Neutralidade portugu..

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2º CENTENÁRIO DAS INVASÕES FRANCESAS
A neutralidade portuguesa no conflito franco-inglês
Estratégia política e diplomática nas vésperas das invasões
Como o título sugere, o essencial deste estudo gira em torno da estabilização de
uma neutralidade que nos permitisse um equilíbrio, embora difícil, no conflito europeu,
e em cuja obtenção o Governo português muito se empenhara, ainda que para o
conseguir houvesse de eliminar as maiores situações de apuro, não poucas vezes
revestidas de carácter discriminatório e a arcar com subsídios demasiadamente
onerosos.
De facto, a época subsequente à Revolução Francesa de 1789 foi para Portugal
uma época de instabilidade perigosa, em que a manutenção da neutralidade constituía
empresa assaz difícil, levando o Ministério português a trilhar caminhos de
subserviência sem limites e a suportar situações provenientes de atitudes nitidamente
arbitrárias e humilhantes.
De qualquer modo, envolvido o País em situações tão embaraçosas, é relevante
a acção processada pelo Governo português no sentido de conseguir um bem difícil
equilíbrio na balança europeia a despeito de todos os atraentes convites, como das
pressões sofridas.
Ecos da Revolução Francesa em Portugal.
A Revolução Francesa, que constituiu um dos grandes marcos da História da
Humanidade, faz parte de um movimento revolucionário global, atlântico ou ocidental,
que começou na América do Norte em 1776, atingiu a Inglaterra, a Irlanda, as
Províncias Unidas, os Países Baixos austríacos, a Suiça e culminou na França em 1789.
Aqui, em França, adquiriu um carácter mais violento, e veio a exercer grande
influência em numerosos países, embora essa influência e acção revolucionária não
tivesse sido por toda a parte uniforme.
Efectivamente, esboçadas já antes de 1789, as grandes fracturas políticas
eclodiram imparavelmente através da Revolução Francesa que, com a propagação da
sua mensagem, anunciava a era da Razão e dos direitos individuais, proclamava a
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soberania da Nação, condenava as seculares opressões feudais e exaltava a igualdade. A
sua repercussão resultou, sobretudo, do espírito de fraternidade e do universalismo dos
primeiros revolucionários.
As notícias dos acontecimentos revolucionários que se sucediam em França
concentravam a atenção da opinião pública mundial. Nos jornais e outras publicações
periódicas do tempo, a Revolução Francesa ocupava o primeiro lugar, acontecendo, que
as gazetas perdiam leitores quando não informavam sobre este assunto.
A
projecção,
em
Portugal,
dos
acontecimentos da Revolução Francesa não se
processou com base em fundamentos sempre
idênticos,
revestindo
aspectos
diferentes
consoante as ideologias, variando de opinião ao
sabor dos vários interesses e modos de ver, e até
com o evoluir da própria Revolução.
Assim,
numa
primeira
fase,
que
correspondeu em França à liquidação do Antigo
Regime
e
à
implantação
da
Monarquia
Constitucional (1789-1792), a posição portuguesa foi de expectativa perante os
acontecimentos iniciais, sem contudo deixar de transparecer alguma apreensão, levando
o Governo a providenciar na defesa do Reino.
Foi ideia corrente aceitar-se, e durante muito
tempo, que Portugal recebeu com hostilidade os
primeiros ecos da Revolução, ideia que não é
completamente exacta e que alguns estudos têm
contribuído para a sua desmistificação. Obviamente, na
impossibilidade de prever o rumo trágico dos
acontecimentos, não eram poucos aqueles que viram na
grande Revolução uma esperança de renovação política
e social sem prejuízo da fidelidade ao rei e às
instituições, porquanto não se tratava de derrubar o regime, mas sim de alcançar
transformações que «derramassem o benefício das Luzes sobre toda a nação».
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As primeiras notícias dos acontecimentos em França publicadas pela «Gazeta de
Lisboa» e pelo «Jornal Enciclopédico» são acolhidas com relativa tolerância. A «Gazeta
de Lisboa» informava semanalmente os seus leitores por meio de um largo noticiário
proveniente de Paris, Londres, Madrid e outras vias de informação, mostrando o
semanário lisboeta a sua simpatia pela agitação em França.
Antes da intervenção da censura, a «Gazeta de Lisboa» noticia a convocação dos
Estados Gerais, a proclamação da Assembleia Nacional Constituinte, as primeiras
medidas tomadas e ainda os motins de rua que acompanham estas alterações.
A 17 de Julho noticia-se a tomada da Bastilha, episódio maior da «famosa
revolução de Paris». Em Agosto, ao mencionar a sessão em que foi votada a abolição
dos privilégios da nobreza e do clero, os direitos feudais, comenta, de modo
significativo: «Na sessão que houve na noite de 4 para 5 do corrente se concluiu em
duas para três horas o que há dez anos se não ousaria esperar no decurso de dois ou
três séculos… magnífica sessão, digna de ser transmitida a todos os séculos e de um
bem distinto lugar na história da França e na do espírito humano».
O princípio da igualdade de todos perante a lei chegava a Lisboa «com uma forte
carga emocional». E mais ainda, quando foi anunciada em França uma Constituição
onde ficaria para sempre gravada a «Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão».
Para muitos políticos, nobres, burgueses e «filósofos», a monarquia absoluta chegava ao
fim, mesmo na sua forma mitigada de «despotismo esclarecido». Algumas das nossas
autoridades manifestavam um certo espírito de abertura às primeiras iniciativas da
Revolução Francesa.
A diplomacia portuguesa contava com a receptividade do
ministério a uma política reformista, por isso terá podido
evidenciar uma atitude favorável às primeiras reformas e
mudanças ocorridas em França. Era o caso de José Seabra da
Silva, magistrado e Secretário de Estado do Reino; do Duque de
Lafões, grande fidalgo adepto das «Luzes»; Luís Pinto de Sousa,
Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra,
mostrava muita curiosidade e um interesse constante pelo desenrolar dos primeiros
acontecimentos, elogiando, nomeadamente, a instauração em França de um modelo
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parlamentar que pudesse, em muitos pontos, ter oportuna aplicação no nosso país. D.
Vicente de Sousa Coutinho, à época embaixador em Paris, não acreditando logo que se
fosse pôr em causa a realeza, manifestava o seu contentamento por muitas das medidas
tomadas na Assembleia Nacional Constituinte. Em 18 de Junho de 1789, escrevia que
«a França regenerada viria a ser uma das mais formidáveis [nações] da Europa e,
recomendava mesmo, que Portugal pudesse adoptar alguns exemplos das suas
reformas». É bem possível que outros elementos da «elite» política da época
perfilhassem, no início, idêntica opinião.
De facto, inicialmente, acreditava-se no nosso país que apenas seriam
introduzidas algumas reformas na monarquia francesa, de modo a melhorar a sua
funcionalidade, mas sem pôr em causa o essencial e, em especial, a autoridade do
monarca. No fundo, era o que muitos dos nossos homens públicos desejavam que
acontecesse em Portugal. Daí a razão da referida simpatia inicial.
Esta corrente de opinião que animou os espíritos da época evoluiu (ou involuiu),
rapidamente, quando a França enveredou pela via do Terror que conduziu à República.
O medo da anarquia modificou radicalmente os sentimentos, «a agitação e as propostas
e inovações lesivas dos privilegiados despertaram progressiva hostilidade, hostilidade
que determinou o silenciar dos entusiastas e pesou na organização da defesa do Reino
contra o contágio gaulês».
Em Janeiro de 1790, D. Vicente de Sousa Coutinho demonstra um certo
desencanto, preocupando-o, em especial, o receio de que a «anarquia» se instale entre o
Povo, as suas dúvidas adensam-se e o embaixador português «já não sabia se tal havia
sucedido para bem ou para mal daquela monarquia». O seu temor acerca das ideias
revolucionárias é manifesto ao revelar que «os amigos da
liberdade ou para melhor dizer os inimigos do sossego público,
tinham composto em todas as línguas um catecismo desta
doutrina e intentavam espalhá-la pela Europa».
Com a radicalização da Revolução Francesa, mesmo
personagens esclarecidos e reformadores, como era o caso de
António de Araújo de Azevedo –, embaixador na Haia, S.
Petersburgo, e mais tarde Secretário dos Negócios Estrangeiros
e Guerra, que inicialmente haviam demonstrado alguma simpatia pelo processo,
passam-se para o campo ideológico anti – revolucionário, ainda que numa perspectiva
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de moderação. Com efeito, alguns meses bastaram para eles tomarem consciência de
que os acontecimentos não evoluíam no sentido de uma monarquia reformada, mas sim
num sentido bastante mais subversivo e incontrolável.
O já referido ilustre diplomata e homem de Estado, Araújo de Azevedo, que
esteve em Paris entre Março e Agosto de 1790, como observador, conhecendo pessoas
como Montmorin, Necker, Lavoisier o abade Delille, Bailly e Marmontel, e assistiu a
algumas sessões da Assembleia Nacional, alerta o Gabinete lisbonense da repugnância
que sente pela anarquia e por aquilo a que chama os «excessos da democracia».
Pina Manique. Acção repressiva das ideias revolucionárias.
Quando se recorda Pina Manique e a sua
acção repressiva sobre as novas ideias, impõe
situar esses factos entre a década de 90 e 1804,
numa política orientada a salvar o trono e a não
pôr em perigo as instituições, embora já antes as
autoridades portuguesas tivessem começado a
tomar consciência de que não estavam perante
simples reformas da monarquia francesa, mas sim
perante uma subversão das suas estruturas. É,
precisamente, essa tomada de consciência que as
levará para o campo da oposição declarada à
Revolução, sendo pois «a radicalização do
processo revolucionário francês, associada ao temor que se instala entre os grupos
dirigentes portugueses pela propagação dos princípios revolucionários, que vai
conduzir à posição contra – revolucionária, tornada predominante entre a “elite”
portuguesa».
A ofensiva contra – revolucionária foi a tarefa do Intendente – Geral da Polícia,
Diogo Inácio de Pina Manique. A repressão que desenvolveu contra tudo o que lhe
“cheirasse” a ideias revolucionárias valeu-lhe a reputação de «reaccionário» temível e
omnipotente, como, nomeadamente, o descreve Joseph Carrère, viajante que passou
algum tempo em Lisboa entre 1795 – 1798: «o nome de Pina Manique infunde um
terror generalizado, porque exerce o despotismo mais revoltante».
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A «Gazeta de Lisboa» e o «Jornal Enciclopédico», publicações que procuravam
dar a conhecer os acontecimentos da Revolução de uma forma calorosa e nem sempre
isentos de uma certa e «bem intencionada» adesão aos ideais revolucionários, pelo
menos no primeiro período, foram silenciadas no que dizia respeito ao noticiário de
França; a «Gazeta de Lisboa» a partir de 5 de Setembro de 1789 e o «Jornal
Enciclopédico» que, igualmente, «inseria correspondências atinentes à França
convulsa, antecede-a no silenciar da revolução».
O Intendente – Geral visava, fundamentalmente, os suspeitos nos meios
«afrancesados», considerados como focos de propaganda, exercendo contra eles uma
larga e pertinaz perseguição, sobretudo acicatado pelo conde de Chalon, embaixador de
Luiz XVI, que inteiramente dedicado à contra – revolução, denunciava as tendências
jacobinas dos seus compatriotas. De facto, o núcleo francês era muito importante,
principalmente em Lisboa. Alguns deram forte implantação às actividades maçónicas no
nosso país participando, directa ou indirectamente, na propagação da Revolução
Francesa.
A polícia verificava com frequência que, tanto franceses como portugueses,
cantavam estribilhos revolucionários ou exaltavam a liberdade e proferiam expressões
contrárias à religião e à soberania do Príncipe Regente, futuro D. João VI.
Também acontecia, uma vez ou outra, serem vistos nas ruas de Lisboa os
«cocares ou laços tricolores», símbolo da Revolução, havendo igualmente quem
propagandeasse os acontecimentos de França em folhas, prosa e verso, algumas até de
origem estrangeira depois traduzidas, como foi ocaso do «Credo da República
Lombarda» e o «Catalão Republicano»; quanto a produção nacional refira-se o
chamado «Pasquim da Porta Férrea» divulgado em Coimbra e a «Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão», atribuída a Coelho da Silva. A propaganda ao
serviço do processo revolucionário recorria a leques decorados, caricaturas, ao envio
pelo correio de cartas anónimas e à afixação de comunicados em lugares considerados
estratégicos a fim de dar a conhecer aos portugueses o ideário da Revolução.
Tudo o que dizia respeito à França tornava-se suspeito e, por isso, os próprios
emigrantes, que tinham abandonado o seu país para escapar às perseguições, e por vezes
à morte, tornaram-se objecto de estreita vigilância.
Pina Manique, convicto do perigo da maçonaria, tratou de impedir a fundação de
lojas por parte dos maçons franceses da Grande Loge de France e do Grand Orient. No
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entanto, em Portugal, por volta de 1778, havia lojas perfeitas, ou simplesmente maçons
desgarrados, em vários pontos do país, como Lisboa, Porto, Coimbra, Valença e
Funchal, recrutando-se os seus elementos, sobretudo, entre a oficialidade do exército e
da marinha, o professorado, o comércio e a indústria, a burocracia civil e eclesiástica.
Assim, ante a subversão revolucionária soprada de França, acende-se a perseguição à
«pedreirada», cujo volume ia aumentando e inquietando os defensores da ordem
estabelecida.
A repressão alarga-se com a proclamação da República e a implantação do
governo terrorista da Convenção montanhesa. Pina Manique olha cada vez com mais
desconfiança os residentes franceses em Portugal… «os seus cuidados levam-no a temer
os criados e preceptores de além Pirinéus, a espiar os franceses de Lisboa, a vigiar o
trânsito fronteiriço, a controlar a correspondência dos cidadãos da nova república e as
suas operações comerciais.
Perante o ministério, anota as contravenções na venda de obras proibidas por
livreiros gauleses, acusa o recebimento de notícias e papéis destinados a indivíduos da
mesma nacionalidade, dá conta das suas confabulações em público sempre que elas
implicam simpatia pelos homens de Paris, e não se esquece de investigar quer as
denúncias que lhe fazem chegar, quer os movimentos e as acções de reais ou
hipotéticos espiões, emissários e propagandistas franceses chegados a Lisboa».
Na sua febre de perseguição, Pina Manique lançava mão de todos os meios,
sendo frequentes o apresamento de navios franceses, o impedimento de desembarque de
soldados republicanos, constantes as rusgas dentro e fora da alfândega em busca de
livros proibidos e o encarceramento ou expulsão de vários franceses residentes em
Lisboa. Neste caso, os exemplos de maior repercussão foram os do tesoureiro da feitoria
francesa em Lisboa, do pintor Noël, De D´Ortiquigni, acusado de ligação a uma loja
maçónica na Madeira, de Dupethouars, capitão do barco “Le Diligent”, e do «cidadão
Darbault», enviado pela Convenção, em 1793, para secretário da legação francesa em
Lisboa.
No entanto, alguns emigrados, essencialmente oriundos da nobreza, ao chegar a
Portugal dispuseram-se a colaborar com as autoridades do Reino, como foi o caso do
marquês de La Rozière que, depois de ter abandonado a França, em 1791, entrou para o
exército português e veio a ser, posteriormente, inspector geral das fronteiras.
Igualmente, o conde Jean – Victor de Novion foi adido do exército e depois tornou-se
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comandante da Guarda Real da Polícia de Lisboa. Obviamente, tratava-se de situações
excepcionais. No Verão de 1793, um observador francês, não identificado, denunciava
que certos imigrados eram bem acolhidos e pagos pelo Governo português, chegando
alguns a exercer actividades de espionagem.
Quanto aos portugueses que se atreviam a pensar independentemente da
“cartilha” oficial, prendeu, perseguiu e castigou, ao menor sinal de inconformismo e
firmeza de convicções. Escritores, poetas, sábios e artistas exilaram-se, deixando o país
cada vez mais pobre de valores culturais e humanos. Para exemplo, basta citar Francisco
Manuel do Nascimento, o célebre Filinto Elysio, e o botânico Félix de Avelar Brotero,
que tiveram de se expatriar para poderem livremente expandir os seus pensamentos.
Diogo Inácio de Pina Manique veio a desaparecer da cena política portuguesa
quando em 1804, ano que antecedeu a sua morte, foi demitido a fim de se dar saída a
uma exigência de Napoleão Bonaparte. A seu tempo, ver-se-á a causa e o decreto da sua
demissão.
Regência de D. João. Política externa. A Campanha do Rossilhão.
No princípio de 1792 agravou-se o estado de saúde da Rainha, de tal modo que,
a 10 de Fevereiro, os médicos publicaram um boletim a confirmar que a soberana não
podia ocupar-se mais dos negócios do Estado. «Sob fortes pressões anos e anos, desde
tenra idade sujeita a escrúpulos, dada à melancolia, com propensão para as afectações
nervosas, a sua robustez física entrou num processo de degenerescência mental que a
conduziu à insânia e mesmo ao frenesim, apesar da grande mansidão do seu génio, da
sua imaginação perspicaz e dos seus hábitos sempre
propensos à espiritualidade».
A Rainha D. Maria I fora atingida por desgostos
profundos que lhe abalaram o espírito: a morte da mãe, D.
Mariana Vitória, em 1781, o marido, D. Pedro III quatro
anos depois, perda do seu confessor, o arcebispo de
Tessalónica, o falecimento prematuro do Príncipe D. José,
herdeiro do trono e, finalmente, a marcha da revolução em
França, foram acontecimentos que perturbaram o espírito
da Rainha por tal forma que, manifestando-se claramente a loucura, teve de abandonar o
governo da nação.
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Assim, de 1791 a 1799, teve D. João de dirigir os negócios públicos no clima de
tensão política e militar que envolvia a Europa, cabendo-lhe organizar a participação de
Portugal na Guerra do Rossilhão e, a partir de 1798, enfrentar as imposições francesas
para que o nosso país abandonasse a aliança com a Inglaterra e optasse pelas vantagens
da política continental de Napoleão.
A notícia dos acontecimentos ocorridos em França durante o ano de 1792, como
a insurreição parisiense de Agosto, que prenunciara a abolição da realeza naquele país,
o regime de Terror que se segue à deposição do rei e ao fim da Assembleia Legislativa,
os massacres de Setembro e o encarceramento de Luís XVI e Maria Antonieta na prisão
do Templo, reflectiram-se em toda a Europa, obrigando os governos a tomar medidas
com vista à defesa dos seus interesses imediatos.
Perante o que se estava a desenrolar, os diferentes governos agitam-se, não
pensando noutra ideia que não fosse a de uma coligação geral contra a França
revolucionária. Sob a direcção da Inglaterra, em cuja órbita Portugal vai girar mais do
que nunca, iria começar a mobilização de poderosos meios para conjurar o perigo, antes
que fosse tarde.
De início a atitude de Portugal neste conflito, que veio a envolver toda a Europa,
foi manter-se numa posição de neutralidade mas, em breve, perante a ameaça que sobre
nós pendia, fomos mudando de política. Em finais de 1792, a neutralidade peninsular,
mantida com manifestas precauções defensivas no plano ideológico e militar, tornara-se
insustentável.
Aconteceu que, nos fins de 1792, a luta entre girondinos e montanheses, dando
origem ao segundo Terror, conduziu ao processo
de Luís XVI, acusado de traidor à pátria por
pactuar com as cortes estrangeiras, pelo que a
Convenção o condenou à guilhotina em 21 de
Janeiro de 1793. Este acto de violência que
impressionou e aterrou toda a Europa, determinou
em Portugal um luto rigoroso de 15 dias, ao
mesmo tempo que a Espanha e a Inglaterra começaram a preparar-se activamente para
entrar na guerra.
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Sendo as relações exteriores que preocupavam agora os diversos governos, o
ministro português dos Negócios Estrangeiros, Luís Pinto de Sousa, propõe à Espanha
uma tríplice aliança contra a Convenção Nacional Francesa, a Assembleia que saiu da
insurreição de 10 de Agosto e devia estabelecer a nova forma de governo.
A aliança seria do nosso interesse, pois nos garantiria a protecção marítima da
Inglaterra no Brasil e, da parte da Espanha, a cobertura da fronteira terrestre, só que…
da parte destas nações houve reticências à nossa participação. No entanto, a Inglaterra
sempre ia recomendando para cá que «aprontem alguns navios de guerra, para o caso
de ser necessário assegurar a neutralidade».
A Convenção, a par dos entendimentos entre ingleses e espanhóis, (a capital do
reino passou a ser também uma notável placa giratória da espionagem revolucionária e
contra – revolucionária) resolveu mandar a Lisboa, em Março de 1793, um enviado,
Antoine Darbault, para estabelecer relações diplomáticas e obter a confirmação da
neutralidade portuguesa, importante para a França porque ela lhe manteria aberto o
porto de Lisboa e facilitaria o comércio com o Brasil. Porém, o ministro Luís Pinto, que
o recebe, não lhe aceita as credenciais e o Gabinete português persiste na recusa de
reconhecer o governo francês, sem deixar de
asseverar ao emissário que socorreria os seus aliados.
Perante a insistência do emissário, o Intendente da
Polícia, Pina Manique, recebe ordens terminantes
para o expulsar do país.
Entretanto, o duque de Alcudia, o famoso
Manuel Godoy, ministro do rei de Espanha, Carlos
IV, e favorito da Rainha, concertara, em 25 de Maio
de 1793, em Aranjuez, com Milorde Santa Helena,
representante britânico, uma acção conjunta numa
intervenção contra a França, sem comunicar coisa alguma ao Governo português, de
modo que Portugal não figurasse num acto comum e «entrasse depois disso no concerto
a título de acessão». Nestas condições, figurando como «potência acedente e passiva»,
o Príncipe D. João não estava resolvido a entrar no ajuste.
Ao fim e ao cabo, após várias negociações, Portugal entrou na aliança, não como
potência acedente, firmando em separado tratados de mútuo auxílio e recíproca
protecção, com a Espanha a 15 de Julho e com a Inglaterra a 26 de Setembro.
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Como represália, a Convenção autorizou o corso contra os navios portugueses.
Temendo-se, em Lisboa, que essas represálias francesas atingissem o Brasil, o nosso
governo pediu ao Gabinete londrino que cedesse alguns barcos, para que, juntamente
com barcos portugueses, vigiassem aquela costa e a de Portugal, pedido a que os
ingleses não atenderam, mostrando o desejo de aproveitar os nossos barcos de guerra
onde melhor entendesse, apesar do tratado acabado de firmar.
O desenrolar dos acontecimentos em França, o terror da Convenção e,
sobretudo, a execução de Luís XVI e de Maria Antonieta, dá origem à primeira grande
coligação constituída pela Inglaterra, Nápoles, Rússia, Portugal, Espanha, Prússia e
Áustria, tendo já estes dois últimos países iniciado a guerra contra a nova República.
Portugal, para quem a sua neutralidade seria ideal, viu-se envolvido na guerra,
pela sua posição de nação aliada da Inglaterra, alinhando ao lado da Espanha.
Em meados de Setembro de 1793, seis mil portugueses, comandados pelo
escocês Marechal Forbes Skellater, partiram em direcção à Catalunha, desembarcando
no porto de Rosas, indo juntar-se ao exército espanhol, que combatia no Rossilhão, ao
sul de França, contra os franceses.
Os nossos soldados tomaram parte em todas as batalhas que ali se travaram,
dando grandes provas do seu valor, apesar das inúmeras privações que tiveram de
suportar. De facto, foram jornadas de sacrifício, pois, tanto o Governo português como
o espanhol, tinham posto milhares de homens em combate sem que lhes pudessem
assegurar as necessidades mais indispensáveis. A desorganização espanhola na
administração militar era desoladora, faltavam alimentos, faltava água, faltavam
hospitais, enquanto a Convenção com a célebre declaração da «pátria em perigo»,
fizera o milagre de pôr em campanha forças aguerridas e numerosas.
Apesar das enormes dificuldades o exército português, logo à sua chegada,
prestou grandes serviços, auxiliando com bravura a derrota que os franceses sofreram
em Cérer e, pouco depois, era também tomado Villelongue onde se distinguiu o
segundo Regimento do Porto. Foram-se alcançando, assim, algumas vitórias, ainda que
o estado, tanto das nossas tropas, como das espanholas, fosse miserável, devido ao
abandono em que eram votadas pelo governo de Madrid.
Mas a sorte das armas em breve mudaria. Em Abril de 1794 a situação das
tropas francesas tinha melhorado, conseguindo algumas vitórias e acentuando o
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movimento de avanço. O Marechal Forbes ainda propôs um ataque desesperado a uma
posição dos franceses, mas o conselho de oficiais rejeitou a proposta e resolveu iniciar a
retirada. Esta fez-se precipitadamente, sem ordem, os soldados estavam desmoralizados,
deixando as armas e as mochilas pelos caminhos. Em Novembro de 1794, os franceses
vibraram o golpe fatal na batalha da Montanha Negra. A Campanha estava liquidada.
No ano seguinte, depois do malogro da ofensiva militar do Rossilhão, a Espanha
negoceia bilateralmente com a França os preliminares da Paz de Santo Ildefonso,
ratificada pelo Tratado de Basileia, em Junho de 1795. Tal foi o sigilo posto no ajuste
da paz que, durante alguns dias, se continuou combatendo.
O Tratado de Basileia, negociado sem conhecimento do Governo português,
deixando-nos em estado de guerra com a França e sujeito, portanto, a todas as
agressões, «era quanto a Espanha nos oferecia como paga dos serviços que lhe tinham
prestado no Rossilhão e na Catalunha». Recompensado foi o ministro de Carlos IV, D.
Manuel Godoy, “protegido” da Rainha D. Maria Luísa, a quem foi atribuído o título de
«Príncipe da Paz».
Acção diplomática. A luta pela neutralidade.
Da campanha do Rossilhão não retirou Portugal quaisquer benefícios de ordem
política. A posição portuguesa era melindrosa, pois via-se em guerra com a França sem
qualquer apoio terrestre, sendo urgente a paz, só que… a Inglaterra não desejava que tal
se concluísse em termos que pudessem prejudicar os seus interesses. Impedidos de fazer
a paz, e muito menos a guerra, o Governo português iniciou uma batalha diplomática
que se iria prolongar por muitos anos e cujo objectivo consistia em manter uma paz
simultânea com as potências em litígio: Inglaterra, França e Espanha.
Sem dúvida que, com o fim da Campanha do Rossilhão, começava um grande
calvário para a política externa portuguesa. Os ingleses pretendiam que os ajudássemos
nas operações navais e lhes mantivéssemos todos os privilégios de comércio e
navegação, enquanto os franceses, aliados aos espanhóis, exigiam que puséssemos
termo às vantagens concedidas à Inglaterra, a fim de nos reconhecerem o direito a viver
em paz.
No Tratado de Basileia, de cujas negociações nunca o nosso embaixador em
Madrid soubera parte, a França aceitava o rei de Espanha como medianeiro para os
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negócios de Portugal, como estava expresso no artigo 15º do referido Tratado: «A
República Francesa, querendo dar um testemunho de amizade a S. M. Católica, aceita
a sua mediação em favor da Rainha de Portugal, dos reis de Nápoles e da Sardenha, do
infante Duque de Parma e dos demais Estados da Itália, para que se restabeleça a paz
entre a República e cada um daqueles príncipes e Estados».
Além das cláusulas conhecidas, chegaram à Corte de Lisboa notícias de uma
combinação secreta entre a França e a Espanha para a conquista de Portugal a título de
indemnização pelos territórios cedidos aos franceses além dos Pirinéus, ou caso o nosso
país não se desligasse da Inglaterra.
Efectivamente, começava a pressentir-se em Lisboa que a Espanha, apesar de se
dar como mediadora nas negociações entre Portugal e a República Francesa, se
preparava para nos fazer a guerra de acordo com a França. Negava-nos os socorros,
recebia nos seus portos as presas que os franceses nos faziam e dava abrigo aos
corsários republicanos que saíam dos portos da Galiza e iam assaltar os nossos navios
de comércio. A Inglaterra continuava a não fazer caso das nossas reclamações. Quer
dizer, a Espanha burlava-nos constantemente e a Inglaterra considerava-nos
descaradamente como uma colónia, ou antes como uma «potência vassala».
Perante esta situação, a grande prioridade consistia em procurar desbloquear a
política externa. De início, o Governo de Lisboa recorreu a uma argumentação sem
qualquer consistência: Portugal não se sentiria obrigado a fazer a paz com a França
porque – dizia – nunca tinha saído da posição da mais estrita neutralidade. Apesar de ter
enviado uma divisão expedicionária para o Rossilhão, apesar de ter participado com a
sua esquadra, conjuntamente com a Inglaterra, pretendia ser considerado pela França
como potência neutral, alegando que não fizera senão
cumprir as obrigações que os tratados lhe impunham, e que
procedera simplesmente como potência auxiliar e não como
potência beligerante.
Ora bem. Fosse em consequência de tratados
antigos, com declaração de guerra ou sem declaração de
guerra, a partir do momento que as nossas tropas se
juntaram às forças espanholas para hostilizar a França,
declarávamo-nos em guerra com esta nação; desde o
momento que os nossos navios se aliaram para o mesmo fim aos ingleses, o estado de
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guerra acentuava-se mais e expunha-nos às represálias dos franceses. Isto é claro e
lógico. E mais, ainda que por absurdo se admitisse esta argumentação, virava-se contra
nós outro facto – o da recusa que tínhamos feito de receber o enviado francês, Darbault,
como já foi referido, para estabelecer relações diplomáticas e que acabou por ser
expulso de Portugal.
Obviamente, a posição portuguesa não foi aceite, a França exigia um pedido
formal de paz para impor severas condições. O próprio Governo de Madrid,
representado por Godoy, o «Príncipe da Paz», adiantava que a França «não entrava
seguramente em negociação alguma com Portugal, a não ser a da paz propriamente
dita, por olhar este reino em manifesto estado de guerra contra si; que todavia não se
recusaria a prestar os seus bons ofícios para que a França reconhecesse efectivamente
a neutralidade de Portugal». Esta boa vontade e desejos conciliadores do duque de
Alcudia não passava de astúcia e fingimento.
Acrescente-se que existia um forte grau de parentesco entre as duas famílias: em
1785, o Infante português, D. João, casara com a Infanta espanhola D. Carlota Joaquina,
filha dos reis de Espanha, Carlos IV e D. Maria Luísa. Igualmente, o Infante de
Espanha, D. Gabriel, veio a casar com a Infanta portuguesa D. Maria Vitória. Porém,
não foram poucas as situações em que Portugal foi traído e prejudicado pela perfídia do
ministro Godoy, que era amante da rainha e o rei espanhol tratava por «caro Manuel».
A duplicidade do ministro espanhol chegou ao ponto (para melhor dissimular os
seus projectos de conquista) de planear uma entrevista entre as duas famílias reais, para
provar a sinceridade da Espanha, querendo mostrar assim a amizade entre as duas
Cortes peninsulares, que de facto não existia.
O nosso ministro, Luís Pinto, entusiasmado, “mordeu a isca”, julgando que dessa
entrevista sairia alguma resolução favorável aos interesses de Portugal. No dia 22 de
Janeiro de 1796, realizou-se o encontro entre as duas famílias reais em Elvas e Badajós,
havendo troca de banquetes, de visitas, de brindes, mas a situação política não teve a
mínima alteração.
Pouco depois, já em Espanha, activadas as negociações da paz entre Portugal e a
França com a mediação de D. Manuel Godoy, o nosso ministro dos Estrangeiros
pretendia convencer o representante francês em Madrid, general Perignon, a acreditar na
peregrina e teimosa ideia de que o nosso País não era beligerante, «não obstante as
Carlos Rodrigues Jaca
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obrigações das suas alianças». O general Perignon, naturalmente, não “embarcou” no
sofisma, admitindo, no entanto, a assinar a paz nas seguintes condições:
«1ª – Retrocessão de todas as terras e ilhas ao norte do curso do Amazonas, que
então por diante serviria de limite entre a Guiana francesa e o Brasil, desde o rio
Negro até ao Amazonas;
2ª – Livre navegação do mesmo Amazonas para os Portugueses, Espanhóis e
Franceses que ocupassem as suas margens;
3ª – Indemnização de 25 milhões de francos em dinheiro de contado;
4ª – Admissão dos navios franceses nos portos de Portugal e seus domínios, no
mesmo pé em que neles se admitiam os da nação mais favorecida, tendo as mesmas
vantagens de que a Inglaterra gozava pelo tratado de Methwen».
Estas condições eram completamente inaceitáveis, provando que a mediação do
«Príncipe da Paz» de nada servia. E mais, a sua deslealdade tornou-se bem notória
quando propôs ao Governo português que entrasse numa aliança que se projectava entre
a França e a Espanha contra a Inglaterra. Era o caso do Tratado de Santo Ildefonso,
assinado em 18 de Agosto de 1796, entre a Espanha e a França, tratado de aliança
ofensiva e defensiva que em consequência do seu artigo 18º rompeu as hostilidades
entre a Inglaterra e a Espanha e veio agravar as dificuldades, pois a existência de alguns
artigos secretos, de que nunca suspeitaram os enviados portugueses, tinha por fim fazer
romper a aliança anglo-lusa.
A situação em que Portugal se envolvera era altamente crítica e de alto risco. Se
entrava na aliança que lhe ofereciam, estava em guerra com a Inglaterra, e o primeiro
resultado dessa luta era, sem dúvida, a perda das colónias; não aderindo à aliança era
iminente uma guerra contra a França e a Espanha, cujo resultado seria, certamente, a
invasão do País por um exército fanco-espanhol.
Negociações com o Directório. O Tratado de 10 de Agosto de 1797.
Nestas condições, Portugal, mudando de política, resolve negociar directamente
com o Directório executivo da República Francesa e, com esse fim, vai enviar para Paris
um agente especial, supondo-se que seria bem sucedido na sua missão.
Para o desempenho das funções de negociador pareceu ser o mais indicado o
ministro português em Haia, António de Araújo de Azevedo, (que a Inglaterra tinha
acusado de partidário da França, acusação que a Espanha lhe fizera igualmente)
Carlos Rodrigues Jaca
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expedindo-se, em 6 de Junho de 1796 para a capital holandesa os respectivos plenos
poderes.
António de Araújo de Azevedo era um belíssimo diplomata, experiente e sempre
excelentemente informado, servido por uma inteligência penetrante e esclarecida,
ligando-se aos assuntos franceses e espanhóis logo que chegou à capital francesa.
Já anteriormente à assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, haviam sido
empreendidas algumas negociações de paz. Porém, agora a situação do País era tão
melindrosa que obrigava o Governo a tratar prementemente dela – conseguir que o
Directório executivo abandonasse as suas exigências territoriais e não insistisse no
fecho dos portos aos navios ingleses. As primeiras negociações tiveram lugar durante o
Inverno de 1796-97 em Paris e Madrid simultaneamente.
A 12 de Outubro de 1796, o diplomata inicia as negociações de um tratado com
a França, apresentando um contra-projecto de paz, resumindo as últimas concessões que
Portugal podia fazer e a que acrescentava um artigo secreto, pelo qual nos obrigávamos
a pagar à França uma indemnização de dois ou três milhões de cruzados.
Apesar dos esforços de Araújo de Azevedo e dos gastos que o nosso Governo
fez para conciliar a boa vontade de alguns membros do Directório, muito receptivos à
corrupção, o executivo francês não concordou nas condições apresentadas. Ao insistir
na cessão do território do Brasil ao norte do rio Amazonas, o nosso representante
declarou não estar autorizado para isso, nem julgar dever pedir novas instruções para
Lisboa, pela certeza que tinha de se não poder concordar com semelhante exigência.
Sendo, portanto, um facto que a negociação da paz tomara um carácter
interminável, o Directório fez saber ao nosso embaixador que Portugal só tinha dois
caminhos a seguir: ou dar por nula a sua aliança com a Inglaterra e só assim a França
não nos declararia guerra, ou o nosso País entrava, francamente, com os espanhóis e
franceses numa aliança contra a Grã-Bretanha, tanto mais que o Gabinete espanhol e o
ministro da França em Madrid, já haviam assinado uma convenção secreta, pela qual
combinavam a conquista de Portugal, ao mesmo tempo que, a 26 de Abril de 1797,
Araújo de Azevedo foi intimado a sair de Paris no prazo de vinte e quatro horas.
Logo que a Grã-Bretanha tomou conhecimento dos preliminares da paz entre a
Áustria e a França, tratou de demonstrar ao Directório executivo o desejo que tinha de
facilitar, por todos os meios possíveis, a conclusão de uma paz que acabasse na Europa
Carlos Rodrigues Jaca
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com as calamidades da guerra. Nestas condições, a Corte de Lisboa, com toda a razão,
julgou conveniente mandar de novo para Paris o seu antigo plenipotenciário António de
Araújo de Azevedo.
Ao mesmo tempo que o Directório tratava com o nosso representante, o mesmo
Directório negociava em Lille com os ingleses tendo como objectivo fundamental
afastar Portugal da aliança inglesa, pretendendo, assim, concluir com o nosso País uma
paz em separado.
Aliás, de Lisboa, recomendava-se que «o interesse de Portugal é fazer a paz por
todos os meios possíveis, ainda que com a separação da Inglaterra, e portanto quando
assim haja de acontecer, contra o que esta Corte quer e deseja, Vª Ex.ª não perderá um
instante de tempo em propor aos comissários franceses uma paz particular com esta
coroa, debaixo da imediação da Corte de Espanha, a qual V.ª Ex.ª reclamará como
aceita, e proporá desde logo não só todas as condições já oferecidas, mas a soma de
quatro milhões todos em espécie …».
António de Araújo de Azevedo conhecia a fundo os homens e as coisas de
França, e bem sabia que era a corrupção a melhor de todas as diplomacias com a
corrupta sociedade política do Directório. M. de Talleyrand, (diplomata francês, Bispo
de Autun no antigo regime, Presidente da Assembleia
Nacional, Ministro das Relações Exteriores do Directório e,
pouco depois, do Consulado e do Império, tinha simpatia
por Portugal e era amigo de António de Araújo), parecia ao
plenipotenciário português mais vulnerável para se deixar
seduzir do que o seu anterior antecessor, Mr. Delacroix.
Nesta enviatura fundava Araújo de Azevedo grandes
esperanças, segundo a sua política, tendo por sistema
defender Portugal das agressões da França pela corrupção,
persuadido como estava de que o meio mais simples, fácil e seguro de obter a paz com
esta potência era despender alguns milhões de cruzados, que a navegação e comércio
restituiriam depois ao País.
Vejamos o que a este propósito nos diz António de Araújo de Azevedo em
ofício enviado para Lisboa, datado de 25 de Junho:
«Para comprar os membros do Directório e outros indivíduos que cercam o
governo, a fim de impedir a coalizão (acordo) com a Espanha, demorar a ruptura desta
Carlos Rodrigues Jaca
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potência e adiantar a nossa negociação, fiz despesa de que ainda não posso dar
contas…Em Paris não se dá passo algum sem dinheiro, e é preciso destinar três ou
quatro milhões de libras para comprar os directores, ainda que a saída de Letourneur,
que era um dos corruptíveis, diminuiu aquela despesa. O secretário do Directório e o
ministro das relações exteriores são igualmente corruptíveis, e Barras vende-se a quem
mais dá. O príncipe de Pignatelli teve logo à sua disposição 22.000 luizes para vencer
a paz, porque era empenho da Corte de Nápoles; empregou quatro milhões em
corrupção, porque sem ela os que não podem fazer bem fazem mal».
Sem dúvida que Araújo de Azevedo empregou, de novo, esses meios de que já
se servira, o suborno e a corrupção, empenhando-se desta vez com a maior diligência
para conseguir a paz de que Portugal tanto carecia. As despesas secretas que fez para
esse fim corresponderam a um milhão cento e sessenta mil libras tornesas, mas
conseguiu, enfim, assinar um tratado que era o mais favorável que Portugal podia
alcançar nas difíceis condições em que se encontrava.
Algumas concessões de parte a parte levaram a um entendimento que terminou
pela assinara do Tratado de 10 de Agosto de 1797, considerado vantajoso para
Portugal. Luís Pinto de Sousa em ofício de 11 de Setembro do mesmo ano dizia a D.
João de Melo e Castro, embaixador em Londres, que o Tratado havia sido «abraçado
por toda a Nação com o maior alvoroço».
Entre as principais cláusulas do Tratado, Portugal obrigava-se a pagar uma
indemnização de dez milhões de libras tornesas; a respeito dos territórios na América
não seria o Amazonas a fronteira, como até aí a França queria, mas que nos sertões ao
norte do grande rio se traçaria uma linha divisória, reconhecendo o Governo francês os
direitos de Portugal à posse dos territórios da margem setentrional do Amazonas que
ficassem ao sul dessa linha; conseguiu António de Araújo também que fosse recíproca a
neutralidade e que a França não insistisse na admissão dos seus lanifícios, para não
prejudicar os interesses ingleses, sem que fossem proibidos do mercado francês os
nossos vinhos.
Havia, porém, no Tratado dois artigos, o 4º e o 5º, que viriam a provocar a cólera
e o ressentimento da Inglaterra.
O artigo 4º estipulava que Portugal, sem romper a sua aliança com a GrãBretanha, não a auxiliasse na guerra contra a França, nem com tropas, nem com
dinheiro, nem com mantimentos para as suas esquadras; o artigo 5º dizia que nos portos
Carlos Rodrigues Jaca
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da nossa costa não podiam estar mais de seis navios de guerra de cada uma das nações
beligerantes.
Oposição da Inglaterra à ratificação do Tratado. Araújo de Azevedo
na prisão do Templo.
Logo que a conclusão deste Tratado chegou ao conhecimento do ministério
inglês, Lord Grenville irrompeu em violentas recriminações contra o Governo
português, acusando-o de quebrar todos os tratados que o obrigavam a auxiliar a
Inglaterra.
Luís Pinto de Sousa, nosso ministro dos Estrangeiros, apressou-se a comunicar
para Londres desautorizando António de Araújo, dizendo que este exorbitara das suas
funções e participando que os artigos contrários à ajuda na guerra e ao livre acesso dos
portos não seriam ratificados, o que fez com que o Gabinete inglês se desfizesse em
protestos de amizade, estima e consideração ao nosso Governo. Lord Grenville afirmava
que S. M. Britânica «se achava empenhado, não só a procurar uma paz a Portugal, sem
que ela lhe custasse o menor sacrifício, mas também, no caso de um rompimento
inevitável, a assistir à monarquia portuguesa com todos os socorros que estivessem na
sua real possibilidade».
O Tratado de 10 de Agosto de 1797 devia ser ratificado no prazo de dois meses
e, como o Directório não aceitou a ratificação parcial do Governo português, e o dia 10
de Outubro passou sem vir a ratificação completa, no dia 26 o Directório declarou rotas
as negociações, e ordenou a António da Araújo que saísse imediatamente de Paris. O
nosso ministro conseguiu, graças à sua amizade com Talleyrand, que lhe dessem ainda
um mês de espera, a fim de mandar um correio a Lisboa a pedir o Tratado sem
restrições. Em situação extremamente difícil, António de Araújo oficiou para Lisboa,
pedindo que o Tratado se ratificasse sem cláusula alguma pela nossa parte, sob pena de
se expor o País a uma invasão dos exércitos franceses. E dizia mais:
«A Inglaterra não tem pela sua parte motivo algum justo para nos ter como
inimigos, porque nós não nos aliámos à França para a combater, não fazendo mais do
que negociar a nossa neutralidade, carácter que queremos assumir durante a guerra …
Esta viva oposição da Grã-Bretanha é tão injusta como odiosa, e se não houvesse os
dois artigos que combate, outros na falta deles lhe dariam motivo para isso, porque o
Carlos Rodrigues Jaca
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seu fim é conservar-nos em guerra com a França para nos perder. A Inglaterra nunca
se sacrificou por Portugal, nem de tais sentimentos é capaz, e bem pelo contrário o que
tem feito é sacrificar Portugal aos seus interesses. A França tem toda a razão para
declarar guerra crua à Grã-Bretanha… O certo é que a França quer negociar com
Portugal, apenas separadamente. A Inglaterra sabe isto muito bem; querer portanto o
contrário disto, é não querer que a paz se faça. A Inglaterra não deve meter tanto
medo, quanto dela se tem, porque o carácter do Governo inglês apresenta semelhanças
ao da Santa Sé, mostrando-se imperioso, quando acha condescendência, e moderado
nas suas pretensões, quando se lhe mostra firmeza. A Inglaterra não tem direito algum
para exigir de Portugal que nos seus portos se admitam mais que seis navios em tempo
de guerra marítima na Europa…».
Argumenta, pois, e bem, António de Araújo para o Governo português, vincando
que a oposição da Inglaterra à ratificação do Tratado por ele negociado carecia de
fundamento, tendo apenas como objectivo obrigar-nos à continuação do nosso estado de
guerra com a França e, consequentemente, «à total ruína da monarquia, além de
atentatório da sua independência». António de Araújo de Azevedo alertava para o facto
de lhe ter constado que Godoy, o «Príncipe da Paz», teria já escrito a Talleyrand,
dizendo que se a Corte de Lisboa não ratificasse o Tratado, el-rei de Espanha estava
pronto a tudo quanto dele quisesse o Directório, e que se fosse preciso, ele, «Príncipe da
Paz», comandaria o exército, ameaça que mais tarde concretizou, invadindo Portugal.
As razões apresentadas por Araújo de Azevedo, por tão evidentes, não podiam
deixar de convencer Luiz Pinto de Sousa que, de imediato, ordenou ao nosso ministro
em Londres, D. João de Almeida, transmitir ao Governo britânico achar-se Portugal
numa situação cada vez mais crítica e que o perigo de uma guerra era iminente.
Porém, só no fim de Novembro, e depois de malogradas as negociações francobritânicas para a paz, a Inglaterra consentiu que Portugal ratificasse sem restrições o
Tratado de 10 de Agosto, isto é, quando expirara o novo prazo concedido por
Talleyrand a António de Araújo e, como já se referiu, quando o Directório o havia
anulado por decreto de 26 de Outubro e fora participado ao Conselho dos Quinhentos e
ao dos Anciãos. Apesar de todas as diligências empregadas era, por isso, impossível
alcançar a pedida ratificação.
Carlos Rodrigues Jaca
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Além do desgosto que sentiu por ver anulados todos os seus esforços para chegar
à conclusão da paz, António de Araújo era preso, em 28 de Dezembro de 1797, em
virtude da seguinte ordem:
«O Directório Executivo, em virtude do artigo 145º da Constituição, e
considerando que o sr. Araújo de Azevedo, ex-ministro plenipotenciário da rainha de
Portugal em França, é indiciado de ter durante a sua residência em França conspirado
contra a segurança interna, e especialmente de haver urdido um trama, por meio do
qual se pretendia comprometer alguns membros do governo:
Determina que o dito Araújo de Azevedo seja preso, que se ponham os selos nos
seus papeis, em todos os seus móveis, ouro e prata, depois de separados aqueles dos
ditos papeis ou móveis que podem parecer suspeitos; e que sejam imediatamente
remetidos ao ministro da polícia geral:
Ordena a todos os executores demandados de justiça que conduzam sem demora
o dito Araújo de Azevedo ao Templo (donde Luís XVI e Maria Antonieta saíram para o
cadafalso), na Comuna de Paris, e ao director desta casa de detenção que o receba,
tudo em conformidade com a lei».
Araújo de Azevedo, depois de ter sofrido três interrogatórios, o primeiro dos
quais no mesmo dia em que foi preso, mostrou-se bastante resoluto, não desesperando
da sua situação. Apesar de sobre si poderem recair graves consequências, nunca deixou
de protestar contra o insólito procedimento do Directório, recusando-se a assinar os
interrogatórios quando não lhe aceitavam os protestos, e chegando a dizer que um
procedimento desses só se poderia esperar em Constantinopla.
Violadas as suas imunidades diplomáticas, com desprestígio para a Corte de
Lisboa, nada se provou do que o acusavam. Finalmente, a 29 de Março de 1798,
António de Araújo foi solto, com ordem para sair de Paris dentro de seis horas e do
território da República no prazo de dez dias.
Quando foi posto em liberdade, sem a reparação por que havia insistido junto do
Governo parisiense para emenda do agravo e dano pessoal, soube que ela não lhe seria
dada pelo facto do Directório, em face do procedimento violento que adoptara, não
querer desautorizar-se perante a opinião pública francesa: «Vós (Araújo) fostes vítima
duma desconfiança do Governo, cujo motivo veio de longe, porque um Governo em
tempo de revolução é desconfiado, e deve sê-lo. O Directório está persuadido da vossa
inocência, mas deve, depois do que vos obrou, fazer-vos sair para fora da República».
Carlos Rodrigues Jaca
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Por esta altura já Araújo de Azevedo se encontrava de relações tensas com o
nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Pinto de Sousa, porquanto, várias
vezes, durante as negociações, e principalmente por via da falta de ratificação do
Tratado, lhe censurava os erros da politica externa portuguesa nos ofícios que lhe
remetia de Paris.
Não desejando, de imediato, regressar ao exercício do cargo de embaixador na
Holanda, conseguiu uma licença do Príncipe Regente que lhe permitiu viajar pela
Alemanha. Assim, desde Dezembro de 1798 a Outubro de 1800 esteve em contacto com
a civilização germânica, estudando alemão e estabelecendo relações e convívio com o
famoso Klopsotock, o Regente do ducado de Brunswick, Goethe, Herder, Schiller, o
grão marechal Kachrists, o Eleitor de Dresde, Werner Charpentier, Widenow e outros.
Campanha de 1801. («Guerra das Laranjas»).
No início de 1799 as relações entre Portugal e a França estavam mais tensas do
que nunca, decorrendo o referido ano sem progressos sensíveis apesar do esforço dos
vários intermediários que tentavam aproximar as duas nações.
Ao longo do período que vai de 1796 a 1801, que corresponde ao predomínio do
partido inglês no Governo, foi objectivo
prioritário dissuadir ou anular a ameaça franco
– espanhola, sem prejuízo da aliança inglesa,
tida como alicerce fundamental da nossa
política externa.
A 10 de Novembro de 1799 (18 do
Brumário pelo calendário revolucionário),
Napoleão dissolve o Directório e, através de
uma hábil propaganda que atingiu sobretudo o
meio operário, ocupa o cargo de Primeiro
Cônsul, apresentando-se como um «pai», um
«salvador», e ser ele o único a conseguir a
paz. Sob este ponto de vista, a submissão de Portugal, contribuindo para isolar a
Inglaterra, aparecia como «um penhor» capaz de a obrigar a negociar.
Carlos Rodrigues Jaca
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De facto, iniciado o período do Consulado, a conjuntura militar evolui
rapidamente e Napoleão retoma o projecto da invasão de Portugal. Assim, em Julho de
1800, chega a Espanha o general Bertier que, entre outros assuntos a debater, deveria
solicitar ao governo de Madrid que declarasse guerra a Portugal. Referindo-se a esta
missão, Bonaparte participava a Talleyrand, em 28 de Julho:
«Ele estará encarregado de instigar a Espanha, por todos os meios possíveis, à
guerra contra Portugal, fazendo-lhe sentir… que é indispensável, num momento em que
a guerra continental vai terminar, e em que provavelmente não se tardará a entrar em
negociações para a paz geral, ter em mãos o maior número de equivalentes possível».
As relações entre Lisboa e Madrid haviam-se deteriorado no decorrer do ano de
1800, apesar dos laços familiares que uniam os dois
soberanos, falhando todas as tentativas de Carlos IV para
convencer o genro a fazer um acordo de paz com a França.
Efectivamente, o monarca espanhol fez saber ao
Príncipe D. João a conveniência
de aceitar as condições que a França havia proposto,
oferecendo-se
Talleyrand como mediador, só que… às
primeiras tentativas do Gabinete português nesse sentido
encontrou, de imediato, a oposição inglesa ameaçando
retirar de Lisboa as suas forças com o pretexto de que eram necessárias na Índia.
Neste contexto, em Maio de 1800, era corrente e bem fundamentada a hipótese
de uma próxima expedição contra o nosso País. Ao encarregado de negócios português,
Santos Branco, declarava o cônsul Lebrun: «Portugal não quer fazer a paz connosco:
conquistá-lo-emos».
A nossa situação era o mais crítica possível. Napoleão conservava um grande
ressentimento contra nós, por via de termos colaborado com a esquadra inglesa,
comandada por Nelson, nas operações em frente de Alexandria contra os franceses e
depois no bloqueio de Malta. A indignação de Bonaparte era tal, por essa participação
portuguesa, que na ordem do dia ao exército do Oriente declarava: «Virá tempo em que
a nação portuguesa chorará com lágrimas de sangue a ofensa que praticou com a
República Francesa».
Carlos Rodrigues Jaca
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Era público e notório que o mais importante para Napoleão era obter do
Governo espanhol uma aliança eficaz para forçar Portugal. Numa carta datada de 8 de
Novembro que Luciano Bonaparte, irmão de Napoleão e embaixador em Madrid,
remeteria ao rei Carlos IV, o Cônsul insistia no interesse que teria para os dois países a
conquista de Portugal: «O maior dano que
podemos
fazer
ao
comércio
inglês
é
apoderarmo-nos de Portugal. Essa conquista,
aliás, compensaria a Espanha das perdas e
despesas que fez na guerra e tornaria o reino de
Vossa Majestade ilustre como nunca. Se Ela
julgasse ter necessário de auxílio de quaisquer
tropas de engenharia e artilharia francesa,
Vossa
Majestade
está
persuadida
do
empenhamento que eu poria em as diligenciar».
As negociações entre Luciano Bonaparte
e o «Príncipe da Paz» iniciaram-se no fim de
Dezembro de 1800, tendo sido assinado um projecto de convenção sobre o qual se veio
a pronunciar o Primeiro Cônsul. A convenção, remetida de novo para Madrid, foi
assinada por Godoy e Luciano Bonaparte com a data de 29 de Janeiro de 1801. Esta
convenção, dita de Madrid, estipulava um prazo de quinze dias ao Governo português
para se fazer a paz com a França ou para se considerar em guerra com a Espanha,
enunciando as condições impostas a Portugal:
Abandonarmos a aliança inglesa; abrir os nossos portos aos navios da Espanha e
da França e fechá-los aos da Inglaterra; entregar ao rei de Espanha as províncias
portuguesas que perfizessem a quarta parte da população dos nossos Estados da Europa
para garantia da restituição de Mahon, de Malta e da ilha da Trindade; indemnizarmos
os súbditos espanhóis dos prejuízos que tivessem sofrido, e fixarmos definitivamente os
nossos limites com a Espanha; indemnizarmos a França.
O Príncipe Regente recusou as condições transmitindo-o, oficialmente, a 18 de
Fevereiro para Madrid, o que queria dizer que as relações diplomáticas entre Portugal e
Espanha tinham acabado.
Em finais de Fevereiro, Carlos IV, declarava oficialmente guerra ao genro,
publicando um decreto em forma de manifesto onde explicava os motivos que o
Carlos Rodrigues Jaca
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levaram a tal atitude: «Os portos de Portugal são mercado público das presas,
espanholas e francesas; no rio Guadiana os soldados portugueses cometeram contra os
meus súbditos violências inauditas, agredindo-os, e fazendo fogo sobre eles como se
por ventura estivessem em guerra aberta, sem que o Governo português desaprovasse
este procedimento…
… A República Francesa, justamente irritada contra Portugal, queria fazer-lhe
experimentar, os efeitos do seu ressentimento. As armas vitoriosas dos franceses teriam
assolado as suas províncias se o meu amor fraternal pela Rainha e por seus filhos, não
desviasse a tempestade. Diante da minha mediação os franceses pararam sempre.
Representei vivamente à Rainha de Portugal os perigos, de que parece não se
aperceber, e nas expansões do meu coração, empreguei a linguagem da ternura
paternal e de uma sincera e previdente amizade…
…Como correspondeu a corte de Lisboa? Pagando a minha lealdade com
estudadas contemporizações, mandando
plenipotenciários sem poderes, nem
mesmo limitados, adiando todas as
explicações decisivas, em uma palavra
valendo-se de todos os subterfúgios da
política
falaz,
e
das
astúcias
da
fraqueza.
O Príncipe Regente levou a
obcecação ao ponto de denominar seu aliado o rei da Grã-Bretanha numa carta, que
dirigiu à minha Real Pessoa, esquecendo assim os vínculos, que nos unem, e o respeito
que me deve, quando dava o nome de
aliança a um facto que não significava
mais
que
o
abuso
indecente
do
predomínio, que a Inglaterra assumiu
sobre Portugal».
Em Maio de 1801 havia a
certeza de que Portugal seria invadido.
Assim foi. Na manhã do dia 20
iniciaram-se as hostilidades, invadindo o exército espanhol a fronteira do Alentejo e
tomando Olivença que se entregou sem resistência apesar de poder dar combate aos
Carlos Rodrigues Jaca
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sitiantes. Também, no mesmo dia, Juromenha, que estava em situação de sustentar
honrosa defesa, aceitava a rendição em condições semelhantes. Contra Elvas investiu o
próprio «Príncipe da Paz» exigindo a rendição da praça, recebendo como resposta à sua
intimação que Elvas nunca se renderia enquanto dentro das suas muralhas existisse um
soldado, acabando os espanhóis por retirar-se depois de algumas trocas de tiros. A praça
de Campo Maior, defendida por sólidos baluartes, uma artilharia poderosa e
suficientemente fornecida de víveres ainda resistiu ao bombardeamento durante alguns
dias, capitulando a seis de Junho. A ofensiva prossegue, provocando a rendição de
Arronches, Portalegre, Monforte, Flor da Rosa, etc., etc. Onde quer que os invasores
chegassem, obrigavam as populações ao pagamento de avultadas contribuições
cometendo saque e roubos que foram avaliados em muitos milhões de cruzados.
A acção dos portugueses foi quase nula nesta campanha, não mostrando a menor
resistência na defesa do País. Em breve o Alentejo estaria completamente ocupado, se
não se estivesse, entretanto, a negociar a paz. A notícia de que se ia negociar a paz,
espalhou-se rapidamente entre as tropas portuguesas e, talvez por isso, há quem atribua
a frouxidão da acção militar a esse facto. O próprio marechal – general do exército
português dizia ao oficial espanhol D. Francisco Solano: «Para que nos havemos de
bater? Portugal e Espanha são duas bestas de carga. A Inglaterra nos excita a nós, e a
França vos aguilhoa a vós. Agitemos, e toquemos pois as nossas sinetas; mas por amor
de Deus, não nos façamos mal algum. Muito se ririam em tal caso à nossa custa».
O nome jocoso por que então ficou conhecida esta infeliz campanha – a «Guerra
das Laranjas» – resultou de Godoy, ao entrar no Alentejo com as tropas invasoras, ter
colhido dois ramos de laranjas que enviou à sua amante, a rainha Maria Luísa.
Tratados de Badajós e de Madrid (1801). Perda de Olivença.
Logo que os espanhóis entraram em Portugal foram dados os primeiros passos
para a suspensão das hostilidades.
Luiz Pinto de Sousa, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, foi incumbido
pelo seu sucessor, João de Almeida, para iniciar as negociações da paz. Desde o
principio da campanha que nós a solicitávamos, mas só a 28 de Maio é que Carlos IV,
que viera assistir ao triunfo do favorito de sua mulher, comandante em chefe do
exército, D. Manuel Godoy, consentiu em receber o negociador português.
Carlos Rodrigues Jaca
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As condições que Luciano Bonaparte apresentou primeiro eram duríssimas,
porém, aquelas que Napoleão Bonaparte pretendia impor eram muito mais rigorosas:
que se fizesse um embargo a todos os navios que estivessem nos portos de Portugal e
que se proibisse a sua entrada para o futuro; que as tropas francesas e espanholas
ocupassem as províncias do Minho, Beira e Trás-os-Montes; que se pagasse uma
indemnização de vinte e cinco milhões de libras tornesas e, finalmente, que aceitasse as
cláusulas que lhe eram impostas como preliminares de quaisquer negociações.
As negociações entre Luiz Pinto de Sousa, Godoy e Luciano Bonaparte
iniciaram-se em Badajós a 29 de Maio, e a 7 de Junho concordou-se na assinatura de
dois textos separados, um tratado com a Espanha e outro com a França, cujas condições
eram ainda assim bem desfavoráveis para nós.
A paz foi assinada, de facto, em 7 de Junho, mas em virtude da chegada no
mesmo dia de instruções de Napoleão com ordem formal de exigir a ocupação das
províncias portuguesas em que não haviam acordado os negociadores, antedatou-se o
tratado para dia 6.
Pelo Tratado de Badajós Portugal comprometia-se a fechar os portos tanto no
continente como nas colónias, a todos os navios quer de guerra ou mercantes
pertencentes à Inglaterra e a abri-los aos da República e dos seus aliados; fixava-se o
limite entre as duas Guianas que ficava ser o rio Arawari; permitíamos, ainda, a entrada
dos panos franceses nas mesmas condições que as mercadorias mais favorecidas.
Nas condições secretas ajustadas em suplemento ao tratado com a França,
seríamos obrigados a pagar quinze milhões de libras tornesas, metade em dinheiro e
metade em jóias, sendo este pagamento feito em Madrid no prazo de quinze meses
depois da troca das ratificações. Por sua vez, a Espanha restituía-nos as praças e
povoações de Juromenha, Arronches, Portalegre, Castelo de Vide, Campo Maior e
Ouguela que nos tinha conquistado, ficando com Olivença e com o seu território e
povos desde o Guadiana, rio, que serviria de limite entre os dois reinos.
À cessão de Olivença acedeu Luiz Pinto de Sousa, com a seguinte restrição: «O
infra – escripto plenipotenciário declara que consente, unicamente pelo bem da paz, em
firmar o artigo 3º. da cessão da praça de Olivença, e seu território, para o que se não
achava expressamente autorizado, salva contudo a ratificação de Sua Alteza Real, o
Príncipe Regente, ou a sua absoluta denegação. Em fé do que nós firmamos. Feita em
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Badajós aos 8 de Junho de 1801. Luiz Pinto de Sousa». En obséquio personal del senõr
Pinto lo firmo. El Príncipe de la Paz».
Mas essas condições, apesar de serem tão duras ainda assim pareciam suaves em
comparação das exigências do Primeiro Cônsul, e todo o receio do Governo português
era que Bonaparte não ratificasse o tratado feito por seu irmão. Foi o que sucedeu.
Quando Napoleão tomou conhecimento do tratado que acabava de firmar-se em
nome do seu país, demonstrou grande indignação, não só com seu irmão Luciano, mas
também com a Corte de Espanha, por não se ter inscrito no referido tratado a cláusula
que se tinha estabelecido na convenção de Madrid de 29 de Janeiro de 1801, da
ocupação como penhor, de algumas províncias de Portugal, recusando-se a ratificá-lo.
Porém a atitude de Godoy para com a França tinha-se modificado
completamente. O Governo espanhol ansiava pela paz, pois as tropas francesas, que ali
se encontravam, cometiam os maiores desmandos e abusos, espalhando por toda a parte
o pânico e o escândalo.
O ministro de Carlos IV protestava agora junto do embaixador de França da
atitude que Napoleão queria tomar para com o nosso país, porquanto, o que a República
e a Espanha mais desejavam de nós, era que fechássemos os portos à Inglaterra, o que
se tinha conseguido pelos tratados de Badajós. «Este era el punto essencial y este al que
siempre há resistido Portugal», argumentava Godoy. A situação passava a jogar a nosso
favor e Napoleão iria “dar o braço a torcer”.
Como por esta altura se discutia entre a França e a Inglaterra as bases do
Tratado de Amiens, o Primeiro Cônsul não terá insistido na totalidade das suas
exigências. Pouco tempo depois, o Governo português soube por comunicação do
ministro britânico, Lord Hawkesbury, ao nosso embaixador em Londres, D. João
d`Almeida Mello e Castro, que as negociações para a paz entre a Inglaterra e a França
decorriam em bom ritmo e o representante inglês pusera como condição a integridade
dos domínios portugueses.
Com efeito, Bonaparte a 27 de Agosto de 1801, dava “carta branca”a seu irmão
Luciano para concluir a paz com o nosso País, tendo sido posta de parte pelo Primeiro
Cônsul a ideia da ocupação de algumas províncias de Portugal.
Finalmente, a 29 de Setembro desse ano de 1801, depois de uma longa luta,
Portugal assinava com a França por mediação da Espanha o Tratado de Madrid, tratado
que tornava mais pesada a indemnização pecuniária, vinte milhões de libras, fora os
Carlos Rodrigues Jaca
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cinco mil que foram passados por “baixo da mesa”, «pois o cinismo dos que
intervinham nas negociações não deixava esquecer o seu proveito pessoal».
A 1 de Outubro de 1801 eram assinados em Londres os preliminares da paz
entre a Inglaterra e a República Francesa, cujo artigo 6º. salvaguardava a integridade
dos territórios e possessões portuguesas, garantindo os nossos direitos a Olivença e à
parte da Guiana usurpados pelo Tratado de Badajós. Porém, um artigo secreto
sancionava a extorsão de Olivença, artigo que viria a ser corroborado pelo definitivo
Tratado de Amiens, de 25 de Março de 1802.
A vila e termo de Olivença muito interessava aos espanhóis, não só pelo facto de
ser uma região rica sob o ponto de vista agrícola, mas também por razões de ordem
estratégica. Tal perda, por ser considerada uma espoliação, foi reclamada pelo Governo
português em várias ocasiões. Em Abril de 1811 a praça foi reconquistada pelas tropas
anglo – lusas de Beresford, porém, inutilmente, uma vez que o general inglês a entregou
às autoridades espanholas.
A mais importante diligência para reivindicar Olivença teve como palco o
Congresso de Viena, iniciado em 27 de Setembro de 1814. Durante o período dos
trabalhos desta reunião, que fixaria definitivamente a Carta da Europa, «a missão
diplomática portuguesa conseguiu marcar um lugar à parte, mercê das altas
qualidades de inteligência do seu chefe».
De
facto,
os
nossos
representantes – Conde de Palmela,
D. António Saldanha da Gama e D.
Joaquim
Lobo
da
Silveira
–
conseguiram, no respeitante ao
território de Olivença, inserir no
Tratado de Viena de 9 de Junho de
1815 um artigo, o 105º, que
determinava
textualmente:
«As
Potências, reconhecendo a justiça das reclamações formuladas por Sua Alteza Real, o
Príncipe Regente de Portugal e do Brasil, sobre a vila de Olivença e os outros
territórios cedidos à Espanha pelo Tratado de Badajós de 1801, e considerando a
restituição desses objectos como uma das medidas adequadas a assegurar entre os dois
Carlos Rodrigues Jaca
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Reinos da Península boa harmonia, completa e estável, cuja conservação em todas as
partes da Europa tem sido o fim constante das negociações, formalmente se obrigam a
empregar por meios conciliatórios os seus mais eficazes esforços a fim de que se
efectue a retrocessão dos ditos territórios a favor de Portugal. E as Potências
reconhecem, tanto quanto depende de cada uma delas, que este ajuste deve ter lugar o
mais breve possível».
A Espanha só assinou o Tratado de Viena em 10 de Junho de 1817 mas, apesar
disso, negou-se sempre a fazer a entrega de Olivença, iludindo o cumprimento deste
dever. Assim, a sua recuperação ficou sendo – e é-o ainda em nossos dias, passados
mais de duzentos anos e embora afastada das negociações diplomáticas – um problema
em aberto.
Em Portugal, sempre que se proporcionou, ou que se pôde, tem-se insistido na
justa devolução da antiga praça portuguesa, quer por meio de instituições de cultura,
com base na força do direito que foram buscar à história quer, ainda, pela voz do
sentimento popular, que nunca deixou de considerar Olivença como terra portuguesa.
Nota: Os elementos bibliográficos, manuscritos e impressos, relativos a esta 1ª e 2ª Parte, serão
incluídos numa segunda fase deste tema, a publicar oportunamente.
Carlos Rodrigues Jaca
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