3 O HOMEM E O ESPAÇO Sebastião Noleto Junior Jeverson Carlos José Lopes Soares Neto INTRODUÇÃO A introdução de elementos artificiais no ecossistema global ocasiona novas relações entre seus componentes que, em alguns casos, podem levar ao risco de completo desequilíbrio dos ecossistemas terrestres. Até que medida, quando e como devem ser introduzidos esses elementos, essas modificações, de forma a que não se ultrapassem os limites de tolerância dos ecossistemas? O homem é o único ser da natureza capas de, praticamente sem restrições, introduzir modificações no meio, com capacidade ilimitada de improvisar, criar, utilizando-a e direcionando-a no sentido de alterar o ambiente e adequá-lo a seu tipo de vida. Ele não se acha necessariamente filiado a qualquer tipo de ecossistema e utiliza em seu beneficio várias fontes físicas e químicas de energia, com procedimentos tecnológicos diferenciados, dos mais simples aos mais sofisticados, obtendo alimentos ou energia a partir de qualquer ecossistema, transformando, reduzindo, assimilando. O homem provocou amplas modificações no meio ambiente, substituindo processos naturais por métodos artificiais, originando conflitos entre os elementos componentes dos ecossistemas naturais e os artificiais que, com tecnologia própria, criou e se adaptou e aos quais se prendeu. Conseguirá ele, através de sua tecnologia, resolver os problemas que criou e em cadeia constante sobreviver com melhores condições de vida, escapando à ação seletiva a que estão sujeitos os outros seres e das modificações procedidas e assim se reproduzir perpetuamente? Conseguirá manter seu caráter gregário em comunidades cada vez maiores mantendo, ao mesmo tempo, sua necessidade vital de individualidade? Quais as novas relações ecológicas entre os elementos naturais e artificiais para esse “novo” ecossistema modificado e criado, que possibilite a existência de padrões 4 mínimos de qualidade de vida para ele e os demais elementos componentes dos ecossistemas? Considere-se que no processo, os elementos, recursos naturais de ecossistemas existentes são necessariamente utilizados, sendo alguns renováveis e outros não. Como adequar esse processo de desenvolvimento tecnológico para melhoria da qualidade de vida com manutenção de elementos e ecossistemas naturais e mesmo artificiais em níveis compatíveis com a vida na biosfera? Essa sua ilimitada capacidade de invenção, de modificação do meio e criatividade, se orientadas para uma conscientização da problemática envolvida, através da educação, da informação, de padrões éticos, levando a uma ação planejada em termos de análise de tecnologia a ser empregada, com base em princípios de preservação, de apropriação dos limites de modificação, com visão global de fenomenologia interferente nos ecossistemas proporcionará maiores oportunidades de respostas positivas para essas perguntas. Nesta forma de atuação as modificações introduzidas poderiam se dar de “forma ecológica”, isto é, que o homem ao introduzir elementos artificiais e praticar atividades, ocupando espaços, criando novas estruturas, novos meios, poderia fazelo analisando preliminarmente e de forma global as implicações com os ecossistemas. O presente estudo tem como objetivo geral mostrar a ocupação do homem no espaço, considerando sua capacidade de suporte e as tecnologias utilizadas para suprir seus fatores limitantes. 5 1. REFERÊNCIAL TEÓRICO O conceito de Desenvolvimento Sustentável não pode ser aespacial. Em qualquer tentativa de pensar o desenvolvimento sustentável é indispensável pensar o espaço. Lipietz (1995) dizia: “o grande problema da humanidade hoje, o problema de seu futuro, parece ser o espaço. Seu espaço: o meio ambiente. Como ela o cria, como vive nele, como se arrisca a sucumbir com ele...”. Este autor compreende o espaço da mesma forma que os geógrafos, pois diz que o espaço é a dimensão material dos problemas sociais: “todos os processos sociais, todas as práticas sociais são processos materiais. Reproduzir-se, trabalhar, comer, distrair-se, instruir-se, aperfeiçoar-se, brincar, criar, debater, ensinar, escutar, fazer amor e fazer a guerra são processos materiais e, por esse motivo tem uma dimensão espacial”. Em diversos trabalhos que propõem formas de pensar o desenvolvimento sustentável a delimitação espaço/territorial está presente, como nas análises de capacidade suporte, sustentabilidade ecológica, sustentabilidade ambiental. Para promover o chamado desenvolvimento sustentável é necessário considerar uma base territorial e compreender a produção sócio-espacial. Hogan (1993), explica que: “No campo dos estudos populacionais, estas preocupações exprimiram-se no conceito de capacidade suporte da população. implícita na noção de capacidade suporte está a idéia que os recursos naturais são limitados – e limitantes. Só recentemente o conceito começou a se estender para incluir as preocupações mais amplas conhecidas sob a rubrica de desenvolvimento sustentável...”. Compreendendo adequadamente a complexidade de matrizes de análises sobre a capacidade de suporte, Hogan (1993) propõe, para entender a relação entre 6 processos naturais e sociais, a utilização de ecossistemas como unidades de estudo e considera bacias hidrográficas um deles: “As bacias hidrográficas são um destes ecossistemas, e uma escolha estratégica para a observação e a análise das relações sociodemográfico-ambientais, não estando delimitadas somente por critérios político-administrativos, elas são uma unidade “natural” suficientemente grande para revelar as conseqüências ambientais da ação humana e as conseqüências sociodemográficas dos limites naturais”. Neste trabalho, serão adotados os conceitos de acordo com os autores citados abaixo: Sustentabilidade Ecológica do Desenvolvimento: refere-se à base física do processo de crescimento e objetiva a manutenção de estoques de recursos naturais incorporado às atividades produtivas. Isto implica em considerar a natureza do recurso – renovável ou não renovável e estabelecer ritmos de usos (RODRIGUES, 1998). Sustentabilidade Social, cujos objetivos seriam a melhoria da qualidade de vida da população, tendo como critério básico à justiça distributiva, mediante “(...) uma política econômica que privilegie os mercados nacionais, a sua complementaridade em nível regional, e que esteja, também, orientada para a satisfação das necessidades básicas e para diminuição das disparidades na distribuição de riqueza, pode implicar em menores taxas de crescimento do produto, precisamente pela reorientação do processo de acumulação a partir de setores mais dinâmicos para os setores de maior atraso ou de fato excluídos do desenvolvimento”. A sustentabilidade social deve orientar-se para elevar o nível de vida e, portanto, de renda de setores mais pobres, Esta orientação requer ações na esfera da produção que revertam a atual lógica de acumulação e que propiciem reforma agrária e agrícola reformulação dos setores industriais e reforma urbana (RODRIGUES, 1998). Sustentabilidade Política do Desenvolvimento que se encontra estreitamente vinculada ao processo de construção de cidadania e que tem como objetivo garantir 7 a incorporação plena das pessoas no processo de desenvolvimento... ela se resume em nível micro, na democratização da sociedade, e em nível macro, na democratização do Estado (RODRIGUES, 1998). 1.1 Capacidade Suporte de Ecossistemas Segundo FILET (1995), capacidade suporte ambiental é a capacidade ou habilidade dos ambientes em acomodar, assimilar e incorporar um conjunto de atividades antrópicas sem que suas funções naturais sejam fundamentalmente alteradas em termos de produtividade primária propiciada pela biodiversidade e que ainda proporcionem padrões de qualidade de vida aceitáveis às populações que habitam estes ambientes. Capacidade suporte é a capacidade de um ecossistema ou de uma região para suportar sustentadamente um número máximo de população humana sob um dado sistema de produção. Sistemas de produção são considerados todos os sistemas baseados sobre recursos renováveis, principalmente a agricultura, pecuária, silvicultura, a pesca, e as várias combinações destas práticas (JUNK, 1995). Trata-se, portanto, da identificação dos exíguos limites da oferta ambiental, que se acredita possam ser determinados pelo ainda restrito conhecimento que se tem acerca do funcionamento dos ecossistemas e da obtenção, socialmente negociada, de padrões de qualidade de vida compatíveis, que se traduziriam na demanda ambiental (FILET, 1995). Para tanto, será necessário, em algum momento futuro, assumir que os recursos naturais devam ser monetarizados “in situ”, ou seja, antes de se adicionar valor pelo trabalho de exploração ou de transformação e depois que estejam acordados os limites da oferta ambiental, ou seja, determinadas às funções que devam ser mantidas permanentemente, ou recuperadas quando deficitárias, face a taxas demográficas crescentes e padrões de consumo mais exigentes. (FILET, 1995). 8 A idéia da análise de capacidade suporte ambiental se enraizou mais profundamente como um instrumental importante para a fase de gestão ambiental – após zoneamento, nas funções de licenciamento e monitoramento, e macrozoneamento. Fatores contratuais, a heterogeneidade de informações básicas e a ausência de padrões ambientais específicos podem inviabilizar resultados de estudos de identificação de capacidade suporte. Em processos de aperfeiçoamento da gestão ambiental, pode-se agregar os estudos de capacidade suporte ambiental, com a função de avaliar e indicar a intensidade admissível dos usos dos recursos naturais pelas atividades previamente locadas pelo zoneamento ambiental. A realização de zoneamento ambiental socialmente aceito é condição fundamental para iniciar uma pesquisa de capacidade suporte ambiental necessária ao desempenho prático da gestão ambiental. A capacidade – suporte, refletindo a eficiência de utilização de recursos para sobrevivência, manutenção e reprodução de indivíduos, está sujeita a todas as características estruturais, fisiológicas e comportamentais que afetam estas eficiências e, portanto a suas determinações genéticas. (LEWINSOHN, 1995). Os fatores que influenciam o nível e os procedimentos do uso sustentável podem ser agrupados em duas categorias. Uma compreende os fatores relacionados à comunidade, por exemplo, fatores políticos, socioeconômicos, culturais e tecnológicos. A outra categoria está relacionada aos fatores que determinam a capacidade suporte de ecossistemas, por exemplo, clima, solos, geomorfologia e um conjunto de espécies vegetais e animais, disponível. O desenvolvimento sustentável é atingido pelas inter-relações entre estes fatores. A capacidade tecnológica e intelectual do homem pode otimizar os conceitos de manejo, incrementando a capacidade suporte de ecossistemas pela redução ou eliminação de fatores limitantes, através de métodos tecnológicos. 1.2 Fatores Limitantes e o Ambiente Físico 9 Condição limitante ou fator limitante é qualquer condição que se aproxime de ou exceda os limites de tolerância a (Capacidade Suporte) da vida de um modo geral, como um ecossistema, de um organismo animal ou vegetal (ODUM, 1988). O conceito de fator limitante foi construído ao logo de leis e princípios como: a “Lei” do Mínimo de Liebig (1840) e a “Lei” de tolerância de V.E. (SHELFORD, 1913). “Lei” do Mínimo de Liebig (1840), estabelece que sob condições de estado constante, o material essencial que está disponível em quantidades que mais se aproximam da necessidade mínima tende a ser o fator limitante, por exemplo: Liebig durante os estudos sobre o crescimento das plantas percebeu, como o percebem muitos agricultores hoje em dia, que a produtividade das culturas muitas vezes estava limitada não pelos nutrientes necessários em grandes quantidades, tais como dióxido de carbono e água, pois estes amiúde eram abundantes no ambiente, porem por alguma matéria prima, tal como o zinco, e.g., necessário em quantidades minúsculas porem muito escasso no solo. A sua afirmação de que “o crescimento de uma planta é dependente da quantidade de alimento que se lhe apresente em quantidade de alimento que se lhe apresente em quantidade mínima”. Dois princípios evidenciaram a necessidade de tornar a “Lei” do Mínimo de Justus Liebig mais aplicável às situações práticas, tais como: O primeiro é a restrição de que a lei de Liebig é aplicável estritamente apenas sob condições de estado constante; O segundo princípio é a interação de fatores, i.e. uma alta concentração ou disponibilidade de alguma substância, ou a ação de algum fator que não fosse o fator mínimo, pode modificar a taxa de utilização deste último. Por exemplo, Moluscos podem utilizar o estrôncio em vez do cálcio, até um certo ponto, nas suas conchas. Algumas plantas requerem menos zinco quando estão crescendo na sombra do que quando estão crescendo em pleno sol; por isso, uma baixa concentração de zinco no solo seria provavelmente menos limitante às plantas na sombra do que sob as mesmas condições ao sol. Um fator limitante pode existir não só por causa de uma insuficiência de algum material, conforme foi proposto por Liebig, também por um excesso, como no caso 10 de fatores como radiação solar, calor, luminosidade e água. Assim, os organismos apresentam um mínimo e um máximo ecológicos, que representam os limites de tolerância. Obviamente é considerada a possibilidade da interferência das interrelações biológicas (SHELFORD, 1913). Alguns princípios subsidiários à “lei de tolerância” podem ser expressos da seguinte maneira: 1. Os organismos podem apresentar uma larga faixa de tolerância para um fator e uma estreita faixa de tolerância para outro. 2. Os organismos que tenham faixas de tolerância largas para todos os fatores serão provavelmente os mais amplamente distribuídos. 3. Quando as condições não são ótimas para uma determinada espécie em relação a um fator ecológico, os limites de tolerância poderão ser reduzidos para outros fatores. Um exemplo claro é quando o nitrogênio do solo é limitante, a resistência da grama à seca reduz-se, ou seja, é necessária uma quantidade maior de água para impedir que a grama murche a baixos níveis de nitrogênio do que a altos níveis. 4. Freqüentemente, observa-se que os organismos na natureza não estão vivendo dentro da faixa ótima (estabelecida experimentalmente) de um determinado fator físico. 5. A época de reprodução geralmente é um período crítico quando os fatores ambientais têm maiores probabilidades de serem limitantes. 11 2. CAPACIDADE SUPORTE PARA OS SERES VIVOS COM ENFOQUE NO HOMEM (Homo Sapiens). À medida que aumentam o tamanho e a complexidade de um sistema, o custo energético de manutenção tende a aumentar proporcionalmente, a uma taxa maior. Ao se dobrar o tamanho do sistema, torna-se geralmente necessário mais que o dobro da quantidade de energia, a qual deve ser desviada para se reduzir o aumento na entropia associado à manutenção da maior complexidade estrutural e funcional. Existem retornos crescentes com a escala, ou economias de escala, associados a um aumento do tamanho e da complexidade frente a perturbações. No entanto, também existem retornos decrescentes com a escala, ou “deseconomias” de escala, envolvidos no maior custo necessário para se livrar da desordem. Assim que os custos energéticos da manutenção equilibram a energia disponível, não ocorrer mais qualquer aumento em tamanho, pois foi atingida a capacidade suporte (ODUM, 1988). Os conceitos de capacidade esclarecidos pela análise da figura 1. suporte podem ser 12 Figura 01- Capacidade suporte em relação a crescimento populacional sigmóide (ODUM, 1988). O crescimento de tamanho e complexidade das populações, bem como dos ecossistemas como um todo, muitas vezes segue uma curva em forma de S, ou sigmóide. Modelos matemáticos simples de crescimento sigmóide. Dois pontos da curva de crescimento devem ser notados agora: K, a assíntota superior, representa a capacidade máxima de suporte, e I, o ponto de inflexão onde a taxa de crescimento é máxima, é mostrado pelo diagrama inferior da figura 02. O nível I é a produtividade máxima sustentável ou densidade ótima dos administradores de caça e pesca, uma vez que, teoricamente, a biomassa retirada seria reposta com a máxima rapidez neste ponto. O problema com manter-se o nível máximo K no ambiente variável do mundo real é que é provável que os limites sejam ultrapassados, seja por causa do ímpeto do crescimento, que faz com que o tamanho da população exceda k, seja por causa de uma redução periódica na disponibilidade de recursos (como durante uma seca), que reduz K, pelo menos temporariamente. Quando os limites são ultrapassados e a entropia excede a capacidade do sistema de a dissipar, deve ocorrer uma redução em tamanho.Se, no processo, a capacidade produtiva do ambiente foi lesada, o próprio K pode baixar, pelo menos temporariamente, a um novo nível K1 – na figura 01. Fig. 02 - Projeções para o estacionamento do crescimento da população humana global, se o mundo atingisse a fertilidade de substituição (natalidade=mortalidade) nos anos (A) 2000-2006; (B) 20202025; (C) 2040-2045. 13 2.1 A oferta alimentar como capacidade suporte à sobrevivência da humanidade. O problema global da alimentação humana está se aproximando do ponto em que as necessidades alimentares são iguais à capacidade máxima de produção, dados os atuais limites tecnológicos, políticos, econômicos e de distribuição. Qualquer perturbação em larga escala, como guerra, seca ou doença, que reduza a produção das culturas, mesmo durante um ano, significa a desnutrição grave ou a inanição para milhões de pessoas que vivem em condições muito precárias. A margem de segurança no nível da capacidade máxima de suporte é muito pequena. A longo prazo a segurança e estabilidade situada em algum nível entre K e I (fig 01), parece representar a capacidade desejável de suporte. Um exemplo de capacidade de suporte para os seres vivos com enfoque no homem é o de retornos, tanto crescentes como decrescente, em relação ao tamanho de uma cidade está esboçado na figura 02. Enquanto aumenta o tamanho da cidade, os salários tendem a aumentar, mas a qualidade do ar diminui. Outros retornos decrescentes podem ser citados: 1. O custo com transporte aumenta. 2. Desemprego em massa durante recessões econômicas. 3. A taxa de doenças aumentam (efeitos crônicos da poluição atmosférica e de outras modalidades). 4. Os custos de manutenção e de serviços aumentam numa taxa maior do que a população. 5. Sobe a criminalidade. Um dos melhores estudos recentes sobre a capacidade de suporte no mundo animal versa sobre uma manada de veados em Michigan: Seis animais introduzidos numa área cercada de 05 Km2 (ou 500 ha), em 1928, aumentaram 220 indivíduos meados na década de 30. Quando se tornou evidente o fato que a manada estava 14 deteriorando o ambiente, pastando excessivamente, reduziu-se a população para cerca de 115 indivíduos, por caça seletiva, nível de + 200 (2 ha/veado) representa o nível K de capacidade de suporte e que as populações dos veados tendem a se aproximar deste nível máximo. Sem interferências, a população aumentará até atingir o limite de alimento ou de outro recurso vital. O número + 100 (cerca de 4 ha/veado), por sua vez, representa o nível I de capacidade de suporte, de densidade ótima. A manutenção deste nível evita que a população passe dos limites, evitando também a desnutrição, a doença, eventuais danos ao habitat etc. Nesta espécie em particular, a predação parece funcionar favorecendo a qualidade mais do que a quantidade. Outros tipos de população evoluíram mecanismos de auto-regulação que tendem a manter um nível inferior ao máximo, chamado, às vezes, de “capacidade segura de suporte”. 2.1.1 Fator limitante e o espaço Estimar a capacidade suporte de sociedades urbano-industrializadas é uma tarefa muito mais difícil do que em populações animais, pois estas sociedades sustentamse com subsídios enormes importados de fora, tirados, muitas vezes, de depósitos acumulados antes da chegada do homem, tais como combustíveis fósseis, águas subterrâneas (não renováveis), florestas virgens e solos orgânicos profundos. Todos estes recursos diminuem com o uso intensivo. Uma coisa é inegável: os seres humanos, como os veados, parecem aproximar-se dos níveis máximos, ou K, da capacidade de suporte do ambiente; a nossa população tende a aumentar até, ou mesmo além, de um limite após outro (sendo o combustível fóssil e os alimentos os limites atuais que causam preocupação). A retroalimentação de subsídios e outros meios de se manterem os níveis ótimos, em vez dos máximos, ainda estão fracamente desenvolvidos por duas possíveis razoes: (1) muitas pessoas nos países desenvolvidos crêem que a ciência e a tecnologia continuarão a achar substitutos para os recursos já escassos, continuando, também, a elevar o K, e (2) as pessoas nos países não-desenvolvidos muitas vezes sentem uma forte necessidade social e econômica de terem muitos filhos. Desta forma, continua o jogo perigoso de se brincar de ultrapassar os limites. Estes são bons motivos ecológicos para se 15 controlar o crescimento humano, mas as complexas questões sociais, econômicas e religiosas que estão envolvidas tornam muito difícil esse tipo de controle. Alguns pesquisadores de recursos acreditam que a capacidade de suporte do globo já foi excedida. As melhores projeções para a biomassa humana estão representadas pelas três curvas sigmóides. Dependendo do momento em que a natalidade, a população global chegará a um crescimento zero, num nível entre 8,5 bilhões e 13,5 bilhões, em algum momento do próximo século. Se isso não ocorrer, haverá uma possibilidade muito real de a população sofrer um colapso, caindo a uma densidade menor. Uma população acima de 10 bilhões de pessoas certamente reduziria a qualidade da existência humana, dados os recursos e capacidade de suporte atual do globo. Fator limitante: alimentos, combustíveis fósseis, densidade populacional. Capacidade de suporte: 10 bilhões de pessoas. 16 3. OCUPAÇÃO, PLANEJAMENTO E PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE Analisemos, em linhas bastante gerais, como ocorreu a ocupação dos espaços do ambiente pelo homem. Considere-se um trecho qualquer da biosfera antes de ser ocupado pelo homem, possuindo apenas os recursos naturais: energia, água, ar, solo, animais, vegetais, etc., ou seja, um ecossistema natural (BRANCO, 1987). Por diferentes razões (defesa, clima, existência de alimentos, tipo de solo, etc.) esse espaço do meio ambiente tem qualidades que atraem o homem, que dele se apropria, introduzindo elementos artificiais e atividades (BRANCO, 1987). Como os recursos naturais são abundantes, o homem – natural e espontaneamente – introduz os elementos e recursos artificiais, locando-os e praticando atividades de forma a tirar o melhor proveito do mesmo. Constrói abrigos (microambientes) com materiais locais, apropriados à pré-condições, loca-os espaçadamente entre si e posiciona-os em relação aos elementos naturais vizinhos (vegetação, água, solo........) e ao sol, ventos, paisagem, de forma a tirar melhor partido dos mesmos, criando uma vizinhança (meio ambiente), que mais lhe convém, alterando pouco o equilíbrio do ecossistema e jamais atingindo qualquer de seus limites de tolerância. Essa ocupação do meio constitui uma locação ecológica de recursos e atividades. Nesta fase os recursos são abundantes, os habitantes são poucos, as atividades são poucas e pouco diversificadas. A relação Recursos Naturais Recursos artificiais, habitantes, atividades 17 Tem resultado positivo em termos de equilíbrio de qualidade do ecossistema e da qualidade de vida. Há qualidade positiva para os diferentes elementos: para as partes (micro meio), para o todo próximo (médio meio) e para o macro meio, bem como para inter-relação entre esses ambientes. Em fase posterior, as mesmas razões acrescidas de outras criadas pelo homem (vias de comunicação, necessidade de maior proteção e defesa, sociabilidade, etc.), fazem com que esse mesmo espaço se torne pólo de atração para maior número de pessoas, resultando na locação de maior quantidade de recursos artificiais e atividades gerando modificações nos ecossistemas com grande complexidade de inter-relações. O homem já constrói o microambiente, ou seja, o abrigo, com materiais não do local; loca-os entre si e em relação aos vizinhos no mínimo espaço; sua vinculação com os elementos naturais não é mais o ideal, não podendo tirar o melhor partido deles; altera muito o equilíbrio do ecossistema e em alguns casos atinge seus limites de tolerância. A locação e as inter-relações não são mais “ecológicas” (BRANCO, 1987). Os recursos naturais diminuem, os habitantes são muitos em relação ao espaço existente (densidade populacional elevada); os recursos artificiais são em grande número e variados para o espaço disponível (densidade de ocupação); as atividades são variadas, sofisticadas, introduzidas em quantidade e em velocidades surpreendentes. A relação Recursos Naturais Recursos artificiais, habitantes, atividades Tende para resultado negativo e a qualidade para o micro, médio e macro meios pode até ser negativa, ultrapassando mesmo os limites de tolerância. Os seguintes fenômenos interferem, caracterizando essa fase: - Urbanização: cada vez maior número de pessoas passa a viver nas cidades, fazendo com que a porcentagem de população urbana atinja índices elevadíssimos. 18 - Crescimento demográfico: as taxas de crescimento populacional são maiores que em qualquer outra fase. - Tecnologia, velocidade de mudança e transição: grandes números de novas descobertas com aplicações em tempo cada vez mais reduzido levam à introdução de elementos e recursos artificiais em grandes quantidades, induzindo a rápidas mudanças nos ecossistemas e a um estado de constante transição. - Densidade: o número de homens, recursos artificiais e a atividades locadas em determinados espaços, atinge por vezes índices que alteram profundamente os ecossistemas e a qualidade de vida. Nesta fase, na grande maioria dos casos, a apropriação de um espaço pelo homem e a introdução de modificações nos ecossistemas se processam da mesma forma que as fases iniciais, isto é, de forma espontânea, através de um arranjo não pensado, não planejado entre as partes e o todo. Não há pré-estudo e análise de seus condicionamentos mínimos de suas inter-relações (em termos ecológicos, físicos, econômicos, sociais, administrativos) de forma global como um todo, como um sistema com seus subsistemas. Não são considerados os limites críticos de manipulação dos ecossistemas ecológicos, com evidentes prejuízos à saúde e a qualidade de vida gerando uma problemática, em termos de desgaste de recursos, poluição, etc. Uma locação, um arranjo pensado, uma forma planejada, integrada, global, preventiva, ecológica, portanto, de introduzir modificações, de utilizar e locar recursos, é tentativa válida para coadunar desenvolvimento com preservação de recursos e qualidade de vida, no mínimo para não agravar as fases vindouras, embora consideradas as limitações do planejamento face aos fenômenos acima apontados, bem como a ilimitada capacidade de criação e adaptação do homem a diferentes ecossistemas e a necessidade de adequação a uma política de desenvolvimento (BRANCO, 1987). 19 4. INDICADORES CAPACIDADE SUPORTE NO ECOSSISTEMA CERRADO A região do cerrado, pela sua localização entre o espaço mais densamente ocupado do Brasil – o Sul e o Sudeste – e a região Norte, em processo de integração, vem representando um papel importante no país, não só pelo fato de se constituir numa vasta área com capacidade de receber população, como, também, pela circunstância de ser possuidora de potencial econômico a ser desenvolvido (GUSMÃO, 1979). A sua ocupação se processou, principalmente, através da criação extensiva de bovinos para corte, destinada de início, ao abastecimento de mercados locais e posteriormente, ao fornecimento de animais para engorda em outras áreas próximas a mercados regionais e extras regionais. A região do cerrado tem desempenhado, atualmente, a função de uma extensa fronteira agrícola, onde frentes de ocupação têm se direcionado segundo os principais eixos de comunicação rodoviária, contribuindo para elevar sua participação no aumento da produção agropecuária nacional (GUSMÃO, 1979). Segundo Gusmão (1979), a melhoria das atividades agrárias nas áreas de cerrado permitem reconhecer a sua integração a um processo nacional de modernização da agricultura. A modernização que vem se processando na região do cerrado vinculase não só a mecanização mas, também, ao emprego de imputs de natureza variável como sementes, inseticidas, fungicidas, adubos e corretivos. O espaço constituído pela região do cerrado, através da modernização de suas atividades agrárias, reflete processos que operam em escala nacional como o de integração territorial e o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, esse espaço afeta esses 20 processos, não só através das características de suas instituições agrárias, mas, sobretudo, através de suas peculiaridades em termos de recursos naturais. A intensidade do uso do solo do cerrado não deve ultrapassar sua capacidade de suporte, ou seja, sua capacidade produtiva, uma vez que a heterogeneidade ambiental da região é muito grande, existindo ecossistemas estáveis e resistentes, e ecossistemas extremamente sensíveis ação antrópica (YOUNG & SOLBRING, 1993). Segundo ODUM (1988), um fator limitante pode existir não só por causa de uma insuficiência de algum material, como também por um excesso, como no caso de fatores tais como calor, luz e água. Assim, os organismos apresentam um mínimo e um máximo ecológicos, que representam os limites de tolerância, ou sua capacidade de suporte. A seguir são apresentados alguns fatores que limitam a capacidade de suporte do ecossistema cerrado: - A expansão da fronteira agrícola: o potencial agrícola do cerrado é indiscutível, a região constitui a maior e uma das ultimas reservas do globo, capaz de suportar, de modo imediato, a produção de cereais e a formação de pastagens, considerada a existência de uma estrutura mínima necessária de transportes e a disponibilidade de tecnologia agrícola capaz de gerar produção, preservar e melhorar a capacidade do solo, através de processos economicamente viáveis. Mas do ponto de vista ecológico o modo desordenado como as terras do cerrado vêm sendo efetivamente ocupadas não difere daquele observado em outras regiões. Segundo Pinto (1993) essa ocupação também tem seus fatores que limitam a capacidade de suporte desse ecossistema tais como: descaracterização do perfil e perda de solos, degradação da capacidade produtiva, contaminação do solo por combustíveis e lubrificantes, assoreamento e alteração da morfologia dos cursos d’água, poluição do ar, salinização e compactação dos solos, erosão, queimadas, contaminação das águas superficiais e subterrâneas, uso excessivo de agrotóxicos causando a poluição do ar e ocasionando doenças humanas, 21 redução da fauna e da flora, valorização de terras e especulação fundiária, conflitos de interesses pessoais, dentre outros. - Temperatura: Considerando-se a variação de milhares de graus que se sabe ocorrer no universo, a vida, conforme nós a conhecemos, pode existir apenas dentro de uma minúscula faixa de cerca de 300 graus Celsius. Ela é também um dos fatores ambientais mais fáceis de serem medidos. Já que os organismos são sensíveis à mudança na temperatura, e que a temperatura é um fator fácil de ser medido, ela é às vezes superestimada como fator limitante (ODUM, 1988). - Radiação solar: Como foi expressado por Pearse (1939), a luz coloca os organismos a braço com um dilema: a exposição direta do protoplasma à luz causa a morte, porém a luz é a fonte final de energia, sem a qual a vida não poderia existir. Portanto, a luz, além de ser um fator vital, é também um fator limitante, num nível tanto máximo quanto mínimo. - Água: A água é uma necessidade fisiológica para todo protoplasma, é , do ponto de vista ecológico, um fator limitante, principalmente em ambientes terrestres ou ambientes aquáticos, nos quais a sua capacidade de flutuar muito, ou onde a alta salinidade provoca uma perda de água dos organismos pela osmose. A chuva, a umidade, o potencial de evaporação do ar e o suprimento disponível de águas superficiais são os principais fatores medidos (ODUM, 1988). 22 5. INDICADORES DE CAPACIDADE SUPORTE NO ECOSSISTEMA URBANO Os ecossistemas urbanos, segundo Odum (1988), diferem muito dos ecossistemas heterotróficos naturais, uma vez que apresentam um metabolismo mais intenso por unidade de área, e exigem, com isso, um influxo maior de energia acompanhada de mais entradas de materiais e saída de resíduos. Este autor considera as cidades como parasitas do ambiente rural, porque produzem pouco ou nenhum alimento, poluem o ar e reciclam pouca ou nenhuma água ou materiais inorgânicos. Funcionam simbioticamente quando produzem e exportam mercadorias, serviços, dinheiro e cultura para o meio ambiente rural, em troca do que recebem deste. Na opinião de Darling e Dasmann (1972), os ecossistemas urbanos apresentam características comuns de ecossistemas mais complexos, entretanto, ultrapassam com abrangência. Tem vários níveis de consumidores, porém, o mamífero dominante da terra, o homem, não se alimenta de plantas ou animais que vivem nela. Os ecossistemas urbanos, afetam e são afetados pela biosfera como um todo, e o seu funcionamento interdepende não apenas de ecossistemas locais, mas da biosfera inteira (DIAS, 1998). Para Darling & Dasmann (1972), as cidades tendem a ocupar o mesmo nicho global dentro da biosfera, a explorar os mesmos recursos, da mesma maneira. Desta forma, fomenta-se a competição cada vez mais intensa, gerando pressões ambientais cada vez mais fortes. As cidades são os locais onde o homem produz sue maior impacto sobre a natureza. A sua construção altera de modo drástico os ambientes naturais onde são erguidas, criando um novo ambiente, com demandas 23 únicas, em que cada habitante, em média, consome diariamente 560 l de água, 1,8 kg de alimento, 8,6 kg de combustível fóssil e produz cerca de 450 l de águas servidas (sujas), 1,8 kg de lixo e 0,9 kg de poluentes do ar (UNESCO/UNEP, 1983). Com a formação das cidades, as populações tendem a crescer exponencialmente quando as condições são favoráveis. Cada população tem o seu potencial para crescer exponencialmente, explosivamente. O número de organismos que podem ser sustentados por dados recursos naturais é limitado pela taxa de produção – capacidade de suporte. A capacidade de suporte para a vida humana e para a sociedade é complexa, dinâmica e varia de acordo com a forma segundo o qual o homem maneja os seus recursos ambientais. Ela é definida pelo seu fator mais limitante (como uma corrente cuja resistência fosse determinada pelo seu elo mais fraco), e pode ser melhorada ou degradada pelas atividades humanas. A sua restauração é mais difícil do que a sua conservação (DIAS, 1998). Os ecossistemas urbanos, com seu intenso metabolismo do cotidiano, muitas vezes, terminam consolidando imagens e conceitos normalmente ligados à sua esterilidade: as cidades são florestas de concreto que produzem gases fétidos. Na verdade onde hoje existem cidades antes existiam florestas, riachos, campos animais silvestres etc. ocorre que os mecanismos da vida são tão perfeitos em sua plasticidade adaptativa que, mesmo com toda devastação/alteração produzida pelo homem ao erguer suas cidades, sempre encontramos interessantes sinais vestigiais do seu passado, em suas ruas, becos, prédios e casas (DIAS, 1998). Mas o ecossistema urbano está passando por muitas modificações e vem sofrendo muitos impactos ambientais tidos como fatores limitantes à capacidade de suporte desse meio, tais como: - Uso inadequado dos recursos hídricos: Um dos principais impactos produzidos no ciclo hidrológico é a rápida taxa de urbanização, com inúmeros efeitos diretos e indiretos. Essa urbanização tem grandes conseqüências, alterando substancialmente a drenagem e produzindo problemas à saúde humana, além de impactos como enchentes, deslizamentos e desastres provocados pelo desequilíbrio no escoamento das águas. Dentre os vários problemas mundiais de água e degradação dos recursos hídricos, podemos citar alguns principais: • a ultima avaliação do Programa das Nações Unidas para o Meio ambiente (PNUMA) identifica 80 países com sérias dificuldades para manter a 24 disponibilidade de água. Esses 80 países representam 40% da população mundial. • Cerca de 1/3 da população mundial vive em países onde a falta de água vai de moderada a altamente impactante e o consumo representa mais de 10% dos recursos renováveis da água. • Falta de acesso a água de boa qualidade e ao saneamento resulta em centenas de milhões de casos de doenças de veiculação hídrica e mais de 5 milhões de mortes por ano. • Em algumas regiões da China e Índia, o lençol freático afunda de 2 a 3 metros anualmente e 80% dos rios são muito tóxicos para suportar peixes. • Mais de 20% de todas as espécies de água doce estão ameaçadas ou em perigo em razão da construção de barragens, diminuição do volume de água e danos causados por poluição e contaminação. • 30 a 60 milhões de pessoas foram deslocadas diretamente pela construção de represas em torno do planeta. • 120 mil km3 de água estão contaminados e para 2050 espera-se uma contaminação de 180 mil km3 caso persista a população. (PNUMA, IETC, 2001, UNESCO, 2003). - Sobrecarga de prédios em casas (superpopulações): Os prédios, de um modo amplo, têm significado, ao lado da solução de moradia, o aumento vertiginoso da pressão sobre os serviços urbanos e os recursos naturais: mais pessoas, mais consumo de água e alimentos, mais esgoto, mais lixo, mais veículos, mais consumo de combustível e mais poluição atmosférica e sonora. As casas por sua vez para que se atendesse a demanda por moradia, deveriam espalhar-se por áreas maiores (DIAS, 1998). - O consumismo: Se pudéssemos somar o tempo que passamos nos mercados, em um ano, ficaríamos surpresos. No mundo atual, o mercado é o local símbolo do consumismo. Naquele mosaico de cores, tentações, ofertas e truques de mercado, mesmo quando estamos atentos à autodisciplina, terminamos comprando coisas supérfluas, impulsionados poderosamente pela arte de criar necessidades desnecessárias, ou seja, pela publicidade. 25 - A frota de veículos: não é preciso ser especialista para afirmar que os veículos movidos a combustível fóssil (óleo diesel, gasolina) são os grandes vilões da poluição atmosférica nas cidades. - O lixo gerado nas cidades: O problema da disposição final assume uma magnitude alarmante. Considerando apenas os resíduos urbanos e públicos, o que se percebe é uma ação generalizada das administrações públicas locais ao longo dos anos em apenas afastar das zonas urbanas o lixo coletado, depositando-o por vezes em locais absolutamente inadequados, como encostas florestadas, manguezais, rios, baías e vales. Mais de 80% dos municípios vazam seus resíduos em locais a céu aberto, em cursos d'água ou em áreas ambientalmente protegidas, a maioria com a presença de catadores entre eles crianças, denunciando os problemas sociais que a má gestão do lixo acarreta (IBAM, 2000). No Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB, 2000), se coleta cerca de 228.413 toneladas de resíduos sólidos diariamente, sendo 125.258 toneladas referentes aos resíduos domiciliares. Em relação à geração por pessoa, observa-se uma grande discrepância de resultados por região, devido aos resíduos não domiciliares, que não tem uma relação direta com a população. - O consumo de energia elétrica: a humanidade está cada vez mais dependendo da energia elétrica para processar suas atividades. Essa dependência crescente poderá leva-la a crises e situações imprevisíveis, caso não utilize os recursos ambientais de que dispõe, de forma sustentada. Na verdade, quando, por qualquer razão, o fornecimento de energia elétrica de uma cidade é interrompido, temos uma idéia dessa dependência e da fragilidade dos ecossistemas urbanos, pelos transtornos que vivemos. O caos reinaria em uma grande cidade, se esta ficasse sem energia elétrica por alguns dias (DIAS, 1998). Além desses fatores citados o ecossistema urbano é responsável ainda por desmatamentos para abertura de áreas residenciais, alteração da topografia/relevo para construções de pontes, estradas e outros, impermeabilização do solo, desigualdades sociais, etc. assim, o sistema antrópico está constantemente 26 provocando alterações nos meios físico (ar, água e solo), biológico, os quais muitas vezes, reagem nele causando impactos adversos passando dos limites (capacidade de suporte) e social que é uma realidade principalmente em países subdesenvolvidos (MOTA, 2000). 6. O DESENVOLVIMENTO E AS TECNOLOGIAS 6.1 Desenvolvimento O conceito mais usado de desenvolvimento sustentável foi elaborado, em 1987, pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, e expresso no livro "Nosso Futuro Comum" (Relatório Brundtland): “O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades. Ele contém dois conceitos-chaves”: - o conceito de ‘necessidade’, sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a máxima prioridade; - a noção das limitações que o estágio da tecnologia e da organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender às necessidades presentes e futuras.”(Nosso Futuro Comum, 1991)”. Duas características são fundamentais nesse conceito. Primeiro, o desenvolvimento sustentável é uma busca. Não é possível afirmar que o desenvolvimento sustentável de um país pode ser alcançado em pouco tempo, nem que se tenha um referencial preciso para avaliar o "grau" de desenvolvimento sustentável de um país. Não existe ainda esse referencial. Desenvolvimento 27 sustentável é um conceito em construção. Não se sabe ainda o que seja uma economia, uma política ou uma cultura sustentável, mas sabe-se que a sustentabilidade é um processo multidimensional que ainda deve ser desvendado pela ciência. Segundo, o desenvolvimento sustentável não pode ser alcançado por um país. Desenvolvimento sustentável é um processo que requer a colaboração de vários países para a solução dos problemas interligados do desenvolvimento. Essas duas características atuais do processo de desenvolvimento sustentável impõem que a formulação de políticas, programas, planos e projetos de desenvolvimento estejam no marco de uma sustentabilidade restrita, isto é, uma sustentabilidade parcial, no tempo e no espaço, que pode contribuir para um processo de longo prazo. O conceito de desenvolvimento sustentável é uma síntese de compromisso entre vários conceitos formulados no âmbito do processo de desenvolvimento do pósguerra. Quatro deles são fundamentais. O de desenvolvimento: o crescimento da riqueza e sua distribuição de forma mais justa. O de necessidade: o que é necessário para as pessoas varia no tempo e no espaço. É difícil precisar o que será necessário para as gerações futuras. O de preservação da natureza: a natureza tem uma capacidade de regeneração limitada face ao crescimento econômico e populacional dos países, dentro dos padrões tecnológicos da atualidade. Está claro que é preciso diminuir a degradação dos grandes ecossistemas da Terra. O de transmissão de riqueza: as gerações atuais entendem buscam deixar para seus herdeiros, pelo menos, o atual padrão de riqueza de valores (econômicos, políticos, culturais e ambientais), acumulados ao longo de séculos de civilização. 6.2 As dimensões do desenvolvimento sustentável 28 O desenvolvimento sustentável é um conceito que requer uma análise multidimensional das sociedades. Quatro dimensões são as principais para a sua compreensão: a econômica, a política, a social, a ambiental e a cultural (CONSTANZA, 1995). A dimensão econômica trabalha, de modo qualitativo e quantitativo, com o processo de produção, distribuição e consumo do produto social. Ela trata, também, dos modos e processos de como o produto é gerado, isto é, incorpora a análise da ciência e da tecnologia e sua relação com a natureza. A dimensão política trabalha com os processos de relacionamento humano e grupal, especialmente dos processos de decisões sobre a economia e o uso dos recursos individuais e coletivos de uma sociedade. Ela analisa como são estabelecidas as relações de poder e de hierarquia social, bem como as formas de organização da representação de interesses, visões de mundo e utopias de indivíduos e grupos em uma sociedade. A dimensão social é uma dimensão subordinada, segundo a visão dos analistas marxistas, pois ela expressa a qualidade de vida relativa dos indivíduos e grupos em uma dada sociedade. Portanto, ela é derivada dos processos econômicos e políticos. Enquanto instrumento de análise, ela é uma dimensão importante, pois caracteriza estados de uma sociedade e de seus grupos. A dimensão ambiental trata da forma como os indivíduos e grupos sociais vêem e agem sobre a natureza, segundo as dimensões econômica, política e cultural. Essa dimensão está profundamente interligada à cultural, pois depende da forma de representação da natureza como entidade dependente/independente dos homens. A dimensão cultural trata das concepções e das representações que os indivíduos e os grupos fazem de sua inserção na sociedade e da sociedade como um todo. Ela está profundamente ligada às questões do espaço (lugar, país, nação, cidade) e do tempo (história, memória, passado, presente e futuro), dos símbolos (língua, leis, imagens, religiões, artes) e representações simbólicas (festas, códigos de ética, ritos). È a dimensão que se sobrepõe a todos as outras, pois a economia é um modo de estabelecer relações sociais com base em um valor, (o monetário), a 29 política é um modo de organizar as hierarquias de poder e as representações relativas dos grupos sociais segundo leis e de tratar com o meio ambiente, pois é a forma como o ser humano vê e se relaciona com o mundo natural (ZANCHETI, 2002). Conceitos auxiliares de sustentabilidade como resiliência. Os conceitos de resiliência e capacidade de carga são muito utilizados para explicar o que seja sustentabilidade ambiental. Resiliência descreve a capacidade de o sistema ambiental manter sua estrutura e padrão de comportamento diante de distúrbios ou impacto externo (estress). Por exemplo, quando um rio recebe uma carga de esgoto, ele demora um tempo para absorver essa carga e deixar as águas limpas. Aqui, o tempo de regeneração determina a resiliência do curso d’água. No caso em que a carga de esgoto é muito alta, o rio pode não se regenerar, sendo rompida a resiliência do sistema (ZANCHETI, 2002). 6.3 Sustentabilidade e Desenvolvimento Tecnológico no Espaço Urbano e no Cerrado 6.3.1 Sustentabilidade Urbana A definição básica de sustentabilidade é: "Um sistema sustentável é aquele que sobrevive ou persiste"(COSTANZA, PATTEN, 1995). Existe um problema de precisão com essa definição: qual é o sistema, por quanto tempo o sistema persiste e quando se pode averiguar se o sistema persistiu? Qual é o sistema, ou o subsistema que está sendo avaliado? Por exemplo, em uma cidade, é o todo da mesma que será sustentável ou somente um bairro? Na cultura, o sistema sustentável refere-se à alta cultura artística ou ao folclore? Nos 30 sistemas sociais, como cidades, países e culturas, será sempre essencial precisar que conjunto está em questão. O desenvolvimento sustentável somente poderá ser atingido com um alto grau de interdependência entre os subsistemas. Um subsistema sustentável pode significar a não-sustentabilidade do outro. Quanto tempo? Os sistemas nascem, vivem e morrem. Por quanto tempo se avalia a sustentabilidade? Não se pode imaginar em sistemas que sejam eternos. A sustentabilidade é um objetivo, que deve ter uma referência de duração. Os subsistemas ecológicos têm uma expectativa de vida. Por exemplo, a expectativa de vida humana na América Latina é menor que 70 anos. Se as pessoas passarem a viver mais que 70 anos, pode-se dizer que a sustentabilidade do sistema aumentou. No caso de sistemas sociais complexos, é difícil precisar a expectativa de vida, como é o caso de uma cidade. Roma tem mais de 2000, anos, mas a antiga cidade grega de Pérgamo morreu. Quando? A sustentabilidade de um sistema somente pode ser comprovada depois de sua ocorrência, isto é, não se pode saber se um sistema será sustentável se o tempo de sua vida não tiver ainda ocorrido. Assim, sustentabilidade é sempre um conceito de previsão, algo que poderá ocorrer no futuro. Para melhorar a sustentabilidade de um sistema, será necessário, portanto, criar mecanismos de previsão dos impactos de ações internas e externas sobre o mesmo, e conseguir reduzir o grau de incerteza associado a essas ações. A dependência em que se encontra a cidade do espaço rural, para todos os seus recursos vitais (alimento, água, ar, e assim por diante) e a dependência do campo relativamente à cidade quanto a recursos econômicos devem tornar-se de tal modo reconhecidos que a atual política de confrontação que existe entre as populações rurais e urbanas seja removida. De algum modo, a ecologia e a economia hão de fundir-se. Antes que possa ocorrer uma integração urbano-rural bem sucedida é necessário que tenha “economia da nave espacial”; entretanto, os planejadores urbanos e rurais terão de fazer o melhor que puderem com os seus projetos separados (ODUM, 1988). 31 O endurecimento da cidade é paralelo à ampliação da intencionalidade na produção dos lugares, atribuindo-lhes valores específicos e mais precisos, diante dos usos preestabelecidos. Esses lugares, que transmitem valor às atividades que aí se localizam, dão margem a uma nova modalidade de criação de escassez, e a uma nova segregação. Esse é o resultado final do exercício combinado da ciência e da técnica e do capital e do poder, na reprodução da cidade (MILTON SANTOS, 1995). A idéia de desenvolvimento sustentável tem uma aplicação clara para os processos de desenvolvimento de grandes unidades territoriais, como um país ou uma região. Contudo, quando se fala do desenvolvimento sustentável de uma cidade, a sustentabilidade fica difícil de ser definida. A cidade é um sistema complexo e aberto, isto é, um sistema com muitas variáveis e com um elevado grau de interação interna e externa ao sistema, no qual as variáveis estão em constante transformação. A sustentabilidade de uma cidade será um processo que deverá tratar das relações internas e externas do sistema que a compõe. Alguns modelos teóricos de sustentabilidade foram criados para auxiliar o desenvolvimento do conceito de sustentabilidade urbana e torná-lo mais aplicável. Todos partem da premissa de que a sustentabilidade da cidade significa um sistema que se valoriza e utiliza, de maneira sustentável, os recursos contidos em seu território. Também se complementa essa proposição com uma característica ‘pró-ativa’, que associa a sustentabilidade a uma tendência dos agentes urbanos em criarem seus próprios recursos a partir do potencial existente no território da cidade. A postura permanente, e de larga aceitação entre os agentes sociais locais, de geração de recursos (humanos, financeiros, organizacionais, culturais e outros) é que define então a sustentabilidade da cidade, ou de cidades sustentáveis. Dois problemas estão associados a essa idéia de sustentabilidade urbana. Primeiro, nenhuma cidade pode ser sustentável independentemente, pois ela não poderá gerar todos os recursos de que necessita. Assim, uma cidade sustentável somente pode existir em relação com outras cidades, que operam na forma de rede de cooperação. 32 Segundo, mesmo operando em redes de cooperação, as cidades produzirão trocas desiguais de recursos (a questão do valor, novamente), pois elas possuem bases e potenciais de recursos diferenciados, e a sustentabilidade de partida de cada cidade na rede será diferente. Para que o sistema de cidades em rede possa operar de modo sustentável e equilibrado, será necessário que estejam presentes mecanismos compensatórios das trocas desiguais de recursos. Assim, a sustentabilidade das cidades dependerá muito de sistemas de gestão intra e interurbana de natureza complexa e multissetorial. A cidade sustentável é um conceito que exerce grande atração sobre os gestores e planejadores urbanos, mas a sua implementação é muito difícil no mundo real. Existem dois tipos de problemas: o de como passar da formulação geral de cidade sustentável, como a realizada acima, e o de como tornar operacional o conceito, de modo a que permita trabalhar a questão multidimensional, ou multissetorial nas cidades. A questão conceitual de cidade sustentável tem sido muito discutida. Existem várias formas de interpretação, muitas segundo perspectivas dimensionais restritas. Em um trabalho recente (ACSELRAD, 1999), foram identificadas três matrizes discursivas da sustentabilidade urbana, que são expostas a seguir. Representação tecno-material: essa matriz aborda, principalmente, os aspectos materiais e energéticos das cidades, e suas inter-relações com a vida social, econômica e cultural, do ponto de vista da tecnologia. A cidade é vista como um sistema material dinâmico (espaços, construções, matérias-primas), na qual os seus estados são transformados por fluxos energéticos. É o caso, por exemplo, da ‘eco-energia’ que procura tornar a cidade uma entidade menos consumidora e degradadora da energia, especialmente a fóssil. No ‘equilíbrio metabólico’, a cidade é vista como um sistema dinâmico desequilibrado, segundo o modelo do metabolismo dos organismos vivos. Os desequilíbrios, ou a insustentabilidade urbana, estaria sendo gerada pela ineficiente locação dos bens materiais (edifícios, infra-estruturas, equipamentos de uso coletivo, etc), da concentração ou dispersão dos habitantes e dos seus movimentos, e da forma de utilização energética dos mesmos. 33 Qualidade de vida: essa matriz privilegia a idéia de ‘asceticismo e pureza’ da cidade, no sentido de condições ambientais que favoreçam a vida ‘biológica’, social e cultural dos seres humanos (e dos outros seres vivos). Os temas abordados de sustentabilidade das cidades giram em torno da saúde e saneamento (cidades saudáveis), da qualidade dos recursos naturais (ar, água e solo), da oferta de espaços (livres, vegetados, áreas construídas, etc) Legitimidade das políticas públicas: essa matriz favorece os aspectos políticos da cidade. Essa é vista como um organismo humano coletivo que deve ser organizado e transformado segundo regras democráticas de consenso sobre a aplicação de fundos públicos. Nessa visão, a insustentabilidade está associada à incapacidade do poder público e do sistema de gestão e representação política de criar mecanismos participativo que possibilitem a resolução de conflitos entre grupos sociais, no processo de alocação de recursos públicos para a transformação e manutenção da cidade. Assim, o governo da cidade é ineficiente, porque desperdiça fundos públicos no processo de gestão, e é ineficaz porque não consegue atender as necessidades dos habitantes das cidades. Os governantes tornam-se, pois, ilegítimos frente à opinião pública, por não poderem cumprir seus objetivos como representantes públicos. Do ponto de vista da implementação de políticas de CS, a reorganização dos sistemas de gestão urbana aparece como o tema central. A multidimensionalidade da sustentabilidade urbana não pode continuar a ser tratada com os recursos institucionais e instrumentais do poder público das cidades atuais. A crise de legitimidade impossibilita que as outras dimensões da sustentabilidade sejam minimizadas devido ao conflito político entre os grupos de interesse. A Agenda 21 tem sido utilizada como um instrumento para iniciar esse complexo processo e lançar as bases da necessária legitimidade ( ZANCHETI, 2002). Uma nova forma de gestão urbana, que viabilize a existência de cidades sustentáveis, ainda está para ser criada. Existem várias experiências mundiais em curso. No caso brasileiro, algumas características do novo processo de gestão já foram assinaladas. Elas são: 34 - "uma mudança de escala, incentivando o surgimento de cidades menores ou de assentamentos menores dentro da grande cidade; preferência pelos pequenos projetos, de menor custo e de menor impacto ambiental; foco na ação local”; - a "incorporação da dimensão ambiental nas políticas setoriais urbanas (habitação, abastecimento, saneamento, ordenação do espaço, etc.) pela observância dos critérios ambientais para preservar recursos estratégicos (água, solo, cobertura vegetal) e proteger a saúde humana"; - a "integração das ações de gestão, para a criação de sinergias, a redução de custos e a ampliação dos impactos positivos"; - a "necessidade do planejamento estratégico, colocando sérias restrições ao crescimento não-planejado ou desnecessário"; - a "descentralização das ações administrativas e dos recursos, contemplando prioridades locais e combatendo a homogeneização dos padrões de gestão"; - o "incentivo à inovação, ao surgimento de soluções criativas; abertura à experimentação (novos materiais, novas tecnologias, novas formas organizacionais)"; - a "inclusão dos custos ambientais e sociais no orçamento e na contabilidade dos projetos de infra-estrutura"; - a "indução de novos hábitos de moradia, transporte e consumo nas cidades (incentivo ao uso de bicicleta e de transportes não-poluentes; incentivo a hortas comunitárias, jardins e arborização com árvores frutíferas; edificações para uso comercial ou de moradia que evitem o uso intensivo de energia, utilizando materiais reciclados)"; - o "fortalecimento da sociedade civil e dos canais de participação; incentivo e suporte à ação comunitária." (MMA, 2000) 6.3.2 Sustentabilidade no Ecossistema Cerrado 35 O uso da terra no Cerrado é função principalmente da tecnologia e investimento (em capital, energia, e conhecimento) empregados. Mudanças tecnológicas e nível de investimentos podem alterar os padrões de uso da terra, acarretando danos ambientais, como diminuição da biodiversidade, perda da capacidade produtiva e degradação. Tais danos são função do comportamento e organização da sociedade, e da capacidade de resposta do ecossistema àquele comportamento, e só serão compreendidos se estudados em combinação com as atividades humanas praticadas no ecossistema(2) (Figura 12). 36 Modelo conceitual dos determinantes do uso da terra nas savanas tropicais inclusive o Cerrado. O modelo representa um ecossistema que inclui as sociedades ' humanas como um elemento importante do sistema, e enfatiza suas relações com o meio ambiente. Os componentes naturais são aqueles estudados pelos cientistas naturais e os componentes sócio-econômicos são aqueles estudados pelos cientistas sociais. As setas dentro de cada componente representam as inter-relações existentes entre seus sub-componentes. A seta que aponta do Uso da Terra para os componentes sócio-econômicos representa a retirada de energia e material pelas sociedades humanas, que por sua vez investem esforço e conhecimento na terra (seta apontando no sentido inverso). O uso da terra resulta em modificações dos ecossistemas naturais (seta apontando do Uso da Terra para os componentes naturais), o que por sua vez controlará o que pode ser retirado da terra (seta apontando no sentido inverso). As forças externas indicam como o investimento em capital, recursos, trabalho, pressões econômicas e ideologia podem afetar os componentes natural e sócio-econômico dos determinantes de Uso da Terra. 6.4 Avanços Tecnológicos no Espaço Urbano O efeito desestruturador da tecnologia é tanto mais brutal quanto menos implicado estiver o país em relação às inovações técnicas precedentes. Tais efeitos são sociais, econômicos, políticos, culturais, morais, e, igualmente, espaciais, geográficos, levando a uma reorganização do território, mediante uma redistribuição de papéis que incluem novos roles, estranhos até então à sociedade territorial. O fato de que as transformações se dão ao mesmo tempo, nas vias e meios de transportes e comunicações, na estrutura produtiva, nos hábitos de consumo, na forma de intercâmbio, nas relações de trabalho, na monetarização, nas formas de controle, etc., tem efeitos cumulativos e acelerados sobre todos os processos de mudança, ao mesmo tempo em que os desequilíbrios instalados são mais profundos. Mesmo se as novas relações apenas alcançam parcelas reduzidas da economia e do território e incidem de forma incompleta sobre a sociedade, têm já bastante força para induzir transformações fundamentais ao 37 conjunto. Fenômenos como as disparidades espaciais de tipo mercantil e a macrocefalia ganham novas dimensões. (MILTON SANTOS, 1995) A história das chamadas relações entre sociedade e natureza é, em todos os lugares habitados, a da substituição de um meio natural, dado a uma determinada sociedade, por um meio cada vez mais artificializado, isto é, sucessivamente instrumentalizado por essa mesma sociedade. Em cada fração da superfície da terra, o caminho que vai de uma situação a outra se dá de maneira particular; e a parte do “natural” e do “artificial” também varia, assim como mudam as modalidades do seu arranjo. (MILTON SANTOS, 1995) 6.5 Avanços Tecnológicos no Espaço Cerrado: No campo, às infra-estruturas e benfeitorias adicionadas ao solo, somam-se todos esses adendos químicos que também são capital constante, necessário à produção. Numa economia em que a circulação ganha papel preponderante, a melhoria das estradas e dos meios de comunicação também conduz à ampliação do estoque de capital fixo, cuja forma é qualitativa e quantitativamente adaptada aos propósitos da produção no momento em que são instalados. (MILTON SANTOS, 1995) No século passado, as pesquisas realizadas no bioma Cerrado concentraram-se em botânica e ecologia. Nesse mesmo período, o Cerrado passou a ser estudado sob o ponto de vista agrícola, como fronteira natural das regiões Sul e Sudeste. Daí, intensificaram-se os movimentos de ocupação, passando a contribuir para o sistema produtivo nacional. A construção de Brasília e posteriormente os incentivos governamentais, na década de 1970, permitiriam que a região passasse a apresentar uma economia baseada na agropecuária. Essa transformação econômica teve grande influência em todas as atividades da região e com reflexo na pesquisa e difusão de tecnologias agropecuárias. 38 O grande desenvolvimento agrícola na região do Cerrado foi impulsionado pela facilidade de remoção da vegetação nativa e por fatores positivos como temperatura, luminosidade, topografia do solo e grande disponibilidade de calcário. Fatores socioeconômicos que também beneficiaram esse desenvolvimento foram: - preço baixo da terra; - políticas voltadas para a região com investimentos em infra-estrutura; - pesquisa; - assistência técnica; - investimentos com juros subsidiados e de prazos longos; - migração de agricultores do sul afeitos à agricultura mais intensiva e mercado em desenvolvimento. Até meados da década de 1970, o Cerrado era visto como uma região mais apropriada à criação extensiva de gado do que para a agricultura em escala comercial. A partir de 1975, o Governo Federal implementou uma série de ações visando ao desenvolvimento acelerado, notadamente nos Estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e Distrito Federal. Diversos programas de financiamento à produção foram criados, em especial o Polocentro (Programa de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste), com alocação de recursos para construção de estradas, escolas, silos e armazéns, pesquisa agropecuária, assistência técnica e extensão rural, financiamentos para incorporação de novas áreas ao processo de produção agrícola e para utilização de calcário e fosfato. Além de crédito para investimentos, custeio e comercialização, foram estabelecidos preços mínimos e seguro agrícola para a maioria das culturas exploradas. Nesse contexto, a pesquisa agropecuária tinha como missão desenvolver as tecnologias necessárias para viabilizar a ocupação agrícola do Cerrado. 39 Para solução das limitações do Ecossistema Cerrado, e que vem sendo a grande fronteira agrícola do Brasil, como uma área com grande potencial de produção de alimentos para o mundo buscou-se: - O desenvolvimento de técnicas de correção e adubação dos solos, a seleção de variedades de grãos e pastagens tolerantes ao alumínio. A correção dos solos em profundidade, com utilização de gesso, favoreceu o desenvolvimento de raízes que explorando maior volume de solo, tornaram as culturas mais resistentes à deficiência hídrica, caso viesse a ocorrer veranicos; - A seleção de estirpes de rizóbios (bactérias fixadoras de nitrogênio do ar nas leguminosas) em substituição à adubação nitrogenada, viabilizou economicamente o plantio da soja e de outras leguminosas; - O desenvolvimento de técnicas de manejo dos solos, como a utilização de implementos adequados para cada operação, criou condições para a manutenção das propriedades físicas dos solos, garantindo boa infiltração da água no solo e diminuindo os riscos de erosão; - O controle integrado de pragas e doenças, como por exemplo o controle biológico da lagarta-da-soja com o Baculovirus anticarsia, contribuiu para viabilizar um eficiente controle fitossanitário, além de evitar a poluição ambiental por pesticidas; - A geração de novos conhecimentos, aliada a fatores políticos, técnicos e econômicos, favoreceu a incorporação de tecnologias pelos produtores e possibilitou que, em pouco tempo, os resultados começassem a aparecer, transformando o Cerrado em importante centro produtor de alimentos do País; - Houve uma relação favorável na matriz de preços insumo-produto, ou seja, essas tecnologias devem ser economicamente viáveis; e a presença de empresários com capacidade gerencial e dispostos a investir recursos financeiros para uso no setor agrícola; 40 REFERÊNCIAS: COSTANZA R., PATTEN B. 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