chauí (2004), Maria Lúcia de Arruda Aranha (1992), Cipriano Carlos Luckesi (1995), Morin (2002), Maturana (1995), Assmann (1996), Lipmann (1990), entre outros. Os PCNs e a Proposta Curricular de Santa Catarina, também servirão de subsídios indispensáveis nas reflexões e comparativos necessários ao andamento da construção da pesquisa e análise dos resultados, e as inter-relações com os demais componentes curriculares. Esse relatório é uma tentativa conhecer a realidade das escolas de Ensino Médio do município de Maravilha em relação à disciplina de filosofia. Ressaltando sua importância e os aspectos que envolvem sua obrigatoriedade no currículo. Pretendemos compreender o motivo pelo qual parte dos alunos, aparentemente, 14 apreciam as aulas de filosofia e outros dizem simplesmente que não há motivação para estudá-la. A construção de espaços da Filosofia e das Ciências Humanas em sociedades industriais e tecnológicas apresenta-se frágil, pois o ser humano, e, por conseguinte os conteúdos selecionados para serem inseridos nas propostas e planos de educação não refletem o conjunto de procedimentos necessários para assegurar a afirmação deste espaço. Um exemplo é o que consta na Proposta Curricular de Santa Catarina e nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que ensaiam também a indicação de algumas concepções, no entanto sem respaldo na prática e postura dos educadores. A questão é se estes conteúdos seriam suficientes para apresentar uma visão ampla do contexto social, tendo a Filosofia como ferramenta indispensável neste processo. Se o nosso viés for pela possibilidade de a Filosofia ser capaz de modificar comportamentos e situações ao ponto de produzir alterações sociais significativas, será necessária uma compreensão ainda mais profunda da importância que ela representa no processo. Como conseqüência dessa realidade, outras formas de compreensão da sociedade haveriam de aparecer e invadir rapidamente a vida social. Poderia ser dito que estaria em curso e processo de mudança no comportamento e na visão social. Essa reflexão pode vir do diplomado ou do especialista que conhece maravilhosamente o seu domínio, com um nível de instrução suficientemente elevado para manter o seu status profissional, mas que, enquanto executante, presta-se apenas ao papel de repassador de conhecimentos ou conteúdos. Como mero executor ou consumidor, já não se interessa pelo resto da vida social, (pois não se sente responsável pela participação das decisões), ao menos não demonstra na prática esse compromisso. Ao lançar um olhar sobre o processo participativo e democrático, percebe-se a ausência de comprometimento da maior parte da população que não se sente motivada ou então prestigiada para participar, opinar e sugerir. A falta de uma visão mais ampla e reflexiva por parte dos educadores que atuam na disciplina da Filosofia ou mesmo a perda de visão de totalidade leva o 15 professor a enfatizar mais o detalhe, que o conjunto no processo de ensino. A particularidade passa a conduzir os objetivos do ensino, dificultando a abstração e a compreensão das relações dos objetos em estudo, correndo o risco de produzir uma visão reduzida do mesmo. A Filosofia não se propõe a resolver os problemas de ninguém, não faz milagres, mas pode ser utilizada como contribuição capaz de fomentar as reflexões indispensáveis, para compreender situações e problemas que do dia-a-dia e superálos. Como dizia Sócrates: “Conheça-te a ti mesmo”, o conhecimento leva ao agir e ao desafio; por isso é que se deve pensar bem antes de agir. Ao escolher o tema: “Filosofia: Uma Possibilidade Para Refletir Grandes Temas/Problemas da Atualidade Humana”, tinha a idéia de discutir especificamente “A atuação na disciplina de Filosofia dos profissionais, habilitados ou não, nas escolas de Ensino Médio do município de Maravilha/SC e as reflexões inerentes às mesmas”, sendo esta a delimitação do tema. Entre as inquietações presentes, ao escolher o tema, defini uma como prioritária e problema de pesquisa “Como e que tipo de reflexão é conduzida pelos professores que trabalham a disciplina de filosofia, nas escolas de Ensino Médio do município de Maravilha/SC?” A partir do problema a definição dos objetivos. Como objetivo geral: “Procurar entender como é feita a reflexão na disciplina de Filosofia, pelos professores e alunos de Ensino Médio, do município de Maravilha.” Por sua vez, como objetivos específicos: 1 Verificar quais temas são levados pelos professores para serem refletidos junto aos alunos; 2 Verificar o que os estudantes do Ensino Médio pensam em relação às reflexões feitas nas aulas de Filosofia; 3 Verificar as estratégias metodológicas que favoreceram reflexões participativas e a construção/aquisição de conhecimento. 16 1.1 PROPOSTA METODOLÓGICA Este estudo está classificado como descritivo, pois irá expor características de uma determinada população, conforme sustenta Vergara (2000). Foi empregada uma abordagem qualitativa, pois, para Bourdieu (1989, p. 25) é a: “arrogância da ignorância” que faz com que se dê uma aparência de escolha metodológica àquilo que nada mais é do que a “necessidade tornada virtude, [...] Escolhe-se um método porque não se tem condições de operar com um outro”. Foi feita por amostragem levando em consideração o número de alunos das escolas e os professores que atuam nelas, como professores e professoras de Filosofia, sejam habilitados ou não. Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um questionário. A partir deste instrumento metodológico pretende-se obter as informações quanto à motivação e desmotivação da disciplina de Filosofia na escola de Ensino Médio, das Escolas do município de Maravilha/SC, como está proposto na presente dissertação. O desafio atual do trabalho em Filosofia é buscar alternativas ao positivismo que concebe a ciência como instrumento capaz de resolver todos os problemas da vida, sejam eles de ordem espiritual, social ou financeira. Numa alternativa positivista são evitadas as oscilações que possam pautar reflexões diferenciadas, ficando numa linearidade. Isso até poderia ser aceitável em processos das ciências naturais, mas não concebível, por exemplo, em determinadas reflexões filosóficas. O procedimento positivista induz a uma postura quantitativa, limitando as ações à análises matemáticas, sem considerar os aspectos qualitativos que envolvem o contexto da pesquisa, o objeto pesquisado e o próprio pesquisador. A pretensão foi ultrapassar este nível de pesquisa buscando amparo em alternativas qualitativas que permitam reflexões mais amplas sobre os resultados e os procedimentos adotados na realização da pesquisa. Mesmo sabendo que há uma inclinação metodológica pela postura cartesiana ou positivista, nos seminários oferecidos pelo programa de mestrado foi dada a oportunidade de lançar olhares sobre outras possibilidades de “codificar” o 17 conhecimento, sendo este visto como o resultado da interação da visão de mundo em que o sujeito humano, não de forma isolada, mas de conjunto. Uma boa reflexão pode contribuir com o desenvolvimento da percepção ultrapassando os limites dos sentidos – visão, tato, olfato, audição, paladar – e prédispondo o ser humano como parte desse mundo, elaborando seus próprios conceitos. A idéia que o mundo não é apenas um conjunto de coisas isoladas se encaixa a essa proposta de reflexões filosóficas feitas ou a fazer nas aulas de Filosofia, no Ensino Médio. Também é um caminho aceitável na implementação da presente proposta de pesquisa, que precisa levar em consideração todos os aspectos que circundam os elementos envolvidos, professores e estudantes no papel de implementar reflexões a partir também das suas concepções, sem desconsiderar as influências dos sentimentos e das emoções na postura dos mesmos. Ressalto aqui, mesmo a despeito de alguns, que não há um isolamento irrestrito entre as propostas metodológicas apresentadas atualmente pela academia, pois estas se encontram inseridas em contextos diferentes, com resultados imprevisíveis, muitas vezes. Com a adoção desta proposta metodológica a parte empírica da pesquisa teve a intenção de estabelecer relações entre os dados e os pressupostos teóricos apresentados e discutidos, no intuito de tornar o conhecimento um elemento de reflexão. A questão é compreender como o conhecimento filosófico é capaz de afetar na consciência das pessoas. A Filosofia pode ser um referencial que favoreça a identificação da percepção que os seres humanos têm desse mundo. Ainda é possível justificar a adoção dessa proposta metodológica por sua proximidade com a Filosofia: “A fenomenologia é um método filosófico que analisa o processo intelectual, do qual nós introspectivamente somos conscientes, sem considerar as possíveis conexões que nos são dadas com os objetos externos existentes. O mundo é visto de forma pura, livre de associações com a realidade que vivemos” (CHALITA, 2005, p. 369). Reconheço a fragilidade dessa concepção quanto a falta de determinação de um método rigoroso em sua postura, no entanto, a flexibilidade que ela oferece permite maior amplitude das reflexões propostas ou as realizadas a partir da 18 provocação das questões propostas aos estudantes e professores que se dispuseram a ser parceiros de pesquisa. 1.2 POPULAÇÃO ATINGIDA E PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS Os dados foram coletados junto às escolas de Ensino Médio do município de Maravilha. São quatro escolas que oferecem este nível de ensino: Duas escolas públicas do ensino regular, a EEB João XXIII e EEB Nossa Senhora da Salete, uma escola particular, Centro de Educação Universo do Saber (CEUS) e Escola de Educação de Jovens e Adultos (CEJA). Definidas as unidades escolares, o momento seguinte foi de realizar os contatos com as respectivas direções das escolas solicitando permissão para a feitura da pesquisa, explicando seus objetivos e propósitos. Em seguida a proposta foi apresentada em todas as salas de aula das escolas com curso de Ensino Médio. Após breve explanação sobre o projeto, foi disponibilizado aos alunos o questionário, o qual foi respondido pelos que demonstraram interesse. Responderam um grupo de alunos de cada escola por turno, assim distribuídos: EEB Nossa Senhora da Salete, dois alunos da primeira série do turno matutino e um aluno de cada um dos outros turnos e dois alunos da terceira série do turno matutino e um aluno de cada um dos outros turnos, totalizando oito alunos. Da EEB João XXIII, um aluno da primeira série de cada turno e um aluno da terceira série de cada turno, totalizando seis alunos. No Centro de Educação de Jovens e Adultos – CEJA, foram dois estudantes no total e no Centro de Educação Universo do Saber - CEUS, foi um aluno da primeira e um aluno da terceira série. O total geral foi de 10 alunos, escolhidos a partir dos questionários respondidos nas escolas, respeitando a proporcionalidade entre os sexos. Com relação aos Professores e Professoras que lecionam Filosofia nestas escolas, diplomados ou não na área, foram convidados a participar da pesquisa, sendo em número de cinco. O questionário caracteriza uma forma de levantamento de dados que permite uma análise mais detalhada das respostas oferecidas pelos entrevistados. 19 A apresentação dos dados coletados serviu para desenvolver as reflexões considerando o contexto em que está inserido, permitindo as abordagens qualitativas inerentes aos estudos desta natureza. A intenção do capitulo seguinte é oferecer um referencial que possibilite, de forma prática a contextualização do pensamento filosófico, seus principais autores e idéias desenvolvidas por cada um deles, nos diferentes tempos históricos. Mesmo sabendo que pode parecer prescindível, acredito na importância do mesmo, principalmente imaginando que a presente pesquisa pode ser acessada por pessoas não diplomadas na filosofia, as quais teriam facilidades na compreensão do texto com os elementos disponibilizados. 20 2 NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DA FILOSOFIA Há vários séculos, a Filosofia tem se preocupado com os problemas que envolvem o ser humano, com a natureza e tudo o que existe nela. A Filosofia pode ser considerada a mãe de todas as ciências, pois a maioria dos ramos do conhecimento deve suas reflexões iniciais aos filósofos. A partir da Filosofia, a ciência impulsionou o ser humano na reorganização e busca de entendimentos para os questionamentos verificados no campo das idéias. Foram inúmeras tentativas, erros e acertos, a princípio empíricos, em seguida organizados metodicamente – método científico – que parecia ser capaz de oferecer todas as respostas. Mas, com o passar do tempo foi se confirmando a necessidade de aceitar pensamentos divergentes e interagir com a realidade. A razão do ser humano é exercitada exatamente pela inquietação transformada em ferramentas e procedimentos capazes de visualizar profundamente o campo das hipóteses: Em suma, a filosofia surge quando se descobriu que a verdade do mundo e dos humanos não era algo secreto e misterioso, que precisasse ser revelado por divindades a alguns escolhidos, mas que, ao contrário, podia ser conhecida por todos, através da razão, que é a mesma em todos; quando se descobriu que tal conhecimento depende do uso correto da razão ou do pensamento e que, além de a verdade poder ser conhecida por todos, podia, pelo mesmo motivo, ser ensinada ou transmitida a todos (CHAUÍ, 2004, p. 20). Conforme a história, a Filosofia nasceu na Grécia, numa região chamada Jônia, na cidade de Mileto, por volta dos anos 600 a.C. O filósofo Tales foi seu precursor e por isso considerado o Pai da Filosofia. Seu surgimento deve-se à busca de explicações, de forma racional, sobre a origem e as causas do mundo e suas transformações, bem como, da origem e as causas das ações humanas e do próprio pensamento. Sendo assim, a filosofia é: Entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico, demonstrativo e sistemático da realidade natural e humana, da origem e das causas da ordem do mundo e de suas transformações, da origem e das causas das ações humanas e do próprio pensamento, a filosofia é uma instituição cultural tipicamente grega que, por razões históricas e políticas, veio a tornar-se, no correr dos séculos, o modo de pensar e de se exprimir predominante da chamada cultura européia ocidental da qual, em decorrência da 21 colonização européia das Américas, nós também fazemos parte – ainda que de modo inferiorizado e colonizado (CHAUÍ, 2004, p. 26). Filosofia é uma palavra de origem grega, cujo significado é: philos, que quer dizer amizade, amor; e sofia, sabedoria, saber. Portanto, o filósofo é considerado amigo da sabedoria, alguém preocupado e que vive em busca do conhecimento. Pitágoras foi o filósofo que inventou a palavra filosofia. Ele afirmava que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas os seres humanos podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos, ou seja, o verdadeiro sábio é aquele que ama e deseja ampliar cada vez mais seus conhecimentos e saber desvendar os mistérios sobre o mundo onde vive: Os filósofos gregos, observando as constantes transformações que ocorrem na natureza, buscavam uma explicação racional para os fenômenos naturais, explicação que não era satisfatoriamente oferecida pelos mitos ou pelos deuses. [...] Os escritos desses primeiros filósofos perderam-se quase que totalmente. Sobraram apenas alguns fragmentos - pequenos trechos, pedaços de frases que chegaram até nós graças aos filósofos posteriores, como Aristóteles, que comentaram o pensamento pré-socrático. Ainda assim, esses fragmentos têm sido discutidos ao longo de toda a história da filosofia, até a atualidade (CHALITA, p. 32, 2005). Ao longo dos tempos, a Filosofia vem tendo importância fundamental na vida das pessoas, em todos os aspectos, seja no entendimento da vida, na economia, no trabalho, na religião, no lazer, enfim, tudo se utiliza dela, um pensar de ser humano, sociedade e mundo. O filósofo grego Platão afirmava que a primeira condição para tornar-se filósofo é admirar-se com as coisas, afinal da admiração vem a capacidade de problematizar. Kant, filósofo alemão, declarava que aprende-se apenas a filosofar e não “filosofia”. Desta forma, identifica-se a Filosofia como uma escolha, um conhecimento existente nas pessoas que fogem do conformismo instituído e buscam mudanças, pois ela é a ciência dos princípios e valores gerais da existência, da conduta e do destino do ser humano. 2.1 OS PRIMEIROS FILÓSOFOS O primeiro filósofo foi Tales de Mileto (623-546 a.C.), ele concluiu que a água é a substância primordial, a origem única de todas as coisas. Para ele, somente a 22 água permanece basicamente a mesma, em todas as transformações das coisas, apesar de assumir três estados físicos: sólido, líquido e gasoso. Toda forma de vida origina-se da água, para onde retorna quando tudo se dissolve. Outro filósofo é Anaximandro (610- 547 a.C.), viveu na mesma época de Tales. Acreditava não ser possível eleger uma única substância material como princípio primordial de todos os seres. Ele achava que o mundo seria apenas um entre uma infinidade de mundos que evoluiriam e se dissolveriam em algo que ele chamou de ilimitado ou infinito. A substância que gera todas as coisas é algo diferente das coisas criadas, uma vez que todas as coisas criadas são limitadas. Anaxímenes (588-524 a.C.) admitia que a origem de todas as coisas é indeterminada. No entanto não podia dar-lhe caráter oculto, que está fora dos limites observáveis, ele pensava que a origem de todas as coisas é o ar. Ele acreditava que água é ar condensado e o fogo ar rarefeito. Sendo por tanto o ar a origem da terra, da água e do fogo. Para Pitágoras (570-490 a.C.) o início de todas as coisas está nos números, pois, eles representam a ordem e a harmonia. Todas as coisas têm uma essência matemática, da qual derivam problemas como finito e infinito, par e ímpar, unidade e multiplicidade, reta e curva, círculo e quadrado etc. Pitágoras diria que no fundo de todas as coisas a diferença entre os seres consiste essencialmente em uma questão de números (limite e ordem das coisas). O filósofo Heráclito (540-480 a.C.), propunha que a matéria básica do universo seria o fogo. Pensava também que a mudança constante, ou o fluxo seria a característica mais elementar da natureza. Anaxágoras (500-428 a.C.) foi um filósofo que não concordava que uma determinada substancia básica – água, por exemplo – pudesse ser transformada em tudo o que se via no mundo natural. Ele sustentava que a natureza se constituía de um numero infinito de minúsculas partículas invisíveis aos olhos. Além do mais, tudo poderia ser dividido em partes ainda menores, mas mesmo nas partes mais infinitas haveria fragmento de todas as outras coisas. Demócrito (460-370 a.C.), foi contemporâneo de Sócrates, mas tinha muito mais em comum com os pré-socráticos na sua forma de pensar. Afirma que todas coisas que existem são constituídas por partículas indivisíveis chamadas de átomos, 23 além deles somente o vácuo que representa a ausência de ser, devido a sua existência, o movimento do ser acontece. O período pré-socrático foi dominado pelas pesquisas relacionadas à natureza, a busca de um princípio primordial para todas as coisas existentes. Seguiu-se a este período uma nova fase filosófica, caracterizada pelo interesse no próprio homem e nas relações do homem com a sociedade. Essa nova fase filosófica foi dominada pelos sofistas e pelos filósofos clássicos, Sócrates, Platão e Aristóteles. 2.2 CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DOS PENSADORES CLÁSSICOS Os sofistas eram professores viajantes que vendiam ensinamentos práticos de Filosofia. Sempre levando em consideração os interesses dos alunos pagantes, davam aulas de eloqüência e de habilidade mental, ensinando conhecimentos úteis para o sucesso nos negócios públicos e privados. Os principais representantes da filosofia dos sofistas foram Protágoras de Abdera (485-410 a.C.), Górgias de Leôncio (485-380 a.C.) e Hípias (século V a.C.). Segundo Chalita, (2005, p. 46): “Para os sofistas, tudo devia ser avaliado segundo os interesses do homem e de acordo com a forma como este vê a realidade social. Isso significava que, segundo essa corrente de pensamento, as regras morais, as posições políticas e os relacionamentos sociais deveriam ser guiados conforme a conveniência individual”. Colocando o homem como medida para todos as coisas, bem como, capaz de convencer a todos pela arte de persuadir através da retórica e de discursos bem elaborados. Nesse universo a sociedade grega foi evoluindo, surgindo então um dos maiores filósofos da história: Sócrates. Nascido em Atenas (469-399 a.C.), ele foi, provavelmente, a figura mais enigmática de toda a história da filosofia. Nunca escreveu uma só palavra, e apesar disso foi um dos filósofos que mais influenciaram o pensamento europeu: Sabemos que Sócrates nasceu em Atenas e que ali passou toda a sua vida [...]. Enquanto viveu já era visto como uma pessoa enigmática e logo depois de sua morte foi considerado o fundador das mais diversas correntes filosóficas. E justamente porque era tão 24 enigmático e porque o que dizia podia ser interpretado de diversas formas é que correntes filosóficas tão diferentes puderam reivindicálo como o precursor de seus princípios. (GAARDEN, 1999), p. 79). Sócrates utilizava dois métodos próprios para ensinar: a ironia e a maiêutica. A ironia de Sócrates consistia em fazer perguntas aos seus interlocutores até que estes não tinham mais respostas, percebendo assim sua ignorância, para logo após introduzir a maiêutica. Na segunda fase do diálogo, o objetivo de Sócrates era ajudar seus discípulos a conceberem suas próprias idéias. Assim, transpunha para o campo da filosofia o exemplo de sua mãe, que, sendo parteira, ajudava a trazer crianças ao mundo. Por isso essa fase do diálogo socrático, destinada a concepção de idéias, era chamada de maiêutica, termo grego que significa “arte de trazer a luz”. Sócrates foi condenado a morte, mas deixou discípulos para continuar seu legado, um deles é o também ateniense Platão (427-347 a. C). Ele era um racionalista, via a razão como a única forma de se obter conhecimento. Acreditava que o mundo onde vivemos é um mundo de cópias imperfeitas de um ideal perfeito que se encontra no mundo das idéias. Platão também difundiu idéias referentes à política, para ele, o Estado deveria ser governado pelos sábios, com equilíbrio e temperança. Nas palavras de Gabriel Chalita (2005, p. 55): “O ser humano, de acordo com Platão, é composto de corpo e alma, sendo a alma a parte mais importante e mais ideal do indivíduo. Ela seria imortal e eterna, existindo desde sempre no mesmo plano do mundo das idéias. Desse lugar, ela viria para se encarnar num corpo, constituindo então um homem.” Platão afirma que o mundo material é uma passagem, na qual a alma evolui vivendo uma experiência humana, para poder alcançar a perfeição e evoluir até o ponto de atingirmos a classe dos sábios, e então chegarmos a classe mais evoluída do poder e nos tornarmos sábios-reis. Ou seja, se evoluirmos espiritualmente, também evoluímos na classe social entre os humanos. Outro filósofo influente foi Aristóteles (384 - 322 a. C), foi um organizador, que queria definir os conceitos formados pelo homem. Foi ele o fundador da Lógica. Ele identificou várias normas que regulam o processo de se chegar a conclusões. Um 25 exemplo disso é que ao afirmar que todas as criaturas vivas são mortais, os animais são criaturas vivas, portanto, os animais são mortais. Segundo Aristóteles, apenas o homem viveria a vida completa da natureza, pois, cresce se alimenta como as plantas, têm sentimentos e a capacidade de se mover como os animais, mas também possui a capacidade de pensar racionalmente, no entanto ele era um empirista, afirmava que nada chega a mente humana sem antes passar pelos sentidos: Sócrates se indispôs com os poderosos do seu tempo, que o acusaram de não crer nos deuses da cidade e de corromper a mocidade e por isso o condenaram a morte. [...] Platão (428-347 a.C.) viveu em Atenas, onde fundou uma escola denominada Academia. [...], o mito da caverna é uma alegoria das principais formas de conhecimento, a sensível e a intelectual: na teoria das idéias, Platão distingue o mundo sensível, dos fenômenos, e o mundo inteligível, das idéias. [...] Aristóteles “traz as idéias do céu à terra”: rejeita o mundo das idéias de Platão, fundindo o mundo sensível e o inteligível no conceito da substância (ARANHA, 2003, p. 121 a 123). Num segundo momento antropológico e clássico (século V a.C), a Filosofia vai produzindo uma nova identidade e tomando diferentes funções sociais. Atenas desponta como cidade “pólis”, tendo uma nova organização e uma nova liderança econômica e política independente. O homem muda seu espaço rural para urbano, junto com essa mudança à filosofia aponta a nova natureza humana. A convivência humana precisa ser fundamentada em um novo ideal de educação democrático, afirmando a igualdade entre todos os homens (não era considerado cidadão ateniense, os escravos, estrangeiros e mulheres), segundo, Chauí (2004, p. 40): “para conseguir que sua opinião fosse aceita nas assembléias, o cidadão precisava saber falar e ser capaz de persuadir, os demais. [...], a nova educação estabelece como padrão ideal a formação do bom orador, isto é, aquele que sabia falar em público e persuadir os outros na política”. 2.3 PERÍODO HELENÍSTICO Considerado o último período da Filosofia Antiga (século III a. C a III d. C), foi neste período que a Grécia deixou de ser o centro político e filosófico, passando a pertencer ao grande Império Romano. Surgindo grandes sistemas e doutrinas 26 filosóficas, ou seja, explicações sobre a realidade vigente, envolvendo a natureza, o ser humano e a divindade e a relação existente entre eles. A palavra helenismo refere-se ao período de tempo decorrido entre o reinado de Alexandre Magno e a ascensão de Roma, e à cultura predominantemente grega que prevaleceu nos três reinos helenísticos da Macedônia, Síria e Egito. O Helenismo caracterizou-se pela extinção das fronteiras entre vários países e culturas. Antes, gregos, romanos, egípcios, babilônios, sírios e persas veneravam seus próprios deuses, no contexto do que se chama de religião nacional. Essas culturas se misturaram, juntando idéias religiosas, filosóficas e científicas: Alexandre Magno era rei da Macedônia. Aristóteles também era natural da Macedônia e por algum tempo chegou mesmo a ser professor do jovem Alexandre. Foi Alexandre que conseguiu a derradeira e decisiva vitória sobre os persas. [...], ele uniu o Egito a todo o Oriente, até a Índia, à civilização grega. [...] Surgiu uma comunidade internacional, na qual a cultura e a língua gregas desempenhavam papel preponderante. Este período, que durou cerca de trezentos anos, é freqüentemente chamado de helenismo. Por helenismo entendemos a cultura predominantemente grega vigente nos três grandes reinos Helênicos, a Macedônia, a Síria e o Egito (GAARDEN, 1999, p.144) A visão que os gregos tinham da vida passou a ser mais difundida do que na Grécia antiga. Mas durante o período helenístico os deuses orientais e gregos também eram venerados nos países do mediterrâneo. Novas formações religiosas surgiam, trazendo consigo os deuses e os credos de muitas nações antigas, o que podemos chamar de sincretismo ou fusão. O fato de conter ensinamentos sobre como a humanidade poderia alcançar a salvação da morte era uma característica comum da nova formação religiosa. A filosofia também avançava cada vez mais na direção da salvação e da serenidade. Pensava-se que, para além de seus valores intrínsecos, as percepções filosóficas poderiam ser úteis para libertar a humanidade do pessimismo e do medo da morte. Assim, as fronteiras entre religião e filosofia foram aos poucos sendo tornadas mais indistintas. Quando morreu (323 a.C.), Alexandre Magno deixou o maior império, que o mundo já conhecera, ligando a civilização grega ao Egito e ao Oriente, chegando até a Índia. As conquistas de Alexandre marcaram o início de uma nova época na 27 história da humanidade, dando origem a uma civilização na qual a cultura e a língua grega tiveram um papel dominante. O grande porto de Alexandria, no Egito, tornou-se o centro intelectual e comercial do helenismo. Era uma sociedade próspera, que atraía estudiosos, mercadores e artistas de várias outras nações. Enquanto Atenas, depois de Platão e Aristóteles, era o centro da filosofia. Alexandria era o centro da ciência helenística. Com bibliotecas e museus vastos, Alexandria liderava o desenvolvimento nas áreas da matemática, astronomia, biologia e medicina. Ocorre uma mistura cultural fomentando as reflexões, como se observa em Gaarden (1999, p. 145): “[...] todas essas diferentes culturas foram misturadas num caldeirão, por assim dizer, de concepções religiosas, filosóficas e científicas”. Do século II a.C. em diante, Roma começou a conquistar os reinos helenísticos e, por volta do final do século seguinte, a cultura romana e a língua latina predominavam da Espanha, ao Egito e à Ásia Menor. O período romano representou uma continuação e não uma ruptura da civilização helenística. Roma tinha sido profundamente influenciada pela cultura grega, e os romanos tinham um grande respeito pela arte, literatura e filosofia grega. Mesmo sendo o latim a língua oficial, o grego continuava a ser a língua comum das províncias do leste, e os romanos instruídos eram bilíngües. Augusto, o primeiro imperador romano, trouxe paz, prosperidade e bom governo a Roma. Desta época em diante, os romanos praticaram um culto imperial, pelo qual decretavam aos imperadores supremacia política e religiosa e muitas vezes os deusificavam após a morte. Nos séculos seguintes, o poder e o militarismo romanos reinaram em todos os vastos territórios. Em meados do século III a.C., no entanto, o império começou a desmoronar e se instalou uma consciência de declínio. Neste período, a sociedade romana tornou-se mais consciente do nascimento do que parecia uma seita judaica. No entanto, apesar de perseguições ocasionais, o Cristianismo se difundiu pelo império, e, por volta de 300 d.C., representava um décimo da população. No século IV, o Cristianismo recebeu apoio do imperador Constantino, e, de culto ilegal transformou-se em religião oficial do Império Romano. 28 Essa identificação entre Igreja e Estado representou um desdobramento de profunda significação histórica, que, nos mil anos seguintes, influenciaria a civilização ocidental. Destacam-se quatro grandes sistemas que influenciaram o pensamento cristão, que começou a formar-se nesta época: estoicismo, epicurismo, ceticismo e neoplatonismo. Desta maneira o Império Romano se amplia cada vez mais, e as religiões orientais, os contatos comerciais e culturais entre oriente e ocidente, aproximou ainda mais os filósofos helenísticos com a sabedoria oriental. Entre os principais filósofos helenísticos podemos destacar; Diógenes, Sêneca, Epicuro e Plotino. Da mesma forma, podemos destacar, nas palavras de Aranha (2005, p. 49): “As filosofias epicuristas e, sobretudo, as estóicas (nas suas tendências ecléticas) marcarão o pensamento romano nas figuras de Cícero, Sêneca, Epíteto e Marco Aurélio”. Vale ressaltar mais uma citação que ilustra a descrição: [...], a filosofia do helenismo continuou a investigar os problemas levantados por Sócrates, Platão e Aristóteles. O ponto comum entre eles era o desejo de responder às perguntas sobre qual seria a melhor maneira de o homem viver e morrer. Assim, a ética também foi colocada na ordem do dia e se transformou no mais importante projeto filosófico da nova comunidade internacional. A questão era saber em que consistia a verdadeira felicidade e como ela podia ser alcançada (GAARDEN, 1999, p. 147). Podemos comparar a cultura helênica com o mundo de hoje, marcada por uma comunidade internacional cada vez mais aberta, gerando muitas transformações culturais, religiosas e filosóficas, novamente com raízes no pensamento clássico (Sócrates, Platão e Aristóteles), entre outros. 2.4 A FILOSOFIA NO PERÍODO MEDIEVAL As idéias gregas foram se expandindo e influenciando o pensamento europeu. Então o cristianismo foi fundado, cresceu e dominou toda a Idade Média, período conhecido como os dez séculos de escuridão. A igreja passou a comandar todos os setores da sociedade, não permitindo que se pensasse de outra forma que 29 não fosse a contida nos ensinamentos bíblicos, as portas estavam fechadas para a filosofia. Ao desenvolvimento da Igreja e a propagação do cristianismo foram os grandes acontecimentos da Idade Média. O cristianismo aos poucos se espalhou por toda Europa, chegando à Escandinávia no século XI: Apesar dos tempos turbulentos, a herança cultural greco-latina é resguardada nos mosteiros. Os monges são os únicos letrados num mundo em que nem nobres nem servos sabem ler. Podemos então compreender a influência que a Igreja exerce não só no controle da educação, como na fundamentação dos princípios morais, políticos e jurídicos na sociedade medieval. [...] No período final da Idade Média, o embate entre os reis e o papa evidencia o ideal de secularização do poder em oposição à política da Igreja, e anuncia a formação das monarquias nacionais. (ARANHA, 2005, p.70/71). Nessa expansão, absorveu muito dos costumes cristãos como a Páscoa e o Natal. Aos poucos o cristianismo tornou-se uma filosofia de vida e para muitas pessoas a vida não tem sentido quando não há uma religião. A Igreja exerceu um controle sobre a educação, cultura, administração e lei, e também uma forte influência na política, embora ao surgirem os Estados nacionais, os governantes se dispunham a questionar a autoridade da Igreja. O líder do cristianismo ocidental era o bispo de Roma, que recebeu o título de Papa e tornouse o representante de Cristo na Terra. A idade média tem-se caracterizado por duas escolas: Patrística, com idéias contrárias ao pensamento pagão, ou seja, em defesa da fé e a conversão dos nãocristãos. “A exposição da doutrina religiosa tenta harmonizar a fé e a razão, a fim de compreender a natureza de Deus e da alma e os valores da vida moral”. De acordo com Aranha (2005, p. 72), podemos ressaltar da mesma forma que: “A Patrística se caracteriza pela intenção apologética, isto é, de defesa da fé e conversão dos nãocristãos”. Desde que surgiu o Cristianismo, tornou-se necessário explicar seus ensinamentos às autoridades romanas e ao povo. Mesmo com o estabelecimento e a consolidação da Doutrina Cristã, a Igreja Católica sabia que esses preceitos não podiam ser simplesmente impostos pela força. Eles tinham de ser apresentados de maneira convincente, mediante um trabalho de conquista espiritual. 30 Foi assim que os primeiros Padres da Igreja se empenharam na elaboração de inúmeros textos sobre a fé e a revelação cristãs. O conjunto desses textos ficou conhecido como patrística, por terem sido escritos principalmente pelos grandes Padres da Igreja. Uma das principais correntes da filosofia patrística, inspirada na filosofia greco-romana, tentou munir a fé de argumentos racionais. Esse projeto de conciliação entre o Cristianismo e o pensamento pagão teve como principal representante o Padre Agostinho. A escolástica se baseia mais no campo teológico. A filosofia nessa época foi clerical, dogmática, autoritária, conservadora e moralista. No final deste período surge como classe a burguesia, sujeito histórico, um pensar humanista e o declínio do feudalismo. Os principais representantes da filosofia medieval foram, Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1274): Com a queda do Império Romano, sob o impacto da invasão dos povos vindos do Norte da Europa, a Igreja Católica assumiu a tarefa de civilizar a educar esses povos, assimilando-os à cultura grecoromana. Foi nesse clima que se formou a escolástica, método pedagógico por excelência, fundado na lógica aristotélica e que serviu tanto como instrumento de educação quanto como veículo de evangelização, cujo conteúdo era uma teologia vazada na filosofia neoplatônica, cristianizada por santo Agostinho (SEVERINO, 2002, p. 59). No século VIII, Carlos Magno começou a organizar o ensino em todo o seu império fundando escolas ligadas a instituições católicas. A cultura greco-romana, guardada nos mosteiros até então, voltou a ser divulgada, passando a ter influência mais marcante nas reflexões da época. Tendo a educação romana como modelo, começaram a ser ensinadas as seguintes matérias: gramática, retórica, dialética, geometria, aritmética, astronomia e música. Todas elas estavam, no entanto, submetidas a teologia, vemos nas palavras de Aranha (2005, p. 75): “A idéia de um princípio divino ordenador do mundo é o cerne do pensamento tomista” e ainda segundo Aranha: “Para Santo Tomás, a educação é uma atividade que torna realidade aquilo que é potencial [...] A idéia de atualização das potencialidades se sustenta também na teoria aristotélica da matéria e da forma”. 31 A fundação dessas escolas e das primeiras universidades no século XI fez surgir uma produção filosófico-teológica denominada escolástica (de escola). A partir do século XIII, o aristotelismo penetrou de forma profunda no pensamento escolástico, marcando-o definitivamente. Isso se deveu à descoberta de muitas obras de Aristóteles, desconhecidas. A busca de harmonização entre a fé cristã e razão manteve-se, no entanto, como problema básico de especulação filosófica. Nesse sentido, pode-se dividir o período escolástico em três fases: a primeira fase vai do século IX ao século XII, é caracterizada pela confiança na perfeita harmonia entre fé e razão. A segunda fase, do século XIII e início do século XIV, caracterizada pela elaboração de grandes sistemas filosóficos, merecendo destaque as obras de Tomás de Aquino, nesta fase considera-se que a harmonização entre a fé e a razão pode ser apenas parcial. E por fim, a terceira fase que vai do século XIV até o século XVI, é a decadência da escolástica, caracterizada pela afirmação das diferenças fundamentais entre fé e razão. 2.5 A IDADE MODERNA Na época chamada moderna, houve um novo projeto de sociedade, trazendo consigo uma visão científica, crítica e antropocêntrica do universo, valorizando a razão e os princípios da ciência, essa visão foi inspirada no racionalismo (confiança extrema na razão), neste sentido: [...] intrinsecamente vinculado ao individualismo, pois para competir e crescer o indivíduo precisava, além de crer em si próprio, utilizar sua capacidade de observar, refletir e discernir o melhor caminho para alcançar seu objetivo, ou seja, colocar a razão como meio para alcançar os fins (CHALITA, 2005, p.180). Os pensadores modernos baseiam-se em experiências, na racionalidade e na natureza. Destacamos, entre os pensadores desta época, Descartes “Penso, logo existo” que enfatiza o pensamento que vigorou nesta época: [...] pode-se dizer que o pensamento do século XVII caracterizou-se fundamentalmente por ser metafísico e racionalista, enquanto no século XVIII ele apresentaria uma tendência mais epistemológica - 32 isto é, de investigação sobre como as idéias se formam na mente humana e como as pessoas podem obter conhecimento verdadeiro das coisas – e empirista - ou seja, que enfatiza o papel da experiência (metodologicamente orientada) no processo de formação das idéias e do conhecimento (CHALITA, 2005, p. 252). O empirismo foi a corrente filosófica que abriu espaço para a crítica ao idealismo e ao racionalismo, despontando para o progresso tecnológico. Já o movimento iluminista prega a superioridade da razão sobre tudo. Para organizar e adquirir novos conhecimentos se apropria do mudo racional e empírico. Em decorrência do iluminismo surge o movimento positivista que aplica às ciências naturais e sociais para garantir os novos conhecimentos reais que rompem princípios tidos como verdadeiros: A Idade Moderna se caracterizou no plano filosófico-cultural por um projeto iluminista: tudo o que se faz é feito com a convicção de que as luzes da razão natural iluminam os homens, eliminando as trevas da ignorância. Por meio dos conhecimentos obtidos racionalmente, os homens não apenas se esclarecerão individualmente como ainda poderão construir uma sociedade mais adequada e justa (SEVERINO, 2002, p. 61). Portanto, na idade moderna, o projeto novo da sociedade capitalista, a burguesia traz uma visão científica, crítica, antropocêntrica e radical do universo, o homem e sociedade. A valorização e a busca da razão das coisas são princípios da ciência inspirada no racionalismo burguês, que tem seu controle econômico, político e ideológico da sociedade. No final do século XIV houve dois grandes acontecimentos, a Reforma e o Renascimento e o homem passou novamente a ser centro do pensamento. Então o conhecimento se expandiu de forma rápida tanto nas artes como nas ciências, na astronomia, física e também nas descobertas marítimas. Surgiram neste período nomes famosos como Galileu Galilei, Leonardo Da Vinci, Michelangelo, Maquiavel, entre outros. Na filosofia as correntes filosóficas foram fortalecidas. Surgiram nomes como Descartes, Pascal, Kant, Hobbes, Hume, Bacon, etc. A sociedade moderna se desfruta do saber das ciências e da própria classe burguesa em dirigir o novo momento histórico. As exigências do mundo moderno vêm assumindo novos paradigmas, com padrões que justificam a dominação camuflada ideologicamente. Fala-se em comunidades naturais, pacto social, contrato social, avanços pela marcha da burguesia ao poder. Com o rompimento da 33 linha de pensamento medieval para o pensamento moderno sobrepõe ao aparato ideológico positivista, ao empírico e ao prático. 2.6 A IDADE CONTEMPORÂNEA A Filosofia contemporânea vai dos meados do século XIX até nossos dias e que, por estar próxima de nós, é mais difícil de ser vista em sua generalidade, pois os problemas e as diferentes respostas dadas a eles parecem impossibilitar uma visão de conjunto. Em outras palavras, não temos distância suficiente para perceber os traços mais gerais e marcantes deste período da Filosofia. Apesar disso, é possível assinalar quais têm sido as principais questões e os principais temas que interessaram à Filosofia neste século e meio: A filosofia contemporânea se faz compreender por um sentimento anti-racionalista e até anti-cientificista com relação ao sistema moderno. No mundo atual onde se erige a técnica e as ciências empíricas racionais como proeminentes, a filosofia se torna o espaço do Humanismo e do discurso crítico com relação aos abusos desta própria ciência e racionalidade. Tem sido estes meios que a filosofia contemporânea tem tentado compreender a complexidade da vida Humana, social e pessoal (NUNES, 1996, p. 85). O século XIX é, na Filosofia, o grande século da descoberta da História ou da historicidade do homem, da sociedade, das ciências e das artes. É particularmente com o filósofo alemão Hegel que se afirma que a História é o modo de ser da razão e da verdade, o modo de ser dos seres humanos e que, portanto, somos seres históricos. Já no século passado, essa concepção levou à idéia de progresso, isto é, de que os seres humanos, as sociedades, as ciências, as artes e as técnicas melhoram com o passar do tempo, acumulam conhecimento e práticas, aperfeiçoando-se cada vez mais, de modo que o presente é melhor e superior, se comparado ao passado, e o futuro será melhor e superior, se comparado ao presente. Essa visão otimista também foi desenvolvida na França pelo filósofo Augusto Comte, que atribuía o progresso ao desenvolvimento das ciências positivas. Essas ciências permitiriam aos seres humanos "saber para prever, prever para prover", de 34 modo que o desenvolvimento social se faria por aumento do conhecimento científico e do controle científico da sociedade. É de Comte a idéia de "Ordem e Progresso", que viria a fazer parte da bandeira do Brasil republicano. Todo esse novo panorama de pensamento e de concepções vem agarrar novos rumos despertados pela filosofia para atingir essas áreas da política, da religião, da moral, ética, etc... É de fundamental importância a análise que se faça dessa abertura para o mundo em desenvolvimento. As contradições estão presentes entre o fazer (experiência) e o ideal de igualdade, liberdade como força do poder dominante. A grande mudança do pensar está no começo do século XIX, que está inserida na revolução do antropocentrismo (renascimento) conforme a razão e a ciência, sem esquecer as contradições históricas que tem sido produzida pelo homem: O século XIX foi talvez o século mais fértil para a cultura filosófica, uma vez que ciências e filosofia adquiriram sua autonomia plena e grandes desdobramentos se dão em ambas as frentes. (...) Essa fecundidade do conhecimento científico torna igualmente fecundo o positivismo que vai inspirar várias vertentes filosóficas que repercutiram no século XX: o evolucionismo, o pragmatismo, o vitalismo e o cientificismo (SEVERINO, 2002, p. 63). A Filosofia Contemporânea produziu a partir da metade do século passado a velocidade, a partir das revoluções burguesas, por apresentar novas perspectivas sobre o homem, a vida humana, o tempo, o espaço. Neste momento abre espaço para novas críticas, novas transformações: No século XIX, entusiasmada com as ciências e as técnicas, bem como, a Segunda Revolução Industrial, a filosofia afirmava a confiança plena e total no saber científico e na tecnologia para dominar e controlar a natureza, a sociedade e os indivíduos (CHAUÍ, 1994, p. 49). A sociedade tecnológica, hoje se serviu da filosofia para induzir à mentalidade consumista, utilitária - ligada a mentalidade pragmática e positivista - isolando os paradigmas do homem. É na filosofia que encontramos a realização do homem, enquanto fornecedora de valores e do pensar como instrumentalização do entendimento do universo. É ela que deve dar sentido à vida humana, segundo afirma Nunes (1996, p. 96): “E o Homem só se realiza no outro, pelo outro e com o outro... mais ainda, no outro superior”. 35 A disciplina de Filosofia deve procurar abranger uma compreensão profunda, da utilidade de cada momento histórico e de progresso. Situa-se no todo, sem limites, sem fronteiras, sem barreiras e baseada nas demais ciências contribuindo para as mudanças que são vitais para o ser humano historicamente construído e em construção. A Filosofia tem por pretensão dar ao homem uma consciência crítica de seu tempo e sem compromisso pessoal e social. Entendida como dialética, dinâmica e compreensiva da realidade, que privilegia a vida acima de qualquer princípio que fere a integridade física e moral do ser humano. Acredito que a partir dessa breve contextualização é possível compreender um pouco mais as discussões travadas na regularização da disciplina de filosofia como parte integrante do currículo oficial. A parte a seguir tem a pretensão de oferecer um referencial mínimo acerca da legislação envolvendo a filosofia no Brasil. Os pressupostos expostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, são trazidos para contribuir na compreensão desse processo. Da mesma forma volta-se o olhar para Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira – LDB. Também a legislação catarinense será brevemente analisada, bem como, o tratamento dispensado à Filosofia na Proposta Curricular de Santa Catarina. 2.7 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA A educação no Brasil sempre teve uma forte influência religiosa. No início os Jesuítas se encarregaram de assumir as funções do Estado, aliado a este, oferecendo as únicas opções de educação no Brasil. A primeira experiência pedagógica em terras brasileiras, no sentido formal, como educação escolar, ocorreu no Período Colonial sob a influência portuguesa, reproduzindo-se aqui o modelo educacional aplicado na metrópole, que se baseava na pedagogia da Companhia de Jesus, ordem religiosa da Igreja católica, também denominada de jesuítas (ALVES, 2002). 36 Inclusive a Igreja Católica organiza a Companhia de Jesus, com fins educacionais, voltado para a catequese, especialmente nas colônias: Fundada em 1534, pelo antigo militar espanhol Inácio de Loyola, tinha um regime de trabalho organizado segundo moldes militares; foram os jesuítas os responsáveis pela instrução e pela catequese dos povos das colônias, além de lutarem contra os abusos nos mosteiros, procurando fortalecer a Igreja Católica contra os heréticos e infiéis (CARTOLANO, 1985, p. 20). A hegemonia da Companhia de Jesus no campo educacional persiste até a reforma empreendida pelo marquês de Pombal, conhecida como reforma Pombalina, já sob a influência do ideário iluminista, ocasião em que os jesuítas são expulsos de Portugal e, conseqüentemente, também das suas colônias, em 1759. Nesse período, a metrópole portuguesa procurava adaptar-se, econômica, política e ideologicamente, às “mudanças estruturais” que se intensificavam na Europa, resultantes da hegemonia que o ideário liberal assumia sobre a aristocracia feudal, esta em franca decadência. Aliado a isso, está a profunda subordinação econômica de Portugal à Inglaterra, devido a sucessivos acordos entre os dois países (ALVES, 2002, p.12). Ao refletir sobre o estado atual da Filosofia na educação brasileira exige que conheçamos um pouco da história da presença/ausência da Filosofia como disciplina. Desde o Século XVI, com a colonização portuguesa no Brasil, a educação iniciou com a cultura portuguesa e princípios da Companhia de Jesus de cunho religioso e erudito. O período colonial (1500 – 1508), sede do Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves (1808 – 1822); período imperial (1822 – 1889) sem mudanças significativas na educação e período republicano (a partir de 1889), com reformas na educação brasileira, sendo a primeira grande reforma procurando substituir o erudito pelo científico. Já no período do Estado Novo (ditatorial) (1937 – 1945), houve um processo de nacionalização do ensino, sendo o momento de afirmação da educação pública no Brasil. Nesse momento histórico foi reduzido o incentivo às iniciativas educacionais dos imigrantes. Também nesse período se instituiu a obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa, era a forma do Estado brasileiro impor um dos identificadores da Nação brasileira. Ocorre ainda a ampliação da oferta educacional nas zonas rurais, com a idéia expansionista da educação, procurando atender a todos. Passado esse momento ditatorial comandado por governos militares (1964 – 1985) com uma educação tecnicista, priorizando as técnicas educacionais, profissionalização do Ensino Médio voltados aos princípios ideológicos aprovados 37 pelo governo e grupos econômicos dominantes. Não houve discussão filosófica e também esteve ausente qualquer iniciativa de implantar a Filosofia como disciplina. A partir de 1985, com a redemocratização do ensino, houve um despertar de uma discussão aberta introduzindo mudanças no meio social e educacional (PROPOSTA CURRICULAR, SC, 1998). Corrobora nessa informação a descrição de Alves: [...] a questão da presença/ausência da filosofia na “educação básica neste país não é coisa de agora e nem é coisa de uns tantos professores desempregados e queixosos do fechamento do seu posto de trabalho. [...] Voltar-se para a história da filosofia na educação escolar brasileira torna-se, assim, imprescindível para que vejamos, nos vários modelos educacionais implementados no Brasil, qual deles contemplou a filosofia no currículo. E mais ainda: qual filosofia foi contemplada? Em que sentido a filosofia esteve presente ou ausente do currículo? Por quê? [...], poderemos vislumbrar com clareza as implicações das atuais medidas para a filosofia e o caráter de sua presença ou ausência no “novo ensino médio”(ALVES, 2002, p. 08). Segundo Luckesi (1995), Silvio Romero foi o primeiro filósofo do Brasil a publicar seu primeiro livro em 1878, uma obra denominada “Filosofia no Brasil: ensaio crítico”. Depois de Romero, outros autores vêm tratando essa temática e emitindo opiniões sobre se houve no passado ou se existe no presente, um exercício filosófico desenvolvido no Brasil: No seu inventário, Silvio Romero, chega à conclusão de que a segunda metade do século passado praticamente não se tinha realizado em nosso país uma produção de conhecimentos filosóficos. Ele mesmo considerava que o titulo do seu ensaio poderia provocar riscos de zombaria em alguns autores. Considerando o passado (no caso, período anterior a 1878), [...] até aquele momento, a filosofia não fazia parte propriamente da experiência intelectual. [...] nos três primeiras séculos que nos precederam, nem um só livro dedicado às investigações filosóficas saiu da pena de um brasileiro. [...], não era gratuito o fato de o Brasil só vir a se dedicar ao pensamento filosófico tardiamente, no século XIX. Segundo ele, o pensamento filosófico europeu não fora assimilado em Portugal e o Brasil sofreu do mesmo processo, através da colonização portuguesa (LUCKESI, 1995, p. 247 a 249). A Lei nº 4.024 de 1961 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional introduziu a descentralização do ensino, permitindo às escolas a opção entre vários currículos. A filosofia aparece como disciplina optativa. Alves (2002, p. 34), diz que “se neste período a situação da filosofia na escola secundária nacional caracterizou- 38 se por uma presença indefinida no currículo, no próximo período (1964-1982), decide-se por sua retirada ‘total’ dos currículos das escolas públicas da União.” Como não havia definição efetiva do oferecimento da disciplina de Filosofia, na maior parte dos municípios e estados, não foi oferecida. Os motivos são os mais diversos, mas muitos governantes tinham motivação ideológica, já que a Filosofia, na visão deles, ameaçava seu poder. Outros, sem esta preocupação não perceberam a importância da Filosofia na formação da personalidade dos estudantes, cidadãos e futuros profissionais. Na verdade pode-se divagar por inúmeras teses sobre os motivos de não ser oferecida a disciplina nas unidades escolares, quando da vigência da Lei 4.024 de 1961, mas o fato é que um tempo precioso da necessária reflexão foi desperdiçado. A lei 4.024 que servia de base para a educação nacional não especificava a possibilidade ou não de oferecimento da disciplina, é verdade que proibido não era, já que a lei admitia a flexibilidade de currículos: “Art. 44. O ensino secundário admite variedade de currículos, segundo as matérias optativas que forem preferidas pelos estabelecimentos”. No entanto, isso não era suficiente para que a Filosofia pudesse ser introduzida nas escolas, pois as condições políticas eram adversas. A disciplina de Filosofia foi retirada definitivamente do currículo do Ensino Médio na década de 1970 com a entrada em vigor da Lei nº 5692/71, que caracterizava a educação pela valorização da técnica, visando a profissionalização. O tecnicismo representou um retrocesso na implementação da Filosofia na escola, pois o Regime de exceção, patrocinado pelos militares e a elite brasileira entendia que uma disciplina destinada à análise e reflexão de fatos concretos, envolvendo aspectos éticos, poderiam fomentar uma postura popular crítica ao autoritarismo praticado pelo regime em vigor. É importante lembrar que o governo implantou a ditadura também na definição do currículo, como se observa na Lei 5692/71: Art. 4º Os currículos do ensino de 1º e 2º graus terão um núcleo comum obrigatório em âmbito nacional, e uma parte diversificada rara atender, conforme as necessidades e possibilidades concretas, às peculiaridades locais aos planos dos estabelecimentos e às diferenças individuais dos alunos. A falta de autonomia das escolas e mesmo das redes estaduais também está estampada no parágrafo 4° deste mesmo artigo da 569 2/71: 39 § 4º Mediante aprovação do Conselho Federal de Educação, os estabelecimentos de ensino poderão oferecer outras habilitações profissionais para as quais não haja mínimos de currículo previamente estabelecidos por aquele órgão, assegurada a validade nacional dos respectivos estudos. Com o esgotamento do modelo de gestão escolar da ditadura militar e do próprio regime, aos poucos a legislação vai perdendo força e muitas escolas se rebelam, iniciando discussões sobre a necessidade de implantar nas escolas a disciplina de Filosofia. Mesmo com a movimentação pela reintrodução da disciplina nas escolas, esse movimento não conquistou o sucesso esperado. Um dos problemas é que nas instituições formadoras não era possível cumprir o papel de promover a reflexão, pois não havia liberdade de expressão dos professores e os conteúdos eram determinados pelo regime, impossibilitando que os currículos tivessem características democráticas e humanistas. Todas as tentativas de burlar esta situação eram reprimidas com rapidez e violência pelo regime militar e seus ilustres e fiéis representantes nas unidades escolares, o que inviabilizava qualquer processo reflexivo. As disciplinas das ciências humanas, mais especificamente, a Filosofia e a Sociologia tornavam-se obsoletas e inúteis. Afastando desta maneira, o indivíduo dos problemas políticos e econômicos, preocupando-se apenas com sua formação profissional. Pensava-se que a Filosofia contrariava o poder autoritário instalado em 1964, sendo assim, a Filosofia teria o poder de mexer com a estrutura política do país: Após a promulgação da Lei n. 5.692/71, que implicou a retirada da filosofia do currículo do ensino secundário, surgiram vários movimentos de protesto contra essa situação, reivindicando a reintrodução da filosofia no currículo. O ano de 1975 é tido como o marco inicial desses movimentos, quando a partir de um encontro realizado no Rio de Janeiro com a presença de filósofos de vários estados, foi fundado o Centro de Atividades Filosóficas, transformado mais tarde na Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas (SEAF), que conferiu um caráter mais articulado a esses movimentos. [...] A SEAF nasceu devido à necessidade de se criar um espaço alternativo para a discussão de idéias, compartilhar estudos, reflexões etc., inviabilizado nos cursos e departamentos de filosofia das universidades, por causa da “vigilância” imposta pelo regime militar (ALVES, 2002, p.42). Após o período militar a disciplina de Filosofia começa retomar o espaço nas escolas, e em especial na própria filosofia de vida das pessoas. No entanto, há um 40 “vácuo” na disponibilidade de profissionais para assegurar o cumprimento dos desafios da Filosofia, como já mencionado, isso decorre da prática do regime militar impondo a repressão a livre manifestação do pensamento. Mesmo com todas essas dificuldades, percebe-se que, atualmente, há um crescimento do interesse pela disciplina e a percepção da importância estratégica que ela desempenha na formação do indivíduo, como a criatividade, a qualidade e a reflexão sobre a mesma é de vital importância para as questões sociais, econômicas, culturais, educacionais, religiosas, políticas e em todos os campos do pensar humano. Ressalva-se aqui a postura da classe hegemônica e mesmo de setores populares, contraria a esta proporção por acreditar que isso provoca instabilidade social, provocando situações desarmônicas, refutadas nesses meios. Com o fim da ditadura, muitas propostas foram formatadas, mas nenhuma havia obtido sucesso. Em 2001, quando chegou às mãos do presidente, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, foi vetada sob a alegação de que não havia profissionais para lecionar as disciplinas nas escolas do país. Também pelo fato da Filosofia fazer parte dos temas transversais, ou seja, já faziam parte de todas as outras disciplinas, desta forma, não havia necessidade de formalizá-la como disciplina. Para Callegari, no entanto, esse argumento não sustenta a recusa à medida e, acrescenta, o Ensino Superior terá papel relevante neste momento de adaptação, já que nas demais áreas e disciplinas também faltam profissionais e não são extintas: Existem problemas, é claro. Há a questão da falta de professores. Mas a carência numérica e de qualidade não é algo exclusivo da Sociologia e da Filosofia. Faltam 180 mil professores de Química, Física e Biologia, mas ninguém discute se elas são ou não disciplinas necessárias", compara. Segundo César Callegari: “[...] a decisão irá estimular os estudantes a desenvolverem seu espírito crítico (FILOSOFIA, CIÊNCIA & VIDA - nº 7, 2007, p. 24 - 33). É importante lembrar que mesmo no auge do regime militar a Filosofia não perdeu seu papel reflexivo, mas contribuiu para manter viva a esperança de muitos pela democracia e potencialização dos ideais da liberdade. Não seria motivo justificável alegar a falta de profissionais, como fez o então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, pois repetiria o erro do passado de impedir o início do processo de formação de indivíduos pré-disposto à reflexão. 41 A Lei 9394/96, atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação, assegurou a implementação da disciplina nas unidades escolares. A Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece: Art. 26 Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. § 1° os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil. A Lei foi aprovada finalmente, mesmo diante das dúvidas, é comemorada, pela maioria dos docentes. No dia 7 de julho de 2006, quando o Conselho Nacional de Educação decidiu, aprovar por unanimidade, a obrigatoriedade da Disciplina de Filosofia nas escolas de Ensino Médio. De forma mais direta a Lei n° 9.394, estabelece de forma transparente a opção pelo oferecimento da Filosofia na Educação básica: Art. 36 O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes: [...] § 1 Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem; III - domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania. Com essa possibilidade aumenta a possibilidade de sucesso da introdução definitiva da disciplina de Filosofia, não apenas como formalidade. O que se pretende é que se torne uma alternativa de reflexão de temas contemporâneos, de grande relevância social, como tratam os Parâmetros Curriculares Nacionais: Ao criar mais espaço para as ciências humanas no currículo do ensino médio, a atual legislação volta a reconhecer oficialmente a importância da educação humanista na formação dos educadores desse nível de ensino, alterando o disposto na lei n. 5.692/71, que privilegiava um currículo centrado nos conhecimentos tecnológicos e nas ciências naturais em detrimento da área de ciências humanas, que teve seu espaço reduzido no currículo. [...] Nesse texto justificase a inclusão da filosofia no ensino médio com base na necessidade que as sociedades tecnológicas e o próprio sistema produtivo têm de que o indivíduo seja criativo, com iniciativa própria e capaz de 42 adaptar-se a situações novas etc., [...] Isto proporcionou as condições históricas que permitiram à “nova educação brasileira” colocar a filosofia e as ciências humanas novamente em destaque no cenário educacional atual (BRASIL, SEMTEC, 1999 b, p. 88). Nos arts. 35 e 36 da lei n. 9.394/96, que estabelecem as finalidades e as diretrizes curriculares do ensino médio (ALVES, 2002, P. 96). Em Santa Catarina a Lei 170/88, que trata do Sistema Estadual de Educação, estabelece a introdução da disciplina de Filosofia na rede pública de Santa Catarina, de forma explicita: Art. 41 O currículo do ensino médio destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes, das ciências humanas, do processo histórico das transformações sociais e culturais, das conquistas da humanidade, da história brasileira anterior e posterior à chegada dos colonizadores e da língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania. A determinação na lei estadual não foi suficiente para garantir sua universalização na rede catarinense, foi necessária a edição de uma nova lei que torna obrigatória a reintrodução da mesma, trata-se da Lei Complementar nº 173, de 21 de dezembro de 1998, que dá nova redação ao parágrafo único do artigo 41, da Lei nº170/98, que dispõe sobre o Sistema Estadual de Educação: Art. 1º O parágrafo único, do artigo 41, da Lei Complementar nº 170, de 07 de agosto de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 41 [...] Parágrafo único. A filosofia e a sociologia constituirão disciplina obrigatória do currículo do ensino médio." Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Santa Catarina foi um dos primeiros estados brasileiros a regulamentar e implementar o seu Sistema Estadual de Ensino, tendo como referência a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, do ano de 1996. No capítulo seguinte será possível aprofundar as relações estabelecidas neste contexto, envolvendo a escola os estudantes e Filosofia como ciência capaz de contribuir na interação desse processo de relacionar os assuntos e problemas importantes nas reflexões filosóficas, a partir de sua efetivação nas escolas, como disciplina curricular. 43 3 RELAÇÃO DA FILOSOFIA COM OUTRAS ÁREAS DO CONHECIMENTO Ao exercitar a reflexão e estimular o desenvolvimento de sua própria inteligência, o ser humano pode estar filosofando - pensando constantemente - e agindo conforme seus pensamentos. Essa condição lhe permite dar sua colaboração à evolução humana, a começar pelo próprio meio onde está inserido. A mudança de postura diante de explicações passadas é o fundamento do ato de filosofar. Acompanhar as alterações de tudo que está em volta de si mesmo é a principal causa da necessidade de mudança de pensamento, a fim de melhor se posicionar na vida, descobrindo, enfim, sua razão de ser. Durante toda a sua trajetória a Filosofia se apresentou como uma ciência que se preocupa com o conhecimento racional, lógico e sistemático sobre realidades. É uma ciência, e como tal pode ser considerada a mãe de todas as outras. Muitos filósofos da antiguidade foram precursores de reflexões sobre temáticas de diversas áreas. O processo de conhecimento consiste em buscar a verdade e essa está em nós. Sócrates como fundamento para a educação e para o conhecimento afirma que: “O papel do educador, do filósofo é o de trazer à luz estas idéias, semelhança a uma ‘parteira’.” Por sua vez elogia a virtude humana cuja sabedoria consiste no reconhecimento dos limites do próprio saber: “Sei que nada sei.” Aristóteles dá importância fundamental a sistematização do conhecimento, da estrutura lógica, da explicação causal e da divisão da ciência em três níveis: teorética, prática e produtiva. Com a decadência do mundo grego, período clássico em crise, surge um terceiro período: a cristandade, a partir do século V. Um novo cenário, num mundo no qual a Igreja organizava tudo e produzia um mundo imaginário para lhe garantir o real domínio, tanto ideológico quanto político. Era a “Boa Nova”, que tinha atração nas massas mais pobres (“não gente”), visto pela ideologia dominante, na pretensa superioridade Romana. A Igreja pregava a igualdade a todos os homens, a salvação, a ressurreição a todos, uma nova vida a todos e a divisão dos bens em comum. 44 Os conhecimentos multiplicaram-se e uma avalanche de informações estão deixando a sociedade refém de sua impotência em resolver problemas, ainda básicos, para sua sobrevivência. Há um caminho de incertezas nos caminhos da humanidade, ensina nessa direção Edgar Morin (2002, p. 35): “Como o futuro é absolutamente incerto, é preciso pensar com e na incerteza, mas não a incerteza absoluta, porque sempre navegamos num oceano de incerteza por meio de arquipélagos de certezas locais”. A Filosofia tem um papel estratégico na sociedade contemporânea, qual seja de “interrogar a condição humana”, como e por que ainda estamos em determinada situação. A formação do educador/educando de Filosofia – mesmo reconhecendo que é uma responsabilidade de todos – não deve estar unicamente balizada em conceitos de um ou outro filósofo, sua data de nascimento, a cidade em que vivia, mas sim das suas idéias e concepções. Contribui no reforço a este pensamento Morin: É totalmente deplorável que o mundo das Humanidades, principalmente o da Filosofia, esteja geralmente fechado às ciências, e, inversamente, que o mundo das ciências esteja fechado à Filosofia. Poderemos fornecer aos filósofos a possibilidade de ensinar o espírito reflexivo e, simultaneamente, conhecer as aquisições das ciências, dispersando-as em jornadas temáticas, nas quais todos os domínios estariam presentes e isso porque as questões filosóficas serão sempre postuladas: O que é o mundo? Quem somos nós no mundo? (MORIN, 2002, p. 36). Isso deve acontecer como um processo que contemple os aspectos em que a sociedade contemporânea precisa refletir, a partir das quais suas perguntas tenham uma resposta plausível. São inúmeras as contribuições que acenam com possibilidades de melhorias: E se hoje temos condições de discutir melhor com os alunos de II grau sobre temáticas, tanto específicas da história da filosofia, quanto dos problemas sociais de modo geral, se deve, em princípio, à organização e atividades da SEAF1. Este foi, de fato, seu grande mérito. [...], além das suas atividades, os membros da SEAF participaram de importantes eventos, tais como as reuniões anuais da SBPC2 e, durante muitos anos, participou de inúmeros debates, mesas-redondas e simpósios sobre as questões específicas da filosofia, além das problemáticas gerais da sociedade brasileira (CARMINATI, 1997:140). 1 2 SEAF - Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas. SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. 45 O conhecimento das ciências e as tecnologias nelas envolvidas, como um todo, deve transcender aspectos apenas de disciplina, o professor de Filosofia deve anteceder fatos que a história por seus desígnios possa gerar. As instituições universitárias que formam os docentes de filosofia devem repensar pressupostos, considerados básicos dessa formação. Uma importante contribuição nesse sentido vem de Morin: Cito-lhes a frase de um filósofo cujo nome não será aqui referido: “é preciso que o corpo docente se coloque nos postos mais avançados do perigo que constitui a incerteza permanente do mundo”. Isso somente tem sentido com a discussão da mudança cultural. Uma alternativa é a superação do individualismo cedendo espaço e fomentando uma cultura capaz de garantir essa concepção coletiva. (MORIN, 2002, p. 35). Isso somente tem sentido com a discussão da mudança cultural que aponte alternativas, como sugere Morin (2002, p. 36): “Este saber que abraça deve ressuscitar uma cultura que não é pura e cópia da antiga cultura, mas sim sua integração em conexão com a cultura das Humanidades e a cultura das Ciências.” A cultura coletiva de idéias que é um processo de intelectualizão, assimilação de relação temporal, deve levar o professor a indagar a crise do pensar. O professor precisa ser convencido à contribuir, superar essa suposta “crise”. Morin (2002, p. 36) cita Platão para ressaltar o importante papel do professor e a necessidade do seu comprometimento: “Para ser um educador, é preciso ter eros, isto é, ter amor.” Uma alternativa é a superação do individualismo, cedendo espaço e fomentando uma cultura capaz de garantir essa concepção coletiva. Arriscando uma sugestão, acredito que pode se concretizar com o aprofundamento das reflexões que envolvem a ética, a cidadania e a solidariedade. Isso não é tarefa exclusiva de educadores ou da escola, mas precisa ser assumido também pelas autoridades. Provavelmente foi considerando esta situação que ao elaborar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira seus mentores contemplaram essa condição: Segundo prescreve a lei n. 9.394/96, em seu art. 36 § 1º, inciso III ao final do ensino médio o educando deve demonstrar, dentre outras coisas, “domínio dos conhecimentos de filosofia e de sociologia necessários ao exercício da cidadania”. Se “os conhecimentos de filosofia” são “necessários ao exercício da cidadania”, como indica a lei supracitada, então, a filosofia está com seu lugar garantido no currículo do ensino médio? À primeira vista parece que sim, mas, à 46 medida que paramos para pensar nisto, percebemos que a coisa não é bem assim. [...] a lei é muito genérica, vaga e imprecisa quanto à presença da filosofia nesse nível de ensino. [...] Em nenhum momento se diz que a filosofia deve ser uma disciplina do currículo, por exemplo. (ALVES, 2002, p. 69). Há um sentimento difuso, a princípio na legislação, de que a Filosofia seria de caráter transdisciplinar, sendo parte de todas as disciplinas, no entanto, prevaleceu a intenção de transformá-la em disciplina curricular. Resta então à universidade assegurar a formação de profissionais para nela atuar e também deve preocupar-se com a qualidade do ensino, não apenas acadêmico, mas também no Ensino Médio, o qual abrigará os profissionais preparados na academia. Nota-se que da relação das Universidades com o ensino médio, pela formação acadêmica de docentes há uma substancial melhoria no ensino médio, com destaque para a área das ciências humanas sendo protagonizada pela Filosofia. Isso pode ser um sinalizador de que mudar os conhecimentos acarretaria uma restauração nos pilares básicos do ensino médio, que no Brasil em particular é considerado de má qualidade, principalmente, no seu desígnio público. Abandonar o pressuposto da transdisciplinaridade da Filosofia para uma opção disciplinar, como ocorreu no Brasil, precisa ter a preocupação de assegurar a qualidade do ensino especialmente das reflexões inerentes a própria Filosofia. Carminati (2003, p. 100), reflete sobre a necessidade de pensar o programa da disciplina de Filosofia: “E neste sentido, perguntamos: de que maneira é possível repensar novas relações entre a universidade e as escolas de ensino médio a partir dos cursos de formação inicial dos professores de Filosofia?” Ainda nas palavras de reflexão acerca das relações da Filosofia na escola, entre as disciplinas e professores em sua prática educativa/reflexiva: De que maneira os programas das disciplinas podem ser flexibilizados pelo professor para que se interconectem com os de outras disciplinas? Dizendo de um modo, é possível realizar este movimento sem atribuir à Filosofia uma perda da sua especificidade? É possível estabelecer conexões enquanto tentativa de explicar os diversos nexos existentes entre os conhecimentos de uma mesma área para compreender uma realidade um objeto de formas distintas? O professor está sendo preparado para isso? Possível fazer com que o ensino seja uma alternativa à fragmentação dos saberes e, dessa forma, contribuir enquanto componente individual na construção de uma visão mais integral do currículo? (CARMINATI, 2003, p. 100 e 101). 47 Talvez os conhecimentos não necessariamente devam ser mudados, mas sim flexibilizados, assim proporcionando melhores condições de serem ministrados. O professor de Filosofia tanto quanto sua formação, quanto a postura diante de vanguardas educacionais, da qualidade do ensino, da reflexão inerente à disciplina. É importante pressupor a mudança dos temas e forma do pensar não como algo negativo, mas como uma articulação crítica que vem se fortalecendo no meio social, e que transformará a humanidade em uma construção histórica onde toda a coletividade será sujeito dessa rearticulação imprescindível. Essa rearticulação deve contemplar a reflexão não apenas de conteúdos escolares/curriculares, mas atingir aspectos éticos e sociais, contextualizando o debate e as reflexões filosóficas. É preciso ter sempre presente a discussão da Filosofia não apenas como disciplina, mas também como instrumento de integração na discussão dos aspectos éticos e sociais da atualidade, na relação professor x aluno x escola, não somente aqui, mas em todo o contexto social de convivência, de trabalho, desemprego, político, sustentabilidade, ambiental, solidariedade e outros. Essa relação ainda carece de aprendizado no Brasil, pelas circunstâncias que dificultaram sua popularização e difusão nas escolas e, por conseqüência impregnando as relações sociais de reflexões contextualizadas e estratégias para o melhor desenvolvimento humano e social, até aqui carentes em reflexões filosóficas. 3.1 FILOSOFIA: RELAÇÃO PROFESSOR/ALUNO X ESCOLA Repensar a formação do aluno e do professor requer a valorização da ação pedagógica, permitindo a construção de espaços na escola. Esses não podem ser meros espaços, mas referencias para analisar, atuar e refletir, bem como provocar o desenvolvimento de capacidade e competência implícitas no conhecimento, na ação, na reflexão sobre a ação-reflexão e vice-versa. Um imensurável desafio é promover o preparo de professores conscientes da importância da reflexão filosófica. No entanto, isso não pode ficar na tomada de consciências, que tomada e retomada de suas práticas como situações a serem estudas e refletidas com os alunos e o conjunto dos membros da escola. Essa 48 reflexão deve ser de forma partilhada e democrática, com uma visão crítica, instituindo novas relações entre o conhecimento pedagógico e o conhecimento científico. Esse processo não pode ser apenas de profissionais da Filosofia, mesmo com novas formas de atuar, pensar e agir. Tudo isso somente terá força e alcançará a reflexão pretendida se lhe forem asseguradas as condições estruturais e o suporte técnico pedagógico necessário. Isso, por sua vez, somente será possível quando se exigir o compromisso do Poder Público em desempenhar o seu papel neste processo. Durante o século XX houve tentativas constantes de reintroduzir a Filosofia como disciplina e também como instrumento de reflexão, no entanto a resistência social, de grupos dominantes e de ações governamentais impediram que isso se concretizasse. Durante os momentos de ditadura a Filosofia foi eliminada dos currículos brasileiros. Somente após o último período ditatorial encerrado na década de 1980 a Filosofia teve melhores perspectivas de firmar-se como disciplina. Isso ocorre em nível nacional estadual e municipal. Os Parâmetros Curriculares Nacionais contemplam a Filosofia como disciplina indispensável e obrigatória influenciando na elaboração das propostas curriculares estaduais. Em Santa Catarina, na proposta curricular está expressa a tentativa de efetivar o estabelecido nos parâmetros curriculares nacionais na tentativa de difundir parâmetros norteadores para a disciplina de Filosofia: Segundo os autores da proposta, a abrangência nacional desses “parâmetros” não visa à uniformidade e nem à imposição de um modelo preestabelecido de currículo e de organização de instituição escolar; ao contrário, os PCN constituem as “diretrizes que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar uma formação básica comum” (BRASIL, SEF, 1998, p. 49). Para os professores que atuam na rede pública de Santa Catarina, depois de decorridas duas décadas a elaboração da Proposta Curricular ainda não houve total assimilação dos seus pressupostos, como se constata nas dificuldades de sua implementação nas unidades escolares. 49 3.2 PROPOSTAS NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO - PCNEM É preciso compreender a responsabilidade dos educadores, das escolas e, também das autoridades, pois é a partir da mobilização da comunidade escolar que o Poder Público será motivado ou mesmo pressionado a promover a efetivação derradeira da disciplina de Filosofia. Como ensina Alves: Em outras palavras, serão as autoridades governamentais, as escolas e os professores que, em última instância, definirão a organização curricular mais adequada às necessidades particulares de cada região ou escola (ALVES, 2002, p. 78). Mesmo com a definição proposta nos PCNS de incentivo à Filosofia, sem uma tomada de posição cabal, como se observa: Os PCN servirão apenas de referência geral nesse processo para nortear as mudanças que devem ser efetivadas no ensino fundamental, no sentido de garantir a manutenção de alguns “pontos comuns” que caracterizam e dão identidade ao fenômeno educativo em todas as regiões brasileiras, respeitando, ao mesmo tempo, as suas diversidades e particularidades regionais, culturais e políticas (ALVES, 2002, p. 78). É indispensável que uma tomada de posição definitiva seja tomada, para que de vez a disciplina de Filosofia esteja presente em todos os currículos e todas as escolas brasileiras, seja ela pública ou privada. Parece ser imprescindível uma assimilação completa da necessidade da implementação da Filosofia de forma a contribuir com as reflexões a que a mesma se propõe para tornar possível que as escolas consigam motivar alunos e professores para as reflexões filosóficos propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Os Parâmetros Curriculares Nacionais explicitam com clareza a inclusão da Filosofia numa interação com as Ciências Humanas: Em que pese essa competência, entretanto, cumpre destacar que, embora imprescindível, os conhecimentos filosóficos não são suficientes para o alcance dessa finalidade. Na área de ensino Ciências Humanas e suas tecnologias – Diretrizes Curriculares Nacionais, Parecer Nº 18/98: “nesta área se incluirão também os estudos de filosofia” (Parâmetros Curriculares Nacionais, 1999, p.58). Para a Filosofia está posto o desafio de promover reflexões capazes de provocar sentimentos de mudança nas relações interpessoais e sociais, favorecendo o surgimento e afirmação de uma mudança positiva do ser humano e nas suas atitudes e forma de vida. 50 3.3 A REFLEXÃO FILOSÓFICA E A POSSIBILIDADE DE MUDANÇA NO MODO DE PENSAR E VIVER Com as novas proposições dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs a Filosofia passa a ter novos espaços nos currículos e propostas pedagógicas. Num primeiro momento ainda sem definição disciplinar, mas como fundamento para a reflexão e construção de uma nova forma de pensar e agir. Isso influência também nos estados, em Santa Catarina a Proposta Curricular, já na sua introdução define sua posição em favor do papel de a escola possibilitar a reflexão, de pensar o modelo de sociedade, das relações de trabalho e sociais. É evidente que não há proposta curricular sem fundamento explícito ou implícito, em alguns eixos que a orienta e fundamenta. Não há possibilidade de uma proposta curricular se fundamentar no espontaneísmo, sem que haja uma referência a partir do qual a mesma se fundamente. Para o momento de sua elaboração na década de 1990 o desafio da reflexão representava, ao mesmo tempo, uma ousadia e um desafio. Nesse sentido está expresso na introdução da Proposta Curricular Catarinense: Entendemos como eixos fundamentais uma concepção de homem e uma concepção de aprendizagem. Pela primeira, decide-se que homem se quer formar, para construir qual modelo de sociedade. Conseqüentemente, escolhe-se o que ensinar; pela segunda (que não está descolada da concepção de homem), escolhe-se a maneira de compreender e provocar a relação do ser humano com o conhecimento. Para a Proposta Curricular de Santa Catarina, o ser humano é entendido como social e histórico. No seu âmbito teórico, isto significa ser resultado de um processo histórico, conduzido pelo próprio homem. Essa compreensão não consegue se dar em raciocínios lineares. Somente com um esforço dialético é possível entender que os seres humanos fazem a história como elaboração humana é capaz de sustentar esse entendimento, sem cair em raciocínios lineares (HENTZ. In: Proposta Curricular/SC 1998, p.15). Naquele momento, o sócio-interacionismo que norteia a Proposta Curricular Catarinense era a opção que permitia ensejar e construir espaços de discussões e reflexões sobre os diversos temas de importância social, cultura e educacional, até então relegados pelas condições educações da época. De acordo com a proposta é preciso compreender a escola como um espaço sócio-cultural em que os seres humanos agem através de alianças e conflitos, de 51 aceitação ou transgressão. Assim sendo, reconhecido o espaço escolar como um ambiente que pode ser questionado, abrem-se espaços de reflexão que podem contribuir ou influenciar o surgimento de alternativas de construção curricular com novos parâmetros que permitem as discussões próprias das reflexões filosóficas. As reflexões são inerentes ao ser humano. A partir delas se estabelecem os caminhos que pode/deve percorrer e as relações com o meio e com a sociedade. No entanto, esta nova opção curricular não pode ser uma construção isolada do professor, pois carece de envolvimento da comunidade escolar, permitindo sua apropriação pelos diferentes segmentos, como ensina Edgar Morin (2002, p. 30): “Mesmo o conhecimento mais sofisticado, se estiver totalmente isolado, deixa de ser pertinente”. Esses espaços de interações pretendidos, que aconteçam nas escolas, podem contribuir no desenvolvimento do ensino-aprendizagem, especialmente incluindo as reflexões filosóficas. Com a introdução/reintrodução das reflexões filosóficas muitos paradigmas passaram a ser questionadas pela grande controvérsia gerada nas escolas na discussão de teorias contemporâneas. Mesmo assim em muitos campos conflitantes, a situação permanece inalterada até o momento. Isso tem provocando conflitos entre profissionais que atuam com conteúdos que permitem essa reflexão, como a História, a Sociologia e especialmente a Filosofia. Aqui poderia ser imaginado que diversos motivos favorecem a permanência dos conflitos, como a formação dos professores que estão atuando e mudança na orientação curricular. A educação no século XXI deve sentir ainda a influência desse campo de forças conflituosas, como a falta de democracia e a negação da possibilidade do debate de temas relevantes. Essa condição gerada no século passado, e repassados a este século através de uma interface ainda pouco conhecida e carente de análises mais duradouras e profundas, tendem a persistir na sua trajetória. 3.4 OS GRANDES TEMAS A SEREM DISCUTIDOS NAS AULAS DE FILOSOFIA Para os desafios educacionais do século XXI, a perspectiva de Edgar Morin, apresenta aspectos panorâmicos do conhecimento, que nos remetem para o seu perfeito entendimento. Morin ilustra esse momento com magnitude: 52 O que se constata diante dessa imensa problemática é a resignação. Lembremo-nos incessantemente que não estamos mais na época de Pico de la Mirandola que podia abranger em sua mente todo o saber contemporâneo, como se o problema hoje fosse simplesmente adicionar os conhecimentos e não organiza-los (MORIN, 2002, p. 30). Os conhecimentos estão em plena ebulição, em todos os aspectos e campos das ciências. Com essa nova situação é necessária uma nova proposta pedagógica. Nesse aspecto vem se destacando a interdisciplinaridade que no parecer de Morin (2002), diante da multiplicidade de opções disponíveis é preciso analisar que, conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza. Neste contexto resta um desafio aos professores, especialmente das áreas consideradas mais identificadas com essas reflexões como a Sociologia e a Filosofia. O professor de Filosofia deve fazer o meio de campo necessário, mas não ser parcial ou seletivo em tomadas de decisão que somente o aluno deve decidir sim ou não a seu favor, ou a coletividade a que pertence. Segundo Charlot (1986, p. 151): “[...] ao mesmo tempo que, a inadaptação da escola à vida, denuncia-se sua subordinação ideológica ao meio: a escola serve aos interesses econômicos e sociais da classe dominante, cuja ideologia difunde.” As escolas geralmente enfatizam certa competitividade incrustada em um currículo reprodutor de sistemas do qual faz parte, sem conseguir efetivar reflexões que permitam transpor a restrita relação da sala de aula. O professor, muitas vezes, utiliza a Filosofia como disciplina de aproximação do aluno com seu interior contemplativo, deixando de ajudá-lo a refletir sobre as diversas circunstâncias desafiantes que lhe são apresentadas. Como as relações de trabalho, os conflitos sociais e as mudanças nas ciências e na tecnologia. Nesta condição, caso o professor não tenha a habilidade de explicitar as situações desafiantes e conflituosas pode provocar confusão nos alunos ao partirem para a reflexão, como esclarece Charlot: A ambigüidade dos valores, em todos os seus âmbitos, pode deixar os alunos confusos, pois a tomada de decisão está encabeçada em alguns pressupostos que por venturas são colocados a professor de filosofia, que estão ou não preparados para dar explicações com uma certa coerência mínima, e principalmente com conteúdo analítico que atenua impactos dessas concepções em sua formação de caráter e 53 personalidade. Para a filosofia a criança é um ser ao mesmo tempo educável e corruptível. (CHARLOT, 1986, p.113). É preciso que o professor dedique atenção especial aos aspectos evolutivos das relações sociais, das ciências e da tecnologia que impactam a formação, as relações de trabalho e geram necessidade de permanente adaptação na forma de promover as reflexões filosóficas nas escolas e fora dela. A Filosofia como ciência não deve contrapor-se a Filosofia como disciplina que, ao ser ministrada pelo professor, toma dimensões conotativas que muitas vezes transpõem causas inerentes de sua aplicação. Os resultados da impossibilidade da discussão da Filosofia nas escolas impediu sua contribuição nas reflexões dos temas sociais que contribuem para a formação da cidadania. Há consenso que os conhecimentos de Filosofia são necessários para o exercício da cidadania, bem como para a formação geral dos alunos, nas escolas, isso está expresso no texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio – PCNEM, sobre a Filosofia. Os problemas se confundem ao analisar os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, pois pretende-se introduzir discussões transversais, mantendo a estrutura da escola tradicional. E de outra banda a Legislação vigente transpira resquícios das práticas autoritárias da ditadura. Como esclarece Alves: [...] se o currículo é disciplinar e não transversal, de acordo com a análise dos temas transversais que fizemos, em que vimos que para o currículo de fato não ser disciplinar precisaríamos romper com o modelo da escola tal qual temos atualmente, por que então tanta relutância e hesitação em tornar a filosofia disciplina obrigatória, a exemplo do que acontece com língua estrangeira moderna, ensino da arte e educação física? Com base na história da filosofia no ensino médio, sobretudo das últimas décadas, temos que reconhecer que a situação atual não poderia ser diferente, pois qual é o Projeto de LDB que logrou ser aprovado? Quem o projetou e aprovou representava que interesses? As forças que apoiaram e viabilizaram a aprovação da atual LDB (lei n. 9.394/96) eram ligadas a quem no período da Ditadura Militar no Brasil, que nunca é demais lembrar, “excluiu” a filosofia do ensino secundário? (ALVES, 2002, p. 103,104) Mesmo com esse quadro o professor de Filosofia pode posicionar-se de forma inovadora em sua maneira de ministrar aulas, permitindo que os conhecimentos e experiências adquiridas de alunos e professor sejam valorizados e potencializados. Desta forma é possível proporcionar aulas cujas reflexões não se 54 limitem a meros aspectos delineados previamente, e sim contemplem a habilidade de cada aluno em expressar-se de acordo com a sua peculiaridade específica. O diálogo filosófico deve ser um ponto chave para o professor de filosofia, onde o assunto a ser tratado deve ser demarcado para que esse diálogo não venha a se tornar um simples devaneio de idéias desconexas e particularidades fúteis para o aprendizado mútuo. O professor com formação acadêmica em Filosofia, ou mesmo o que apenas ministra aulas da disciplina deve fazer uma análise periódica para não incorrer no erro de ser apenas mais um projeto que através de suas profecias arrebanhe certos seguidores. A sua formação universitária, específica ou não devem dar-lhe convicção de seu papel frente aos alunos, que esses não são meros ouvintes ou espectadores, mas agentes de suas próprias transformações. A formação do professor não deve cair no descaso social, mas a pujança desse título deve tornar válido o papel do mestre em explicitar certos conteúdos programáticos de maneira transparente e esclarecido, para que o aluno não enigmatize o caráter social e transformador que a Filosofia traz em seu bojo. É indispensável refletir também sobre a relação do professor de Filosofia com a proposta pedagógica que vem sendo aplicada, pois ela pode ser contraditória às necessidades reflexivas da disciplina: A própria Filosofia e o professor dessa disciplina no modo em como vêm sendo ministradas estas aulas, vem num geral quase que respaldando uma reprodutividade inanimada de desalentos quanto ao ânimo de estudá-la. É preciso opor a uma pedagogia ideológica, que camufla as realidades sociais e justificam assim a opressão, a desigualdade e a injustiça, uma pedagogia que leva verdadeiramente em conta a dimensão social da educação (CHARLOT, 1986, p. 231). As correntes filosóficas e sua apresentação e debate, pelos mestres em sala de aula, deve ser autênticas para que o interesse dos alunos se conserve e se reproduza, pois os assuntos em que a filosofia se propõe a estudar fazem parte em grande maioria a aspectos concernentes a valores sociais. O professor não pode somente priorizar aspectos únicos e a partir daí dar andamento a sua aula monótona, mas elencar assuntos que se entrelacem, pois é sabido que alunos querem e precisar de múltiplas facetas para que lhes se prendam a atenção. 55 Os guardiões da cultura-ideológica, que na concepção de Bordieu são os “grupos de status”, apregoam que não é necessário ter professores de filosofia, principalmente com perfil de fomentar a reflexão, assim não seria também necessário aprimorar a sua formação acadêmica. Segundo eles a Filosofia ou o processo de filosofar deve ser delegado apenas a alguns iniciados que são geralmente considerados vítimas de mecenas de uma situação política vigente e principalmente dominante. Numa visão mais flexível e plural o professor de Filosofia deve ter voz ativa não passiva em seu local de trabalho. Ele não pode permitir que esta disciplina esmoreça a mercê de interesses pedagógicos que tendem a reproduzir fisiologicamente e morfologicamente uma cultura subordinada a critérios obscuros e depreciativos. Isso não é apenas na relação professorXalunoXFilosofia, para a classe de professor dessa disciplina mas também, comprometido com toda historicidade do ser humano. A filosofia no que concerne o entendimento não pode ser um simples modelo pedagógico, mas sim um instrumento emancipador do ser humano na sua vida, nas relações de trabalho, nas atividades sociais e na construção da cidadania. Desenvolver as qualidades filosóficas da vida cotidiana, atuando no meio social e nas relações estabelecidas como um ser biológico, social, histórico e cultural é um dos desafios postos aos professores que atuam na disciplina às escolas que a introduzem em seus currículos e aos filósofos contemporâneos. Os conceitos elaborados no cotidiano são desenvolvidos ao decorrer das atividades experimentadas pelas crianças, jovens e adultos nas relações sociais, partindo de suas ações concretas às mais abstratas. A disciplina de Filosofia formal, dos conceitos científicos transformam gradualmente a estrutura dos conceitos cotidianos do educando e ajuda a organizála num sistema, isso promove a ascensão do mesmo para níveis mais elevados de desenvolvimento interdisciplinar. A escola tem papel importante a desempenhar nesse processo de construção e reconstrução no que tange a ação e a interpretação no processo educativo, na apropriação do conhecimento historicamente elaborado. Perpassam também sua 56 responsabilidade na participação do sujeito autônomo, na elaboração e reelaboração de uma sociedade mais justa, na valorização humana. Isso independe de ser a criança, o jovem e o adulto, pois todos devem ser vistos e tratados, como um ser de realizações pessoais e sociais, comprometidos consigo mesmo, com o outro, com o mundo e com o transcendente. Por mais que não se saiba o que seja Filosofia, ela pode estar presente ao refletir sobre as características locais e regionais em espaços e tempos determinados. No nosso exercício do filosofar, como um processo para outros lugares e épocas ampliando a cosmovisão do filosofar, está o principal desafio de diplomados ou não em Filosofia. É preciso pensar em nossa emergência, o nosso desafio, enfim uma Filosofia de vida do dia – a – dia, uma vez que o conhecimento do passado esteja compreendido até o momento atual. Há que assimilar o pensamento anterior, mas não copiá-lo na construção de uma Filosofia que nos possibilite a compreensão e a direção de nossas vidas, demonstrando seus sentidos, seu significado e sua necessidade. Recentemente a produção filosófica tem crescido em quantidade e qualidade, iniciando-se pelo esforço permanente nascido de nossos anseios, seja a nível individual ou coletivo. É provável que a perceptível popularização da reflexão filosófica esteja diretamente relacionada com a instituição da disciplina nas escolas brasileiras. De acordo com Luckesi (1995, p. 267): “A humanidade vem, ao longo do tempo, exercitando-se na busca soluções e formulando crítica de sentido para a existência do ser humano em cada uma das épocas e lugares.” Implica dizer que a disciplina de Filosofia é indispensável para a reflexão crítica dos valores humanos, como a ética, a cidadania, a solidariedade e a dignidade humana. E que esse precisam ser avaliados e reavaliados a cada momento histórico. Tomar postura e construir um novo ser humano, uma nova sociedade e um mundo novo articulados com as necessidades e desejos de todos e para todos. Temos que filosofar sobre o nosso cotidiano, apresentando soluções estudadas e refletidas com base na práxis flexível e plural de pensamentos que permitam e contemple os desafios próprios da Filosofia e os decorrentes da 57 expectativa humana. Sempre levando em conta o contexto real no qual está inserido o elemento da reflexão e os próprios motivos dela. A disciplina Filosofia procura uma compreensão ampla e profunda das relações sociais e aspectos éticos que envolvem os seres humanos e suas relações. Situa-se no todo, não tem limites e por isso deve ser a base para a reflexão no campo das ciências sociais e humanas da realidade que os permeiam. Torna-se uma força de atuação, de mudanças e compreensão do mundo real e imaginário. É ela que pergunta, indaga, questiona, analisa, denuncia, critica e faz transformar as diversas realidades. Assim, o estudo desse campo das relações humanas e sociais requer uma abordagem mais comprometida com as realidades apresentadas por alunos e professores na relação escolar e por outros agentes fora dela. É na dinâmica da diversidade que o ser humano se faz e se refaz a cada instante. A fundamentação para a compreensão da sociedade capitalista está baseada nas relações homem – sociedade, muito estabelecidas nas lutas de classes. Sejam elas realizadas o campo de conflito armado, como também nas instituições institucionais, morais, religiosas, pedagógicas, políticas legais ou não de que as classes dominantes fazem uso para manter a dominação e que essas culminam nas estruturas do pensar. Atualmente outras concepções emitem tessituras acerca das estruturas do pensar e das relações de classe e de poder. Entre estes autores é possível observar os olhares de Morin, como, por exemplo, na discussão da Teoria da Complexidade. A atitude da Filosofia é possibilitar o desmascaramento das incoerências, da alienação e das ideologias apresentadas, bem como as ocultas a elas. Trata-se das revelações vividas e as funções da vida prática. Pois a vida é maior que a ciência ou de qualquer outro discurso sobre ela própria. A final para que serve a Filosofia? E o que fica dessa trajetória de indagações, desafios e reflexões? Nascemos, existimos em sociedades articuladas, com suas estruturas de pensar, sentir e agir em linguagens e valores estabelecidos. O desenvolvimento de nossa consciência transformadora acontece na medida em que há um procedimento qualitativo e quantitativo do despertar pessoal e social. É preciso despertar e 58 recuperar uma consciência religiosa, mítica e humana, que se recria sob novas necessidades a cada momento histórico. É mister que o aluno saiba pensar por conta própria, sendo a escola uma aliada importante na transformação da sociedade para melhor. Elevar a função e responsabilidade do professor como sujeito e ao mesmo tempo como agente responsável para pensar a prática educativa e social, estamos, ao mesmo tempo, reconhecendo a necessidade de reflexão acerca destas questões e propondo desafios ao mesmo. Assim, é importante compreender que o espontâneo do dia–a– dia não é suficiente para exercitar a reflexão e possibilitar o avanço, mas carece de embasamento no processo histórico–cultural. A educação deve ter por objetivo a elevação cultural via ensino, preocupandose com uma aprendizagem dos educandos que leve em consideração o processo de continuidade e ruptura cultural, adaptada e adequada coerentemente com seus objetivos e operações avaliativas. Faz-se necessário auxiliar o educando a dar um salto na interpretação do cotidiano para uma interpretação elaborada da prática social, como ensina Luckesi, (1993, p. 130): “O interesse de cada um de nós e de cada criança que está na escola é ter possibilidades de compreender a realidade e o mundo que está a nossa volta, de uma forma mais ampla e significativa”. O conhecimento escolar poderá vir a ser um conhecimento significativo e existencial na vida dos seres humanos, se ele chegar a ser incorporado pela compreensão, exercitação e utilização nos desafios diários. O que importa é que cada pessoa, cada escola, cada criança, cada jovem adulto, consiga entender a realidade que está a sua volta e a transcendê-la. Destina-se também a entender as articulações dos homens e das mulheres em sociedade para mudá-la, aprimorando-a, libertando de todas as formas de alienação e de opressão. Nesse sentido, o ensino de Filosofia se estende a todos os campos do saber humano e também nos diferentes campos e níveis da compreensão da realidade em que o homem está relacionado. Refletir sobre a humanidade, os acontecimentos culturais e sócio-políticos do mundo em geral e das realidades, também é um desafio da Filosofia que deve ser perseguido. Com essa postura passamos a buscar uma maior compreensão e 59 consciência de realidades, que nos sirvam de apoio para a nossa práxis cotidiana. As nossas reflexões transformam-se à medida que transformamos nossa práxis. Assim, o trabalho de reflexão filosófica, identifica-se com o movimento da própria consciência em sua busca no desvendar o real, superando as contradições e os limites do conhecimento filosófico em sua dialética. Repensar a formação do aluno, do professor requer que se valorize a ação pedagógica, permitindo a construção de espaços na escola onde se possa observar, analisar, atuar e refletir, bem como provocar o desenvolvimento de capacidades e competências implícitas no conhecimento, na ação e na reflexão. Portanto, a Filosofia propõe desafios ao ser humano, sujeito que na racionalidade mantinha, muitas vezes a fixação do conhecimento no dogmatismo e no sectarismo. A Filosofia é dinâmica, aberta a novas concepções de homem, sociedade e mundo, como ensina Gramsci: [...] o filosofar é próprio a todos os homens e mulheres, crianças, jovens etc. [...] ainda que a seu modo, inconscientemente (porque, inclusive na mais simples manifestação de uma atividade intelectual qualquer, na “linguagem”, está contida uma determinada concepção do mundo). Deve-se destruir o preconceito, muito difundido, de que a Filosofia seja algo difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especialistas ou de filósofos profissionais (GRAMSCI, 1995 p. 10-11). A Filosofia se manifesta ao ser humano como uma forma de entendimento da existência do homem, das coisas e do universo. Tem por finalidade buscar, o bem, a emancipação dos oprimidos e de povo sofrido. Todos têm o dever e o direto ao conhecimento e ao filosofar, seja criança, adulto ou velho, ensina Luckesi (1993, p. 24): “Todos têm uma forma de compreender o mundo, especialistas e não especialistas, escolarizados e não escolarizados, analfabetos e alfabetizados”. Agimos em busca de algo que venha contemplar interesses seja individual ou coletivo, simples ou complexos, pois é sempre uma reflexão sobre o significado das coisas, das ações. A Filosofia é uma força e um sustento do agir, na defesa da vida e da emancipação humana. Inventar, criticar e reconstruir são processos inevitáveis da Filosofia para a superação da práxis num processo dialético: O desafio presente é o de evitar a separação entre “ensinar Filosofia” e “aprender a filosofar”, pois, ao tomar em consideração apenas um 60 desses aspectos, poderemos incorrer no risco, de um lado, de minimizar a importância do conteúdo e o papel do professor, e, de outro, sobrepor métodos e técnicas de ensino como respostas aos desafios da sala de aula. Entretanto, não se trata de menosprezar um aspecto em detrimento do outro, mas que tanto o aluno que estuda na universidade, quanto aquele do ensino médio possam ser levados a aprender a filosofar mediante o estudo da própria Filosofia (CARMINATI, 2003, p. 75-76). Ensinar o aluno a pensar, refletir, é tarefa fundamental para um despertar para a vida e para o mundo e a filosofia uma forma dessa manifestação e transformação social. Ela contribui para que crianças, jovens e adultos aprendam e contribuam para a interdisciplinaridade a fim de possibilitar e imprimir nas pessoas as idéias do bem, da justiça e da honestidade. A escola é espaço privilegiado para essa reflexão: Desde a infância a escola exerce seu papel sobre o cidadão. A partir do pré-primário, inculca-lhe durante anos, os anos em que a criança está mais ‘vulnerável’, entalada entre o aparelho de estado escolar saberes práticos envolvidos na ideologia dominante [...] por volta dos dezesseis anos, uma enorme massa de crianças cai na produção: são os operários ou os pequenos camponeses. A outra parte da juventude escolarização continua: e, seja como for, faz um terço do caminho para cair sem chegar ao fim e preencher os postos dos quadros de médios e pequenos empregados, de pequenos médios funcionários, pequenos burgueses de todas as espécies (SAVIANI, 1987, p. 65). É mister que se faça da escola uma instrução democrática do fazer, pensar, conhecer, enfim, que possibilite a construção da libertação, encontrando espaço para a solução de problemas sociais do dia-a-dia. Tanto a escola como instituição e a filosofia como instrumento do saber, devem estar em equilíbrio na reconstrução de uma educação condizente com os princípios humanos. Cabe ao professor de filosofia agir de uma maneira consciente, reflexiva e transformadora, levando os alunos a pensar estrategicamente as realidades, para poder escolher os caminhos que desejam seguir. O conhecimento somente é conhecimento quando implica em modos de ação. Melhor se conhecer é um saber aplicado com finalidades solidárias. Portanto, não é possível imaginar um único conhecimento ou forma de construir ou reconstruir modos de vida, especialmente no espaço escolar, como assinala Alves: Pouco adianta chegarmos a um consenso a respeito do modo mais “perfeito” de se ensinar filosofia na educação básica se não houver condições concretas, reais, objetivas para tanto. Para que toda essa discussão não se torne inócua e uma perda de energia teórica e 61 prática, é preciso intensificar a luta por uma legislação favorável a uma presença clara e explícita da filosofia no currículo. A reformulação da lei, todavia, não deve ser encarada como uma garantia definitiva, uma vitória total, mas como um respaldo legal imprescindível, para que a filosofia não apenas se faça presente no ensino médio, mas que essa presença seja de fato substancial e proveitosa, pois, se fosse assim “tão simples”, apenas constar como lei, então não teria sentido estarmos aqui discorrendo sobre este tema. (ALVES, 2002, p. 106-7). A escola, ao oferecer um espaço afetivo, motiva o aluno e proporciona atividades significativas, para que a aprendizagem seja vivida prazerosamente. Isto implica inúmeros desafios ao educador, como por exemplo, que saiba com quem está trabalhando com suas características. Os níveis de conhecimento refletem a realidade em que cada aluno está inserido, para depois levá-lo a compreender os assuntos em sua totalidade. Assim: Se aceitarmos que a educação é mediação das mediações históricosociais da existência real dos homens, e que o currículo é uma mediação de nível simbólico, da educação, impõe-se que, no caso do 2º grau [ensino médio], as mediações curriculares assegurem elementos que subsidiem a formação dos adolescentes de modo que eles possam entender e vivenciar sua inserção na realidade histórico-existencial (SEVERINO, 1999, p. 6). A prática educativa pode ser efetiva na reflexão e não um mecanismo de imposição de concepções ou idéias. Pode ser um modo de exigir do educando uma tomada de posição favorável ao desejado por ele, para satisfazer a sua vontade como aprendente e como ser humano. Com essa compreensão: Trabalhar conteúdos em sala de aula não implica uma agressão ao indivíduo e à sua consciência, como se ele fosse apenas depositário de um saber que hipoteticamente não possui, e sim consiste em munir esse educando de elementos teóricos e metodológicos para que ele faça a crítica de si mesmo e do seu mundo, no sentido de auxiliá-lo a tomar consciência de si, do próprio pensamento, do que pensa e por que pensa o que pensa e a partir de quê pensa. [...] (ALVES, 2002, p. 121). Promover o preparo de professores responsáveis, que refletem sobre suas práticas como situações a serem melhoras e reconstruídas com os alunos e o conjunto dos membros da escola, em formas partilhadas e democráticas. Um professor capaz de instituir novas relações entre o saber pedagógico e o saber científico. Isso significa que a formação filosófica acontece, desde as séries iniciais, no ensino médio e na vida cotidiana, num processo de inovação, experimentação e 62 investigação articulada com realidades e práticas educativas como um processo permanente. Os envolvidos nesse processo de reflexão devem colaborar e propor alternativas. Strieder, salienta: Parece bastante animador prever que caberá a educação um dos papéis determinantes na criação de sensibilidade social que se faz e se fará necessária para re-orientar e re-estimular a humanidade para vivências plenas e dignas para todos os humanos. Ela é também uma responsabilidade que exige a presença movedora do desejo dos docentes a se lançarem em águas mais profundas daquelas constantemente sugadas e pulverisadas pela imediatidade da linearidade e da certeza (STRIEDER, 2002, p. 224 e 225). É necessário superar a crença no poder absoluto de uma cultura ou disciplina dominante em selecionar, organizar e distribuir os conhecimentos e os compromissos. Compreender a escola como um espaço sócio-cultural em que os sujeitos agem através de alianças e conflitos, aceitação de normas e transgressões transdisciplinares. É importante o envolvimento da comunidade na construção do currículo escolar das diversidades locais e regionais. É indispensável que a escola proporcione interações diferenciadas para as crianças, jovens e adultos em diferentes níveis de desenvolvimento do ensinoaprendizagem, sempre numa tentativa flexível e plural, como forma de exercitar a reflexão e apropriar-se dos conhecimentos filosóficos. 63 4 SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS EMPÍRICOS No presente capítulo, foi desenvolvida a reflexões sobre as respostas dos estudantes e professores que colaboraram na presente pesquisa, de acordo com a proposta metodológica, já descrita anteriormente. Trata-se de um exercício reflexivo mesmo sendo preciso reconhecer limitações impostas pelas opções metodológicas. O exercício também é influenciado pela forma de expressão individual e pelas respostas obtidas a partir dos questionários que podem suscitar dúvidas ou interpretações não adequadas aos objetivos estabelecidos. A opção foi por apresentar as falas colhidas divididas, por unidades escolares, respeitando a fidelidade dos dados obtidos. Ressalto também que foram evitadas as transcrições de respostas assemelhadas, para evitar a repetição, no entanto, buscou-se manter a fidelidade do que foi recolhido. Também contribuirão com a reflexão os diversos pensadores que oferecem suporte teórico e embasamento da presente pesquisa. A seguir a discussão das falas dos alunos, colaboradores. 4.1 REFLEXÃO SOBRE AS INFORMAÇÕES OBTIDAS JUNTO AOS ALUNOS Ao apresentar alguns resultados da pesquisa saliento o quanto ainda é provisória essa condição, bem como continuará sendo, mesmo concluída esta etapa. Isso se deve as imensas possibilidades de construção e reconstrução do conhecimento, de forma dinâmica e que continuará aperfeiçoando-se e modificandose a cada momento. De forma semelhante a Filosofia considera que as verdades são provisórias: As verdades são sempre provisórias, já que os critérios pelos quais definimos o que entendemos por verdade dependem de sistemas filosóficos que se diferenciam, mas que não são excludentes” (SILVA e NESI, 2001, p. 7). Optei por apresentar as questões individualmente, aglutinando as unidades escolares. Para a reflexão serão trazidas as contribuições de diversos filósofos. A 64 idéia é que se tenha uma contribuição para a melhoria na aprendizagem, não só da Filosofia, mas também dos demais conhecimentos. Apresento algumas justificativas selecionadas com a intenção de possibilitar a complementação das reflexões a partir dos autores que oferecem suporte teórico para a presente dissertação. As respostas estão apresentadas da forma como foram colhidas, mesmo que apresentem alguns erros ortográficos. O objetivo desta forma de apresentação é manter a fidelidade do que foi respondido pelos parceiros de pesquisa das quatro unidades escolhidas. São elas, a EEB Nossa Senhora da Salete, EEB João XXIII, Centro de Educação Universos do Saber – CEUS e Centro de Educação de Jovens e Adultos – CEJA. A primeira questão, a seguir transcrita, que corresponde a de n° 3 no formulário em anexo, inicio com os estudantes da Escola de Educação Básica Nossa Senhora da Salete, do município de Maravilha. 3 A forma do professor apresentar os conteúdos é uma motivação para pensar e refletir os conteúdos propostos? ( ) sim ( ) não Justifique: É importante apresentar que todas as respostas foram afirmativas, ou seja, as respostas foram todas “sim”. Retomando os objetivos, a presente questão está relacionada com os elementos que motivam ou desmotivam a participação nas aulas de Filosofia. A primeira fala de colaborador: “Nos faz compreender de forma real o verdadeiro sentido da vida, tornando-nos indivíduos mais seguros em relação a todos os meios de sobrevivência”. Essa afirmação pode ser comparada COM o que ensina Assmann, sobre reflexão acerca da reflexão filosófica: Ou seja, existem motivos pragmáticos de sobrevivência e comodidade que nos inclinam a não pequenas doses de positivismo imediatista e preguiça hermenêutica. Não sempre estamos preocupados com ter um horizonte de descobertas. Dessa forma, gostamos de acomodar-nos em concepções simplificadas, sem refletir que isso, por um lado, nos ajuda a sobreviver, mas, pelo outro, restringe nossas possibilidades vitais (ASSMANN, 2001, p.102). 65 Um outro colaborador justifica dizendo da necessidade de aprofundar os estudos. Outro justifica sua escolha pela oportunidade da participação nas aulas, exercitando a reflexão: Pois ficamos curiosos com o conteúdo, e com isso vamos atrás para aprender e achar mais sobre esse assunto. Pois é uma maneira em que todos os alunos participaram, refletindo sobre o conteúdo. É perceptível nas falas dos colaboradores que há uma ligação entre os conteúdos da Filosofia e a produção do conhecimento, especialmente ao falar da aprendizagem. A relação da Filosofia com a construção e reconstrução do conhecimento tem uma relação com o processo educacional. É possível afirmar que o processo educacional está ligado de forma indissociável à Filosofia: O processo educacional é uma das atividades humanas mais dependentes da Filosofia, porque visa à formação das novas gerações e isto se dá fazendo-se algumas escolhas de caráter ético, estético, lógico e epistemológico. E estas e outras mais, são questões discutidas no âmbito da Filosofia educacional (SILVA e NESI, 2001, p.7) Em outras contribuições também são apresentados elementos que ligam o conhecimento com a Filosofia, que na essência caminham juntos no desenvolvimento da humanidade. Os estudantes da Escola de Educação Básica João XXIII, têm justificativas semelhantes, no entanto, introduzem elementos novos como os debates como elemento motivador das aulas de Filosofia: São realizados debates em sala de aula sobre o conteúdo. Pois, apresentar os conteúdos de forma diferente o que faz com que os alunos se sintam motivados para aprender de forma mais descontraída. Faz com que possamos refletir e pensar, não só em nós, mas sim em toda a sociedade. Esta concepção guarda uma relação com o papel da Filosofia em refletir acerca dos problemas que afetam a humanidade, como se observa nas afirmações de Silva e Nesi: Filosofia: é uma crítica constante a respeito de todas as coisas que se referem ao homem e a sua vida, sem o compromisso de produzir tecnologias que aumentem a produção de bens, mas, sim, o de exercitar no homem justamente a faculdade que o faz humano – pensar, refletir sua condição de homem, atribuir significados aos seus atos e sentido à sua vida (SILVA e NESI, 2001, p. 15). 66 Outras falas indicam a mesma direção: “Sempre conseguimos fazer uma boa discussão dos temas abordados, onde todos participam.” É possível identificar, a partir das falas apresentadas uma tendência forte para as discussões e apresentação diferenciada dos conteúdos e de interesse dos estudantes. É preciso destacar que definir os conteúdos que devem ser estudados e debatidos não é tarefa fácil para o professor de Filosofia. Talvez comparada a dificuldade de filósofo em definir o que estudar: Uma das tarefas mais árduas para o filósofo é definir o seu próprio campo de estudo: a Filosofia. E isto acontece não por não saber fazê-lo, mas sim, porque a Filosofia trata de temas que, para os outros campos do conhecimento, as ciências, por exemplo, são considerados óbvios e, portanto, de questionamento difícil e irrelevante (SILVA e NESI, 2001, p. 14). Para um dos entrevistados do CEJA, a questão três parece demonstrar uma forma mais formal de apresentação do conteúdo da disciplina: “Porque são mensagens que mostram a realidade da vida.” É possível respaldar a fala do colaborador, com o pensamento de Dantas que afirma: A filosofia não é apenas mais uma disciplina a ser ensinada e aprendida, mas que nela se define, se pratica e se define, se pratica e se põe em jogo a essência e a própria natureza de ensinar e aprender – ao menos na medida em que entendemos a natureza do processo educativo e a prática de ensinar e aprender, tal como entendeu Paulo Freire, não como simples transferência de conteúdos, ou mera aquisição e habilidades específicas, sejam elas técnicas, comportamentais ou cognitivas, mas na verdade como toda uma prática, todo um processo essencialmente emancipatório de questionar e elucidar dialogicamente as condições de realização de suas vidas, de sua própria história, do próprio mundo em que existem (DANTAS, 2002, p. 61). Por sua vez um entrevistado do Centro de Educação Universos do Saber – CEUS, condiciona a motivação a forma do professor apresentar o conteúdo, para motivar a participação dos estudantes: “Dependendo da forma que o professor apresenta o conteúdo podemos gostar ou não gostar do conteúdo, e aí pensar e refletir.” Trata-se da postura do professor ou professora que é fundamental para a motivação da aprendizagem dos alunos. No entanto, não pode recair sobre o professor toda a responsabilidade pela motivação ou não dos estudantes. Ela depende de outros fatores, como o próprio interesse do aluno e o incentivo da escola, enquanto comunidade escolar. 67 O comprometimento do professor é indispensável na construção de uma proposta pedagógica capaz de respaldar as diferentes contemplações dos estudantes com respeito aos temas apresentados. Nesse sentido o profissional que ministra temas de Filosofia deve ser capaz de motivar para o exercício de relações indispensáveis ao aprendizado de significações sociais: Nesse sentido, a ação do professor deve levar em conta o desafio de transformar as experiências, gerando ambientes de aprendizagem e construindo conhecimentos. Assim, esse profissional deve possuir uma sólida formação filosófica e cultural a fim de que os conhecimentos ensinados e construídos sejam interdisciplinares, rigorosos e históricos. Além disso, os professores devem demonstrar capacidade de pensar filosoficamente os diversos problemas trazidos pelos alunos, sendo críticos e autocríticas, tanto em sua intervenção no mundo profissional e cultural (CARMINATI, 2003, p. 60-61). Ainda na mesma questão, que trata da forma do professor apresentar os conteúdos, todos os estudantes, das diferentes unidades escolares responderam “sim” na pergunta dizendo que a forma de apresentar o conteúdo pelo professor é motivadora para discussão e reflexão dos conteúdos. Uma reflexão de Altair Alberto Fávero, contribui na sugestão de possibilidades que facilitam a aceitação e motivação para as aulas de Filosofia é o jeito aberto de trazer e discutir e os conteúdos: Numa perspectiva mais analítica, podemos afirmar que o aspecto mais positivo que encontramos nas metodologias hoje utilizadas no Brasil para o ensino de filosofia, na educação média é a abertura. [...] Sendo assim, o professor de filosofia pode usar criativamente seus conhecimentos e suas capacidades (FÁVERO, n° 64, 20 04, p. 273). A seguir a questão de n° 4, que ainda está relacion ado com os elementos motivadores, mas já indica o caminho da reflexão decorrente das aulas de Filosofia: 4 Que assuntos são relevantes para promover as reflexões da disciplina de Filosofia? Drogas, violência, filósofos famosos, e mostrar a vida como ela é. Assuntos relacionados com o ser humano, sua vida, evolução, assuntos da natureza. (EEB Nossa Senhora da Salete). Veja-se destacado o quanto os assuntos de forte influência na vida cotidiana propiciam a reflexão, na visão dos estudantes, desta unidade escolar, é o que trata da vida. Outro colaborador da mesma unidade escolar, tratando de questões relacionadas ä vida: “para ajudar a crescer na vida”. Ainda da mesma unidade escolar: “assuntos relacionados com o ser humano, sua vida [...].” 68 As reflexões filosóficas devem contribuir não só com o presente, mas preparar expectativas futuras. Mais uma vez as contribuições de Silva e Nesi: Desse modo, a Filosofia, sendo um questionamento contínuo do modo como nos relacionamos com a natureza, com os outros homens, com o Belo, etc., alimenta a dúvida e a curiosidade, sem as quais o conhecimento não avança; promove a reflexão, sem a qual a realidade não é transformada (SILVA e NESI, 2001, p. 23). No atual contexto, anunciado pelos meios de comunicação a questão da natureza e ecologia torna-se tema para reflexão como sugere o colaborador. Não uma natureza ambiental exclusivamente, mas a natureza que envolve as relações humanas, a evolução e cenário das produções tecnológicas, como também destaca Deon: Vivemos, hoje, devido à globalização, ao desenvolvimento tecnológico da informação (internet), às novas possibilidades na genética (clonagem, eugenia, transgenia), sob constantes discussões éticas. Novas discussões surgem sem que problemas éticos e políticos antigos o tenham sido solucionados, tais como a miséria, as desigualdades sociais, a exclusão, a discriminação contra as minorias (negros, mulheres, índios etc.), o trabalho infantil, entre outros [...]. Desse modo, a Filosofia, sendo um questionamento contínuo do modo como nos relacionamos com a natureza, com os outros homens, com o Belo, etc., alimenta a dúvida e a curiosidade, sem as quais o conhecimento não avança; promove a reflexão, sem a qual a realidade não é transformada (DEON, 2002, p. 105). Os estudantes da Escola de Educação Básica João XXIII, ao responderem a questão quatro, destacaram como temas a ética, a política e outros elementos de grande importância e repercussão social: “Moral e ética, violência, trabalho, educação, política, etc.” Essa contribuição encontra respaldo na composição teórica a seguir: Portanto é imprescindível que a regulação das relações e ações humanas, próprias da ética, se instale no interior das empresas e, sobretudo , na vida das pessoas. Acerca de uma ética adequada para os tempos atuais cabe a contribuição dos filósofos “humanistas” contemporâneos, mormente Jacques Maritain, que afirma ser impossível supor a vida justa em sociedade sem a devida valorização de todas as potencialidades do ser humano (FILOSOFIA ciência&vida, 2007, Nº 5, p. 79). Outro colaborador desta unidade escolar: “a vida, a morte, o pensamento humanos e os atos dos mesmos”. Isso demonstra a profundidade dessa discussão, que não é apenas apresentação do conteúdo, mas de debate, que além do interesse demonstra a participação dos alunos. Discutir os aspectos éticos, as relações de trabalho, política e educação resguardam o permanente questionamento sobre as 69 certezas e dúvidas, presentes em toda a existência humana. As dúvidas e incertezas são companheiras da humanidade em todas as épocas. Silva e Nesi destacam que: As dúvidas, especialmente as que se referem ao problema da verdade e da justiça são clássicas, isto é, estiveram presentes no espírito do homem antigo e continuam a nos causar espanto, porque não estão resolvidas, do mesmo modo como o homem encontrou uma solução par seu desejo de voar (SILVA e NESI, 2001, p. 23). Se por um lado é preciso refletir sobre os temas de interesse social, político, ético, de outro se faz necessária a prudência para evitar a imposição e ditadura de conceitos e doutrinas. Nesse sentido alerta Lipman: Se os professores adotam quaisquer princípios éticos particulares e os impõem a seus alunos, ficam sujeitos à acusação de doutrinação. [...], a escola não quer ser acusada de doutrinação, seja por algum sistema absoluto de valores, seja por uma abordagem relativista de valores. [...] A escola acha difícil conciliar suas obrigações de educadora – e encorajar os estudantes a tornarem-se autônomos – com suas obrigações para com os pais e a sociedade em geral – e aceitar uma postura convencional com os valores pessoais e sociais (LIPMAN, 1990, p. 92- 93). Outro colaborador sugere: “Os assuntos que faz promover relacionamentos e comportamentos, tendo atitudes.” Um dos compromissos indispensáveis à Filosofia na escola, o seu comprometimento no processo educacional, com valores decorrentes das relações sociais éticas e contributivas do processo de humanização nos quais se destacam a autonomia, a liberdade e a criatividade. São variáveis salientados por Silva e Nesi quando afirmam: Da mesma forma que a Filosofia procura compreender a realidade de forma genérica e sistemática, oferecendo os fundamentos que sustentam a produção das ciências particulares, no campo educacional a Filosofia visa compreender o processo educativo na sua totalidade, fornecendo subsídios para o estabelecimento de objetivos e diretrizes educacionais. Por exemplo: quando tomamos a autonomia como um dos mais elevados objetivos da educação, estamos assumindo a liberdade, a democracia e a criatividade como valores a serem constantemente proclamados. (SILVA e NESI, 2001, p. 7). Por sua vez, um dos colaboradores, do Centro de Educação de Jovens e Adultos – CEJA afirma que os assuntos das aulas de Filosofia são importantes para refletir sobre situações problemas da vida: “São assuntos interessantes que nos ajudam a refletir sobre os problemas da vida.” Outro colaborador do Centro de Educação Universos do Saber – CEUS, se refere à inclusão nas discussões de temas como o senso comum e doutrinas: “o 70 senso comum, as doutrinas e as idéias principais de alguns filósofos.” as sugestões dos alunos indica a importância e a abrangência das possíveis discussões a serem possibilitadas em aulas de Filosofia. As inúmeras sugestões feitas pelos alunos em relação a temas merecedores de reflexão e olhar filosófico apontam para a abrangência da “cultura geral”: [...] os temas mais presentes nos programas preparados pelos professores são: cultura geral; filosofia antiga (em especial, o surgimento da filosofia); ética; história da filosofia; teoria do conhecimento; e política. [...] a filosofia no ensino médio se resume, na maioria dos casos, a debates em torno de temas atuais, como auxílio de referencias filosóficas, o que ajuda a especificar o que se está entendendo por “cultura geral”. (FÁVERO, n° 64 , 2004, p. 271). O desafio dos alunos de refletir sobre os temas que envolvem suas experiências e vivências, tanto em contextos individuais quanto globais geram a virtude de assegurar um processo reflexivo, mas também a insegurança ao enveredar pelo viés de assumir compromissos acima das possibilidades escolares: As escolas, contudo, tem suas próprias razões para estarem apreensivas. Estão dispostas a ajustar-se às exigências de preparar seus protegidos para a cidadania. Mas não se sentem totalmente prontas para fornecer os valores pessoais que eram de responsabilidade dos pais. A situação parece não apontar soluções viáveis (LIPMAN, 1990, p. 10). A manifestação a seguir tem uma significativa amplitude, demonstrando um comprometimento dos estudantes frente a indicação dos conteúdos que contribuem para a reflexão: “A vida, a morte, os pensamentos humanos e os atos dos mesmos.” Uma colaboração ilustra a importância da Filosofia nas reflexões dessa natureza, com vistas a formação de valores humanos: Em discussões filosóficas com os colegas, os alunos aprendem a formular e expressar seus próprios pensamentos, a ouvir e respeitar as posições dos outros, a forjar e empregar critérios adequados para a avaliação de conceitos e a adoção de valores próprios. (LIPMAN, 1990, p.10). A quinta questão: “Quais reflexões filosóficas contribuem para a formação humana e o mercado de trabalho?” Ela trata das reflexões da Filosofia, mas relacionada com o mercado de trabalho. Uma das respostas apresentadas chama atenção pela preocupação com a felicidade. A princípio poderia ser dito que isto não tem relação com a Filosofia, no entanto, ela perpassa todas as áreas do conhecimento. Como sugere Altair Alberto 71 Fávero (n° 64, 2004, p. 271): “Para além do problem a do “ensinar Filosofia” e “aprender a filosofar”, acreditamos que o professor encontra-se diante de exigências transversais e especificas da prática filosófica [...]”. O tema da formação para o mercado de trabalho precisa ser objeto de reflexão em outras áreas do conhecimento, além da Filosofia. O compromisso também é filosófico já que, no aspecto formativo para o mercado de trabalho, encontra-se envolvida a questão da satisfação pessoal, ou da própria felicidade. Destacam os pesquisados a da família, como elemento intimamente relacionado com os aspectos do mundo do trabalho. Outro destaque é referente a formação da consciência a partir das reflexões filosóficas: “[...] formar uma consciência e nos desenvolver emocionalmente para competir no mercado de trabalho.” De acordo com a fala do colaborador da EEB Nossa Senhora da Salete: “Aprendemos a pensar diferente, refletir melhor sobre a vida. Aprendemos a não nos contentar com o básico, mas sim, sempre querer mais.” Trata-se de uma fala que expressa a motivação individual, como significante na reconstrução de expectativas. A resposta do colaborador assemelha-se ao que se refere Lipman: Os educadores devem desenvolver seu próprio pensamento, e para tal, na expressão do autor, devem “afiar as ferramentas” intelectuais. Os professores devem maximizar as oportunidades nas quais os alunos exercitam seu raciocínio e aprendam a buscar, questionar a investigar em lugar de esperar ou aceitar as respostas que lhes vêm prontas. (LIPMAN, 1990, p.10). Lipman desafia os professores para ampliar as pesquisas e estudos sobre temas tratados Nas aulas de Filosofia. Sobre a formação humana e a relação com o trabalho, há também percepção da importância da reflexão filosófica, como se percebe na declaração de um dos parceiros da pesquisa: “vão nos ajudar a formar uma consciência e nos desenvolver emocionalmente para competir no mercado de trabalho.” Para muito além do proposto pelo aluno, “competir no mercado de trabalho”, existem objetivos maiores na vida que envolve outros desejos e necessidades de realização enquanto pessoas, como muito bem destacado Lipman: Além disso, diz Sócrates, devemos conhecer a nós mesmos, conhecer nossas vidas. Isto é, é necessário que saibamos qual é 72 realmente nosso objetivo na vida; assim nossas chances de alcançálo serão muito maiores caso não saibamos. (LIPMAN, 2001, p. 12). Uma resposta, de um colaborador do Centro de Educação de Jovens e Adultos – CEJA, relaciona a proposição dos conteúdos com o comportamento profissional: “Para que tenhamos um bom comportamento com as pessoas que estão em nosso ambiente de trabalho.” A Filosofia, ao surgir, se propunha refletir sobre questões científicas, sobre as coisas da natureza, e, sempre considerando o humano e o controle que lhe interessa ter de si mesmo. Então, cada indivíduo humano pretende controlar a sua vida e ser o sujeito das ações a serem empreendidas. Isso podemos ver destacado também por Lipman: É necessário reconhecer como prioritário o interesse do indivíduo em obter um melhor controle de sua própria vida, pois não há melhor incentivo que ver nossa vida se aperfeiçoar com o nosso pensar sobre ela. (LIPMAN, 2001, p.13-14) Do Centro de Educação Universos do Saber – CEUS, uma das respostas inclui o próprio estudante como elemento de estudo: “Um muito importante é sobre si mesmo, pois se conhecer bem é muito importante [...]”, por possibilitar avaliar melhor as chances no universo de um mercado de trabalho cada vez mais estrito. O caráter e o fortalecimento emocional são elementos presentes nas falas levando em conta o relacionamento social e do trabalho: “[...] para que possa competir com as outras pessoas, não só no trabalho, mas também na vida.” O ato de refletir filosoficamente de forma interativa com a própria vida já fazia parte dos ensinamentos de Lipman: A tarefa dos educadores de hoje é menos a de transmitir conteúdos aos alunos e mais a de orientá-los a como buscar aquilo que necessitam saber e como processar as informações para que dêem subsídios para a aquisição de conhecimentos significativos. (LIPMAN, 1990, p.10). Entrando na formação pessoal, a questão seis apresenta o pensamento dos estudantes do ensino médio. A pergunta formulada foi: “6 Qual a importância da Filosofia para sua formação pessoal?” Algumas manifestações por parte dos alunos: Nos torna humanos, fazendo com que nosso caráter amadureça. Formação emocional de um cidadão para que possa competir com as outras pessoas, não só no trabalho, mas também na vida. Aprender a se relacionar com as pessoas. Ajuda a desvendar os mistérios da vida de um modo diferente. 73 Um dos muitos desafios do educador, em especial do professor de Filosofia é despertar, no aluno, esse interesse para as reflexões sobre a formação do caráter, seu modo de relacionamento, e outros os aspectos da vida que contribuem no processo de amenização dos impactos decorrentes das diferenças pessoais. Os alunos também fazem alusões à honestidade e à responsabilidade. As respostas demonstram a seriedade dos estudantes ao tratar da Filosofia: “[...] com a filosofia podemos aprender a ser mais pacientes, honestos e responsáveis.” Ao lado dessa postura prática algumas respostas falam dos mistérios da vida: “Ajuda a desvendar os mistérios da vida de um modo diferente.” Quando os alunos se referem a temas tão profundos e densos sobre questões existenciais, pudemos visualizar indicativos da amplitude da Filosofia na vida dos estudantes do Ensino Médio. Ainda, para alguns dos entrevistados, a Filosofia influencia na afirmação social do indivíduo, da reflexão ao comportamento social: “[...] a filosofia nos faz pensar, rever nossos atos, pensar no passado para viver o futuro, ajuda-nos na auto-estima.” Uma das falas colhidas na Escola Educação Básica João XXIII, ilustra a preocupação dos estudantes sobre a curiosidade que deve acompanhar o processo de produção do conhecimento: “Faz com que pensemos antes de agir e que possamos refletir, sobre o porquê das coisas.” Do Centro de Educação de Jovens e Adultos – CEJA, uma resposta sugere uma dimensão mais ampla da Filosofia: “É através da Filosofia que conhecemos o mundo, que podemos entender o pensamento e aceitamos facilmente a opinião das pessoas e criticamos de forma civilizada.” Já um estudante do Centro de Educação Universo do Saber – CEUS, expressa em sua resposta a preocupação com a evolução do conhecimento a partir da Filosofia: “É importante para mim porque com a filosofia aprendemos a evoluir o conhecimento, e pensar coisas do dia-a-dia que normalmente não sabemos ou não pensamos.” Marilena Chauí ao comentar sobre a virtude e o bem conduz para a reflexão da sociedade e seu papel a desempenhar, mas inclui o indivíduo nessa reflexão: 74 Ao indagar o que são a virtude e o bem, Sócrates realiza, na verdade, duas interrogações. Por um lado, interroga a sociedade para saber se o que ela costuma considerar virtuoso e bom corresponde efetivamente à virtude e ao bem; e por outro, interroga os indivíduos para saber se, ao agirem, possuem efetivamente consciência do significado e da finalidade de suas ações, se seu caráter ou sua índole são virtuosos e bons realmente. (CHAUÍ, 2005, p.181). A partir dessas importantes contribuições e justificativas dos alunos, resta iniciar a reflexão das falas dos professores. 4.2 REFLEXÕES SOBRE AS INFORMAÇÕES OBTIDAS JUNTO AO PROFESSORES A intenção da pesquisa junto aos professores foi tratar das diferentes concepções que orientam os professores de Filosofia das unidades escolares selecionadas no Município de Maravilha. Foram em número de quatro os professores que responderam as questões apresentadas, sendo um de cada escola. Após as questões de identificação, questionei os professores sobre a sua responsabilidade pela motivação dos estudantes, compreendendo que é a forma de apresentar que motiva ou não os estudantes: 3 A forma do professor apresentar os conteúdos é uma motivação para pensar e refletir os conteúdos propostos? ( ) sim ( ) não Justifique: A metodologia utilizada pelo/a professor/a sugere inquietudes e investigações, ajudando tanto aluno quanto o professor, a compreender melhor o mundo, equacionar problemas e encaminhar soluções. A fala do professor referencia a amplitude dos assuntos a serem tratados nas aulas de filosofia, bem como, a relevância de determinada opção metodológica. É importante frisar a observação da auto-inclusão no exercício de reflexão. Ela expressa a intenção compreender os horizontes da vida e de compreensão do mundo. Essa compreensão não é estática, pois, sugere a identificação dos problemas, as reflexões decorrentes e as possibilidades de soluções. A compreensão do “mundo” deve ser ampla, incluindo o humano e o meio no qual ele está inserido. O ser humano precisa tomar consciência de sua 75 responsabilidade em compreender as relações estabelecidas, sejam elas interpessoais ou com o meio. Segundo eles, para ocorrer o aprendizado não é suficiente que a reflexão, por exemplo, no caso da Filosofia resulte em uma mudança de conduta do ser humano. Para os colaboradores é indispensável o desenvolvimento da capacidade de inquietação frente aos desafios e a presença da capacidade de investigação e instigação para a descoberta de novas possibilidades de reflexão, utilizando todo o potencial do cérebro humano. Contribui nesse sentido o pensamento de Maturana: Atualmente tendemos a considerar o aprendizado e a memória como fenômenos de mudança de conduta que ocorrem quando se “capta” ou se recebe algo do meio, o que implica supor que o sistema nervoso funcione com representações. Já vimos como tal suposição obscurece e complica tremendamente o entendimento dos processos cognitivos. (MATURANA/VARELA, 1995, p.199). Na questão quatro solicitamos também que os professores se manifestassem em relação à quais assuntos consideram importantes para promover as reflexões: “4 Que assuntos são relevantes para promover as reflexões da disciplina de Filosofia?” Algumas falas sugerem que todos os assuntos da atualidade são importantes para reflexões na disciplina de Filosofia: Tudo o que envolve o cotidiano (atualidades gerais). Assuntos ligados ao significado da existência do homem, a natureza humana e o processo de produção do seu estar no mundo, isto é, a existência. Nas falas apresentadas há indicadores relevantes, capazes de oferecer maior consistência ao relacionar os assuntos próprios da Filosofia, ou seja, é adequado para motivar a reflexão dos estudantes, para discussões da existência humana, sua natureza e integração ao mundo. Com essa contribuição é possível dialogar com filósofos clássicos e contemporâneos. Reabrimos um espaço para tratar das contribuições de Sócrates, sem ignorar a importância de outros pensadores clássicos da antiguidade, como também de nosso cotidiano. Persiste forte a interrogação do conhecer-se a si mesmo para reabrir forma relacionais junto aos outros. É importante registrar a contribuição das indagações de Sócrates, nas reflexões filosóficas, mas uma diferença assiste no momento, enquanto naquele momento, era uma repetição do aprendizado das gerações passadas. Atualmente as 76 construções das reflexões são de profunda agilidade de respostas e discussões. Nesse sentido reflete Marilena Chauí: Sócrates perguntava aos atenienses, fossem jovens ou velhos, o que eram os valores nos quais acreditavam e que respeitavam ao agir. As perguntas socráticas terminavam sempre por revelar que os atenienses respondiam sem pensar no que diziam. Repetiam o que lhes fora ensinado desde a infância (CHAUÍ, 2005, 181). Ainda, buscando a contribuição teórica dos filósofos de diferentes tempos, é importante analisar na atualidade, a importância das reflexões filosóficas, desde seus primórdios. Nas palavras de Lipman: Mas o que os antigos gregos reconheceram foi mais ou menos o mesmo que hoje muitos professores e diretores começam a perceber. Uma vez que o ato de pensar, levado a sua essência, culmina na filosofia, então o instrumento mais preciso já projetado com esse fim também é filosofia por excelência. Talvez uma breve consideração sobre o nascer da filosofia na Grécia há 2.500 anos possa esclarecer algo sobre o importante papel que se passou a creditar á filosofia, a partir da década de 70 (LIPMAN, 2001, p. 09 11). Continua Lipman descrevendo a integração da filosofia com a literatura, enfim outras áreas do conhecimento, ou do próprio conhecimento, sua construção ou reconstrução: De fato, antes de Aristóteles, a filosofia esteve sempre incorporada a algum veículo literário. Nos aforismos de Heráclito ou nos poemas de Parmênides, bem como mais tarde nos diálogos de Platão. [...] Assim, quando finalmente a filosofia surgiu, ela era filosófica em sua originalidade e autonomia, científica em seu interesse em propor afirmações sobre a natureza das coisas e artística em seu modo de apresentação (LIPMAN, 2001, p. 09 -11). As respostas dos alunos e professores demonstram a superação de uma discussão dualista. Mesmo assim, está presente uma forte influência que as concepções dualistas exercem sobre a Filosofia, e mais ainda sobre os leigos, muitos pensadores a consideram superada. A concepção dualista já na época de Descartes (1596-1650), foi questionada por ser considerada insatisfatória a solução de situações a partir da interação entre mente e corpo. Um desses questionadores foi Espinosa (1632-1677), que já defendia uma outra filosofia da mente fundada em uma outra ontologia. Para ele a mente e o corpo não eram duas substâncias diferentes e sim dois atributos diferentes da mesma substância, a saber, Deus. 77 Conforme Chalita (2005, p. 243): “Deus, ou natureza, se manifestam através das leis da natureza que são eternas, imutáveis e inteiramente determinadas pela necessidade da natureza divina”. Uma outra alternativa ao dualismo interacionista cartesiano na modernidade foi apresentada por Malebranche (1638-1715). Ele propôs a concepção do Ocasionalismo. Ele sustenta a teoria das causas ocasionais na qual todas as atividades da alma são, na realidade, causas ocasionais, agentes unicamente pela eficácia da vontade de Deus. Deus seria a única verdadeira causa eficiente do acordo entre os movimentos do corpo e as idéias da alma. Atualmente outros pensadores têm se somado ao enfrentamento com Descartes, na defesa de alterantivas ao dualismo, difundindo a idéia que há uma complexidade maior que a simples interação entre corpo e alma, sendo que a última seria eterna, desprendendo-se do corpo físico ou ainda que existe apenas duas possibilidades de qualificação de pessoas, entre o bom e o mau. De acordo com filósofos contemporâneos há outros parâmetros para discussões filosóficas, como as propostas inter e transdisciplinares. Nesse contexto é preciso que o professor assuma sua condição de fomentar as discussões filosóficas, sempre considerando as sugestões dos estudantes e propondo reflexões com segurança. Ensina Carminati: Nesse sentido, a ação do professor deve levar em conta o desafio de transformar as experiências, gerando ambientes de aprendizagem e construindo conhecimentos. Assim, esse profissional deve possuir uma sólida formação filosófica e cultural a fim de que os conhecimentos ensinados e construídos sejam interdisciplinares, rigorosos e históricos. Além disso, os professores devem demonstrar capacidade de pensar filosoficamente os diversos problemas trazidos pelos alunos, sendo críticos e autocríticas, tanto em sua intervenção no mundo profissional e cultural. (CARMINATI, 2003, p. 60-61). A quinta questão trata da formação humana e sua relação com o mercado de trabalho: “5 Quais reflexões filosóficas contribuem para a formação humana?” Percebe-se a importância destinada a ética na resposta dos professores: Os princípios da ética. Reflexões quanto às mudanças que vêm ocorrendo em nossa sociedade, fruto de novas descobertas. “Ética, política, estética, lógica, mostrando novas maneiras de olhar, perceber e pensar o mundo”. Considerando ser o filósofo como [...] 78 Uma ciência da sabedoria deve ser aquela que faça o ser se descobrir e faça aquilo que lhe dá satisfação. São manifestações que aumentam os desafios em relação aos assuntos apresentados pelos professores, como efetivamente objetos de reflexão. Nesse sentido explica Assmann: As reflexões que seguem caminham sobre o vetor da seguinte pergunta: por que ligar conhecimento a complexidade no plano da pedagogia? Há uma razão muito simples: pelo fato de ser muito limitado nosso sensoriamento perceptivo da realidade, quase instintivamente, preferimos simplificar as coisas, isto é, recortamos os fenômenos para facilitar-nos uma suposta compreensão do mundo. (ASSMANN, 2001, p.102). O mais importante é compreender a necessidade da continuidade da reflexão diante dessa tendência aos recortes. É um desafio de grande amplitude que requer dedicação e competência. Nesse sentido se expressa Altair Alberto Fávero: É possível verificar que esses professores de filosofia buscam um ensino mais ativo nos diversos níveis, que não fique circunscrito à análise e explicação de textos, até recentemente predominante, por influência da escola francesa. Em geral a metodologia de Lipman é aplicada nas escolas sob supervisão do Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças (CBFC) ou de seus afiliados. [...] Numa perspectiva mais analítica, podemos afirmar que o aspecto mais positivo que encontramos nas metodologias hoje utilizadas no Brasil para o ensino de filosofia na educação média é a abertura. [...] Sendo assim, o professor de filosofia pode usar criativamente seus conhecimentos e suas capacidades. (FÁVERO, n° 64, 2 004, p. 273). A questão seis, tem por objeto o aspecto da formação pessoal: “6 Qual a importância da Filosofia para sua formação pessoal?” Nas falas é possível perceber a compreensão da importância da Filosofia na sua vida pessoal e profissional, pela abrangência desta sobre esses aspectos: A Filosofia tem tudo a ver com nossa Formação, pois ela nos abre os horizontes, faz nos refletir com profundidade sobre os valores e princípios da nossa vida, de que a sociedade nos impõe e qual nossa decisão frente a isso. As respostas remetem para uma Filosofia significativa, importante para o aperfeiçoamento pessoal e profissional. Como forma de permanente reflexão para superar obstáculos e desafios. A Filosofia adquire importância imensurável na discussão da formação, dos valores e princípios éticos. Contribui no entendimento desse processo os ensinamentos de Morin: 79 A tarefa, então, é suplantar essa realidade, mas isso não se faz senão a partir de um modo de pensar novo, não apenas por alternativas decorrentes de programas disciplinares, muitas vezes emergenciais e dissociados, mas a partir de mudanças dos paradigmas e enfoques teóricos e práticos que orientam a formação e prática dos professores. [...] “o global é mais que o contexto, é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de modo inter-retroativo ou organizacional. Desta maneira, uma sociedade é mais que um contexto: é o todo organizador de que fazemos parte” (MORIN, 2001, p. 35-37). Após a análise dos antigos pensamentos e pensadores filosóficos e realização da pesquisa, é possível dizer, que estão presentes inúmeras situações que demonstram uma nova visão do pensamento filosófico, no entanto sem perder de vista a importância que a mesma representa, na vida das pessoas e nas relações sociais estabelecidas entre as pessoas. 80 CONCLUSÃO Concluir o mestrado, apresentando a dissertação é um momento singular. Reflete o quanto a pesquisa é um instrumento que amplia nossas reflexões acadêmicas. O desafio da presente dissertação foi uma reflexão em torno do tema da filosofia como disciplina de caráter oficial e obrigatório nos cursos de ensino médio. No primeiro momento, apresentamos a justificativa, a problemática de pesquisa, os objetivos e a proposta metodológica. Forma refletidos os demais elementos que sustentam diversos temas que permeiam os conteúdos de filosofia. Vários autores, filósofos gregos, pensadores da Idade Média e Moderna foram convidados pra darem as suas contribuições em torno de temas e de sua importância como filosofias no contexto da educação e da vivência em sociedade. Na pesquisa de campo, foi possível identificar as dificuldades dos professores/professoras que se preocupam com as diversas dimensões que envolvem o conhecimento humano. Entre elas o dualismo e as posições que se contrapõem a mesma, na construção de espaços da Filosofia e das Ciências Humanas em sociedades industriais e tecnológicas. Na formulação do problema tivemos a preocupação de verificar a existência de olhares distintos de profissionais diplomados ou não que atuam como docentes de filosofia nas unidades escolares selecionadas. Sobre isso é importante registrar que não forma constadas diferenças significativas enquanto atuação profissional bem como nas reflexões filosóficas propostas e desenvolvidas em sala de aula. Os dados foram coletados junto às escolas de Ensino Médio do município de Maravilha. São quatro escolas que oferecem este nível de ensino: Duas escolas públicas do ensino regular, a EEB João XXIII e EEB Nossa Senhora da Salete, uma escola particular, Centro de Educação Universo do Saber (CEUS) e Escola de Educação de Jovens e Adultos (CEJA). Em todas as unidades escolares, as respostas dos estudantes e professores, diante dos instrumentos de coleta de dados, demonstraram o interesse pela filosofia e os temas propostos para a reflexão. A compreensão da importância da mesma, como oportunidade de reflexão também está presente em todas elas. É possível 81 dizer que, nestas escolas a filosofia pode ser considerada, como uma referência para outros ramos do conhecimento. No capítulo segundo, fez-se um apanhando da filosofia, como ciência que impulsionou o ser humano na reorganização de entendimentos tendo como base o campo das idéias. Nesse processo histórico da filosofia, foi se confirmando a necessidade de aceitar pensamentos divergentes para interagir com a realidade. Reforça-se a concepção de que a razão do ser humano é exercitada pela inquietação transformada em procedimento capaz de visualizar profundamente o campo das hipóteses. Segundo o levantamento histórico, a Filosofia é uma palavra de origem grega, cujo significado é: philos, significando amigo, amor; e sofia, sabedoria, saber. Pitágoras foi o filósofo que inventou a palavra filosofia, ele afirmava que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas os seres humanos podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos, ou seja, o verdadeiro sábio é aquele que ama e deseja ampliar cada vez mais seus conhecimentos e saber desvendar os mistérios sobre o mundo onde vive. Outro filósofo que ofereceu grande contribuição foi Aristóteles. Segundo ele apenas o homem viveria a vida completa da natureza, pois, cresce se alimenta como as plantas, têm sentimentos e a capacidade de se mover como os animais, mas também possui a capacidade de pensar racionalmente. As contribuições de Sócrates, também continuam merecendo destaque no pensamento da atualidade e na prática educacional de todo ser humano. A forma de pensar dos gregos fundamenta as formas de pensar do ocidente. O período da Idade Média, no qual predominou o cristianismo dominou e influenciou todos os setores da sociedade, não permitindo que se pensasse de outra forma que não fosse a contida nos ensinamentos bíblicos, fechando as portas para a Filosofia. Na Idade Moderna, com a configuração do projeto da sociedade capitalista, a burguesia traz uma visão científica, crítica, antropocêntrica e radical do universo, do homem e da sociedade. A valorização e a busca da razão das coisas são os princípios da ciência inspirada no racionalismo burguês, que tem no controle econômico, político e ideológico da sociedade uma de suas características. 82 A Filosofia contemporânea trata dos problemas e das diferentes inquietações que afetam a humanidade. O filósofo alemão Hegel, no século XIX, afirma que a Filosofia é a História e o modo de ser da razão e da verdade, o modo de ser dos seres humanos e que, portanto, somos seres históricos. Essa é uma das contribuições que permite ser o século XX, o grande século da descoberta da História ou da historicidade do homem, da sociedade, das ciências e das artes, afirmando-se a Filosofia como protagonista das reflexões humanas. A nova proposição sobre as reflexões filosóficas demonstra que a Filosofia tem por pretensão dar ao homem uma consciência do seu tempo e do seu compromisso pessoal e social. Há uma inclinação pela humanização, compreendendo a realidade, tendo a vida acima de qualquer princípio humano. Enquanto disciplina escolar, no Brasil, a Filosofia sofre diversos reveses, tendo sido retirada definitivamente do currículo do Ensino Médio na década de 1970 com a entrada em vigor da Lei nº 5692/71, uma proposta educacional que valoriza a técnica, visando a profissionalização. O tecnicismo representou um retrocesso na implementação da Filosofia na escola brasileira, mas resistências atuantes, reivindicavam a reintrodução e manutenção da Filosofia no currículo escolar. O movimento pela reintrodução da disciplina de Filosofia nas escolas, não conquistou o sucesso esperado no tempo pretendido. Foram diversos os problemas, como o das instituições formadoras que não conseguiram assegurar o papel de promover a reflexão nos seus espaços acadêmicos e, por conseqüência, a formação de profissionais ficou prejudicada. Superadas inúmeras dificuldades, houve um crescimento do interesse pela disciplina e a percepção da importância estratégica que ela desempenha na formação do indivíduo, E nas discussões acerca da criatividade, da qualidade de vida, da solidariedade, entre outros. Isso impõe a necessidade de assegurar a reflexão sobre as questões sociais, econômicas, culturais, educacionais, religiosas, políticas em todos os campos do pensar humano. No dia 7 de julho de 2006, o Conselho Nacional de Educação, aprovou por unanimidade, a obrigatoriedade da Disciplina de Filosofia nas escolas de Ensino Médio, o que ainda não estava assegurado te na Lei n° 9.394, a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira - LDB. 83 Em Santa Catarina, mesmo com a implementação do Sistema Estadual de Educação, a Lei Complementar 17.098, não há a garantia da presença da Filosofia no currículo escolar. Somente com o advento da Lei Complementar nº 173, de 21 de dezembro de 1998, que dá nova redação ao parágrafo único do artigo 41, da Lei nº170/98 é que se torna obrigatória a introdução da Filosofia como disciplina do currículo oficial. Exercitar a reflexão e estimular o desenvolvimento do ser humano é condição para colaborar com a evolução da condição humana. A mudança de postura, diante de explicações passadas, é o fundamento do ato de filosofar. Acompanhar as alterações de tudo que está em volta de si mesmo é a principal causa da necessidade de mudança de pensamento, a fim de melhor se posicionar na vida, descobrindo, sua razão de ser. A Filosofia tem um papel estratégico na sociedade contemporânea, qual seja de “interrogar a condição humana”, como e por que ainda estamos em determinada situação. A formação do educador/educando de Filosofia – mesmo reconhecendo que é uma responsabilidade de todos – não pode estar unicamente balizada em conceitos de um ou outro filósofo, mas na diversidade das idéias e concepções. É necessário que o conhecimento das ciências e as tecnologias nelas envolvidas, transcenda esses aspectos. Fazê-lo é permitir-se, através da filosofia uma reflexão profunda sobre fatos que a história, por seus desígnios, possa gerar. As instituições universitárias que formam os docentes de filosofia devem repensar pressupostos, considerados básicos dessa formação. Uma alternativa é a superação do individualismo laureado pelo mundo capitalista, cedendo espaço e fomentando uma cultura capaz de garantir uma concepção coletiva. Esse desafio envolve O aprofundamento das reflexões que sobre a ética, a cidadania e a solidariedade. Entre as diversas contribuições apresentadas pelos alunos, essa é apresentada como possibilidade de reflexão das questões que envolvem a Filosofia em si, bem como as dificuldades que enfrentam no seu dia-a-dia. Essa rearticulação deve contemplar a reflexão não apenas de conteúdos escolares/curriculares, mas atingir aspectos éticos e sociais, contextualizando o debate e as reflexões filosóficas. 84 A pesquisa de teórica e de campo deixa evidenciado a urgência do desafio de preparar professores conscientes da importância da reflexão filosófica. Essa formação deve ser de forma partilhada e democrática, com uma visão crítica, instituindo novas relações entre o conhecimento pedagógico e o conhecimento científico. É preciso compreender a responsabilidade dos educadores, das escolas e, também, das autoridades, pois é a partir da mobilização da comunidade escolar que o Poder Público será motivado ou mesmo pressionado a promover a efetivação derradeira da disciplina de Filosofia. É indispensável que uma tomada de posição definitiva seja tomada, para que de vez a disciplina de Filosofia esteja presente em todos os currículos e todas as escolas brasileiras, seja ela pública ou privada. Parece ser imprescindível uma assimilação completa da necessidade da implementação da Filosofia de forma a contribuir com as reflexões a que a mesma se propõe para tornar possível que as escolas consigam motivar alunos e professores para as reflexões filosóficos propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais. A educação no século XXI está sentindo a influência de campos de forças conflituosas, como a falta de democracia e a negação da possibilidade do debate de temas relevantes. Essa condição gerada no século passado, e repassados a este século através de uma interface ainda pouco conhecida e carente de análises mais duradouras e profundas, tendem a persistir na sua trajetória. Os conhecimentos estão em plena ebulição, em todos os aspectos e campos das ciências. Destaca-se a complexidade que no parecer de Morin (2002), diante da multiplicidade de opções disponíveis é preciso conhecer e pensar não chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza. O professor que não tem a habilidade de explicitar situações complexas, desafiantes e conflituosas pode provocar desinteresse nos alunos como esclarece Charlot (1986): A Filosofia como ciência não deve contrapor-se a Filosofia como disciplina que, ao ser ministrada pelo professor, toma dimensões conotativas que muitas vezes transpõem causas inerentes de sua aplicação. Os resultados da 85 impossibilidade da discussão da Filosofia nas escolas impediu sua contribuição nas reflexões dos temas sociais que contribuem para a formação da cidadania. A escola tem papel importante a desempenhar no processo de construção e reconstrução no que tange a ação e a interpretação no processo educativo. Perpassa também sob sua responsabilidade a participação do sujeito autônomo, na elaboração e reelaboração de uma sociedade mais justa, na valorização humana. A disciplina de Filosofia procura uma compreensão ampla e profunda das relações sociais e aspectos éticos que envolvem os seres humanos e suas relações. Situa-se no todo, não tem limites e por isso deve ser a base para a reflexão no campo das ciências sociais e humanas da realidade que os permeiam. Torna-se uma força de atuação, de mudanças e compreensão do mundo real e imaginário. É ela que pergunta, indaga, questiona, analisa, denuncia, critica e faz transformar as diversas realidades. A atitude da Filosofia é possibilitar o desmascaramento das incoerências, da alienação e das ideologias apresentadas, bem como as ocultas a elas. Trata-se das revelações vividas e as funções da vida prática. Pois a vida é maior que a ciência ou de qualquer outro discurso sobre ela própria. A final para que serve a Filosofia? E o que fica dessa trajetória de indagações, desafios e reflexões? O conhecimento escolar poderá vir a ser um conhecimento significativo e existencial na vida dos seres humanos, se ele chegar a ser incorporado pela compreensão, exercitação e utilização nos desafios diários. O que importa é que cada pessoa, cada escola, cada criança, cada jovem adulto, consiga entender a realidade que está a sua volta e a transcendê-la. Portanto, a Filosofia propõe desafios ao ser humano, como ensina Gramsci (1985): Ensinar o aluno a pensar, refletir, é tarefa fundamental para um despertar para a vida e para o mundo e a filosofia uma forma dessa manifestação e transformação social. Ela contribui para que crianças, jovens e adultos aprendam e contribuam para a interdisciplinaridade a fim de possibilitar e imprimir nas pessoas as idéias do bem, da justiça e da honestidade. A escola é espaço privilegiado para essa reflexão. Retomando os objetivos, foi percebido na fala dos colaboradores que há uma ligação entre os conteúdos da Filosofia e a produção do conhecimento, 86 especialmente ao falar da aprendizagem, como era a um dos desafios expressos em um objetivo: “Verificar quais temas são levados pelos professores para serem refletidos junto aos alunos.” A relação da Filosofia com a construção e reconstrução do conhecimento tem uma relação com o processo educacional. O comprometimento do professor é indispensável na construção de uma proposta pedagógica capaz de respaldar as diferentes contemplações dos estudantes com respeito aos temas apresentados por ele ou então sugeridos pelos próprios alunos. Neste sentido, o profissional que ministra aula de Filosofia deve ser capaz de motivar para o exercício das relações indispensáveis ao aprendizado de significações sociais. No atual momento, uma reflexão indispensável está relacionada com os aspectos da natureza, como sugerem pesquisados. Não uma natureza ambiental, mas a natureza que envolve as relações humanas e suas produções tecnológicas. A situação lançada como desafio às unidades de refletir sobre os temas que envolvem a vida dos alunos e seu contexto individual e global gera, ao mesmo tempo, uma virtude de assegurar um processo reflexivo e de outro gera insegurança ao enveredar pelo viés de assumir compromissos acima de sua possibilidade. Outro olhar, no qual se pretendia observar o sentimento dos estudantes com relação aos conteúdos e a sua contribuição nas reflexões, expresso em um dos objetivos: “Verificar o que os estudantes do Ensino Médio pensam em relação às reflexões feitas nas aulas de Filosofia.” Nesse olhar surge a preocupação dos colaboradores com os diversos aspectos do mundo do trabalho. Diversos excertos das falas merecem destaque, ao fazer referência à formação da consciência a partir das reflexões filosóficas: “ética; pensar sobre a vida; política; auto-confiança; evoluir o conhecimento; sentimentos e emoções; violência; ética no trabalho; pensar diferente; crescer como pessoa; aprender muito.” São esses alguns dos olhares pelos quais os colaboradores sugerem exercitar suas reflexões. Está expressa a intenção compreender os horizontes da vida, da compreensão do mundo. Essa compreensão não é estática, pois, sugere a identificação dos problemas, as reflexões que os envolve e as possibilidades de soluções. Isso tudo sem indicar uma, já que ao tratar do futuro é impossível qualquer prognóstico. 87 Procurei fazer, no decorrer do presente texto, diversos ensaios de refletir sobre as falas dos colaboradores, alunos e professores. No entanto, o mais importante é reconhecer e compreender aquilo que ficou evidenciado na fala dos professores, qual seja a necessidade da continuidade da formação para a flexão. Esse desafio passa necessariamente pelo suporte em referenciais teóricos para assegurar a fidelidade e seriedade da discussão/reflexão. A Filosofia foi referenciada como de significativa importância para o aperfeiçoamento pessoal, para a formação humana, para a reflexão sobre a condição existencial, o ser e o estar aqui, sem negligenciar os inúmeros desafios da formação profissional. 88 REFERÊNCIAS ALVES, Dalton José. A Filosofia no ensino médio: ambigüidades e contradições na LDB. Campinas, SP: Autores Associados, 2002. ALMEIDA, A. Alves de. Nova enciclopédia de pesquisa fase. Vol. 1 a 10. Rio de Janeiro: Fase, 1971. ARANHA, Maria Lúcia de Aruda. Temas de Filosofia. São Paulo: Moderna, 1994. _______. Filosofando: Introdução a Filosofia. São Paulo, Moderna, 1992. ASSMANN, Hugo. 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( ) Masc. 2 FORMAÇÃO ACADÊMICA 2.1 Curso de graduação ________________________________________________ Instituição ___________________________________________________________ Habilitação para a disciplina de Filosofia: ( ) sim ( ) não Possui outro Curso Superior: ____________________________________________ Instituição ___________________________________________________________ 2.2 Você concluiu ou está cursando algum curso de Pós-Graduação? ( ) sim ( ) não Qual? ( ) especialização ( ) mestrado ( ) doutorado Em qual área: ________________________________________________________ 2.3 Escola de atuação: ( ) EEB Nossa Senhora da Salete ( ) EEB João XXIII ( ) Centro de Educação de Jovens e Adultos – CEJA ( ) Centro de Educação Universo do Saber – CEUS 3 A forma metodológica de apresentar os conteúdos é uma motivação para pensar e refletir os conteúdos propostos? ( ) sim ( ) não Justifique ___________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 4 Que assuntos são relevantes para promover as reflexões na disciplina de Filosofia? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 5 Quais reflexões filosóficas contribuem para a formação humana e o mercado de trabalho? ___________________________________________________________________ 95 ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 6 Qual a importância da Filosofia para a sua formação pessoal? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 7 Qual/quais as concepções filosóficas que você segue? ( ) Positivismo ( ) Marxismo ( ) Fenomenologia ( ) Estruturalismo 96 UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO PESQUISADORA: NATALINA SALETE BORTONCELLO DA SILVA ORIENTADOR: PROF. DR. ROQUE STRIEDER INSTRUMENTO DE PESQUISA PARA PROFESSORES (AS) DE FILOSOFIA DO ENSINO MÉDIO (estudantes) 1 DADOS DO (A) ALUNO (A) 1.1 IDENTIFICAÇÃO (escola) ___________________________________________ 1.2 Data de nasc..____/____/______ Cidade __________________________ UF __ 1.3 Sexo: ( ) Fem. ( ) Masc. 2 Escola que estuda: ( ) EEB Nossa Senhora da Salete ( ) EEB João XXIII ( ) Centro de Educação de Jovens e Adultos – CEJA ( ) Centro de Educação Universo do Saber – CEUS 3 A forma do professor apresentar os conteúdos é uma motivação para pensar e refletir os conteúdos propostos? ( ) sim ( ) não Justifique ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 4 Que assuntos são relevantes para promover as reflexões na disciplina de Filosofia? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 5 Quais reflexões filosóficas contribuem para a formação humana e o mercado de trabalho? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 6 Qual a importância da Filosofia para a sua formação pessoal? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________