O Conhecimento de médicos e enfermeiros da ESF* quanto

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O Conhecimento de médicos e enfermeiros da ESF* quanto à detecção precoce do
câncer infanto-juvenil
¹Flávio Magno da Silva; ²Quênia Camille de Soares Martins; ³Fábia Cheyenne Gomes
De Morais Fernandes; 4Izaac Batista de Lima
RESUMO
Câncer em crianças e adolescentes corresponde entre 1% a 3% de todos os tumores
malignos na maioria das populações, sendo a segunda causa de óbito nessa faixa etária.
Os esforços devem ser concentrados na detecção do câncer em seu estágio inicial de
desenvolvimento, estando atenção básica em situação privilegiada pela proximidade e o
acompanhamento contínuo das famílias de um determinado território. Diante disso,
Objetiva-se identificar o conhecimento dos médicos e enfermeiros atuantes na
Estratégia Saúde da Família (ESF) quanto aos sinais e sintomas relacionados ao
diagnóstico do câncer infanto-juvenil. Trata-se um estudo observacional do tipo
transversal com abordagem quantitativa, desenvolvido na região do Trairi, Rio Grande
do Norte, sendo entrevistados 51 profissionais através de um questionário semiestruturado. Os resultados apontaram que o nível de conhecimento é considerado baixo,
pois a média de acertos foi de 28 (DP=6,69), para 45 respostas corretas. A categoria
médicos apresentou maior assertividade em relação aos enfermeiros, sendo a diferença
estatisticamente significativa para o total de questões, linfomas e tumor do sistema
nervoso central. Constatou-se ainda que 64,7% dos profissionais, submetidos a esse
estudo, não receberam capacitação sobre o câncer infanto-juvenil, bem como 49% não
obtiveram formação acadêmica com ênfase nesse assunto. Assim sendo, percebe-se que
são necessários investimentos para educação permanente em saúde que contemplem a
atenção oncológica na ESF, viabilizando a identificação da neoplasia infantil em tempo
hábil, associado a isso, que as redes de saúde estejam estruturadas e organizadas.
*Estratégia Saúde da Família
Palavras-chaves: Câncer. Diagnóstico Precoce. Estratégia Saúde da Família.
1. Acadêmico de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN/FACISA
2. Enfermeira. Doutora. Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte –
UFRN/FACISA
3. Enfermeira. Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN
4. Acadêmico de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN/FACISA
O Conhecimento de médicos e enfermeiros da ESF* quanto à detecção precoce do
câncer infanto-juvenil
INTRODUÇÃO
O câncer pediátrico e juvenil, no Brasil e no mundo, é considerado um
problema de saúde pública devido ao elevado índice de mortalidade, o alto custo
financeiro destinado à detecção, ao diagnóstico e ao tratamento e, ainda, o impacto
emocional vivenciado pela criança/adolescente e seus familiares.
O câncer em crianças e adolescentes corresponde entre 1% e 3% de todos os
tumores malignos na maioria das populações¹. É considerado raro e com alto potencial
de cura quando o tratamento for iniciado precocemente, no entanto representa a segunda
causa de óbito por doença nesse grupo, estando atrás das mortes por causas externas, o
que torna este dado significativamente importante1, 2.
O diagnóstico do câncer infanto-juvenil é um processo de grande
complexidade, pois o desenvolvimento da doença está relacionado às suas
características biológicas que são muito variáveis, podendo revelar-se tanto lenta quanto
abruptamente1. O principal desafio do diagnóstico é que, além de ser uma doença de
pouca incidência nesta faixa etária, a sintomatologia é comum a doenças de curso
benigno, logo, os sintomas “vagos” e mal interpretados podem, portanto,conduzir ao
atraso a partir da primeira apresentação para o diagnóstico, isto é, aumentar o intervalo
de diagnóstico³.
O atraso dos pais na procura de cuidadosera consideravelmente menor do que o
atraso médico a fazer o diagnóstico, enfatizando que os pais geralmente são os melhores
observadores de seus filhos, e que os médicos devem ouvir as preocupações dos pais.
Médicos de atenção primária deve ter um alto índice de suspeita, juntamente com
excelentes habilidadesde exame físico4.
Um estudo ecológico nacional, que utilizou como unidade de análise 352
Regiões de Saúde do Brasil abordou o acesso e a qualidade dos serviços de saúde
prestados a crianças oncológicas observando que para se estabelecer o diagnóstico
precoce, é necessário que os profissionais sejam treinados para a suspeita da doença,
que existam redes de acesso para todos os níveis de complexidade e que ocorra
intercomunicação entre essas redes, para que a criança seja referenciada o mais
brevemente possível ao tratamento correto².
Nesse contexto, o local do primeiro contato médico foi citado como o fator
determinante mais significativo para “physician time”, que já foi considerado mais
longo nas crianças que tiveram como primeiro contato um médico generalista, bem
como um serviço de atenção primária5,6.
Médicos generalistas foram ainda envolvidos no processo diagnóstico de 80%
das crianças diagnosticadas com câncer na Dinamarca, porém a interpretação variou
significativamente com o tipo de tumor³. Já na maioria dos casos diagnosticados na
África do Sul (58%), a primeira suposição diagnóstica não foi de malignidade8. Para
crianças diagnosticadas com tumor cerebral em Israel9, a média de tempo diagnóstico
foi de sete meses, sendo que em 27% dos casos, o atraso era considerado inaceitável.
No estudo que comparou o intervalo de tempo para o diagnóstico do câncer
infanto-juvenil entre um centro da Nicarágua e outro da Itália, evidenciou que a
mediana do tempo de latência foi mais elevada na Nicarágua do que na Itália (29 versos
14 dias, a P <0,001) e foi principalmente devido ao "atraso médico" (16,5 versus 7 dias,
p <0,001), tal fato foi associado a dificuldade dos médicos da Nicarágua na suspeita do
diagnóstico de câncer10.
A equipe de saúde qualificada para a atenção básica pode ser determinante
nesse processo, uma vez que se trata da principal porta de entrada do binômio
acompanhante/criança
ou
adolescente,
com
a
possibilidade
de
identificar
antecipadamente o risco de neoplasia maligna e consequentemente o encaminhamento
ao serviço especializado de tratamento11.
Para a Política Nacional de Atenção Básica12 que dispõe como competências
para médicos e enfermeiros na realização de atividades programadas e de demanda
espontânea, realizando o trabalho interdisciplinar e em equipe, a consulta de
Crescimento e Desenvolvimento (C e D) deve ser realizada pelo enfermeiro e médico da
equipe da ESF, possibilitando olhares complementares a esse público.
Neste contexto, o presente estudo tem o objetivo de identificar o conhecimento
dos médicos e enfermeiros atuantes na Estratégia Saúde da Família quanto aos sinais e
sintomas relacionados ao diagnóstico do câncer infanto-juvenil. Para assim contribuir
com subsídios que possam elevar a qualidade da atenção infanto-juvenil na Estratégia
Saúde da Família, pautada na conscientização dos profissionais em suas ações de
detecção precoce dos sinais e sintomas do câncer infantil. Ancorada no fortalecimento
das necessidades de educação permanente para a atenção oncológica na atenção básica.
METODOLOGIA
Caracteriza-se como um estudo observacional do tipo transversal com
abordagem quantitativa. Desenvolveu-se nos municípios da região do Trairi e Potengi
no Rio Grande do Norte englobando 21 municípios.
A amostra deste estudo foi composta por 51 profissionais, sendo 30
enfermeiros e 21 médicos. O cálculo amostral foi realizado com base no estudo
descritivo brasileiro que avaliou o nível de conhecimento de agentes comunitários de
saúde, para isso tomou-se por base o percentual máximo de assertividade de 63%13.
Deste modo, considerando uma população total de 78 indivíduos. Para que fosse
possível estimar o percentual médio de respostas corretas sobre o diagnóstico precoce
do câncer infantil, considerando uma margem de erro amostral de 5% e um nível de
significância de 95%, foi necessário um mínimo de 65 profissionais não considerando
eventuais perdas.
Foram elegíveis para inclusão no estudo: médicos e enfermeiros que
trabalhassem na ESF. Os profissionais, médicos e enfermeiros, que possuírem vínculo
de trabalho na Atenção Básica inferior ha 1 mês foram excluídos do estudo, tendo em
vista que possam não representar o contingente a ser pesquisado.
Para a coleta de dados, o instrumento utilizado foi um questionário semiestruturado, elaborado pelos pesquisadores do estudo, com base nas recomendações
propostas no documento “Diagnóstico precoce do câncer na criança e no adolescente”1
direcionado ao profissional de saúde, médico ou enfermeiro.
O projeto foi aprovado pelo CEP da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairí
(FACISA) – UFRN para análise e aprovação com o número do parecer consubstanciado
nº. 352.845. O respectivo projeto de pesquisa foi delineado seguindo as normativas
propostas pela lei que regulamenta a pesquisa com seres humanos CNS 466/2012.
Os dados foram armazenados em um banco de dados, as análises estatísticas
foram realizadas utilizando o pacote estatístico Statistical Package for Social Science
(SPSS) 20.0. As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio padrão para
aquelas com distribuição normal ou como mediana e intervalos interquartis para aquelas
com distribuição não-paramétricas. As variáveis categóricas foram expressas como
percentuais e números absolutos. Para avaliação da normalidade da distribuição das
variáveis foi utilizado o teste de Kolmorgorov- Smirnov, o qual mostrou que a variáveis
são não-paramétricas. Foi utilizado o teste de Mann-Whitney para comparação das
médias dos acertos sobre os diferentes tipos de tumores.
RESULTADOS
A população do estudo foi constituída por 51 (100%) profissionais de saúde,
desses 58,8% (n=30) eram enfermeiros e 41,2% (n=21) eram médicos, sendo 62,7%
(n=32) do sexo feminino; com a idade variando de 23 a 64 anos. Para o tempo de
conclusão de curso, o mínimo foi de 2 meses e o máximo de 24 anos; quanto ao curso
de pós-graduação, 62,7% (n=32) desses profissionais o possuíam, com predomínio de
21,6% (n=11) para o curso de Saúde Pública, com grande disparidade para os demais
cursos.
A Tabela 1 expressa o perfil dos profissionais, bem como as características de
vínculo de trabalho na ESF.
Tabela 1 - Características da amostra de profissionais vinculados a ESF da Região de
Saúde do Trairi, Rio Grande do Norte. Santa Cruz, 2013.
Médico
Enfermeiro
Total
(n=21)
(n=30)
(n=51)
Feminino
33,3 (n=7)
83,3 (n=25)
62,7 (n=32)
Masculino
66,7 (n=14)
16,7 (n=5)
37,3 (n=19)
Idade (anos)*
33,5 (+11,4)
32,4 (+9,54)
32,8 (+10,2)
2 (1 – 6)
4 (2 – 5,75)
4 (2 – 6)
Sim
57,1 (n=12)
42,9 (n=9)
62,7 (n=32)
Não
66,7 (n=20)
33,3 (n=10)
37,3 (n=19)
8 (5 – 24)
22 (9,5 – 57)
19 (8 – 40,5)
8 (5 – 36)
22 (10,7 – 57)
19 (8 – 48)
34,6 (+7,2)
35,8 (+5,6)
35,3 (+6,35)
42,9 (n=9)
63,3(n=19)
54,9 (n=28)
Variáveis
Sexo
Tempo de formado (anos)
†
Curso de pós-graduação
Tempo
que
realiza
consulta C e D (meses) †
Tempo que atua na ESF
(meses) †
Carga horária semanal*
Quantos vínculos
1
2
28,6 (n=6)
30,0 (n=9)
29,4 (n=15)
3
14,3 (n=3)
-
5,9 (n=3)
4
9,5 (n=2)
-
3,9 (n=2)
Contrato temporário
90,5 (n=19)
36,7 (n=11)
58,8 (n=30)
Concurso público
9,5 (n=2)
60,0 (n=18)
29,4 (n=15)
Tipo de vínculo
Dados categóricos apresentados como n(%); * Variável expressa com média ± desviopadrão; †Variável expressa em mediana e percentis 25-75.
Fonte: Dados da pesquisa, Santa Cruz, 2013.
No que se refere à formação acadêmica com ênfase no câncer infanto-juvenil,
49% (n=25) dos profissionais não obtiveram uma instrução básica sobre o assunto,
sendo 56,7 (n=17) enfermeiros e 38,1 (n=8) médicos.
Quanto à participação em capacitações sobre os sinais e sintomas sobre o câncer
infanto-juvenil, observa-se que apenas 29,4 (n=15) receberam informações sobre essa
temática; sendo que 11,8% (n=6) alcançaram esses conhecimentos precedentes ao seu
ingresso na ESF, enquanto que 5,9% (n=3) receberam o treinamento durante a
permanência na atenção básica.
Nesse sentido, a quantidade de treinamentos variou entre uma e cinco vezes,
essas capacitações foram realizadas em 17,6% (n=9) por instituição governamental,
enquanto que 3,9% (n=2) ocorreram em setor privado. As características relacionadas
aos treinamentos para o profissional estão dispostas na Tabela 2.
Tabela 2 – Distribuição da participação e percepção dos treinamentos sobre sinais e
sintomas do câncer infanto-juvenil para os profissionais que trabalham na ESF da região
Trairi, Rio Grande do Norte. Santa Cruz, 2013.
Médico
Enfermeiro
Total
(n=21)
(n=30)
(n=51)
Sim
28,6 (n=6)
30,0 (n=9)
29,3 (n=15)
Não
66,7 (n=14)
63,3 (n=19)
64,7 (n=33)
Não respondeu
4,8 (n=1)
6,7 (n=2)
5,9 (n=3)
Variáveis
Participação
em
treinamentos
Percepção
sobre
o
treinamento
Muito satisfatória
9,5 (n=2)
20,0 (n=6)
15,7 (n=8)
Satisfatória
9,5 (n=2)
-
3,9 (n=2)
Insatisfatória
4,8 (n=1)
-
2,0 (n=1)
Sem informações
4,8 (n=1)
10,0 (n=3)
7,8 (n=4)
Total
28,6 (n=6)
30,0 (n=9)
29,3 (n=15)
Dados categóricos apresentados como n(%).
Fonte: Dados da pesquisa, Santa Cruz, 2013
De acordo com os dados coletados sobre o conhecimento dos profissionais
quanto aos sinais e sintomas dos principais grupos de câncer infanto-juvenil, a média de
acertos foi de 28 (62,2%), para um total de 45 (100%) respostas corretas, sendo que os
médicos apresentaram maior assertividade sobre o assunto em relação aos enfermeiros,
com a diferença estatisticamente significativa. A mediana de acertos por categoria
profissional está representada na Tabela 3.
Tabela 3 – Distribuição de sinais e sintomas corretos por grupo de câncer
infantojuvenil dispostos pelos profissionais que trabalham na ESF da região Trairi,
Rio Grande do Norte. Santa Cruz, 2013.
Variáveis
Médico
Enfermeiro
Total
N=21
N=30
N=51
Leucemia aguda
8 (7 – 9)
7 (5,75 – 8)
7 (6 – 8)
0,012
Linfoma
4 (3 – 5)
3 (2 – 5)
3 (2 – 5)
0,004
Tumor abdominal
6 (4,5 – 6,5)
4 (2 – 5)
5 (3 – 6)
0,006
Tumor do SNC
8 (7 – 9)
7 (5,7 – 8)
7 (6 – 8)
0,005
Tumor ocular
4 (3 – 4)
2 (2 – 4)
3 (2 – 4)
0,010
Tumor ósseo
2 (1 – 2)
1 (1 – 2)
1 (1 – 2)
0,301
1 (1 – 2)
1 (1 – 2)
1 (1 – 2)
0,984
28 (24 – 33)
0,000
Tumor
de
moles
Total
de
corretas
partes
respostas 33
35,5)
(28
– 25,5 (21 –
29,2)
Valor de
p*
Dados categóricos apresentados como mediana e percentis 25-75;
* Teste de Mann-Whitney U
Fonte: Dados da pesquisa, Santa Cruz, 2013
No tocante, às dificuldades vivenciadas pelos profissionais médicos e
enfermeiros na ESF, 60,8% (n=31) encontra ou já encontrou alguma dificuldade para
realizar ou subsidiar a hipótese diagnóstica do câncer infanto-juvenil; desses, 41,2%
relacionaram essa dificuldade a falta de estrutura das unidades básicas de saúde e 9,8%
(n=5), a falta de treinamentos que capacitassem os profissionais.
Já para a realização de encaminhamentos da criança ou adolescente com suspeita
de câncer, 62,7% (n=32) relataram não encontrar dificuldades na articulação com as
demais esferas da rede de saúde. O tempo máximo de tolerância para o encaminhamento
ao especialista por categoria profissional está distribuído no Gráfico 1.
Gráfico 1 – Distribuição do tempo máximo de tolerância para o encaminhamento ao
especialista pelos profissionais da ESF da região Trairi, Rio Grande do Norte. Santa
Cruz, 2013.
33,3
33,3
31,4
28,6
27,5
23,3
23,3
Total
14,3
11,8
Imediatamente
Até 7 dias
Enfermeiro
11,8
10
10
Até 15 dias
Até 30 dias
Fonte: Dados da pesquisa, Santa Cruz, 2013
DISCUSSÃO
Médico
14,3
9,8 9,5
Sem respostas
Na Estratégia Saúde da Família (ESF), a assistência prestada à criança é
realizada principalmente por médicos e enfermeiros durante o acompanhamento nas
consultas de Crescimento e Desenvolvimento (C e D), desse modo esses profissionais
foram o alvo do nosso estudo, por representarem os principais atores na detecção
precoce do câncer infanto-juvenil.
No modelo assistencial da ESF, observamos que o maior percentual dos
profissionais que responderam ao questionário era do sexo feminino e com idade entre
23 a 64 anos. A predominância do gênero feminino nos profissionais que atuam na ESF
também foi verificada no município de Ceará-Mirim/RN, o qual ainda constatou que a
idade média dos profissionais da ESF para enfermeiros foi de 35,4 anos (DP ± 7,8) e
para médicos 38,9 anos (DP ± 11,3)15.
Observou-se um maior número de profissionais com menos de 5 anos de
formado, indicando um perfil profissional pouco experiente nos trabalhadores dessa
área. A ESF funciona como forma de ingresso na carreira de médicos recém-graduados,
incentivados pelo Governo Federal por programas como o Provab e Mais Médicos, bem
como enfermeiros, haja vista as facilidades de ingresso e a não exigência de
qualificação específica ou titulação compatível.
Constata-se ainda uma grande diversidade de cursos de pós-graduação
frequentados por tais profissionais. Vale ressaltar que, a área de Saúde Coletiva,
relacionada à prática deles, abrangeu o maior número de trabalhadores, uma vez que
proporciona uma maior preparação e capacitação para atuar na ESF. Destaca-se ainda
que dois médicos tinham a pós-graduação em pediatria, contribuindo para um adequado
acompanhamento do Crescimento e Desenvolvimento infantil. E apenas um enfermeiro
tinha especialização em oncologia, enfatizando ser uma área pouco visada pelos
profissionais da atenção básica. Contudo, considera-se relevante o número de atuantes
da Estratégia que não possuem curso de pós-graduação 37,3% (n=19).
Na perspectiva de estabelecer os vínculos profissionais, a maioria tinha
contrato temporário na ESF, esses dados demonstram a grande instabilidade profissional
que a atenção básica ainda apresenta. Gonçalves et. al (2014) constatou que em relação
ao vínculo empregatício dos profissionais de nível superior em Montes Claros (MG)
96,7% são contratados, logo a notável instabilidade nos vínculos com o sistema
municipal determina uma postura profissional que, muitas vezes, compromete o
planejamento de longo prazo e gestão nas Redes de Atenção à Saúde.
Esses dados podem implicar na dificuldade do estabelecimento de vínculos com
a população, considerada necessária para promover as ações de saúde, e no seguimento
da assistência prestada, devido à rotatividade de profissionais nas equipes de saúde da
família.
A variável carga horária semanal obteve predominância para as 40 horas, vê-se
que os profissionais estão seguindo o determinado na Política Nacional de Atenção
Básica12. Corroborando esses dados, Castro17 também verificou em sua pesquisa uma
média de carga horária semanal inferior as 40 horas na ESF.
Quanto aos vínculos de trabalho, pouco mais da metade dos profissionais
trabalhavam apenas na ESF, enquanto que os demais tinham entre dois a quatro
vínculos. De acordo com esses dados, outro estudo contatou que 31% dos membros da
equipe de ESF tinham outros vínculos de trabalho, mesmo quando se entende que um
contrato de 40 horas de trabalho semanal para os profissionais da ESF os
impossibilitasse. Pode-se relacionar a modalidade do vínculo contratual a que está
submetida à maioria dos profissionais contratados da ESF, o que os leva, devido à
instabilidade no emprego, a buscar outros serviços15.
A experiência dos entrevistados na realização da consulta de C e D, bem como
na ESF, apresentou uma grande variação entre 1 mês a 288 meses, assim, temos
profissionais com muita experiência nesse campo de atuação em detrimento dos que tem
pouca vivência no acompanhamento da criança na atenção primária. A grande
rotatividade e a pouca disponibilidade de profissionais para as demandas da Atenção
Primária a Saúde, com destaque para o médico, constituem duas dificuldades
importantes18.
Um dado preocupante está relacionado à consulta de C e D, a qual tem sido
feita somente pelos enfermeiros, em alguns municípios estudados. A Política Nacional
de Atenção Básica12 dispõe como competências para médicos e enfermeiros a realização
de atividades programadas e de atenção à demanda espontânea, todavia o profissional
médico parece delegar esta atividade ao enfermeiro de forma constante, atendendo ao
infante apenas quando este apresenta alguma intercorrência. A consulta de enfermagem
não substitui a consulta médica e vice-versa, ressaltando a importância desses dois
profissionais atuarem no acompanhamento de C e D infantil, intercalando as consultas,
evidenciando o papel de interdisciplinaridade e complementariedade das ações em
saúde a esta população.
No que se refere à formação acadêmica com ênfase no câncer infanto-juvenil,
observamos que poucos referem que essa temática tenha sido abordada durante o curso
de graduação, indicando que esses trabalhadores não tiveram acesso, na Universidade, a
um conhecimento básico sobre o assunto. A categoria médica apresentou maior
percentual para essa temática. É inquietante a outra parcela do estudo sem esse tipo de
instrução durante sua formação universitária, uma vez que a formação acadêmica
embasa a prática desses profissionais, podendo influenciar, positiva ou negativamente,
na assistência prestada. Cabendo ainda destacar o perfil generalista de formação de
ambos os cursos.
Em um estudo realizado em Natal/RN demonstrou que a maioria dos sujeitos
atuantes na ESF a mais de 15 anos, alguns inclusive satisfazendo condições para
aposentadoria, não viram em suas trajetórias de nível superior ou técnico conteúdos
referentes a sinais e sintomas de câncer infanto-juvenil, por se tratar de uma temática
recente trazida para discussões nas Universidades19.
Levando em consideração a participação em capacitações sobre o câncer
infanto-juvenil, 64,7% dos profissionais de saúde entrevistados não receberam
treinamentos sobre essa temática, processo que dificulta a atualização dos
conhecimentos. Constatou-se em nosso estudo, que o enfermeiro apresentou a maior
frequência nesses treinamentos.
Alguns autores10,11,20 evidenciaram a necessidade de qualificação profissional
para a identificação precoce, pois mesmo considerando que são raros os cânceres na
faixa etária inferior a 19 anos, deve-se garantir que as crianças sejam rapidamente e de
forma adequada diagnosticados e referenciadas, portanto são essenciais orientações
específicas para cuidados primários de saúde que abordem essa problemática.
Com vistas a identificar o conhecimento de médicos e enfermeiros que atuam
na ESF, estes relacionaram os principais sinais e sintomas com sete categorias de
cânceres infanto-juvenil: leucemia aguda, linfoma, tumor abdominal, tumor do sistema
nervoso central (SNC), tumor ocular, tumor ósseo e tumor de partes moles. Vale
ressaltar que o estudo é norteado pelo documento Diagnóstico precoce do câncer na
criança e no adolescente¹.
A média de acertos foi de 28 (DP=6,69) para um total de 45 respostas corretas.
Observamos, assim, que a maioria dos participantes do estudo é capaz de identificar os
sinais e sintomas que compõem câncer infanto-juvenil, porém o nível de conhecimento
é considerado baixo. Desse modo, o desconhecimento de alguma sintomatologia por
esses profissionais pode ocasionar a tomada de decisões inadequadas impossibilitando a
resolutividade esperada, podendo causar sérios danos à saúde do infante.
No estudo realizado por Azevedo¹¹ com equipes da atenção primária à saúde
constatou que vinte e um sujeitos, envolvendo todas as classes profissionais da ESF e os
ACS, referem conhecer sinais e sintomas do câncer infantil, todavia nove profissionais,
não conhecem nenhum sinal ou sintoma, mas têm interesse em aprender sobre a
temática.
Semelhante a esses dados, a pesquisa realizada em Pernambuco com agentes
comunitários de saúde (ACS) apresentou uma pontuação média de 11,07 (DP = 4,29)
das possíveis 27 respostas corretas, apesar de todos os entrevistados saberem referir
uma criança com suspeita de câncer a um médico, o seu conhecimento dos sinais e
sintomas do câncer pediátrico era muito baixo¹³.
Somado a falta de conhecimento dos profissionais, esse fato pode estar
associado à dificuldade que clínico geral está sendo confrontado com o problema do
diagnóstico correto e a referência de um paciente. Um estudo realizado na Dinamarca
observou que para interpretação dos sintomas ocorria uma possibilidade de intervalo
diagnóstico 3 vezes mais longo quando o clínico geral categorizava o sintoma com
“vago” ao invés de “alarme”. Como também, para carta de referência, a mediana de
intervalo diagnóstico foi de quase um mês quando a expressão “algo errado” foi usado,
mas apenas uma semana quando a “suspeita de câncer” foi afirmada7.
De Angelis et al.10 constatou em seu estudo que a demora no diagnóstico de
leucemia infantil estava principalmente associado ao "atraso médico" e a falta de
programas de educação médica continuada, visto que a mediana do tempo de latência de
sintomas no diagnóstico foi diminuída em distritos da Nicarágua onde ocorreram
programas de treinamento específico sobre doenças oncológicas na infância.
Quanto ao nível de conhecimento por categoria profissional, comprovou-se que
os médicos apresentam maior compreensão sobre essa temática que os enfermeiros,
sendo estatisticamente significativo para o total de respostas, o linfoma e o tumor do
SNC. Diante disso, ressalta-se a necessidade da enfermagem ampliar e aprofundar as
discussões, na graduação, sobre o tema do câncer na faixa etária de menores de 19 anos,
já que este profissional representa um dos principais atores na prática do
acompanhamento de C e D infantil, na atenção básica.
No tocante a oncologia pediátrica, a enfermagem encontra desafios para a
educação e trabalho nos países periféricos, que incluem inadequado apoio financeiro
para salários e treinamento, falta de acesso nos programas acadêmicos de enfermagem e
barreiras culturais e organizacionais que impedem os enfermeiros de serem
reconhecidos como membros valiosos da equipe multidisciplinar21.
Na perspectiva de conhecer as dificuldades dos serviços de saúde, 60,8% dos
profissionais encontram ou já encontraram alguma dificuldade para realizar ou subsidiar
a hipótese diagnóstica do câncer infanto-juvenil. Na pesquisa realizada por Dang-Tan et
al.²² foi relatado que o “health care system delay” pode sofrer influência de variáveis
sistêmicas dos serviços de saúde, podendo ser mais longo dependendo da qualidade
destes serviços.
Um estudo qualitativo nacional realizado com pais de pacientes oncológicos
observou que estes percorreram o caminho correto, ou seja, procuraram inicialmente por
um serviço de atenção primária, no entanto, a chegada ao serviço especializado foi
demorada, o que indica a fragilidade na organização dos serviços de saúde²³.
Os profissionais apontaram como principais resistências a falta de estrutura das
unidades básica, como dificuldades na realização de exames laboratoriais e
encaminhamentos ao especialista, bem como a falta de capacitações relacionadas ao
câncer. No estudo de Cavicchioli, Menossi e Lima²³ esse problema também foi
constatado, pois os exames diagnósticos mesmo oferecidos pelo Sistema Único de
Saúde, não atendiam às necessidades de quem os buscava, pois o tempo de espera não
condizia com a urgência da situação. E após a trajetória inicial, quando ocorre a suspeita
do câncer, surge um novo desafio, o encaminhamento para o serviço de atendimento
especializado.
Como também, no estudo qualitativo realizado em Minas Gerais, as narrativas
dos pais de crianças com leucemia ressaltam que apesar das conhecidas dificuldades
financeiras das famílias dos usuários do SUS, o próprio médico assistente sugeriu a
utilização do setor privado da saúde para a obtenção do diagnóstico frente aos
obstáculos existentes no setor público24.
No que se refere à realização de encaminhamentos da criança ou adolescente
com suspeita de câncer, 62,7% dos profissionais relataram não encontrar resistência no
serviço. Em contrapartida, 80,4% não detectaram algum caso de câncer nessa faixa
etária durante sua atuação na atenção primária à saúde. Desse modo, esses profissionais
necessitavam de uma vivência prática da atenção oncológica na ESF para que pudessem
avaliar as debilidades do sistema de saúde.
No entanto, apenas uma pequena parcela de médicos e enfermeiros especificou
que o tempo máximo de tolerância para a criança e adolescente com suspeita de câncer
deveria ser realizado imediatamente, com 24 horas. O atraso no diagnóstico estar
relacionado com a necessidade de tratamento mais agressivo e menor chance de cura.
Ward et al.25 observou que grande parte aumento da incidência decâncer
emsobreviventes
decâncer
pediátricoestá
associado
com
osefeitos
tardios
dotratamentodo câncer, como o uso da terapia de radiação. E ainda afirmou que o tempo
médio
de
latênciaentre
o
diagnóstico
decâncer
primárioe
amalignidadesubsequentevariou de 9 anos, para um diagnósticode leucemia, a 23 anos,
paraintestino delgado ediagnósticos de câncercolorretal.
Para o atraso no sistema de saúde, na Nigéria ficou comprovado que a mediana
de tempo de 8,8 semanas, devido principalmente ao atraso no encaminhamento aos
serviços especializado realizado pelos médicos. Os paciente com suspeita de câncer
infantil eram assistidos nas instalações de saúde por períodos que variam de 1 dia a 156
semanas, com uma média de 6 semanas e moda de 8 semanas, ou eram
subsequentemente referida depois de um longo tempo de tratamento ou quando este era
retirado pelos pais devido à resposta insatisfatória 20.
Ainda foi possível observar que, apesar dos enfermeiros terem um nível de
conhecimento menor sobre os sinais e sintomas do câncer infanto-juvenil, uma maior
parcela desses profissionais definiu como imediato o encaminhamento ao especialista.
Esse fato pode estar associado ao medo e à insegurança que o enfermeiro enfrenta
durante a conduta e assistência prestada, devido aos fatores culturais e organizacionais
relacionados à profissão, que viabiliza uma agilidade no destino do paciente ao
especialista.
Sabendo-se que o câncer apresenta um grande estigma por estar associado à
morte, considera-se necessária a adoção de condutas humanísticas para comunicar a
suspeita diagnóstica aos familiares das crianças e adolescentes. Nesse sentido, os
trabalhadores de saúde relataram que abordariam orientações acerca da doença,
tratamento e cura e estabeleceriam um apoio multiprofissional.
Nehmy, Brito, Oliveira24 apontaram que a palavra leucemia quando foi
finalmente dita ou o seu significado apreendido no diálogo com o médico, todos os
entrevistados experimentaram uma série de sensações que podem ser representadas pelo
sentimento de desespero associado à expectativa de morte da criança. No princípio, a
maioria não sabia o que significava “leucemia”.
Como
também,
destaca-se
a
necessidade
uma
equipe
de
saúde
multiprofissional para o acompanhamento da saúde da criança. Assim, devido ao
impacto biopsicossocial que representa o câncer para a criança e sua família, isso
significa que essa equipe deve proporcionar um atendimento humanizado e integral à
criança e à sua família 25,26.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A detecção precoce do câncer infanto-juvenil em nível de atenção primária
ainda é pouco abordada no âmbito científico nacional, embora seja de extrema
importância identificar as fragilidades existentes, bem como discernir o conhecimento
daqueles que se encontram na linha de frente do cuidado da população infantil, para que
essa investida possa trazer resultados satisfatórios.
O desenvolvimento desse estudo nos permitiu observar que a maioria dos
profissionais, médicos e enfermeiros, da Estratégia Saúde da Família (ESF) na região do
Trairi/RN apresenta um nível de conhecimento baixo no que tange a problemática do
reconhecimento dos sinais e sintomas que levam ao diagnóstico precoce do câncer em
crianças e adolescentes.
A deficiência na formação acadêmica e ausência de capacitações sobre a
temática convergem na falta do desenvolvimento do olhar clínico, crítico e atualizado
do profissional de saúde que proporcione uma alerta para triagem diagnóstica e o
direcionamento para a identificação precoce do câncer infanto-juvenil.
Assim sendo, percebe-se que são necessários investimentos para educação
permanente em saúde que contemplem a atenção oncológica na ESF, viabilizando a
identificação da neoplasia infantil em tempo hábil, associado a isso, que as redes de
saúde estejam estruturadas e organizadas.
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