universidade candido mendes pró-reitoria de planejamento e

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO ”A VEZ DO MESTRE”
AS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E ARGENTINA:
FICÇÃO E REALIDADE
MANOEL VÉLEZ DA SILVA NETO
ORIENTADORA
FABIANE MUNIZ DA SILVA
RIO DE JANEIRO
JUNHO DE 2002
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
II
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO ”A VEZ DO MESTRE”
AS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E ARGENTINA :
FICÇÃO E REALIDADE
MANOEL VÉLEZ DA SILVA NETO
Trabalho monográfico apresentado como
requisito parcial para a obtenção do Grau
de Especialista em Docência Superior
RIO DE JANEIRO
JUNHO/2002
III
Agradeço a equipe de professores da
UCAM pela dedicação e atenção aos meus
interesses acadêmicos e em especial a
minha Profª Fabiana.
Dedico este trabalho a minha querida filha,
eterna princesa do papai pela luz que
representa em minha vida.
IV
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar as relações internacionais entre Brasil e
Argentina em função da atual situação global e necessidade de abertura de
mercados, assim como dentro do contexto do Mercosul. Para tanto é necessário
que se faça uma retrospecção histórica entre os dois países e o desenvolvimento
alcançado por ambos, e um paralelo de como poderia ser mantida essa relação
atualmente, para um bom desempenho econômico de Brasil e Argentina, esta
última, mas do que nunca carente de apoio político e econômico, devido a sua
atual crise financeira.
V
SUMÁRIO
AS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E ARGENTINA:FICÇÃO E REALIDADE
INTRODUÇÃO
07
1. UMA ABORDAGEM GERAL
09
1.1. Breve Análise das Relações Argentino-Brasileira: Um início confuso 09
1.1.1. Imagens e Conflitos................................................................................... 11
1.1.2. Conflito e Cooperação............................................................................... 14
1.1.3. As Novas Relações.................................................................................... 17
1.2. A Dimensão Cooperativa.............................................................................. 20
1.2.1. Cooperação Complementar....................................................................... 21
1.2.2. Cooperação Técnica.................................................................................. 22
1.2.3. Cooperação Internacional.......................................................................... 25
2. UM POUCO DE HISTÓRIA
29
2.1. As Províncias Unidas do Rio da prata e o Brasil Colônia: a importância da 29
região do Rio da Prata...................................................................................
2.2. As intervenções Brasileiras contra os governos de Oribe(Uruguai) e 31
Rosas (Argentina) – 1851/1852..........................................................................
2.3. Legitimação do Espaço Nacional Brasileiro.................................................. 34
2.4. Breve Panorama das Relações Brasil – Argentina até o inicio da 2ª 35
metade do Século XX..........................................................................................
2.5. Brasil/Argentina na conjuntura da 2ª Guerra Mundial................................... 37
2.6. Breve panorama das relações Brasil/Argentina a partir do Anos 60............ 38
2.7. O Contexto Diplomático Pós-Regimes Militares........................................... 42
3. BRASIL E ARGENTINA: A ORDEM FINANCEIRA; A INTEGRAÇÃO E A PAZ 49
INTERNACIONAL
3.1. Brasil e Argentina frente aos Organismos Financeiros Internacionais......... 49
3.2. Mercosul: Integração Desafios...................................................................... 53
3.3. Brasil e Argentina: o Mercosul e a cultura.................................................... 56
3.4. Atlântico Sul: Paz e Cooperação.................................................................. 57
3.5. Características da Diplomacia Brasileira...................................................... 59
4. CONCLUSÃO
60
5. BIBLIOGRAFIA
63
7
INTRODUÇÃO
A opinião pública brasileira geralmente demonstra pouco interesse por
relações internacionais e política externa. Poucos levam sistematicamente em
conta o cenário internacional e sua incidência sobre a vida econômica, cultural e
política nacional.
E, em se tratando, de dois países de vital importância para a América
Latina, em geral, e para a América do Sul, em particular, o título de nossa reflexão
tem a sua importância. Haveria realmente uma “luta nos bastidores” da política
internacional entre Brasil e Argentina? Ou seria, na verdade, uma retórica de suas
elites, ou de seus setores, para fazer valer suas políticas internas? O motivo que
nos levou a realização de tal estudo foi o de tentar encontrar, através da história e
entrelaçamento histórico
de ambos os países, de fato, uma possível – ou
possíveis – rivalidade(s) entre ambas as nações. Na verdade, não têm partido das
elites (tanto do Brasil como da Argentina) iniciativas no sentido de “educar” seus
respectivos povos a ver no país do outro um potencial adversário na tentativa pela
hegemonia na América Latina?
Neste sentido, essa reflexão se faz necessária na tentativa de romper com
uma mentalidade que vem sendo forjada ao longo do tempo: a de que Argentina e
Brasil rivalizam, sim, pela liderança latino-americana. Na realidade, ambas as
sociedades tem muito mais em comum do que diferenças. Vejamos algumas:
economias emergentes e periféricas, grande concentração de renda convivendo
lado a lado com bolsões de miséria, um número muito grande de desempregados,
dependência externa, dívidas internas e externas gigantescas etc.
Na verdade, o que se quer é inculcar no imaginário social – desde as
camadas populares até as camadas médias – é uma falsa idéia de uma possível
disputa pela a hegemonia na América Latina desses dois países, diluindo-se,
assim, a demanda de seus povos por soluções dos problemas acima citados,
muitas vezes semelhantes
8
Na tentativa de materializarmos o nosso ponto – de – vista, tivemos de
recorrer à história e o entrelaçamento histórico de Brasil e Argentina, nos
deparando desde conflitos armados vindo até a Acordos e Tratados diplomáticos
entre os dois países.
Assim, esse trabalho têm como relevância social, promover um
instrumental educacional a fim de elucidar questões sobre a relação
Brasil/Argentina, tão importante para os cidadãos de ambos os países. Pelo
menos foi essa a nossa tentativa.
9
CAPÍTULO 1
UMA ABORDAGEM GERAL
1.1. BREVE ANÁLISE DAS RELAÇÕES ARGENTINO-BRASILEIRAS:
UM INÍCIO CONFUSO E TURBULENTO
As relações argentino-brasileiras foram sempre muito importantes, ainda
que nem sempre tenham figurado no primeiro plano das expressas prioridades
dos dois países. Ocupados com seus problemas internos ou voltados para os
centros dominantes, como a Inglaterra e os Estados Unidos, Argentina e Brasil,
durante
largos
períodos,
não
dedicaram
particular
atenção
ao
seu
relacionamento. A importância histórica do mesmo, entretanto, constituiu sempre
um fato subjacente, que se podia observar quer pela intensidade do intercâmbio
entre os dois países, quer pela tensão latente em suas relações ou pela
ocorrência de circunstâncias que subitamente configuravam situações de conflito.
Os motivos determinativos da importância das relações argentinobrasileiras são bastante evidentes, decorrentes de múltiplos fatores históricogeográficos. A larga fronteira entre os dois países, incluído o Uruguai na faixa
demarcatória, se caracteriza, mais do que por sua extensão, pelo fato de ser,
desde o século XVII, a zona de encontro e de tensão entre os sistemas português
e espanhol.
O Brasil, como é sabido, é uma área de expansiva colonização portuguesa,
que tende, desde o século XVI, a extravasar os limites fixados pelo tratado de
Tordesilhas. O adentramento dos portugueses, a partir do Nordeste do país, para
o Norte amazônico, rumo a Manaus, para o Centro-Oeste, rumo a Cuiabá e para
o Sul, rumo ao estuário do Prata, se deparou, nos limites de sua expansão, com
10
uma densa selva desabitada, salvo no sul, onde se defrontou com os limites
habitados de espanhóis, cujos movimentos migratórios, a partir do altiplano
boliviano e peruano, desciam até o estuário do Prata. Faixa de encontro e
de confrontação entre os
impérios português e espanhol, a fronteira na bacia do Prata dos dois sistemas foi
oscilante, até meados do século XIX.
Durante o período colonial, tendeu a se manifestar uma sensível falta de
correspondência entre os objetivos centrais dos dois impérios e as condições
locais, o império português, mantendo uma consistente política de expansão
territorial no Brasil, visava a estendê-lo, no Sul, até a margem oriental do Prata.
Concentrada a ocupação lusitana, todavia, no Nordeste e Centro-Leste do país,
dispunha de insuficiente recursos para a sustentação de seus propósitos
expansionistas no extremo Sul. O império espanhol, quase exclusivamente
interessado na extração de metais preciosos, do altiplano boliviano e peruano,
não dava excessiva importância aos desígnios portugueses referentes à margem
oriental do Prata, sempre que mantivesse fora de qualquer risco suas áreas de
mineração.
Diversamente dos propósitos da coroa, entretanto, os excedentes
populacionais da colonização espanhola que se deslocavam para o Sul e
encontravam as mais propícias condições agropecuárias no estuário do Prata, por
eles já ocupado, ambicionavam expandir-se por ambas as margens, contando,
para tal, com suficiente concentração demográfica. Daí a contradição entre as
políticas das coroas lusitana e espanhola e as condições locais. De conformidade
com seus objetivos expansionistas, Portugal ocupa em 1680 a banda oriental do
estuário do Prata, fundando a Colônia do Sacramento. A população hispânica da
região, entretanto, não se conforma com essa ocupação e a assedia,
continuamente, até captura-la, em 1702. A coroa portuguesa reage à conquista
negociando com a espanhola a devolução da colônia, o que obtém pelo trado de
Utrecht, em 1713.
11
A história da Colônia do Sacramento se caracterizará, assim, por uma
seqüência de pressões locais, geradas pela concentração demográfica de
populações hispânicas interessadas na ocupação de ambas as margens do
estuário, que assediam a colônia, e a reconfirmação do domínio português, por
via diplomática. Essa seqüência de assédios militares e devoluções diplomáticas
têm um paradeiro temporário com o tratado de Santo Ildefonso, de 1777, que
cede à Espanha a Colônia do Sacramento.
Os portugueses, entretanto, não renunciam ao seu propósito de ocupação
da margem oriental do Prata. Com a independência e as lutas internas entre
Buenos Aires e as províncias, que debilitam o poder central da Argentina e,
contrariamente, com o poder central brasileiro, devido à transferência da coroa
lusitana para o Rio de Janeiro, formam-se as condições para o êxito da ocupação
militar e a anexação, como Província Cisplatina, em 1817, da região que hoje
corresponde ao Uruguai. Esse estado de coisas será, uma vez mais, alterado, em
1825, com a rebelião de Lavalleja, com o apoio militar de Buenos Aires. A
inconclusiva guerra argentino-brasileira, de 1825-1827, termina com uma solução
de compromisso, no interesse da Inglaterra e mediante a intermediação desta,
através da criação, na faixa contestada, de um estado independente, a República
do Uruguai.
A tensão argentino-brasileira, sucessora da hispano-portuguesa, não
termina, entretanto, com a criação de um estado tampão entre os dois países, em
virtude do conflitante propósito, por parte de cada qual, de influir sobre o governo
uruguaio. Daí, em grande medida, os conflitos internacionais do período de
Rosas, que conduzirão o império brasileiro a esposar no Uruguai o partido
colorado, contra os blancos, apoiados por Rosas. A queda de Rosas dá início a
um período menos conflitivo entre os dois países, que finalmente se aliam contra
o Paraguai de Solano Lopez.
1.1.1. Imagens e Realidades
Outro fato importante, no relacionamento argentino-brasileiro, em virtude da
alternância de suas posições relativas e das imagens que cada um dos países foi
formando de si mesmo e do outro, no curso da história foi a circunstância de que
12
seu desenvolvimento não foi sincrônico, até a segunda metade do século XX.
Com efeito, o período colonial, extremamente importante na história
brasileira, foi de importância segundária na da Argentina. A colonização
espanhola, na América do Sul, principalmente orientada para a lavra de metais
preciosos, se concentrou no altiplano peruano e boliviano, deixando a Argentina
como uma área de desaguamento de excedentes populacionais. No Brasil, ao
contrário, passadas as hesitações iniciais da coroa ante a difícil tarefa da
colonização direta das imensas novas possessões, os governadores gerais
empreenderam uma política sistemática de ocupação territorial.
O maior desenvolvimento relativo do Brasil, na época colonial, se acentua
com o contraste entre o longo período de tumultos, que marca os primeiros
decênios da independência da Argentina, até a queda de Rosas e a posterior
consolidação da supremacia portenha, com Mitre, com a basicamente ordeira
transição que se verifica no, Brasil, do principado de Dom Pedro, como
representante da coroa, ao seu reinado como primeiro imperador. Essa
continuidade ordeira, embora se defrontando com rebeliões locais, persiste no
período de transição da regência à decretação da maioridade de Dom Pedro II.
O súbito desenvolvimento da Argentina, a partir de 1880, e a básica
continuidade desse processo, até fins da década de 1920, marca uma reversão
da tendência anterior e contrasta, de forma crescentemente favorável para a
Argentina, com a relativa estagnação do Brasil, dos últimos anos do Império à
última década da República Velha. É ante a crescente importância da Argentina
do começo do século XX que o Barão do Rio Branco, temeroso de uma coligação
antibrasileira dos vizinhos hispânicos, sob liderança platina, engendra uma
política de relacionamento especial com os Estados Unidos, concebida,
concomitantemente, como contrapeso à excessiva influência britânica sobre o
Continente. Aí terá origem, entre outros fatores e por motivos que ultrapassavam
as possibilidades de previsão de Rio Branco, um longo processo de dependência
para com os Estados Unidos, que só será revisto criticamente na segunda metade
do século XX.
13
A assincronia do desenvolvimento da Argentina e do Brasil voltará a se
manifestar, desta vez a favor do Brasil, a partir de 1930. As novas condições
internacionais após a crise de 1929 e, mais ainda, após a Segunda Guerra
Mundial, reduzem a Inglaterra a uma posição crescentemente secundária, no
concerto das nações, e inviabilizam o modelo agroexportador que tanta
prosperidade proporcionara à economia argentina. Diversamente, o processo de
industrialização por substituição de importações favoreceu particularmente os
países grandes, notadamente o Brasil. Criaram-se, assim, por via espontânea, as
condições que permitiriam ao Brasil, depois da Segunda Guerra Mundial, um
enorme e acelerado desenvolvimento, com os planos de Vargas e o programa de
metas do governo Kubitschek.
Contrastando com essa fase de expansão da economia brasileira, a
Argentina experimentou um período de relativa estagnação, de 1930 a 1945. Seu
subseqüente processo de industrialização, por outro lado, tendo sido iniciado pelo
regime peronista, foi afetado, tanto por alguns dos desequilíbrios que
caracterizaram o peronismo como, no período subseqüente, pelos desequilíbrios
de sinal contrário, decorrentes da forte oposição antiperonista. Somente com
Frondizi a política econômica argentina encontrou um razoável ajustamento entre
os incentivos industrializantes e uma política financeira equilibrada. Múltiplas
circunstâncias, entretanto, ligadas à instabilidade política do país, desde a queda
de Perón, bem como, as condições internacionais a partir de 1973, conspiraram
no sentido de privar a Argentina de reencontrar um novo período de acelerado
desenvolvimento. O prolongado período de relativa estagnação econômica e de
agudo impasse político exerceu um efeito extremamente negativo na autoimagem do país, no curso das últimas décadas.
A não sincronia do desenvolvimento da Argentina e do Brasil, dos tempos
coloniais a meados do século XX, contribuiu para gerar imagens pouco
equilibradas na visão que cada um dos países oi tendo de si mesmo e
do outro. Tal
circunstância, evidentemente, não favoreceu um bom entendimento das
14
recíprocas realidades nacionais e de seus verdadeiros interesses mútuos.
Em princípio da década de 1980 os dois países apresentam condições
sensivelmente equilibradas, embora nenhum deles tenha então logrado um
suficiente equacionamento de sua própria problemática.
Em síntese, poder-se-ia dizer que o Brasil atual assumiu uma consciência
bastante consensual de sua condição de sistema continental e das principais
implicações econômicas dela decorrentes. Permanece indefinida, entretanto, a
grave questão social brasileira, com as gigantes diferenças sociais que separam
as grandes massas das camadas altas da sociedade.
No caso da Argentina, o que torna complexo o problema deles é o difícil
legado do peronismo, tanto por suas contribuições positivas, quanto por seus
aspectos negativos – dificultando a superação do “verticalismo” e a conversão do
peronismo, tanto sindical como político, num moderno trabalhismo democrático.
Daí o prolongado impasse político da Argentina, com seus efeitos negativos sobre
a economia e a auto-imagem do país.
1.1.2. Conflito e Cooperação
O legado histórico do período colonial e da primeira metade do século XIX,
para
as
relações
argentino-brasileiras,
foi,
como
acabamos
de
ver,
predominantemente de conflito. A esse período de confrontação direta, em torno
da banda oriental do estuário do Prata, segue-se, depois de um período de
cooperação na contenção do expansionismo de Solano Lopes, uma fase de
competição antagônica pela supremacia na América do Sul.
A pretensão de supremacia foi alimentada, fundamentalmente, levando em
conta a imagem que cada um dos países se fazia de si mesmo e do outro, no
âmbito mais amplo da representação que tinham do contexto internacional, em
geral, e do sul-americano, em particular. Com efeito, no período em referência,
que vai das últimas décadas do século XIX às primeiras do século XX, os dois
15
países não haviam, ainda, conseguido completar sua própria estruturação interna,
nem
a
ocupação
de
seu
próprio
território.
Ambos
eram
economias
agroexportadoras orientadas para os países centrais. Nenhum deles mantinha
relações econômicas significativas com outros países da região salvo,
precisamente, ainda que em modesta escala, seu mútuo intercâmbio fronteiriço.
O propósito de predominância na região sul-americana, portanto, nem
correspondia a qualquer interesse real de ambos os países, nem era um objetivo
factualmente implementável por parte de nações agrícolas e dependentes. Esse
propósito era um mito, decorrente de outros mitos.
O mito argentino tinha por núcleo a imagem da nação européia, de
população branca, parceira supostamente privilegiada da potência hegemônica
mundial, a Inglaterra, que se via a si mesma, numa América do Sul mestiça, como
a única interlocutora ocidental da Europa. A essa nação, naturalmente dotada de
características superiores, cabia um destino manifesto de hegemonia regional,
como uma réplica , na América do Sul, à hegemonia regional que os Estados
Unidos estavam realizando na América do Norte.
Já o mito brasileiro tinha por núcleo a imagem do colosso físico, que gerou o
ufanismo. País colossal, com rios colossais, árvores colossais, necessariamente
conduzido a um destino colossal. O ufanismo físico continha, além disso, matizes
aristocráticos. Única monarquia, cercada por repúblicas caudilhescas. Com a
República, os matizes aristocráticos persistem, de forma reajustada. Não havia
mais imperador, mas havia uma República Constituucional, com um Senado de
notáveis e à figura aristocrática do senhor de engenho se segue a figura
oligárquica do fazendeiro paulista. Acrescente-se, no plano internacional, as
supostas relações
culturais privilegiadas da elite francamente admiradora a tudo que era de origem
francesa e as supostas relações especiais da diplomacia brasileira com os EUA.
A disputa entre a Argentina e o Brasil de uma presumida supremacia na
América do Sul foi, sobretudo, retórica, dada a já aludida circunstância de que
16
nenhum dos dois países tinha efetivamente reais interesses em jogo na região e
nenhum dispunha de condições objetivas para nela exercer qualquer forma de
predomínio. Isto não obstante, a suposição em que se baseavam ambos os
países de que deviam demonstrar disposição e capacidade para o exercício de tal
predomínio, evitando, concomitantemente, que o adversário incrementasse seu
poderio ou sua influência, conduziu, dentro de seus moderados recursos, a uma
política de carreira armamentista, sobretudo naval, e a uma estratégia de
equilíbrio de poder. Em tais condições, ocorreram momentos de efetiva tensão
pré-bélica entre os dois países notadamente quando se tornou agudo o
antagonismo entre os chanceleres Zeballos e Rio Branco.
Escapou à consciência dos dirigentes argentinos e brasileiros da época a
constatação do alto grau de dependência em que se encontravam ambos os
países, relativamente aos países centrais, notadamente no tocante à relação
hegemônica que a Inglaterra exercia sobre a Argentina, mesmo depois do relativo
declínio inglês, após a Primeira Guerra Mundial, bem como no tocante à relação
de dependência do Brasil para com os Estados Unidos, bastante antes de estes
assumirem a preponderância internacional a que seriam conduzidos depois da
Segunda Guerra Mundial.
Data, igualmente, dessa época, a vinculação ideológica que se estabeleceu,
no Brasil e na Argentina, entre o nacionalismo conservador e a postura de
antagonismo de cada país em relação ao outro, de que foram representantes
típicos Zeballos e Rio Branco. Essa tendência ideológica se revelou bastante
perduradoura, transferindo-se mais recentemente, para as posições de extrema
direita, como o integralismo brasileiro, o integrismo argentino e a ala direita do
peronismo, e chegando a nossos dias através das concepções geopolíticas de
meados do século XX. Estas últimas representadas, na Argentina, por homens
como o almirante Isaac Rojas e, de forma mais sofisticada, o general Guglialmelli
e o grupo da revista Estratégia e, no Brasil, por dirigentes político-militares como
os generais Golbery do Couto e Silva e Meira Matos. Nos regimes militares, tanto
no Brasil, como na Argentina, as ideologias de extrema direita e de cunho
geopolítico contribuíram, evidentemente, para uma revivescência de um
antagonismo argentino-brasileiro.
17
1.1.3. As Novas Relações
A segunda metade do século XX trouxe decisivas modificações para o
cenário latino-americano. Dois momentos se diferenciam. O primeiro ocorre com a
década de 50, introduzindo, a partir da obra da CEPAL (Centro de Estudos Para a
América Latina), a consciência do subdesenvolvimento latino-americano, das
relações de ependência centro-periferia, e da básica comunidade de condições
existentes entre os países da região, conducente, por isso, a uma política de
solidariedade e de integração regionais. O segundo momento relevante ocorre
com a década de 70 e a crise do petróleo, impondo aos países da região um
imperativo de abertura ao mercado internacional e de ativa solidariedade com o
Terceiro Mundo.
Esse conjunto de eventos produziu, inicialmente, uma consciência latinoamericana que jamais existira, como estado de espírito com um a todos os países
da região. Figuras particularmente clarividentes, como Bolívar e San Martin, já
haviam intuído, nos albores da independência, a existência de uma comunidade
de interesses que ultrapassava as “pátrias chicas”. Essa visão, entretanto, não
era latino-americana e sim exclusivamente hispano-americana. E assim mesmo
estava, efetivamente, vinculada ao intento de preservação de uma unidade subregional: a Grã-Colômbia ou o Vice-Reinado do Prata. A formação de um
sentimento de comunidade de destinos para todos os países latino-americanos foi
obra da CEPAL.
É no âmbito dessa nova consciência latino-americana que uma jovem
intelectualidade da Argentina e do Brasil da década de 50 produz uma revisão
crítica da tradição de antagonismo entre os dois países e elabora a teoria da
cooperação argentino-brasileira como pedra angular do sistema latino-americano.
É a partir dessas influências que as posições não comunista de esquerda, na
América Latina – democrático-socialistas, populistas, nacionalistas de esquerda –
incorporam a sua ideologia a idéia da integração e da solidariedade latinoamericanas. Tal fato se faz sentir no âmbito do populismo peronista, de
compromisso latino-amercanista, em contraposição à ala direita do mesmo
18
peronismo, assim como, no caso do Brasil, nas posições latino-americanistas de
Vargas, Kubitschek e Goulart.
Por outro lado, os países latino-americanos experimentaram, nas décadas
subseqüentes à Segunda Guerra Mundial, uma profunda diferenciação estrutural,
de forma basicamente correspondente à magnitude de seus recursos. O processo
de industrialização por substituição de importações, em termos de autonomia
tecnológica e empresarial, favoreceu particularmente os países grandes da região
– Argentina, Brasil e México -, pouco afetando os pequenos países da América
Central. Não menos relevante, notadamente a partir da crise do petróleo, foi a
disponibilidade ou não de abundância de óleo nos países da região, ou pelo
menos sua capacidade de substituição de óleo por outras fontes energéticas.
As diferenciações estruturais, na América Latina, inviabilizaram as
expectativas da década de 50 no tocante a um processo integrativo de caráter
global, regulável por um acordo geral entre os países. A comunhão básica de
condição e de interesses existente entre os países latino-americanos constitui
uma aquisição permanente da consciência da região. A operacionalização desses
interesses comuns, entretanto, não é mais exeqüível de um modo globalístico.
Requer políticas e mecanismos com uma diversificação e flexibilidade que se
ajustem às diferenças estruturais ostentadas pelos países da região.
Nesse quadro, a disputa entre a Argentina e o Brasil de pretensa
supremacia regional perdeu qualquer sentido, até mesmo no plano retórico. Os
países latino-americanos passaram ater importantes interesses recíprocos,
bilateral e multilateralmente, e necessitam de medidas e mecanismos efetivos
para atendimento dos mesmos. Todos se confrontam com o problema de reduzir
sua taxa de dependência para com os países centrais sem, concomitantemente,
reduzir sua capacidade de absorção de capitais e tecnologias provenientes
daqueles países. Todos necessitam aprofundar seu desenvolvimento e alcançar
maior participação no comércio mundial, notadamente de manufaturas. Todos
necessitam maximizar as potencialidades de intercâmbio regional, como forma
complementar e parcialmente compensatória de seu comércio internacional.
19
Esse contexto abre para o Brasil e para a Argentina as mais variadas
possibilidades de cooperação, bi e multilateral, tanto em termos de projetos
conjuntos quanto em termos de uma sadia competição não antagônica. O efeito
combinado do peso cada vez maior das novas condições, com a crescente
vigência, na Argentina e no Brasil, das idéias orientadas para a cooperação entre
os dois países, levou estas últimas, a despeito das ideologias militares, a superar,
finalmente, os velhos preconceitos de antagonismo.
Esta reorientação, em sentido cooperativo, do relacionamento dos países,
encontra sua expressão formal em dois principais eventos: o acordo de Itaipu e as
visitas oficiais do presidente Figueiredo à Argentina e do presidente Jorge Videla
ao Brasil.
O caso de Itaipu é particularmente significativo porquanto o aproveitamento
das imensas potencialidades hidrelétricas do rio Paraná, passando pelas
fronteiras da Argentina, do Brasil e do Paraguai, comporta, igualmente,
alternativas conjflitivas e cooperativas. O encaminhamento que vinha sendo dado
à matéria, através de entendimentos bilaterais do Brasil com o Paraguai, para a
construção da binacional de Itaipu, fora conduzida à revelia da Argentina e em
conflito com os interesses desta. Retaliatoriamente, a Argentina empreendeu, à
revelia do Brasil e contra os interesses deste, entendimentos também com o
Paraguai, para a construção da hidrelétrica de Corpus.
Essa situação altamente conflitiva, entretanto, foi, por fim, satisfatoriamente
solucionada, de forma cooperativa entre os três países, através do Acordo de
Cooperação Técnico-Operativo de Itaipu e Corpus, em outubro de 1979.
Marcando, simbolicamente, a nova orientação cooperativa das relações
argentino-brasileiras, o presidente Figueiredo visitou a Argentina em maio de
1980 e o presidente Videla retribuiu a visita em agosto do mesmo ano.Em ambas
as visitas os dois governos acentuaram o caráter estrutural e permanente das
relações de cooperação entre o Brasil e a Argentina, enfatizando a medida em
que tal cooperação exprime interesses nacionais que transcendem quaisquer
20
eventuais contingências políticas.
1.2. A Dimensão Cooperativa
A coextensão do Brasil com a Argentina ao longo de uma larga fronteira,
delimitando, em vez de selvas inóspitas, como nos extremos Oeste e Norte do
país, regiões que, desde o século XVII, se foram tornando cada vez mais
densamente povoadas e cultivadas, deu margem a um crescente intercâmbio
fronteiriço. Esse intercâmbio se converteu num comércio de grandes proporções à
medida em que os dois países desenvolveram suas vantagens relativas nas
lavouras tropical e temperada.
O alto grau de complementaridade existente entre países vizinhos, ligados
por bons sistemas rodoviários e facilidades de navegação costeira, cujas
economias são as duas mais importantes do continente, conduziu, naturalmente,
o intercâmbio argentino-brasileiro a ser o mais importante comércio bilateral da
América Latina.
O reconhecimento oficial dessa complementaridade, nas últimas décadas,
levou dirigentes de ambos os países a intentos de sistematizar seu
aproveitamento. Entendimentos entre Vargas e Perón, em princípios da década
de 1950, e mais tarde, entre Jânio Quadros e Frondizi, buscaram políticas e
mecanismos que incentivassem a recíproca cooperação. A intermitente
revivescência, insticada pelas ideologias militares, do espírito de antagonismo, a
que se fez menção anteriormente, não permitia , até recentemente, que se
concretizassem tais intentos.
A dimensão cooperativa entre a Argentina e o Brasil não se limita às
oportunidades, por si mesmo amplíssimas, de exploração de sua recíproca
complementaridade econômica. Ela envolve duas dimensões de igual ou maior
relevância: a cooperação tecnológica e a cooperação internacional. Ambas
abrangem uma gama extremamente larga de possibilidades imediatas e de outras
que se abrem para o futuro próximo.
21
1.2.1. Cooperação complementar
A exploração da complementaridade econômica existente entre Brasil e
Argentina constitui a mais antiga e natural forma de cooperação entre os dois
países. Como foi mencionado, um intercâmbio fronteiriço, que vem dos primórdios
coloniais, se converteu no mais amplo comércio bilateral da América Latina,
envolvendo, além da troca de produtos das lavouras tropical e temperada, uma
crescente pauta de manufaturas e de equipamentos.
Importaria, no âmbito destas considerações sobre a complementaridade
argentino-brasileira, fazer referência a dois outros aspectos distintos da questão.
O primeiro diz respeito ao desenvolvimento, no plano econômico, de formas
deliberadas e conscientes de competição não antagônica. Uma amadurecida
exploração
da
complementaridade
econômica
ultrapassa
o
campo
das
especializações naturais e conduz a especializações por via competitiva. Tal é,
dentro de certos limites, o regime vigorante entre países industrializados.
Argentina e Brasil, tanto no plano das regulamentações oficiais quanto no da
prática empresarial, devem enveredar por esse caminho para ganho de ambos.
O segundo aspecto que importa ressaltar é de caráter não econômico e diz
respeito à cooperação intelectual/acadêmica de todas as disciplinas. Cremos
firmemente que essa cooperação serviria como um grande instrumental na
formação de uma opinião pública interna de ambos os países, contrária aos
setores sociais que teimam em ver um certo antagonismo entre Brasil e
Argentina.
1.2.2. Cooperação Técnica
As novas relações argentino-brasileiras surgiram, a partir de uma sadia
reação de racionalidade, no plano da tecnologia. Consistiram na constatação, por
ambos os países, ainda que tardiamente, de que seus conflitivos projetos de
Itaipu e Corpus podiam, com grande vantagem mútua, ser reciprocamente
compatibilizados, mediante a adoção de uma política de cooperação técnica.
22
As oportunidades de cooperação entre o Brasil e a Argentina, no campo da
tecnologia de infraestrutura, são extremamente amplas. Além da apropriada
utilização do potencial hidrelétrico do Paraná, comportam inúmeras outras
importantes possibilidades no campo da navegação fluvial, da irrigação, da
intercomunicação rodoviária.
A vasta possibilidade de cooperação tecnológica entre os dois países,
cobrindo praticamente todos os setores da técnica, se revela particularmente
importante, para além do já referido campo da tecnologia de infraestrutura, em
duas outras áreas, que se poderiam denominar de tecnologia de controle e de
tecnologia de ponta.
O que se está aqui denominando de tecnologia de controle diz respeito à
complexa problemática envolvida no relacionamento de países periféricos, em
avançada fase de industrialização, as empresas transnacionais. Escaparia às
dimensões deste estudo uma discussão mais ampla dessa problemática.
Limitemo-nos a assinalar os pontos fundamentais da questão. Estes se
concentram em torno do dilema fundamental que a transnacionalização da
economia impõe aos países periféricos.
Se, para preservar sua autonomia, os países periféricos se recusam a
incorporar as transnacionais – assumindo-se que tenham capacidade para
implementar tal opção -, ocorre-lhes que se torna crescente sua defasagem
tecnológica, relativamente aos países centrais, e que, ademais, se ressentirão, de
modo cada vez mais crítico, de falta de capacidade de investimento e de acesso
aos mercados internacionais. Se, para evitarem tais inconvenientes e se
modernizarem, abrem acesso em seu sistema econômico às transnacionais, as
vantagens reais que irão auferir, não conduzirão tais países à superação da
brecha tecnológica.
Esse dilema, para países de menor desenvolvimento relativo, supera de tal
modo suas possibilidades e capacidades que, de certa forma, pode deixar de ser
levado em conta, por insolúvel, para o estágio econômico em que se encontram.
23
Para os países periféricos que já alcançaram um importante nível de
desenvolvimento tecnológico e econômico e que, ademais, dispõem, por suas
dimensões e outras características, de alta taxa de viabilidade nacional – como
ocorre no caso do Brasil e da Argentina -, os problemas suscitados pela
transnacionalização da economia se revestem de particular importância. É que o
dilema da transnacionalização, no caso de tais países, pode ser encaminhado
para uma linha de solução. Esta não consiste nem na sistemática repulsa às
transnacionais, nem na passiva aceitação das mesmas.
A solução consiste na adoção de uma complexa política de controles,
dentro de condições realistas e apropriadas. Fundamental, nesse aspecto, é o
desenvolvimento
de
uma
capacidade
tecnológica
de
controle
das
tecnologias
importadas, que permitam ao país anfitrião apropriar-se das técnicas e processos
de produção dessas tecnologias e, a partir daí, da própria inovação tecnológica,
num dado ramo ou campo.
Neste sentido, essa tecnologia de controle requer, usualmente, uma
aproximação também multinacional. Em parte, porque os custos (inclusive
políticos) tendem a se tornar excessivos,para um país só. Em parte porque,
freqüentemente, o processo tecnológico que se quer controlar se baseia em
operações realizadas em mais de um país.
No caso do Brasil e da Argentina uma política de estreita cooperação, no
terreno das tecnologias de controle, constitui uma condição praticamente
necessária para seu êxito.Às vantagens de binacionalização da pesquisa de
controle se soma a decisiva circunstância de que, compartilhando ambos os
países o mesmo esforço, evitam que as transnacionais os manipulem um contra o
outro, neutralizando, assim seus intentos.
Um segundo aspecto particular a destacar, no campo da cooperação
tecnológica do Brasil com a Argentina, diz respeito às tecnologias de ponta, como
a nuclear, a informática, microeletrônica, a de macromoléculas, e outras
equivalentes. Aplica-se a este setor o que foi observado relativamente à
24
tecnologia de controle, inclusive porque nele é predominante a atuação das
transnacionais. Além das considerações de custo, de repartição de esforços e de
outras considerações da mesma ordem, cabe destacar uma circunstância
importante. Nem o Brasil nem a Argentina dispõem, isoladamente, no momento,
de suficiente massa crítica e recursos, principalmente, para o aumento da
capacidade científico-tecnológica para atacarem com êxito, em escala meramente
nacional, os problemas implicados em tais setores. Mesmo agindo em regime de
estreita cooperação, ambos os países necessitarão, nessa área, de importantes
contribuições externas. Ocorre apenas que, reunindo esforços, conseguirão
autonomizar-se em futuro não remoto, o que dificilmente ocorreria no caso de
esforços isolados.
Sem uma estreita cooperação argentino-brasileira nas tecnologias de ponta,
notadamente no caso da tecnologia nuclear, os progressos, nesse campo, serão
extremamente modestos. Neste setor, além do mais seriam particularmente
grandes os riscos de manipulação, pelas grandes potências, de um país contra o
outro, se suas políticas tecnológicas não estiverem estreitamente articuladas.
Acrescente-se que a definitiva superação, no plano militar, das apreensões
mútuas que possam subsistir entre o Brasil e a Argentina, seria precisamente
alcançada pela estreita colaboração nuclear entre os dois países, cujos sistemas
de defesa tenderiam a uma integração, em benefício geral do continente.
1.2.3. Cooperação Internacional
Além das possibilidades de cooperação discutidas anteriormente, são de
grande importância, nas relações argentino-brasileiras, as oportunidades de
cooperação internacional, tanto no âmbito latino-americano como no plano
mundial.
A diversificação estrutural dos países latino-americanos tem frustrado a
realização dos ideais integrativos da década de 50, tornando pouco viável o
estabelecimento, em termos operacionais, de um sistema regional global.
Dificilmente, como o demonstrou a experiência da ALALC, se logrará uma efetiva
integração aduaneira.
25
Os países de menor massa de recursos e de menor grau relativo de
desenvolvimento conseguem obter, em sistemas sub-regionais, combinações
vantajosas com países de maior capacidade econômica do mesmo subsistema.
Isto porque, nas condições gerais de abertura da América Latina à economia
internacional, os países de maior desenvolvimento relativo da região, em sua
relações com os menores, são forçados a conceder-lhes termos mais favoráveis,
para qualquer tipo de negociação, do que esses países menores obteriam
das potências extra-regionais. Essas facilidade sendo maiores no âmbito subregional, por causa das implícitas vantagens comparativas, as sub-regiões da
América Latina tendem a se constituir em pólos de crescimento econômico.
O elevado grau de desenvolvimento tecnológico do Brasil e da Argentina,
entretanto, juntamente com as vantagens que lhes acarreta sua localização
geográfica, confere aos dois países condições para que sua atuação econômica
ultrapasse o marco sub-regional do cone sul. Numa fase em que a cooperação
Sul-Sul constitui um dos requisitos fundamentais para o desenvolvimento do
Terceiro Mundo, a América Latina dispõe, mais do que as demais regiões
periféricas, de condições para um crescente grau de autonomização tecnológica.
Brasil e Argentina, em projetos conjuntos ou em regime de competição
cooperativa entre ambos os países e com o México, podem ter uma crescente
participação no processo de desenvolvimento da região.
As oportunidades de cooperação argentino-brasileira não se restringem,
entretanto, à região latino-americana. A mesma linha de cooperação Sul-Sul,
anteriormente referida, abre em todo o Terceiro Mundo um amplo espaço para a
atuação do Brasil e da Argentina, conjuntamente ou em regime de competição
cooperativa.
A cooperação internacional da Argentina e do Brasil, além de econômica,
pode e deve revestir-se de grande significação no plano político. Nele importaria
distinguir dois importantes aspectos. O primeiro diz respeito à defesa conjunta dos
interesses regionais, nos foros mundiais ou em negociações com as grandes
potências. Sem prejuízo da atuação coordenada dos países da região, a defesa
26
dos interesses latino-americanos repousa, em grande medida, na capacidade, por
parte dos maiores países da região, de atuar de forma conjunta e programada no
cenário internacional. A cooperação argentino-brasileira é a pedra angular sobre a
qual assenta qualquer possível ação internacional conjunta dos países maiores da
região.
O segundo importante aspecto para uma cooperação política do Brasil com
a Argentina, no plano internacional, diz respeito aos interesses gerais do Terceiro
Mundo, particularmente no que se refere à proteção de movimentos e processos
emancipatórios da periferia, relativamente à ingerência de potências estrangeiras.
É evidente que esse tipo de atuação conjunta do Brasil e da Argentina terá
de ser encarado com grande realismo e manter-se dentro de limites compatíveis
com os recursos dos dois países e suas mais urgentes prioridades de
autodesenvolvimento. Mas é igualmente certo que o principal requisito, para uma
eficaz atuação política internacional de ambos os países, mais do que a
disponibilidade de grandes recursos, depende de um lúcido entendimento da
situação mundial e de seus respectivos interesses nesse contexto. Em tal matéria,
entretanto, caberia, sem dúvida, uma prudente quota de modéstia, na apreciação
do atual grau de maturidade internacional dos dirigentes políticos de ambos os
países. Não obstante o quadro econômico internacional se mostrar desfavorável,
principalmente no caso argentino, o equacionamento pode e deve ser
teoricamente formulado, com muita antecipação.
Brasil e Argentina vêm mantendo uma aliança que tornou possível à região
do Cone Sul transformar-se e ser percebida como um espaço econômico único e
integrado. O caráter estratégico desse relacionamento vem incorporando, a cada
dia, novos objetivos e projetos comuns. De especial importância é a decisão de se
negociar acordo de igualdade de direitos e deveres entre cidadãos dos dois
países, o que estende a aproximação ao próprio conceito de cidadania.
Os temas tradicionais da agenda bilateral ganham atualidade à medida que
se concretizam projetos no campo da integração física (facilitação da
27
comunicação entre as cidades fronteiriças) e da interconexão energética.
No plano da integração energética, a cooperação vem-se desenvolvendo
constantemente, sob a forma de novos contratos e projetos comuns, tanto na área
da eletricidade quanto nas de petróleo e gás natural. Tem-se avançado, também,
em novos
campos,
como
na cooperação
nuclear
e
espacial, com a
intensificação dos
contatos em nível técnico que permitirão identificar e implementar, a curto prazo,
iniciativas conjuntas.
A rápida liberalização comercial que caracterizou a implementação do
Mercosul acarretou expressivo incremento das trocas na sub-região e,
notadamente, entre Brasil e Argentina. O volume de comércio entre os dois
países, que, em 1991, era da ordem de 3 bilhões de dólares, alcançou , já em
1996, a cifra aproximada de 11,8 bilhões de dólares (5,2 bilhões de exportações
brasileiras e 6,7 bilhões de importações brasileiras), valor que corresponde a 75%
do comércio do Brasil com o Mercosul. Atualmente, as exportações da Argentina
ao Brasil respondem por 30% das exportações totais daquele país. Por outro lado,
as exportações brasileiras para a Argentina representam 11% das exportações
totais do Brasil em 1996.
28
CAPÍTULO 2
UM POUCO DE HISTÓRIA
2.1. As Províncias Unidas do Rio da Prata e o Brasil Colônia: a importância
da região do rio da Prata.
Em 1680, os portugueses fundam a colônia de Sacramento, no estuário do
rio da Prata, com objetivos estratégicos e econômicos: quebrar o monopólio
espanhol sobre o comércio da região. A paz só voltará em 1895. O que se passou
nesses 215 anos?
Logo no início, para garantir militarmente a colônia do Sacramento, os
portugueses fundam bases em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Os
acampamentos de guarnições vão se transformando em núcleos de povoamento.
Esses núcleos de povoamento permitem que se desenvolvam novas estâncias de
gado. É a expansão territorial do Brasil colônia.
Com o correr dos anos, as lutas entre portugueses e espanhóis se tornam
tão encarniçadas que a solução é apelar para a diplomacia. Em 1713, as partes
assinam o Tratado de Utrecht, pelo qual fica acertado que Sacramento pertence a
Portugal.
Acontece que outros não desistem e em 1735 a colônia é atacada pelo
governo de Buenos Aires. Os portugueses são obrigados a resistir durante dois
anos. Mas, enquanto se briga numa frente, parlamenta-se em outra. E chega-se,
por fim, ao Tratado de Madri, em 1750; aceitando princípio do uti possidetis (como
possuís), a Espanha reconhecia como pertencentes a Portugal todas as terras
ocupadas por brasileiros e portugueses além da linha de Tordesilhas: o rio
Uruguai passa a ser considerado o limite natural entre as áreas em litígio.
O Tratado é assinado mas não aplicado pacificamente: antes, era preciso
vencer os interesses contrariados dos comerciantes ingleses e portugueses em
Sacramento, dos jesuítas nas Missões. Reinicia-se a guerra; os portugueses
retomam Sacramento, os espanhóis invadem a ilha de Santa Catarina.
29
Tratados seguem-se a tratados. Agora, em 1777, é o de Santo Ildefonso,
pelo qual tudo volta a ser como antes: Sacramento para a Espanha, Santa
Catarina para Portugal. No entanto, a questão não fica resolvida – em 1821, dom
João VI ocupa novamente a banda oriental do rio Uruguai e a província Cisplatina.
No ano seguinte vem a independência do Brasil. A Cisplatina foi uma das
províncias que só reconheceram a autoridade de Dom Pedro pelas armas, logo
após 1822.
Em 1825 os cisplatinos buscam o apoio das Províncias Unidas do Rio da
Prata (futura Argentina) declarando-se república separada do Brasil e incorporada
às províncias unidas com as quais tinha muito mais em comum. E reabre-se a
questão de saber a quem pertenceria o território das Missões, isto em 1857, entre
Argentina e o Brasil. E como não havia meio de se chegar a um acordo, os dois
países decidiram fazer de juiz o presidente dos Estados Unidos. Mas, com a
queda da Monarquia no Brasil em 1889, ocorre uma série de vaivéns na
diplomacia republicana. Finalmente, em parte graças ao trabalho de José Maria
da Silva Paranhos – o Barão do Rio Branco – chega-se à solução que, baseada
no velho Tratado de Madri, é aprovada pelo árbitro, o presidente Cleveland, dos
Estados Unidos. E cerca de 30 mil km2 de terra tornam-se legitimamente
brasileiros. O ano é 1895.
Voltando à questão Cisplatina. A política de Dom Pedro foi então, orientada
no sentido de conservar o que fora conquista do seu pai. A luta de Dom Pedro foi
infrutífera, uma vez que as províncias do Rio da Prata e o Brasil concordavam em
dar a independência ao Uruguai em 1828, aprovando a sua primeira Constituição
em 1830. Esse foi o primeiro choque entre a Monarquia brasileira e as repúblicas
do Sul.
2.2. As Intervenções Brasileiras Contra os Governos de Oribe(Uruguai)
e Rosas(Argentina) – 1851/1852
A subida de Juan Manuel Ortiz de Rosas, grande proprietário estancieiro ao
governo da Província de Buenos Aires, representou a hegemonia do federalismo
contra os defensores do unitarismo. Esse federalismo era o sistema político que
30
permitia aos grupos rurais, ligados à pecuária, se oporem ao centro exportador,
Buenos Aires.
Em Buenos Aires unitária combinavam-se os interesses dos negociantes
ingleses e dos grupos urbanos ligados ao comércio e ao Estado. Imperava então
o livre cambismo, desde o tratado de 1824, que a Inglaterra forçara a Argentina a
aceitar (O Tratado equivalente a este, no Brasil, datava de 1827). Rosas se
impusera através de lutas, e conseguira vencer os unitários que se haviam
enfraquecido pela perda do controle sobre o Uruguai em 1828.
Rosas instituiu uma ditadura nacionalista extremamente rígida, mas como
a Argentina dependia basicamente de suas exportações para a Inglaterra e a
França, teve de transigir, procurando novo caminho para os conflitos em que se
debatia o país. Esmagara, quase completamente a reação liberal. Além disso,
eliminou os caudilhos, tendo como propósito transformar Buenos Aires num
centro de exportação e controlar todo o Rio da Prata. Pretendia-se estabelecer o
protecionismo, através do fortalecimento da Argentina, pela dominação das duas
margens do Rio da Prata, compreendendo o Uruguai, em particular o porto de
Montevidéu.
Em
seguida,
se
passaria
ao
controle
do
Paraguai,
cuja
independência o Governo da Confederação Argentina ainda não reconhecera.
A execução desse projeto significaria: a Bacia do Prata predominantemente
Argentina, prejudicando as comunicações do Brasil e de Mato Grosso e a efetiva
incorporação desta província ao Império do Brasil. Estrategicamente, a unificação
proposta por Rosas, além de isolar e enfraquecer o Paraguai, conferia à Argentina
uma fronteira contígua muito ampla e estrategicamente perigosa para o Brasil.
Mais grave era a questão do Rio Grande do Sul. Ali, com efeito, devido à
Revolução Farroupilha e à Proclamação da República do Piratini, os interesses do
governo Imperial brasileiro se encontravam em perigo, caso os revolucionários
fossem apoiados por Rosas.
Com a insurreição de Manuel Oribe, caudilho oriental, suportado pelos
criadores e pelo Partido Blanco, o Brasil sustentou o governo de Montevidéu. Este
Governo contava também com o apoio da Inglaterra e da França, cujos interesses
31
a política nacionalista de Rosas ameaçava.
Devido a isso, o Brasil procurou encerrar o mais brevemente possível a
Revolução Farroupilha, porque os republicanos poderiam se aliar ao governo
argentino de Rosas e aos rebeldes uruguaios de Oribe.
Num outro momento da nossa diplomacia, o Governo Imperial buscou,
através de uma missão a Londres, chefiada pelo Visconde de Abrantes, organizar
uma ação conjunta contra Rosas, em 1844. Por causa do estabelecimento das
tarifas alfandegárias de Alves Branco, da questão do tráfico negreiro e do recuo
da posição protecionista de Rosas, a Inglaterra recusou participação. Diante
disso, a diplomacia imperial procurou explorar a hostilidade da Confederação
Argentina com o Paraguai. O Governo Brasileiro reconheceu a independência
desse país, então governado por Carlos Antonio López (1845),celebrando
também uma aliança militar defensiva contra Rosas. Fortalecido por este ajuste o
Governo Imperial brasileiro se recusou formalmente a reconhecer o governo
rebelde de Oribe, que então cercava Montevidéu. Com isto o representante da
Confederação Argentina no Brasil, Tomás Guido se retirou. Simultaneamente na
Confederação Argentina ocorreu o levante do caudilho Justo José Urquiza,
governador de Entre Rios, contra Rosas. A combinação e a articulação destes
eventos políticos produziram uma conjuntura em que os conflitos iriam se resolver
através da guerra.
O Governo Imperial aliou-se ao de Montevidéu, e a Urquiza, contando com a
neutralidade do Paraguai. Nesse meio-tempo, cabe lembrar, assume o Ministério
dos Negócios Estrangeiros Paulino José Soares de Souza, futuro visconde do
Uruguai, em substituição a Pedro de Araújo Lima, marquês de Olinda. Paulino
esboça uma “política americanista” que prevê, de um lado, medidas visando a
prepação para eventual confronto com Rosas e, de outro, definição da doutrina de
limites a ser seguida pelo Império para a defesa do status quo territorial: princípio
do uti possidetis, não-validade do Tratado de Santo Ildefonso (só usado onde não
houvesse ocupação efetiva), negociação bilateral e arbitramento em última
instância.
32
Em outubro de 1850, são rompidas as relações entre o Brasil e o governo
argentino de Rosas, cujo representante no Rio de Janeiro deixa o país. Justo
José Urquiza, governador da província de Entre Rios, rebela-se contra Rosas e o
monopólio da aduana por Buenos Aires.
Após a declaração por Rosas de guerra contra o Império brasileiro, é
formado, em Montevidéu, convênio para uma aliança ofensiva e defensiva antirosista entre Brasil,Uruguai e as províncias argentinas de Entre Ríos e Corrientes,
em 29 de maio de 1851.
Tropas de exército Imperial brasileiro invadiram o Uruguai, onde
anteriormente Oribe já se rendera a Urquiza em Paso de Molino. As forças da
Confederação Argentina resistiram no Paso Tonelero. Entretanto a batalha
decisiva se deu em Monte Caseros, em 1852, onde combateram as tropas
reunidas do Conde de Porto Alegre (Manuel Marques de Sousa) pertencente ao
Exército brasileiro, sob o comando de Caxias, Urquiza e César Días (uruguaio) e
Rosas exilou-se na Inglaterra onde morreu. Depois da ditadura rosista o Brasil
não teve problemas mais sérios com a Argentina, pelo menos de ordem bélica.
Cabe destacar que em todas as questões internacionais entre o Brasil
monárquico e as repúblicas não se observa uma ação imperialista brasileira. O
Brasil saiu vitorioso de todas as relações bélicas no Prata mas não extraiu
nenhum proveito. Ao contrário teve muitos prejuízos em materiais e homens.
Devemos nos lembrar também que a política externa do Segundo Reinado
caracterizou-se por pronunciamentos solidários às repúblicas e pela sua
autodeterminação. Só para ilustrar, citamos apenas um exemplo: o governo
brasileiro, 1866, declara sua neutralidade na guerra entre as repúblicas do
Pacífico e a Espanha, isto em 10 de março do citado ano. No entanto, o
bombardeio de Valparaíso, no Chile, pela esquadra espanhola (Espanha como o
Brasil, uma monarquia), gera protesto formal do Brasil em 15 de maio do mesmo
ano.
Com a queda de Rosas há um vácuo de poder e o Brasil torna-se a principal
33
potência no Prata. Na Argentina organizou-se novo governo, chefiado por
Urquiza. E, em março 1856, é celebrado na cidade de Paraná, Tratado de
Amizade, Comércio e Navegação entre o Brasil e a Confederação Argentina. Pelo
Tratado, fica garantida a livre navegação do Rio da Prata pelos países ribeirinhos
e a neutralidade da Ilha de Martim Garcia em tempos de guerra, bem como são
reafirmadas pelos dois países as independências do Uruguai e Paraguai. Já em
1857, é concluída a Convenção sobre Navegação Fluvial entre o Brasil e a
Argentina, em complementação às estipulações do Tratado firmado no ano
anterior.
2.3. Legitimação do Espaço Nacional Brasileiro.
A Questão de Palmas, impropriamente chamada das Missões, resultou da
pretensão Argentina, supostamente baseada no Tratado de Madri de 1750, a
esse território a Oeste dos atuais estados do Paraná e de Santa Catarina. Pouco
antes da Proclamação da República, os governos Imperial e Argentino convieram
em que o litígio deveria ser solucionado por arbitramento.
Apesar disso, Quintino Bocaiúva, Ministro das Relações Exteriores do
Governo Provisório Republicano, assinou em 1890, o Tratado de Montevidéu, que
dividia a Região de Palmas entre o Brasil e a Argentina. O acordo não foi
ratificado pelo governo brasileiro e o assunto foi submetido ao arbitramento do
presidente Grover Cleveland, dos Estados Unidos, cujo laudo foi inteiramente
favorável ao Brasil, em 1895. Os limites mantiveram-se nos rios Peperiguaçu e
Santo Antônio, e não nos rios Chopim e Xapecó, como pretendiam os argentinos.
Nessa questão, estreou como advogado do Brasil o Barão do Rio Branco, e, com
o seu encerramento, as relações argentino-brasileiras passaram a se desenvolver
em um plano cada vez menos hostil, para um de mais harmonia.
Tanto é assim que, em agosto de 1899 o presidente argentino, Julio Roca,
visita o Brasil, na primeira visita oficial de um chefe de Estado estrangeiro ao país,
e é recebido com grande pompa no Rio de Janeiro, no mês de agosto. Naquele
ano, a Argentina passaria o Brasil como o principal mercado para os produtos
34
ingleses na América do Sul, posição que o Brasil desfrutava desde 1808. Já em
outubro de 1900 era a vez do Brasil. O presidente Campos Sales visita a
Argentina, na primeira visita em caráter oficial de um chefe de Estado brasileiro no
exterior, em retribuição à visita de Julio Roca no ano anterior. Por meio da
diplomacia gestual e protocolar, a troca de visitas deixa evidente o desejo mútuo
por maior aproximação entre os dois países.
2.4. Breve Panorama das Relações Brasil e Argentina Até o Início da
Segunda Metade do Século 20
Acontece na cidade do Rio de Janeiro, em 7 de setembro de 1905, a
assinatura do Tratado de Arbitramento entre Brasil e Argentina, válido para um
período de 10 anos.
Em 21 de fevereiro de 1909, o Barão do Rio Branco apresenta um minuta de
Tratado de Cordial Inteligência Política e Arbitramento, projeto do Pacto do ABC,
a ser assinado por Argentina, Brasil e Chile. O projeto de tratado implica uma
aliança política entre os países do ABC, mas as negociações não avançam.
O presidente eleito da Argentina, Roque Saenz Peña, de regresso da
Europa, realiza, em agosto 1910, visita ao Brasil a convite de Rio Branco. Tal
visita é marcada dentro do espírito da conhecida frase: “tudo nos une, nada nos
separa”.
Já em 25 de maio de 1915 é assinado, em Buenos Aires, por Argentina,
Brasil e Chile, o Tratado para Facilitar a Solução Pacífica de Controvérsias
Internacionais, conhecido por Pacto do ABC. O Tratado, ainda que menos
abrangente em termos de coordenação política do que o projeto de 1909, não
será ratificado pelo Congresso brasileiro por se acreditar que a solidariedade panamericana não deveria dar lugar a acordos sub-regionais, que seriam malvistos
pelos demais países do continente.
Nova visita de um chefe de Estado da Argentina ao Brasil, ocorrida em 31
35
de agosto de 1922, feita pelo presidente eleito Marcelo de Alvear. Por ocasião da
visita ao Brasil do presidente argentino, general Agustín Justo, é assinado, no Rio
de Janeiro, o Tratado Antibélico de Não-Agressão e de Conciliação entre
Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai e Uruguai, conhecido como Pacto
Saavedra Lamas, em referência ao chanceler argentino. Isso se deu em 10 de
outubro de 1933.
O presidente brasileiro Getúlio Vargas, em 12 de junho de 1935, realiza
viagem à região do Prata, com passagem pelo Uruguai e visita bilateral à
Argentina. O Brasil e a Argentina assinam, em 21 de novembro de 1941, um
Tratado sobre Livre Intercâmbio, com o propósito de estabelecer, de forma
progressiva, um regime comercial que permitisse chegar a uma união aduaneira,
aberta à adesão dos países limítrofes.
A proposta da Argentina, em abril de 1954, de um novo Pacto ABC não
avança, pois Getúlio Vargas encontra-se pressionado pela oposição, que o
identifica com o regime peronista e o acusa de pretender estabelecer no Brasil
uma “República sindicalista”. Ou seja, suspeitas de uma “aliança secreta” entre
Vargas e Perón, por afinidade ideológica e simpatia mútua.
2.5. Brasil e Argentina na Conjuntura da Segunda Guerra Mundial
De maneira genérica, pode-se afirmar que a Segunda Guerra Mundial
fortalecera o processo de conscientização da importância da América Latina e
que se desenvolvera, desigualmente, a partir da crise de 1929. As propostas de
soluções nacionalistas mais autônomas, dentro dos quadros do capitalismo,
haviam se firmado principalmente no México, no Brasil, na Argentina e no Chile. O
conflito de 1939-1945 valorizara enormemente a colaboração continental
americana, desde a posição geográfica estrategicamente voltada para as duas
frentes de luta, o Atlântico e o Pacífico, como principalmente o acesso a recursos
de toda ordem postos à disposição dos Aliados. No caso particular do Brasil, o
fornecimento de gêneros alimentícios, de produtos estratégicos e a concessão de
bases militares, havia desempenhado um papel extremamente decisivo,
36
sobretudo na contra ofensiva às forças nazi-fascistas na África.
O segundo grande conflito mundial favoreceu uma rápida industrialização
por substituição de importações, na Argentina (algo similar ocorreu no Brasil).
Uma aliança entre a burguesia, o proletariado e as Forças Armadas ocupou o
cenário político da época. A mobilização popular de 17 de outubro de 1945 foi
parte do processo que levou à presidência, em 1946, o então coronel Juan
Domingo Perón. Seu governo nacionalizou as companhias de comércio exterior,
bancos, estradas de ferro, companhias de gás e telefone. No plano externo,
impulsionou uma “terceira posição” entre os blocos em luta em plena “Guerra
Fria”.
As tentativas de modificação da política exterior do Brasil tornaram-se mais
nítidas sob a dominância do nacionalismo desenvolvido na presidência de Getúlio
Vargas (1951-1954). Esta mudança , que também se manifestou na Argentina de
Perón, era o resultado da necessidade de conferir à estrutura econômica e
financeira destes dois países um respaldo político que lhes defendesse a
autonomia.Por isso, peronismo e getulismo iriam aproximar-se em muitos pontos.
Ambos pretendiam promover, no plano econômico, um capitalismo nacional,
sustentado pela ação do Estado. Ambos pretendiam, no plano político, reduzir as
rivalidades entre as classes, chamando as massas populares e a burguesia
nacional a uma colaboração promovida pelo Estado.
2.6. Breve Panorama das Relações Brasil e Argentina a Partir dos Anos 60
Em 22 de abril de 1961, no Encontro de Uruguaiana, entre o presidente
Jânio Quadros e Arturo Frondizi, presidente argentino, é assinado Convênio de
Amizade e Consulta entre o Brasil e a Argentina, aberto à adesão de outros
países do continente.
A VIII Reunião de Consulta dos ministros das Relações Exteriores dos
Estados Americanos, realizada em Punta el Este, no dia 31 de janeiro de 1962,
decide por 14 votos pela expulsão de Cuba da OEA. Apesar de pressões
domésticas e do governo norte-americano, o Brasil, representado por San Tiago
37
Dantas, defende posição conciliatória, baseada no princípio da não-intervenção, e
se abstém na votação final, juntamente com Argentina, Bolívia, Chile, Equador e
México.
A participação brasileira em Punta Del Este suscita grandes debates no
país e a Política Externa Independente (PEI, iniciada no governo Jânio Quadros)
enfrenta forte oposição interna. San Tiago Dantas sustenta que a política externa
deve-se basear no desenvolvimento econômico, na reforma social, na busca de
novos mercados e na “consideração exclusiva do interesse nacional”. O Brasil,
embora
pertença
histórica
e
culturalmente
ao
Ocidente,
“não
integra
blocos”(neutralismo), e preconiza maior autonomia e liberdade de atuação, sem
preconceitos ideológicos (pragmatismo).
Em 14 de fevereiro de 1967 é assinado, no México, o Tratado de Tlatelolco
para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina , o primeiro tratado de
criação de uma zona livre de armas nucleares em uma região densamente
povoada.O Tratado fica pendente da ratificação de todos os Estados latinoamericanos e não entrará em vigor imediatamente. No âmbito do citado Tratado,
ele é, mais que nunca , um efetivo mecanismo de salvaguarda regional (com
alcance global) para que se crie um clima de confiança mútua quanto á proibição
(além de transportes, armazenamentos etc.) e uso de armas atômicas na região.
É assinado em Brasília o Tratado da Bacia do Prata, em 23 de abril de 1969,
destinado a promover a integração física da região por meios de programas
concretos de cooperação.
Entre os dias 12 e 15 de março de 1972, o presidente argentino Alejandro
Lanusse, realiza visita ao Brasil e assina com o presidente Médici acordos
bilaterais de integração física.
Divergências sobre Itaipu levam ao fechamento das fronteiras entre o Brasil
e a Argentina, em 31 de julho de 1977. Mais tarde, são iniciadas formalmente
conversações tripartites entre a Argentina, o Brasil e o Paraguai a respeito do
38
aproveitamento energético do Rio Paraná, tendo em vista a disputa causada
pelos possíveis efeitos de Itaipu sobre as projetadas hidrelétricas argentinas de
Corpus e Yaciretá.Sem maiores conseqüências no campo diplomático para os
três países, em 19 de outubro de 1979, Argentina, Brasil e Paraguai assinam, na
cidade de presidente Stroessner, o acordo tripartite sobre coordenação técnicooperativa para o aproveitamento hidrelétrico de Itaipu e Corpus, que resolve
definitivamente a disputa política em relação à utilização dos recursos energéticos
da Bacia do Rio Paraná.
Entre os dias 14 e 17 de maio de 1980, o presidente brasileiro João
Figueiredo visita a Argentina e encontra-se com seu colega argentino, Jorge
Rafael Videla. Os dois países assinam vários convênios e protocolos de
cooperação, destacando a oportunidade de estimular a integração econômica
Brasil-Argentina. E ainda no mesmo ano, na data de 19 de agosto, o presidente
argentino, Jorge Videla, visita o Brasil, em retribuição à visita de Figueiredo,
consolidando os entendimentos iniciados três meses antes. E no ano seguinte,
em 26 de maio de 1981, realiza-se um breve encontro entre ambos os
presidentes em Paso de Los Libres, cidade fronteiriça vizinha a Uruguaiana.
Em 2 de abril de 1982, a Argentina, sob o governo do general Leopoldo
Galtieri, ocupa militarmente as Ilhas Malvinas. A Inglaterra despacha uma
esquadra para retomar o território, que os ingleses chamam de Falkland Islands.
Tem início a chamada Guerra das Malvinas. E o Brasil se faz presente no campo
diplomático ao lado dos argentinos. Vejamos: Durante a viagem do presidente
João Figueiredo, em maio de 1982, aos Estados Unidos, o programa de visita em
Washington é reduzido pelo governo brasileiro, como forma de manifestar
constrangimento em relação à posição pró-britânica daquele país na Guerra das
Malvinas. O Brasil se mantém neutro na guerra, por discordar do uso da força,
mas reconhece o direito da soberania argentina sobre as ilhas e proíbe o pouso e
sobrevôo no país de aviões ingleses com destino às Malvinas. De junho de 1982
a fevereiro de 1990, o Brasil representará os interesses argentinos junto à GrãBretanha, devido à ruptura de relações diplomáticas entre aqueles dois países.
30 de novembro de 1985, os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín
39
firmam a Declaração de Iguaçu sobre cooperação pacífica na área de energia
nuclear, em ato que dá início a vigoroso processo de aproximação entre o Brasil e
a Argentina.
Na data de 29 de julho de 1986, o presidente José Sarney realiza visita de
Estado à Argentina e assina com Raúl Alfosín, em Buenos Aires, a Ata de
Integração Brasileiro-Argentina, que estabelece um Programa de Integração e
Cooperação Econômica. Firmado, ainda, o Protocolo de Cooperação Nuclear, que
reafirma os propósitos pacíficos da cooperação bilateral nessa área. O Uruguai
será convidado formalmente a associar-se ao Brasil e à Argentina no processo de
integração no Cone Sul. Ainda no mesmo ano é assinada, em Brasília, a Ata de
Amizade durante encontro entre os presidentes da Argentina, do Brasil e do
Uruguai, no mês de dezembro.Novamente a Argentina recebe a visita do
presidente José Sarney. Era o ano de 1987, entre os dias 15 e 17 de junho.
É celebrado, na cidade de Buenos Aires, em 29 de novembro de 1988,
pelos presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín, o Tratado de Integração,
Cooperação e Desenvolvimento entre o Brasil e a Argentina, consolidando o
processo de aproximação bilateral e estabelecendo mecanismos para a criação
de um espaço econômico comum no prazo máximo de 10 anos.
Em maio de 1989, Carlos Menem é eleito presidente da Argentina e assume
o governo em meio a profunda crise econômica. Menem, apesar de egresso do
peronismo, irá adotar uma política externa de firme aproximação com os Estados
Unidos.
Os presidentes Collor e Menem assinam a Ata de Buenos Aires, em julho de
1990, pela qual o Brasil e a Argentina decidem conformar o mercado comum
bilateral até 31 de dezembro de 1994. E é também assinada em 1990 no dia 28
de novembro, em Foz do Iguaçu, Declaração sobre Política Nuclear Comum,
entre a Argentina e o Brasil, que cria sistema comum de contabilidade e controle.
É celebrado o Tratado de Assunção, entre Argentina, Brasil, Paraguai e
Uruguai, para a constituição de um Mercado Comum do Sul, o Mercosul, em 26
40
de março de 1991. O Tratado incorpora os mecanismos anteriormente acordados
entre o Brasil e a Argentina, adotando ainda como estrutura, entre outras
decisões,
o
Conselho
do
Mercado
Comum
(CMC),
órgão
supremo
intergovernamental, e o Grupo Mercado Comum (GMC), órgão executivo e
coordenador dos 10 subgrupos de trabalho. O comércio regional intrazona no
Mercosul irá crescer cerca de 312% entre 1991 e 1997.
Brasil e Argentina firmam o Acordo de Guadalajara para o uso
exclusivamente pacífico da energia nuclear, em 18 de julho de 1991. O Acordo
estabelece também a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de
Materiais Nucleares (ABACC). Ainda no mesmo ano, em 5 de setembro,
Argentina, Brasil e Chile firmam o Compromisso de Mendonça, renunciando ao
uso, produção, aquisição ou transferência de armas químicas ou biológicas. Em
30 de maio de 1994, após a ratificação do texto modificado do Tratado, é
anunciada, na cidade do México, a adesão do Brasil ao Tratado de Tlatelolco.
Com a ratificação também por Cuba, em 19 de setembro do mesmo ano, o
Tratado passa a vigorar para todos seus signatários.
Em 1996 é aprovada Resolução da ONU, proposta pelo Brasil, sobre “O
Hemisfério Sul e Áreas Adjacentes Livres de Armas Nucleares”, pela qual é
reconhecido o estatuto de desnuclearização para fins militares de quase todo o
Hemisfério Sul. A Assembléia Geral da ONU aprova, ainda, o Tratado de
Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT), que é assinado pelo Brasil em
24 de setembro do citado ano.
2.7. O Contexto Diplomático pós-Regimes Militares
Em março de 1979 iniciava-se, no Brasil, o período presidencial de João
Batista Figueiredo, no curso do qual se previa um avanço do processo de
abertura política, cujos passos seriam dados, segundo o discurso oficial, no ritmo
e direção traçados pelo “sistema”. Este processo de liberalização teve momentos
de recuo e de avanços e terminou desembocando na escolha, por um colégio
eleitoral reunido para esse fim, de Tancredo Neves para presidente da República
41
e, em razão de sua morte, na posse do vice-presidente José Sarney, em março
de 1985.
O processo argentino de transição democrática seguiu caminhos diversos e,
contra todas as previsões, foi mais rápido e radical. Em 1980, quando no Brasil já
estava em curso a liberalização de seu sistema político, o regime militar argentino
ainda parecia sólido e sem perspectivas de interrupção a curto prazo. Contudo,
em 1982, a derrota argentina na Guerra das Malvinas precipitou a queda do
regime militar e abriu espaço para que as forças civis democráticas do país se
aglutinassem e elegessem para presidente da República, em eleições diretas e
por maioria absoluta, o candidato da União Cívica Radical, Raúl Alfosín, que toma
posse em dezembro de 1983.
Mas a falta de sincronismo entre o processo argentino e o brasileiro, ainda
que por um espaço de tempo de menos de dois anos, favoreceu o afloramento de
algumas desconfianças. O presidente João Figueiredo se mostrava temeroso com
o avanço da liderança latino-americana do novo governo democrático argentino e
com uma possível “argentinização” da situação política do Brasil. Os militares
brasileiros pretendiam abandonar o Palácio da Alvorada, mas não com a
precipitação e os solavancos da retirada dos militares argentinos. Esse período
exigiu
da
Chancelaria
argentina
cuidados
especiais
para
não
ferir
a
suscetibilidade do governo brasileiro e para “exorcisar” possíveis fantasmas que
poderiam dificultar o diálogo diplomático entre os dois países. De qualquer
maneira, o presidente Figueiredo já se aprontava para deixar a cena política, e a
habilidade do Chanceler argentino, Orlando Caputo, amainava as dificuldades.
Com o Brasil já redemocratizado, as relações entre os dois países se
tornaram mais afinadas. Em 29 de novembro de 1985, os presidentes Raúl
Alfosín e José Sarney inauguravam a ponte internacional de ligação entre a
cidade de Porto Meira, Brasil, e Puerto Iguazu, Argentina, e iniciavam
negociações em que assumiam o compromisso de um relacionamento bilateral
mais cooperativo. Este acordo incluía uma participação conjunta mais efetiva em
foros multilaterais latino-americanos, como o Consenso de Cartagena, o Grupo de
42
Contadora e o Grupo de Apoio, assim como na reativação das políticas de
integração do continente e de cooperação no âmbito da Bacia do Prata e,
sobretudo, na constituição de uma vontade política que conduzisse à aceleração
do processo de integração Argentina-Brasil.
A Declaração de Iguaçu tornou-se, assim, o marco político-diplomático que
deu a partida para o lançamento do Programa de Integração entre Argentina e o
Brasil, formalizada na Ata de Integração e Cooperação Econômica e na
assinatura de doze
protocolos, ampliados para 24 ao longo dos anos 1986-1988, seguido de um novo
instrumento, o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, assinado
em 29 de novembro de 1988.
Este programa de integração bilateral, surgindo no rastro das primeiras
experiências multilaterais de integração no continente, representou uma primeira
fase do que alguns autores chamam de “renascimento da integração”, ou ainda,
de sua “fase pragmática”, que cobre o período de 1984 a 1988. Nela, seus
formuladores pensavam que esquemas sub-regionais, de implantação mais
gradual, e com normas mais flexíveis de funcionamento, teriam melhores
condições de êxito, num continente como o latino-americano, extremamente
extenso heterogêneo. Isso não impedia que apostassem na perspectiva de
integração de toda a América Latina, como forma de garantir uma inserção mais
dinâmica da região no sistema de comércio internacional.
É inegável que estes acordos bilaterais não teriam tido tanta ênfase (se é
que teriam sido possíveis) alguns anos antes, quando conflitos em áreas
estratégicas e condições políticas internas nos dois países não favoreciam muito
bem as ações coordenadas e convergentes. Mas, na segunda metade dos anos
80, Argentina e Brasil, já governados por presidentes comprometidos com a
democracia, rompiam com a lógica prioritariamente geopolítca dos governos
militares anteriores e abriam espaço para ações diplomáticas menos competitivas
e mais harmonizadas.
43
Em termos gerais, os dados políticos que definiam, nesse momento, as
relações entre Argentina e Brasil, poderiam ser listados da seguinte maneira:
ausência de conflitos importantes que pudessem produzir enfrentamentos
diplomáticos. Desde a resolução do contencioso em torno do aproveitamento do
Rio Paraná, em 1979, os corpos diplomáticos argentino e brasileiro deixaram de
lado possíveis retóricas de enfrentamento. Os dois países passaram a não se
perceber mais como ameaças mútuas no campo da segurança, mesmo com o
marcado desequilíbrio do poder militar em favor do Brasil.
A diplomacia brasileira deixara de ter no Rio da Prata seu centro de
gravidade; os problemas da Bacia do Prata passaram a não ser mais uma
preocupação constante e, como decorrência, as relações do país com a
Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai se tornaram mais harmoniosas.
As relações econômicas multilaterais e bilaterais passaram a ser um
campo de importância crescente para a atuação diplomática, oferecendo maiores
oportunidades de negociação, como no tratamento da dívida externa e nas
discussões que se desenvolveram no Gatt antes e durante a Rodada Uruguai.
O aumento da importância do Brasil no quadro das relações internacionais
lhe permitira uma atuação mais autônoma face aos Estados Unidos nos foros
multilaterais e, como decorrência, uma maior proximidade com as posições latinoamericanas em geral, e argentinas em particular.
No novo contexto de entendimento político-diplomático entre Argentina e
Brasil, a área econômica era o foco das dificuldades. Estas dificuldades decorriam
do diferente nível de atividade econômica em ambos os países, já que, até 1987,
as taxas de crescimento foram sempre mais elevadas no Brasil. Por outro lado,
em termos do comércio bilateral, o Brasil era mais importante para a Argentina do
que o contrário, não só em termos de relação de ambos países com o comércio
global, como pela composição deste intercâmbio, predominantemente de
produtos manufaturados, no que se refere às vendas do Brasil para a Argentina, e
de produtos primários, em sentido oposto. Acrescente-se a isso uma tendência
44
deficitária da Argentina, na balança comercial em relação ao Brasil.
Foi justamente a percepção do conjunto de distorções que dificultavam o
comércio entre os dois países o que deu impulso aos esforços deliberados, por
parte de seus respectivos governos, no sentido de neutraliza-las. O novo critério
adotado
foi o de interferir nas tendências comerciais espontâneas que geravam
desequilíbrio e, nessa tarefa, o Itamaraty teve uma atuação extremamente
destacada, passando a exercer uma atividade intensa na área da diplomacia
econômica.
Não podemos nos esquecer que, no momento em que a integração
Argentina/Brasil começava a adquirir contornos e conteúdo real, os dois países
estavam vivendo o impacto da democracia recuperada, o que conferia aos novos
governantes e seus auxiliares, um alto grau de legitimidade interna. A
identificação dos presidentes Raúl Alfosín e José Sarney com a nova plataforma
bilateral transferiu a integração brasileiro-argentina a legitimidade que eles
detinham, criando uma dinâmica que deu maior força ao projeto integracionista.
Desde o início do governo João Figueiredo, as relações com a Argentina
encaminharam-se em direção à fase integracionista, que os presidentes Alfosín e
Sarney iriam desencadear. As negociações técnicas encerram-se em julho de
1986, indicando, com base nas tentativas e experiências anteriores, as condições
para o êxito do novo processo integrativo, o qual, a partir do eixo Brasil-Argentina,
deveria incluir, gradativamente, outros países do continente: fomento do
crescimento econômico, de um comércio bilateral dinâmico e não-especializado,
de ampla cooperação cultural, científica e tecnológica, sobretudo em tecnologia
de ponta, observância do gradualismo e da flexibilidade dos mecanismos de
integração, preferências comerciais bilaterais nas áreas agrícola e industrial,
realismo das propostas para evitar utopias, aperfeiçoamento da infra-estrutura,
adaptação do arcabouço jurídico de ambos os Estados, envolvimento do
empresariado com o mercado ampliado. Os primeiros projetos foram, segundo
tais parâmetros, encaminhados aos chefes de Estado, que firmaram, em Buenos
45
Aires, aos 29 de julho de 1986, a Ata para Integração Brasileiro-Argentina, com 12
protocolos anexos, e criaram a Comissão de Execução do Programa de
Integração Brasileiro-Argentina,
para
avaliar,
em
reuniões
semestrais
o
desempenho dos mecanismos e propor novas iniciativas.
O moderno processo de integração visava preparar o futuro independente,
acelerar o crescimento auto-sustentado, promover a modernização econômica,
unificar os mercados, desenvolver as boas relações e agregar, ao longo do
tempo, toda a América Latina. Gradualismo, flexibilidade e equilíbrio orientaram a
elaboração e o implemento inicial de projetos em 12 áreas de atuação: bens de
capital, comércio do trigo, complementação do abastecimento alimentar,
expansão do comércio bilateral, criação de empresas binacionais, financiamento
do comércio, fundo de investimentos, produção e consumo de energia,
desenvolvimento da biotecnologia, promoção de estudos econômicos conjuntos,
informação e assistência em caso de acidentes nucleares e, por último,
cooperação na indústria aeronáutica.
O presidente do Uruguai acompanhou pessoalmente os trabalhos desde
seus primeiros passos, vinculando seu país ao programa mediante atos bilaterais
acordados com o Brasil e a Argentina. Os avanços verificados posteriormente, no
quadro do programa de 1986, parecem confirmar o acerto dos métodos
estabelecidos e prenunciar uma nova era para o futuro das relações interlatinoamericanas e para o destino do continente.
Por outro lado, diferenças na agenda global da política externa se tornaram
mais evidentes, sobretudo a partir de 1989 quando, nos dois países, novos
presidentes se aprontam para subir ao palco. Abre-se uma fase de indecisões, no
que se refere a suas respectivas posições internacionais, sobretudo no caso
argentino em que o novo presidente Carlos Menem estabelece novas prioridades,
dando grande ênfase a seu alinhamento com os Estados Unidos. No caso do
Brasil, as possíveis inconsistências do presidente Collor foram neutralizadas pelo
trabalho do Itamaraty, cuja agenda manteve a sua prioridade no que se refere à
questão da integração do Cone Sul.
46
As razões que haviam determinado a opção por um processo gradual,
flexível e progressivo se fundamentavam na existência de um desequilíbrio
industrial acentuado entre as economias argentina e brasileira. Isto exigia uma
certa flexibilidade, em termos de tempo para a aplicação de alguns instrumentos,
possibilidades
de
reversão
quando
sua
aplicação
causasse
um
maior
desequilíbrio e ênfase em certos projetos setoriais específicos que deveriam
exercer um efeito demonstrativo sobre o resto da economia. Como contrapartida,
o caráter progressivo do processo serviria como garantia de que estes acordos
não ficariam restringidos aos setores previstos inicialmente, e se estenderiam a
toda a estrutura econômica, no curso de implantação dos esquemas de
integração.
47
CAPÍTULO 3
BRASIL E ARGENTINA: A ORDEM FINANCEIRA; A INTEGRAÇÃO E A PAZ
INTERNACIONAL
3.1.
Argentina
e
Brasil
Frente
aos
Organismos
Financeiros
Internacionais.
Se nos remontamos aos anos 60, vemos que os esquemas de integração na
região visavam reforçar a estratégia de substituição de importações dentro de
uma visão de mercados regionais. A partir dos anos 80, a integração regional
passou a ser concebida como um trampolim para uma maior competitividade, em
nível mundial, ou melhor, como um processo crescente de abertura econômica
através da qual as economias nacionais, em processo de integração regional, se
projetariam competitivamente no cenário mundial.
Contudo, essa relação entre integração regional e abertura para a economia
mundial não é pacífica e nem sempre se dá dentro de um mesmo ritmo. Em
alguns países da América Latina, como Chile, Bolívia,Venezuela e no caso
específico, a Argentina, primeiro ocorreu a liberalização comercial unilateral com
terceiros países e depois tomaram corpo as iniciativas de abertura regional, sem
que se veja com clareza quais as prioridades reais de suas políticas econômicas
e quais os objetivos estratégicos que a integração regional deve cumprir dentro de
seu modelo geral de abertura, particularmente em se tratando de Argentina e
Brasil.
Na Argentina, o presidente Carlos Menem acelerou sua aproximação com
Fundo Monetário Internacional (FMI) no início dos anos 90. Menem foi eleito pelo
movimento peronista, de tradição nacionalista, mas transformou-se em um fiel
defensor do ultraliberalismo. Seu primeiro passo foi quebrar a espinha dos
sindicatos peronistas, os mesmos que o ajudaram eleger-se, que funcionavam
48
como força de pressão por melhores salários. Menem reforçou as negociações
salariais por empresa, reduzindo o poder dos sindicatos. Também limitou os
reajustes, demitiu
dezenas de milhares de funcionários públicos e iniciou um amplo processo de
privatização, englobando até a empresa telefônica e a companhia aérea
Aerolíneas Argentinas.
Outro ponto central do projeto econômico foi “dolarizar”a economia, quer
dizer, manter alta a cotação do austral (nome da moeda dos argentinos, na
época.), por meio do compromisso de não emitir mais dinheiro, o que aumentaria
a inflação. O resultado foi uma queda brutal da inflação, em 1990. Isso abriu para
a Argentina as portas dos organismos financeiros internacionais, embora o
desemprego estivesse em ascensão e a indústria não mostrasse sinais de
recuperação.
Uma característica única do plano Menem foi o impressionante esforço
político do governo em agradar a Casa Branca e o Ocidente, fosse enviando
barcos de guerra contra Saddam Hussein ou oferecendo-se para receber 300 mil
imigrantes da Europa Oriental (desde que os países desenvolvidos financiassem,
é óbvio). O objetivo do governo era melhorar sua credibilidade internacional e
obter descontos em sua enorme dívida externa – US$ 67 bilhões em 1992, sem
contar US$ 8 bilhões em juros atrasados.
Decorridos mais de 10 anos de experiências com a desregulamentação
financeira, abertura comercial e econômica imprudente, liberdade total para o
capital, reforma patrimonial com ênfase na privatização, desmantelamento do
Estado-Nação, livre-cambismo e a chamada flexibilização das relações de
trabalho, a Argentina enfrenta riscos crescentes, o país que optou pelo capital
financeiro internacional como motor do crescimento tornou-se refém da chamada
confiança dos mercados e contabiliza déficits, endividamento, estagnação,
dependência e crise social. A verdade é que a Argentina chega ao novo milênio
com todo o seu espaço geoeconômico ocupado sobretudo pelo capital
internacional, via privatização das estatais, e a economia cada vez mais
49
subordinada às prescrições do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) – o Banco Mundial.
No caso do Brasil, a onda neoliberal aportou de vez em nossas praias com a
eleição de Fernando Collor de Mello para a presidência, em 1989, cujo discurso
defendia a “entrada do Brasil no Primeiro Mundo”. Logo que assumiu, Collor
confiscou dois terços da massa monetária em circulação no país. Isso e a
manutenção de altas taxas de juros bancários deveriam tornar o dinheiro mais
caro, restringindo sua circulação até diminuir a inflação, que girava em torno de
80% mensais no momento da posse. O novo presidente alterou as normas que
indexavam os salários à inflação, fazendo com que cada reajuste tivesse de ser
dado espontaneamente pela empresas ou negociados pelos sindicatos. Em
seguida, o governo demitiu milhares de funcionários públicos, passou a elevar as
tarifas públicas (energia, telefonia etc.) sempre acima da inflação, privatizou
estatais como a Usiminas e Aços Piratini e facilitou a importação de bens de
consumo e de equipamentos.
De fato, a inflação baixou, embora não significativamente (a taxa era de
27% ao mês no início de 1992). Mas as conseqüências da política econômica
foram dramáticas. O custo alto do dinheiro e a redução do poder de compra
devido ao achatamento salarial levaram empresas de todos os portes a demitir
funcionários. Em algumas regiões, como a Zona Franca de Manaus, o
desemprego atingia um terço da mão-de-obra. Em São Paulo, a maior região
industrial do país, cerca de 15% dos trabalhadores estavam sem emprego, e
calculava-se que a metade da mão-de-obra operava na “economia informal”,
praticamente sem direitos trabalhistas. Essa fatia era a mais atingida pelos cortes
dos gastos do governo com saúde e educação e pelo estrangulamento das
pensões dos aposentados. Junto com o empobrecimento, crescia, é claro, a
violência nas cidades e no campo.
O plano de choque do governo brasileiro reabriu as portas para a
negociação da maior dívida externa da América Latina: US$ 130 bilhões em 1991.
Dito isto, fica claro que grande parte dos problemas latino-americanos são
semelhantes.
50
Se nos remontamos aos anos 60, vemos que os esquemas de integração na
região visavam reforçar a estratégia de substituição de importações dentro de
uma visão de mercados regionais. A partir dos anos 80, a integração regional
passou a ser concebida como um trampolim para uma maior competitividade, em
nível mundial, ou melhor, como um processo crescente de abertura econômica
através da qual as economias nacionais, em processo de integração regional, se
projetariam competitivamente no cenário mundial.
Contudo, essa relação entre integração regional e abertura para a economia
mundial não é pacífica e nem sempre se dá dentro de um mesmo ritmo. Em
alguns países da América Latina, como Chile, Bolívia, Venezuela e no caso
específico, a Argentina, primeiro ocorreu a liberação comercial unilateral com
terceiros países e depois tomaram corpo as iniciativas de abertura regional, sem
que se veja com clareza quais as prioridades reais de suas políticas econômicas
e quais os objetivos estratégicos que a integração regional deve cumprir dentro de
seu modelo geral de abertura.
É difícil se pensar que uma política de abertura geral e não seletiva,
fundamentada apenas em leis do mercado, possa fazer com que países com o
perfil econômico e social do Brasil e Argentina adquiram conhecimentos teóricos,
habilidade técnica, capacidade de inovação, sem os quais nunca poderão ser
competitivos internacionalmente. Sem a adoção de políticas nacionais e regionais
ligadas às diversas áreas do conhecimento e da atividade produtiva – científica,
tecnológica, educacional, social, industrial – e sem alguma margem de
preferência comercial significativa entre os dois principais países da América do
Sul, dificilmente
reverteremos a situação de atraso e nos incorporaremos, de forma competitiva e
eqüitativas, às grandes correntes do comércio mundial.
3.2. Mercosul: Integração e Desafios
O bloco econômico mais importante integrado pelo Brasil é o Mercado
51
Comum do Sul-Mercosul uma zona de livre comércio que entrou em vigor em 1o
de janeiro de 1995. A origem do Mercosul vem de uma iniciativa ocorrida em 1985
entre o Brasil e a Argentina, que assinaram um Acordo de Integração. Eram os
primeiros anos posteriores à redemocratização em ambos os países, e os
presidentes José Sarney e Raúl Alfonsin fortalecendo, assim, uma mútua
confiança entre as duas mais importantes nações da América do Sul.
A iniciativa atraiu os governos de Uruguai e Paraguai e acabou se
transformando num bloco econômico formalizado no Tratado de Assunção, de
1991. O Mercosul iniciou assim a sua fase experimental, com a implantação de
uma zona de livre comércio.
O Mercosul entrou na segunda etapa da integração, com a conformação da
União Aduaneira e o estabelecimento de uma tarifa externa comum, após a
reunião de Ouro Preto (MG), em dezembro de 1994. A União Aduaneira cria
vínculos mais estritos entre os parceiros e exige uma maior coordenação entre
eles, uma vez que prevê uma política comercial unificada em relação a terceiros
países.
Um aspecto interessante do Mercosul é o que diz respeito aos seus
compromissos com a democracia. O bloco assinou uma cláusula que viria a ser
conhecida como o compromisso democrático. Esse compromisso diz que só pode
fazer parte do Mercosul o país que tiver um governo eleito democraticamente.
A partir do final da década de 90, o Mercosul vem atravessando um
momento crucial de sua existência. As relações comerciais e diplomáticas entre
os dois principais países do bloco, Brasil e Argentina, têm sido afetadas pelas
dificuldades
econômicas
(principalmente,
os
argentinos
com
grave
recessão). A
situação se agravou a partir de janeiro de 1999, com a desvalorização do real, o
que tornou os produtos argentinos menos competitivos.
O Mercosul, portanto, entrou o ano de 2000 tentando superar estes conflitos
52
e de desemperrar as negociações sobre problemas que persistem até hoje em
diversos setores – regime automotivo, serviços, adoção da moeda única, entre
outros – para poder avançar cada vez mais no rumo da integração.
O que alguns setores têm chamado de morosidade do Mercosul é em
realidade conseqüência de algo bem mais grave: a crise das economias dos dois
principais países que o compõem – Brasil e Argentina, principalmente.
Houve um momento em que as exportações brasileiras se beneficiaram do
então engessamento da moeda argentina provocado pela Lei de Convertibilidade.
Posteriormente, com a adoção do Plano Real e a absurda sobrevalorização da
moeda brasileira, a Argentina ganhou enorme competitividade no mercado
brasileiro. O Brasil passou a ser o destino de mais de 30% das exportações
argentinas.Quando a aventura da sobrevalorização do Real brasileiro chegou ao
fim e o governo Fernando Henrique foi obrigado a deixar “flutuar” a moeda, as
exportações argentinas voltaram a perder competitividade.
O que está por trás de tudo isso é algo mais simples. Brasil e Argentina
estão enfrentando as conseqüências previsíveis das políticas econômicas que
seus governantes adotaram, sobretudo em matéria cambial. Os dois países
atravessam uma recessão, principalmente a Argentina, com conseqüências
graves para suas agriculturas e indústrias e com repercussões trágicas em
matéria de desemprego e exclusão social.
Submetidos às orientações do Fundo Monetário Internacional e da finança
mundial, os dois governos acreditaram estar preparando seus respectivos países
para melhor inserir-se na economia globalizada. Na realidade tornaram Brasil e
Argentina mais vulneráveis à (des)ordem econômica e financeira mundial, como
tem ficado evidente nos últimos anos (Argentina, principalmente). O Mercosul, por
mais críticas que se possa fazer a seu desenvolvimento, é fruto de um momento
privilegiado dos dois países, quando Argentina e Brasil saíam das trevas das
ditaduras militares. As desconfianças recíprocas perderam sentido. E o Mercosul
é um fabuloso instrumento de união. O tempo se encarregou de apagar possíveis
antagonismos externos, enquanto a necessidade da convivência econômica e da
53
sobrevivência de nossos países, em tempos de globalização, justificam laços
ainda mais fraternos.
Neste sentido, o Mercosul pode ser visto como uma resposta estratégica à
tendência dos megablocos dos países do centro, pois aumenta o poder
negociador dos países do Cone Sul, junto a outras instâncias de integração
econômica. O pragmatismo diplomático ensina que é melhor e mais vantajoso
quando vários países entabulam negociações, buscando uma posição conjunta,
do que quando têm de fazê-lo isoladamente.
No plano mundial, o Brasil é visto como uma potência média, com peso
regional. Também se diz que o Brasil é um país semiperiférico. Que significa
isso? Significa que não está atrelado a um poder hegemônico específico, em
parte porque não faz fronteiras nem está próximo de países ou blocos
hegemônicos, como os EUA ou a UE, em parte porque seu peso o credencia a
estabelecer políticas estratégicas com relativa independência, especialmente no
cenário sul-americano.
Por isso, o Brasil é um país muito importante no chamado diálogo Sul-Sul, o
qual busca encontrar alternativas para garantir o direito dos países em
desenvolvimento de participar do sistema internacional em condições de
igualdade com os países do Norte.
3.3. Brasil e Argentina: O Mercosul e a Cultura
Embora o Mercosul tenha nascido em torno da idéia de um mercado
ampliado, torna-se urgente compreender que a cultura é que tece a trama do
tecido que envolve todo o processo de cooperação e integração. Sabemos muito
bem que o sucesso econômico, quando alcançado em nossos países, nem
sempre reverterá seus resultados para a área social.
Neste sentido, num projeto ambicioso como a construção de uma
comunidade regional, não se pode imaginar que somente trocas materiais sejam
54
capazes de cimentar a união. As trocas de idéias, de modos de ver e sentir,
estilos de viver e criar, capacidade de conhecer e conviver devem formar a
estrutura mais profunda do processo que põe frente a frente dois povos (incluídos
aí uruguaios e paraguaios), que se dispõem a compartilhar um destino.
O cultural aumenta os níveis de participação da comunidade. Assim, eleva
os níveis da democracia, pois quanto maior o entusiasmo cultural do povo, maior
se faz sua participação na vida pública e, portanto, seu envolvimento nas eleições
e nos processos participativos, o que torna maior a mobilidade a mobilidade das
classes dirigentes, o que contribui, teoricamente, para uma democratização mais
efetiva. Na verdade, os governos não esquecem a cultura por uma atitude de
inocência: é que eles sabem que um povo melhor preparado e respeitado em sua
essência cultural é um povo perigoso, devido a sua capacidade de distinguir entre
o engano e a verdade.
Parece que há uma convergência pragmática que se afirma acima das
realidades econômicas e políticas de cada Estado. Particularmente os
intelectuais, acadêmicos universitários e pesquisadores – integrantes da cultura
da integração – também necessitam tomar seu tempo e direcionar, através de
estudos, análises e pesquisas o seu conhecimento para o futuro da integração
do Brasil e Argentina. É
essencial que, além dos aspectos técnicos, econômicos e burocráticos, haja uma
intensa
capacitação
intelectual
e
acadêmica
em
torno
de
parâmetros
organizacionais e culturais indispensáveis à integração.
3.4. Atlântico Sul: Paz e Cooperação
Movido pela sua estratégia de cooperação universal, o Brasil quis preservar
o Atlântico Sul dos conflitos e motivar os países costeiros para ações em prol de
seu desenvolvimento. Após consultas e negociações, a Zona de Paz do Atlântico
Sul foi adotada pela Assembléia Geral da ONU, em 6 de novembro de 1986, com
o apoio da Argentina, do Uruguai, de 18 países africanos da costa atlântica e
55
outros 124 estados. Sofreu forte oposição dos Estados Unidos, que criticou a
proposta pelas sua impropriedades geográficas e porque feriam seus “interesses
nacionais”.
As raízes da criação da Zona de Paz surgiram com a Guerra das Malvinas e
com a conseqüente perspectiva de militarização da região. A iniciativa da
diplomacia brasileira teve que enfrentar algumas dificuldades, de ordem interna,
com as Forças Armadas. A questão dizia respeito à distinção entre
desmilitarização e zona não-militarizada. De fato, esta distinção iria refletir-se na
questão da redução dos gastos militares com suas conseqüências para as Forças
Armadas, tanto na questão dos recursos orçamentários quanto na questão do seu
próprio poder. Desmilitarizar seria reduzir drasticamente o poder e os recursos
das Forças Armadas. Não-militarizar equivaleria a manter o status quo das Forças
Armadas na região, que do ponto de vista do Brasil, nunca foi muito presente.
Finalmente, como solução de compromisso, a resolução da ONU fala em
não-militarização do Atlântico Sul, exceto para atividades relacionadas com
interesses internacionais estranhos à região e que não afetariam o programa de
reequipamento das Forças Armadas (do Brasil e da Argentina). Dessa forma,
surge na formulação da Zona de Paz do Atlântico Sul a questão da cooperação
militar regional, especificamente entre Argentina e Brasil e futuramente no âmbito
do Atlântico Sul entre o Brasil e países africanos. Esses programas, além da
cooperação militar na área da aeronáutica, poderiam envolver pesquisas na área
nuclear. Com a assinatura dos Acordos Bilaterais assinados entre os presidentes
da Argentina e do Brasil nos últimos anos, os dois países renunciaram à
fabricação de armas nucleares e propõem a cooperação pacífica no campo da
energia nuclear.
Devemos focalizar os aspectos políticos positivos e encontrar soluções que
visem a maior cooperação regional, particularmente em áreas não militares, como
na cooperação econômica, tecnológica, científica, ambiental e educacional, em
geral, e entre Argentina e Brasil, em particular. È importante enfatizar que o
conceito que supostamente apóia a cooperação deve contribuir para a paz e a
segurança da região. Acreditamos que a situação internacional favorece tal
56
política de cooperação, a despeito das dificuldades econômicas atuais.
Mas tudo isso só terá valor universal se pudermos sanar as chagas
expostas a partir do redirecionamento da nova agenda que pretende fazer do
mercado em si mesmo um tipo de deus da chamada modernização. Falo aqui da
estigmatização ainda perversa e gigantesca dos desequilíbrios entre Norte-Sul e
das seqüelas que atingem em cheio os próprios países do Terceiro Mundo,
deteriorando alguns avanços econômicos e, as vezes, pondo em risco as
conquistas democráticas.
A noção de Zona de Paz e Cooperação é uma relativa novidade desafiadora
no estudo das relações internacionais e na própria política internacional. Durante
o período da chamada Guerra Fria, marcada pela existência de zonas de
influência de cada um dos principais contendores, EUA e ex-URSS, não havia
muito espaço para a existência de “Zona de Paz”, embora tenha havido algumas
iniciativas pioneiras nesta direção.
Com a nova distensão e as propostas de desarmamento, essa concepção
de política internacional começa a superar barreiras e ser proposta no âmbito das
Nações Unidas como políticas de cooperação entre países de uma determinada
região geoeconômica. Nesse contexto, Zona de Paz adquire um novo sentido
político, em que a cooperação começa a ganhar um maior espaço do que as
questões de conflito.
3.5. Características da Diplomacia Brasileira
Minha primeira observação diz respeito ao próprio interesse que os
processos diplomáticos despertam na cidadania. Em regra, o país é introvertido.
São de tal ordem os problemas internos – sejam os contrastes sociais, seja a
necessidade de desenvolvimento, seja a disputa política – que “tradicionalmente”
a diplomacia não tem sido objeto de um debate “organizado” na imprensa, no
Parlamento, nos meios de comunicação de massa. A situação tende, contudo, a
se alterar. Amplia-se a consciência de que qualquer projeto nacional é afetado
57
pelas condições internacionais, pelas opções políticas que fazemos. O fenômeno
qualifica não só aqueles temas que movimentam interesses concretos, como as
negociações do Mercosul, mas também outros, mais precisamente políticos (por
exemplo, a cogitação sobre a presença brasileira no Conselho de Segurança da
ONU em um formato novo).
Uma segunda observação tem a ver com o estilo da diplomacia brasileira.
Um dos seus traços mais salientes é a capacidade de desdramatizar a agenda
política, ou seja, de reduzir os conflitos, crises e dificuldades ao leito diplomático,
evitando que sejam explorados ou magnificados por interesses conjunturais. Isso
é uma virtude, especialmente se levarmos em conta o fato de que o Brasil
mantém relações pacíficas e cooperativas há mais de 120 anos com dez vizinhos,
tendo
sido
todo
o
desenho
de
nossas
fronteiras,
aliás,
negociado
diplomaticamente. Essa boa convivência na região – feito diplomático ao qual, em
regra, não se dá o devido crédito – pode ser atribuída, em parte, às vantagens de
um estilo que se define pela preferência pela negociação.
Uma condição necessária para a modernização, em qualquer de suas
dimensões, é um ambiente internacional pacificado e, no caso da América do Sul,
essa condição foi conquistada, em boa parte, por trabalho diplomático constante e
bem-orientado, de tradição secular. Embora o peso do Brasil sobressaia no
continente, não nos lançamos a políticas de hegemonia, de atrito, e, assim, nas
relações entre Estados, o que prevaleceu sempre foi a solução diplomática.
A diplomacia brasileira tem uma tradição de buscar agir sempre de acordo
com normas internacionais, seja no plano da segurança (com a defesa dos
princípios da não-intervenção, da solução pacífica), seja no plano da economia –
exatamente porque somos um país com ramificações comerciais diversificadas (e
não temos instrumentos econômicos coercitivos) defendemos invariavelmente
que o ambiente econômico internacional seja composto por regras estáveis,
multilateralmente definidas, que garantam previsibilidade e eliminem as formas
unilaterais, impositivas de vantagens específicas.
Em termos de criação de um ambiente de paz, de superação de possíveis
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rivalidades e mesmo de inovação de regras sobre não-proliferação, um exemplo
significativo da atitude brasileira é o nível de confiança que alcançamos nas
relações com a Argentina, com base no qual empreendemos um importante
programa de cooperação nuclear e promovemos algumas emendas no Tratado de
Tlatelolco de modo a permitir que tenha plena vigência na América Latina.
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4. CONCLUSÃO
Um longo caminho ainda a ser percorrido e muitos assuntos a serem
implementados para ampliar as bases da cooperação regional. Deve-se acelerar
a construção de mecanismos práticos e viáveis, nas diversas áreas de segurança,
da economia, na cooperação técnica e científica etc.
Brasil e Argentina, base natural de uma resposta adequada ao desafio
lançado por esses processos, são países periférico-atlâncos. Se formos
incapazes de redefinir nossa presença no mundo, poder-se-ia vir a confirmar a
vocação periférico-marginal da região, que se arrisca a permanecer uma espécie
de apêndice solto no mundo. Poderemos ver esse periferismo extremamente
acentuado, se não nos dispusermos a alcançar patamar qualitativamente mais
bem colocado não só de entrelaçamento de nossas economias, mas também de
sua inserção dinâmica na economia internacional.
Com base nisso, urge debruçarmo-nos sobre a tarefa de repensar, discutir e
redefinir a presença do Brasil e da Argentina no mundo, levando em conta a
realidade de cada país e as novas aspirações de ambas as sociedades. É
importante, portanto, que se inicie ampla discussão dos novos desafios lançados
pela mutação nas estruturas de poder, na economia mundial e nos grandes temas
da agenda universal.
Estamos (Brasil e Argentina) num momento decisivo e não podemos deixar
passar esta oportunidade histórica. Devemos assumir os riscos e ampliar os
mecanismos
convergentes
que
integrem
as
duas
nações.
Vivemos
e
presenciamos circunstâncias históricas em ambos os países: no Brasil, as
eleições gerais; na Argentina, a terrível crise financeira e política que assola a
nação, aonde o Brasil pode e deve se fazer solidário no plano político, com
declarações públicas oficiais. E não podemos esquecer que o futuro da integração
depende, também, de políticas de crescimento com distribuição de renda.
O sonho (em realidade, o pesadelo) neoliberal acabou, destruindo o sistema
produtivo argentino. Mas lá, na Argentina, e aqui, no Brasil, multiplicou o
desemprego, aumentou exclusão social e com ela tornou nossas sociedades mais
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violentas. Liquidando políticas de saúde e de educação. Argentina e Brasil
merecem mais.
No passado, generais semearam a rivalidade militar entre nossos países.
No presente, tecnocratas de plantão (ou não) cultivam antagonismos econômicos
tentando esconder o fracasso de suas respectivas políticas econômica.
O futuro nos reserva a possibilidade de construir uma integração com
crescimento e distribuição de renda que se constitua em referência e esperança
para aqueles que hoje estão desesperançados com a atual ordem econômica e
financeira mundial.
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5. BIBLIOGRAFIA
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política
externa
brasileira
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São Paulo: Brasiliense, 1995.
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