Exegese de Mateus 4:23

Propaganda
Exegese de Mateus 4:23
Uma análise histórico-cultural dentro da perspectiva do texto original
grego e da teologia bíblica
Por
Anderson Henrique Maciel1
I – Introdução ao texto:
Examinaremos esse texto cuidadosamente, atentando para os fatos históricos
que o envolve, e na língua original em que o mesmo foi escrito (grego).
23. Kai perihgen en olh th Galilaia didaskwn en taij
sunagwgaij autwn kai khrusswn to euaggelion thj basileiaj
kai qerapuwn pasan noson kai pasan malakian en tw law
23. Percorria toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho
do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo.
II – Exegese do texto:
A palavra perihgen vem do verbo periagw, que significa ‘percorrer um lugar
na largura e na extensão, em todos os sentidos’, onde entendemos que Jesus
explorava toda a região da Galiléia não deixando nada pra trás, atentando em
todos os km daquela região.
III – Fatos Históricos:
Os habitantes da Galiléia e Samaria eram principalmente arameus; no período
do domínio sírio, o rei Aristóbulo I, foi o novo sumo sacerdote - colocou no
cárcere sua mãe e seu irmão, deixando-os morrer de fome e reinou durante um
ano, 104 a.C. morreu de repente, dizem, atormentado pelas dores de
consciência, pois neste meio tempo matou mais um irmão. Aristóbulo foi o
primeiro dos asmoneus que se deu oficialmente o título de rei (Jos. Ant. XIII,
301).
Do ponto de vista da história das religiões foi da maior importância que
Aristóbulo I conquistasse a Galiléia e judaizasse o povo através da circuncisão.
Josefo se expressa a respeito dos gregos de sua confiança do seguinte modo:
“Aristóbulo combateu os itureus, anexou uma grande parte de suas terras à
Judéia e obrigou os habitantes a se circuncidarem e viver de acordo com as
1
O autor é Pastor evangélico e estudioso do Novo Testamento, desenvolvendo pesquisas na área
de Bíblia e literatura cristã primitiva canônica e não-canônica. Professor de NT, Cânon Bíblico,
Evangelhos, Apologética e outras disciplinas na área de Bíblia e seu contexto histórico-literário
em Brasília (DF). É colunista do site www.elocristao.com.br.
leis dos judeus” (ib. 318). Ele pensa nos antigos jetureus da Transjordânia (Gn
25,15) que por causa dos nabateus se retiraram no vale entre o Líbano e
Hermon-Antilibiano2. De lá os itureus, no tempo de Aristóbulo, dominavam a
Galiléia, enquanto eles sob Antíoco IX, odiavam Cleópatra III. Assim fica
esclarecida a observação de Josefo, que Aristóbulo forçou uma parte do reino
dos itureus a se converterem ao judaísmo. A Galiléia estava desde a derrota de
Israel em 772 a.C. em mãos estranhas e tinha recebido principalmente
população aramaica (por isso entendemos que a língua que Jesus e seus
apóstolos falavam, era a aramaica). Aristóbulo conseguiu com a ajuda da
Cleópatra “a Vermelha” ganhar a terra para o judaísmo. Apesar das grandes
cidades permanecerem helenistas3, a população rural ficou fiel à observância
das leis que Aristóbulo lhes tinha imposto. A judaização dos galileus por ele
introduzida aos poucos, por migrações, atividade farisaica e providências
sinagogais foi tão profunda, que no século I cristão na Galiléia formou-se o
movimento dos zelotas. Aristóbulo I, apesar de toda a sua crueldade tem o
mérito de ter ganhado a pátria de Jesus e dos primeiros apóstolos para a fé no
Antigo Testamento4.
A Galiléia foi marcada por agitações e levantes contra o Império Romano –
onde se encontrava o centro mais importante dos combatentes pela liberdade.
Há muito tempo diversos líderes da resistência tinham atuado lá. O povo se
reunia de preferência ao redor de uma família na qual o cargo de um
pretendente a messias era considerado como hereditário. Depois da morte de
Herodes o candidato a messias chamava-se Judas, filho de um Ezequias, que
no seu tempo fora um conhecido lutador pela liberdade, executado por
Herodes. (At. 5,34-39).
Neste caso trata-se não de ideal messias sofredor, defendido por Jesus, mas
do messias vitorioso, triunfante sobre o inimigo. Como antes no tempo dos
Macabeus5, e depois sob a liderança dos zelotas, matavam-se soldados de
ocupação e colaboradores o mais que podia. Por causa destas revoluções
inspiradas na Galiléia, Varo6 teve que entrar de novo na Palestina, estando
desta vez as legiões reforçadas por tropas nabatéias. Ele apaziguou a Galiléia
e destruiu Séforis, o lugar de maior resistência do caudilho Galileu Judas,
passou pela Samaria em direção a Jerusalém, dispersou as inquietas multidões
e mandou crucificar em todo o país cerca de 2.000 judeus. Este fanático
levante no ano 4 a.C. deve ser considerado quando se quer compreender a
tensão política nos dias de Jesus.
IV – a Galiléia (Galilaia):
A Galiléia era uma região de grande densidade populacional e muita renda,
onde havia abundância de pesca e comércio (Jos. Bell III, 35-43). A nova
capital que Antipas mandou construir num local muito belo, na margem leste do
mar da Galiléia e deu-lhe o nome de Tiberíades, em honra do imperador
Tibério que reinava na época (14-37 d.C.). Aliás, os judeus afirmaram que o
2
BO Reicke, História do Tempo do Novo Testamento, p. 87-88.
Helenismo é “essência” da cultura e dos costumes gregos.
4
BO Reicke, História do Tempo do Novo Testamento, p. 88.
5
Para entendimento da história intertestamentária, se faz importante à leitura de 1Mc e 2Mc, da literatura
apócrifa e pseudo-epígrafa.
6
Varo foi governador da Síria do ano 6 a 3 a.C.
3
lugar tinha sido antigamente um cemitério e em conseqüência disso, impuro
(Nm 19,16). Assim sendo, Antipas teve que povoar sua capital com pagãos ou
judeus liberais, ficando dela afastados todos os judeus amantes da Lei7.
Parece também que Jesus e seus discípulos, apesar da importância da cidade,
a evitaram. Nos evangelhos aparece o nome da cidade somente em João, sem
que Jesus e seus discípulos tivessem ido até lá (Jo 6,23).
A Galiléia, com suas verdes colinas e seu lago azul, era também a pátria de
Jesus. Nos dias do Senhor, a terra fértil, irrigada e cultivada com afinco mais
parecia um jardim (Jos Bell III, 42).
A planície de Genesaré era uma fábula de beleza. Presumivelmente este nome
vem de kinnereth, no Antigo Testamento, do tronco de Naftali cujo nome, de
novo se relaciona com a palavra “lira” (em hebraico kinnor), mas dificilmente,
porque somente do alto eram visíveis as forma de lira da margem. Genesaré é
um trecho de costa de 1,5 km de largura e 5 km de comprimento nas margens
nordeste do lago; seu clima é subtropical, encontra-se aos pés do morro, 209
metros abaixo do nível do mar, estando assim protegida dos ventos. Ela era
importante, pois no tempo de Cristo, “o caminho do mar” (Is 8,23; Mt 4,15), a
estrada das caravanas de Damasco, atravessava a Transjordânia do norte e a
“terra de Naftali” em direção à Cesaréia, no mar. Portanto, Jesus pregou o
reino de Deus em uma natureza paradisíaca e numa região industrial. Ele via
estas coisas terrenas – flores e campos, agricultores e pescadores – como
comparações das celestes8.
V – Ensinando (didaskwn):
A palavra didaskwn significa ensinar, demonstrar, provar, prescrever,
admoestar, onde devemos diferenciar da pregação, que vem do verbo grego
khrussw, que significa agir como arauto, como pregoeiro: proclamar, anunciar
onde entendemos ser uma exposição doutrinal, sem a ênfase de um Rabi’ –
mestre.
E como funcionava a cabeça de um Galileu quando se tratava do ensino
judaico e os preceitos da Lei?
Desde a conquista assíria de Israel em 722 a.C., a população da Galiléia era
muito misturada. Aqui se fixaram arameus e outros povos, de modo que a
expressão bíblica “Galiléia dos gentios” (Is 8,23; Mt 4,15) parece ter
fundamento. Jesus foi incluído por Mateus e Lucas entre as famílias dos
migrados da Judéia; sua árvore genealógica chegou até Judá e Davi através de
nomes Judeus (Mt 1,1-17 e par.); Maria teria visitado parentes seus em Judá
(Lc 1,36-39) e José foi a Belém para o recenseamento, isto é, para se
determinar o imposto base.
A respeito da mentalidade dos galileus o desenvolvimento histórico demonstra
que depois de judaizados, o entusiasmo pela lei judaica era tão
surpreendemente forte, que eles se deixavam levar a protestar por qualquer
elemento estranho a seu meio. A oposição dos ativistas dirigiu-se com mais
força contra Roma, quando Quirino, no 6º ano d.C. começou o recenseamento
na Judéia e na Samaria, e foi então que surgiu na Galiléia o partido dos
zelotas, os nacionalistas radicais. Mais tarde este partido teve tal papel a
7
8
BO Reicke, História do Tempo do Novo Testamento, p. 135.
BO Reicke, História do Tempo do Novo Testamento, p. 136, 137.
desempenhar, que a palavra galileu nos ouvidos vizinhos, soava mais ou
menos como anarquista (Mt 26,69; Mc 14,70; Lc 13,1s; 22,59; At 5,37: Judas, o
Galileu). Existia entre a Galiléia e a Judéia uma diferença: na Galiléia não havia
tantos fariseus e escribas como na Judéia, ocasionalmente fariseus escribas da
Judéia vinham discutir como Jesus (Mt 15,1 e par.). Em contrapartida, na
Galiléia havia provavelmente círculos apocalípticos especialmente fortes.
VI – As sinagogas (sunagwgaij):
Uma instituição essencial para a vida religiosa da Galiléia era a sinagoga
(aram. Knischta, gr. Synagoge, “reunião”, gr. Também proseuche, “lugar de
oração”).
Tendo em mente a situação religiosa na Galiléia, e um mestre ensinando e
pregando assuntos concernentes ao (to euaggelion thj basileiaj) –
suponho que ele tenha encontrado muitos adversários, e muitos fariseus
escribas para contra argumentá-lo.
Afinal, quais boas novas do reino, o mestre de Nazaré trazia? Seria algo novo,
pertencente ao cristianismo, ou seria uma exposição e desdobramento de um
pensamento típico judaico a respeito do reino de Deus?
O texto diz ‘nas sinagogas’, aonde com certeza este tipo de casa da
comunidade e sala para serviço religioso veio da diáspora9, onde a
necessidade de ter um local para reuniões sociais e religiosas era muito grande
e havia certos modelos nas imediações.
É possível que os judeus exilados na Babilônia já conhecessem um precursor
da sinagoga (Esd 8,17; Ez 11,16?). Em parte, o templo de Elefantina dos
colonos judeus no Alto Egito, existente desde cerca do ano 525 a.C. pode ser
comparado com as sinagogas, mas o serviço religioso tinha outro caráter.
Também a Galiléia participou vivamente deste progresso. Provavelmente
houve no século II a.C. também lá inicialmente organizações de patrícios de
minoria judaica, como mais tarde as sinagogas dos judeus babilônicos em
Séforis e Tiberíades. Na judaização da Galiléia no século I a.C. , os escribas
judeus acharam, é claro, este sistema da diáspora de grande valia para ensinar
aos galileus a Lei (2Cr 17,19; Ne 8,7s). Em todo o caso a Galiléia do tempo de
Jesus estava ganha para o judaísmo e tinha recebido uma rede de sinagogas
(Mt 4,23) nas quais os escribas de Jerusalém tinham prazer em supervisionar o
culto divino (Lc 6,7).
As sinagogas da Galiléia tinham, muitas vezes, a forma de basílica com uma
entrada de três portas ao sul, com três naves no sentido longitudinal,
eventualmente com galerias para as mulheres. Para o serviço divino e debates
assentavam-se na frente, na nave, os membros da comunidade, nos bancos os
visitantes, e atrás, no coro, os anciãos ou presidentes em cadeiras, de frente
para o povo. No fundo, no Santo, era colocada a arca, um armário para os
rolos da Lei e dos Profetas. Responsáveis pelo edifício e pelo serviço divino era
um presidente (gr. archisynagogus, Mc 5,22ss.) e um vigia da sinagoga (hebr.
Diáspora (em grego antigo, διασπορά – "dispersão") define o deslocamento, normalmente forçado ou
incentivado, de grandes massas populacionais originárias de uma zona determinada para várias áreas de
acolhimento distintas. O termo "diáspora" é usado com muita freqüência para fazer referência à dispersão
do povo hebreu no mundo antigo, a partir do exílio na Babilônia no século VI a.C. e, especialmente,
depois da destruição de Jerusalém em 135 d.C.
9
Hazzan, gr. hyperetes, Lc 4,20). Para haver culto, que muitas vezes caía nas
segundas, quintas-feiras e em todo o sábado deviam estar presentes pelo
menos dez pessoas10.
Para um ofício divino normal na manhã dos sábados, procedia-se da
seguinte maneira (Mishn. Meg. III/IV, 1-5)11:
a)
O querigma judaico Ouve, Israel (hebr. shema), composto de três
exortações bíblicas (Dt 6,4-9; 11,13-21; Nm 15,37-41) com bênçãos
antes e depois, era falado em coro;
b)
Um puxador de orações designado pelo proposto da sinagoga,
envolto no manto de oração, apresenta-se diante da arca e fala alto
o início e o fim das dezoito orações (hebr. shmneh’esre), assim
chamada por causa de suas dezoito partes, estando a comunidade
de pé, responde Amém. Se o puxador de orações for sacerdote dá
em seguida a benção de Aarão, estendendo as mãos
horizontalmente sobre a comunidade;
c)
O vigia da sinagoga tira solenemente a Lei, isto é, um rolo do
Pentateuco. Três, cinco ou sete leitores designados pelo preposto da
sinagoga, se possível sacerdotes ou levitas ou outros homens e
eventualmente meninos, lêem em um púlpito, de pé, revesando-se, a
perícope do Pentateuco determinada para cada dia, de acordo com
um ciclo de três anos. Como o povo não entendia mais o texto
hebraico, um intérprete competente (aram. m’turgman) traduz
versículo por versículo, para o aramaico. Ao contrário do leitor, não
lhe é permitido usar um manuscrito. Entretanto, no tempo depois de
Cristo, extensos exemplares das paráfrases foram escritos e se
encontraram numa coleção denominada “Targum”, a saber, 1) o
Jerusalém-Targum II, complementado pelo palestinense Neofiti e o
Jerusalém Targun I, atribuído a tal Jônatas. 2) Para os livros
históricos e proféticos, o Jônatas Targum; 3) para os hagiógrafos,
Targuns menores.
d)
Por fim o guarda da sinagoga a tirava da arca, na manhã do sábado
e nos dias de culto divino festivo, os Profetas, isto é, um rolo dos
livros históricos e proféticos. Existia no tempo de Jesus ainda a
possibilidade de escolher livremente o texto, pois em Nazaré o
Mestre leu umas palavras de Isaías que não aparecem na lista oficial
(Is 61,1-2 e 58,6, assim conforme Lc 4,17-19). Ademais, o leitor do
Profeta podia, de acordo com orientações posteriores, também saltar
trechos do texto, entretanto não retrogredir, como Jesus então se
permitiu fazer.
e)
“Então” enrolou o livro, entregou-o ao servente e sentou-se (Lc
4,20): a saber, na cadeira especial da sinagoga (assim chamada
cadeira de Moisés, At 23,2), para fazer uma pregação (aram.
daracha “exame”, cf. Midrasch (Mt 4,21-27). Lucas dá uma evidente
descrição de Antioquia na Ásia Menor que está de acordo com as
tradições judaicas. Após as leituras, o presidente pergunta à
comunidade se alguém desejaria fazer uma exortação (gr. logos
parakleseos). Em At 13,15 Paulo pediu a palavra e fez uma
10
11
BO Reicke, História do Tempo do Novo Testamento, p. 138-140.
Extraído do livro: História do Tempo do Novo Testamento, BO Reicke, p.140-143.
f)
pregação entremeada com diversas palavras da Escritura (At 13,1641). Nas pregações temáticas nas sinagogas encontra-se um ponto
litúrgico de partida para o querigma cristão. As pregações de análise
dos textos, ao contrário, principalmente quando feitas por escribas,
tinham mais conteúdo doutrinal e podiam ser consideradas como
ponto de partida para a Didaquê1.
Não se conhece nenhum rito final. Segundo a fonte pré-cristã, o
sumo sacerdote conclui o culto divino das oferendas no Templo com
a benção de Aarão. As fontes rabínicas mandam, entretanto, que os
sacerdotes já recitem este texto ao orarem as dezoitos orações. Ao
lado do serviço divino estava também um serviço social unido à
sinagoga. Principalmente ouve-se falar de catequese infantil (mishn.
Shabb I, 23) e assistência aos pobres. Também providências
judiciais como flagelação (Mt 10,17) e excomunhão (Lc 6,22) eram
problemas das autoridades da sinagoga. No tempo de Jesus as
sinagogas galilaicas estavam sob certo controle dos judeus escribas
e fariseus (Mt 23,2; Mc 3,22; Lc 5,17). Ocasionalmente os fariseus
procuraram estabelecer contato até com os herodianos, os
seguidores de Antipas para lutar contra Jesus (Mc 3,6; 8,15; 12,13).
VII – to euaggelion thj basileiaj – O evangelho do reino
O que significava o Reino de Deus, no judaísmo? De acordo com Eldon Ladd,
em seu livro intitulado Teologia do Novo Testamento, ‘embora a expressão “o
Reino de Deus” não ocorra no Velho Testamento, a idéia verifica-se em toda a
extensão da atividade profética. Há uma dupla ênfase sobre a soberania real
de Deus. Ele é frequentemente referido como o Rei, tanto de Israel (Ex 15,19;
Nm 23,21; Dt 33,5; Is 43,15) como de toda a terra (2Rs 19,15; Is 6,5; Jr 46,18;
Sal 29, 10; 99,1-4). Muito embora Deus seja mencionado como já sendo Rei,
outras referências falam de um dia quando ele se tornará Rei e governará
sobre o Seu povo (Is 24,23; 33,22; 52,7; Sofonias 3,15; Zc 14,9 e ss.). Isto leva
à conclusão de que, embora Deus seja Rei, ele deve também tornar-se Rei, ou
seja, deve manifestar a sua soberania real no mundo dos homens e das
nações.
A forma do Reino futuro é expressa de modo diferente por diferentes profetas.
Muitos eruditos encontram dois diferentes tipos de esperança,
respectivamente, no Velho Testamento e no judaísmo. A verdadeira esperança
profética hebraica aguarda o surgimento do Reino no cenário da história, Reino
este que será governado por um descendente de Davi em um cenário político
terreno (Is 9,44). Quando esta expectativa desapareceu, após o retorno do
exílio, os judeus perderam sua esperança de um Reino na história. Em seu
lugar, começaram a anelar ardentemente uma irrupção apocalíptica de Deus
na pessoa de um Filho do homem celestial com um Reino completamente
transcendental, “além da história” (Dn 7).
O Reino é sempre uma esperança terrena, muito embora a terra seja vista
como algo redimido da maldição do mal. Entretanto, a esperança do Velho
Testamento é sempre ética, e não especulativa. Permite que a luz do futuro
brilhe no presente de forma a permitir que Israel possa ser confortada pela
história aqui e agora. Por esta razão, há uma aproximação no que tange a um
futuro próximo, e a outro, distante. Deus agirá no futuro próximo para salvar ou
julgar Israel, mas Ele também vai agir em um futuro indeterminado para trazer
a esperança escatológica ao ponto de sua plena realização12.
O judaísmo apocalíptico13 também possuía diversos tipos de esperança.
Alguns escritores enfatizaram o aspecto terreno, histórico do Reino (Enoque 136; Salmos de Salomão 17-18), ao passo que outros enfatizaram os aspectos
mais transcendentais (Enoque 37-71). Entretanto, a ênfase é sempre
escatológica. De fato, o judaísmo apocalíptico perdeu o sentido da atuação de
Deus no presente histórico. Neste ponto, o apocaliptismo havia se tornado
pessimista – não com referência ao ato de Deus em estabelecer o seu Reino,
mas com referência à atuação de Deus na história presente para salvar e
abençoar o Seu povo. O judaísmo apocalíptico demonstrava certo desespero
com relação à história, pois entendia que esta estava entregue aos poderes
malignos. O povo de Deus somente poderia esperar o sofrimento e aflição
nesta presente Era até o dia em que Deus agisse para estabelecer seu Reino
na Era Vindoura – típico na visão evangelística mateana.
A comunidade de Qumran14 partilhava de uma esperança semelhante
concernente ao Reino. Na consumação escatológica, aguardavam que os
anjos descessem, ajuntando-se a eles – “os filhos da luz” – para a luta contra
os seus inimigos – “os filhos das trevas” – e para conceder vitória aos membros
da comunidade de Qumran contra os outros povos, quer judeus que aceitavam
os padrões do mundo pagão (os liberais) quer gentios (os que não eram
judeus).
VIII – Conclusão:
O significado da expressão ‘Basiléia Tou Theou’, define a mensagem de Jesus
nos seus dias, e o entendimento do evangelho do reino. A palavra hebraica
‘malkuth’ possui uma dinâmica abstrata ou idéia de reino, domínio, ou governo
(Sal 145,11-13; Sal 103,19). No judaísmo posterior (tardio), o Reino significa o
domínio ou soberania de Deus. Este é também o melhor ponto de partida para
compreender-se os Evangelhos. A vinda do reino pela qual oramos no Pai
Nosso significa que a vontade de Deus seja feita na terra, isto é, que o Seu
domínio seja plenamente realizado (Mt 6,10). O “reino” que Jesus designou
para os seus discípulos (Lc 22,29) é “ordem de honra real15”.
12
LADD, George Eldon, Teologia do Novo Testamento, p. 58-59.
Conferir o artigo do mesmo autor, intitulado: A Apocalíptica Judaica e suas Implicações na
Interpretação do Apocalipse Neotestamentário, cit.
14
Os Essênios formaram uma comunidade no deserto, com conceitos e crenças religiosas específicas, que
contrastavam com as dos outros grupos. Orações: Os Essênios começavam o dia recitando hinos, músicas
e bênçãos. Havia a obrigação de orar antes e depois de todas as ações ordinárias diárias. Rituais de
purificação: A comunidade observava as mesmas leis de pureza dos outros grupos, mas de forma mais
severa. Seus membros se purificavam várias vezes ao dia, através da imersão em água. Refeições
comunais: Eram realizadas duas vezes ao dia por seus membros purificados e possuíam todas as
características de um rito sagrado. Propriedade comum: Novos membros, ao serem admitidos pela
comunidade, tinham seus bens confiscados e entregues à propriedade comum.
15
LADD, George Eldon, Teologia do Novo Testamento, p. 61.
13
Download