II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso

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II Congresso Nacional de Formação de Professores
XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores
Trabalho Completo
“ÉTICA E CIDADANIA” - (DES)CAMINHOS PARA O ENSINO DE FILOSOFIA:
APONTAMENTOS ACERCA DE UMA FORMAÇÃO CAMBIANTE.
Renato Bellotti Senicato
Eixo 7 - Propostas curriculares e materiais pedagógicos no ensino e na formação de
professores
- Relato de Pesquisa - Apresentação Oral
A lei 11.684 de 02 de Junho de 2008, torna obrigatório o ensino de Filosofia para alunos das
séries do Ensino Médio. Com a lei, o Estado reconhece a importância da Filosofia
determinando seu ensino nas escolas públicas brasileiras. Se, antes, os esforços
concentravam-se em defender a validade do ensino de Filosofia e, lutar por sua inclusão no
currículo do Ensino Médio, as novas determinações trazem a possibilidade de novas
discussões acerca da Filosofia, especialmente de seu ensino. O novo desafio é, portanto, o
de tornar efetivo o ensino de Filosofia. Novos elementos que possibilitam-nos problematizar
o campo da formação de professores através do uso de materiais didáticos específicos.
Nessa caso, nossa escolha se faz pelo livro Ética de Cidadania: caminhos da filosofia,
publicado pela Editora Papirus. Com uma metodologia de ensino que privilegia a criação, o
livro pretende-se didático, propondo o que denominamos de (des)caminhos para se
problematizar a realidade, uma prática do “cuidado de si”, à qual os alunos são chamados a
gerar problematizações pela pertinência das temáticas da obra. As proposições em torno de
uma possível revolução no campo da formação dão-se, justamente pelo posicionamento que
a obra convida o professor a encarar. Uma realidade mutável, cambiante, como a de um
guia de viagem que a cada nova incursão encontra-se com algo novo, resignificando suas
experiências. Posicionamento que, para além dele, resvala sobre os alunos possibilitando
problematizações livres em torno da própria condição em que se encontram, para uma
reflexão acerca da vida, do cotidiano e, abrindo a possibilidade de intervenção no mundo, ou
seja, o trabalho possibilita a experiência filosófica. Palavras-chave: Ensino de Filosofia;
Formação; Filosofia da Educação
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Ficha Catalográfica
“ÉTICA E CIDADANIA” - (DES)CAMINHOS PARA O ENSINO DE
FILOSOFIA: APONTAMENTOS ACERCA DE UMA FORMAÇÃO
CAMBIANTE.
Renato Bellotti Senicato. Faculdade de Ciências Humanas, UNIMEP.
Introdução
O ano de 2008 é um marco para a história da educação no Brasil.
No dia 02 de Junho do referido ano, o então presidente em exercício, José
Alencar, sancionou a lei que torna obrigatório o ensino de Filosofia e
Sociologia para as séries do Ensino Médio. O diálogo que estava
estabelecido, e a luta de alguns grupos que reivindicavam tal
reconhecimento, tomam forma delimitada em todo o estado brasileiro.
Portanto, a lei 11.684, a partir dessa data, reconhece a importância da
Filosofia através de seu ensino nas escolas públicas brasileiras.
Após a aprovação da lei que torna obrigatório o ensino de Filosofia,
irrompem na realidade novas cores, novos tons para a discussão sobre a
Filosofia e seu ensino. Se antes era demasiada a necessidade de continua
defesa sobre a importância e a validade dos conhecimentos, saberes e
potencialidades da Filosofia enquanto campo do conhecimento, agora,
com o reconhecimento legal de sua importância, a problemática é efetivála, ou seja, fazer com que o ensino da Filosofia tome corpo, forma, se
expresse como acontecimento na vida dos estudantes do Ensino Médio.
Na obra Ensino de Filosofia e Currículo, Rocha (2008), ao propor
questões sobre os conhecimentos escolares, refere-se à lei com relação
ao que ela especifica sobre a Filosofia e sobre o que de seu ensino
espera-se: “A Filosofia, diz a lei brasileira, é um tipo de conhecimento e
seu ensino é vinculado à formação para a cidadania”. (p.28). Se, outrora, o
diálogo sobre a importância da Filosofia enquanto campo de saber era
emergencial, com o certo reconhecimento que a lei lhe confere, estamos
diante da emergência de um novo diálogo: Ensinar Filosofia, o quê e
como? Eis, portanto, novas problemáticas, pois todo problema de ensino é
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também problema de formação, especialmente formação daqueles que
ensinam, ou seja, problemas da formação de professores.
Deparamo-nos com uma situação problemática, pois parece-nos
que é atribuída a educação a função de responder por todas as
problemáticas geradas em todos os espaços da vida. Não que todas as
problemáticas, sobretudo de cunho social, não sejam problemáticas
educativas. Sim, elas são. A pontual problemática da educação é a de
restringir sobre a função do ensino escolar a resolução de todos os
problemas gerados em todos os ambientes da vida, mesmo que as
condições para o trabalho não sejam adequadas. Essa é a questão: a vida
altera-se, os elementos que a constituem não possuem sempre as
mesmas formas, como, por exemplo, as que a escola reproduz.
Nesse sentido, a Filosofia cumpre importante papel, sendo seu
ensino de fundamental importância para que ela se efetive enquanto
prática para a vida, possibilitando, através de seu ensino, diminuir
prejuízos sociais, possibilitando o esclarecimento através da construção da
consciência, a atitude crítica, visando processos de liberdade. Esse
movimento, um deslocamento pelo saber e pelo conhecimento filosófico,
corresponde a uma problemática filosófica: o constituir-se cidadão pelo
exercício ético. Portanto, assim justificamos a escolha do livro Ética e
Cidadania: caminhos da Filosofia enquanto suporte didático/metodológico
para a efetividade da formação de professores e do ensino da Filosofia
com ênfase no compromisso ético e cidadão.
“Ética e Cidadania: caminhos da Filosofia”: o livro
A obra Ética e cidadania: caminhos da filosofia nasce com uma
vocação, a qual está explicitada na apresentação aos professores de
Filosofia, o livro consiste em ser didático. A trajetória do livro, que foi
premiado com o Jabuti em 1998, aconteceu no ambiente da Universidade
Metodista de Piracicaba – UNIMEP, que por alguns anos foi o palco de
profundas reflexões sobre a Filosofia e seu ensino. Em 1995 nasce o livro.
Tendo sua gestação ocorrida nos encontros dos professores da área, a
trajetória dialógica sobre o ensino de Filosofia tem seu ponto central o
GESEF, Grupo de Estudos sobre Ensino de Filosofia, sediado na UNIMEP.
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Na apresentação da 20ª edição da obra, que é direcionada “para
quem ensina filosofia”, os autores explicitam quais eram os propósitos do
grupo que profundamente dialogou as propostas sobre o ensino de
Filosofia no Brasil. Enquanto legado das discussões do grupo, a quem com
segurança deve-se a consideração pelo árduo trabalho no que consiste o
reconhecimento da Filosofia que culminou na obrigatoriedade de seu
ensino nas escolas públicas brasileiras, fica explicito um histórico e a
proposta do material. Os autores pontuam que
A fim de pensar a situação do ensino de filosofia nas escolas
públicas e privadas, o Gesef foi um lugar de cultivo de
estratégias para uma ação efetiva entre ensino, pesquisa e
extensão, com o objetivo de criar um instrumento inicial para
transmitir a filosofia por meio de recursos datados. Cabe ao
professor e a seus alunos atualizarem os recursos e levarem
adiante a paixão pela filosofia. Reinventando o livro com os
temas propostos, novos caminhos são possíveis para articular
a reflexão ética no exercício da cidadania. (GALLO et al, 2012,
p.7).
Portanto, a escolha da referida obra como adequada para o trato
com os alunos do Ensino Médio deve-se, primeiro, ao fato de articular
propostas filosóficas numa corrente de proporcionar a formação ética e
cidadã, atividade para a qual a Filosofia faz-se necessária, pois
proporciona o diálogo múltiplo, em segundo lugar, por proporcionar ao
professor trabalhar com o aluno de forma que ele próprio construa seu
deslocamento pelos saberes e, a partir do amadurecimento aprofundado
nas
temáticas
propostas,
construam
suas
próprias
reflexões
e
posicionamentos.
O posicionamento dos autores em assumir a “proposta de pensar a
Filosofia como a arte do cuidado de si”, ou seja, “uma ética fundada na
estética e na política” (GALLO, et al, 2012, p.7), abordando as temáticas
pertinentes a condição da vida humana, possibilita aos leitores o
deslocamento pelo conteúdo dos temas, formulando, finalmente ideias,
conceitos. Nesse sentido, é evocado sobre aquele que se debruça à
Filosofia, o papel de intervenção, de atitude filosófica, possibilitando não
apenas o diálogo da experiência com a Filosofia, mas uma experiência
filosófica propriamente dita.
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Criação e temáticas: (des)caminhos para a experiência filosófica
A obra escolhida para a construção dessa análise propõe temáticas
como introdução no deslocamento pela filosofia. A proposta não é o
esgotamento da abordagem temática, mas um primeiro passo, um
(des)caminho que vai se construindo introdutoriamente, possibilitando o
desvio. Segundo os autores
Esta obra não pretende ser exaustiva, mas uma singela
introdução; se conseguir despertar em nossos alunos uma
situação de curiosidade diante de determinados fatos que
passam despercebidos em seu cotidiano, terá cumprido sua
tarefa. Tampouco pretende ser “a última palavra”: trata-se de
um caminho proposto, de um roteiro de viagem. O professor
tem a liberdade de alterar a rota e programar a viagem como
preferir. De todo modo, o texto foi pensando como um ponto de
partida que viabilize um exercício de reflexão com professores
e alunos, uma produção coletiva de saber, como é própria da
filosofia. (GALLO et al, 2012, p.9-10).
Ora, a proposição acima citada, remete-nos a conceder a filosofia
sua potencia enquanto produção do conhecimento. Fazendo parte das
discussões que giram em torno da problemática do ensino de Filosofia,
esse é um importante viés. É importante questionarmos mais uma vez: a
filosofia ensinada aos estudantes tem como finalidade a reprodução de
conteúdos estabelecidos na História da Filosofia ou mesmo da opinião? A
resposta que agora ofereceríamos ao questionamento é negativa. A
filosofia não consiste, portanto, em reproduzir os conhecimentos
produzidos no decorrer de sua história, tampouco deve estar restrita aos
diálogos acerca das opiniões cotidianas.
O filósofo alemão Immanuel Kant, em sua obra Sobre el saber
filosófico, enfatiza o caráter produtivo que a filosofia possui. Indagandonos, aponta que
Como se deveria poder aprender também filosofia? Cada
pensador filosófico edifica sua própria obra, por assim dizer,
sobre as ruínas de outra; mas nunca se realizou uma obra
filosófica que fosse duradoura em todas as suas partes. (KANT
apud OBIOLS, 2002, p.74).
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Dessa forma, devemos compreender a filosofia como um processo,
e não como um produto. Isto posto, o que deve ser proposto aos
estudantes, é que possam se apropriar das condições mínimas para um
deslocamento
pelo
pensamento,
ou
seja,
proporcionar-lhes
pelos
conteúdos a serem trabalhados, o distanciamento do que ouvem e leem
para que, contextualizando o que é lido e ouvido com os fenômenos de
suas realidades cotidianas, possam desenvolver uma atitude filosófica. A
atitude filosófica será, portanto, a de problematizarem a realidade de suas
vidas, ou seja, proporem questionamentos aos problemas que identificam
a fim de alterarem realidades prontas, já dadas.
Cabe aos professores de filosofia fornecer as bases para que os
alunos possam criar suas vivências, suas experiências filosóficas.
Obviamente, numa esfera introdutória, isso não se dá a partir do nada,
nesse sentido abordar temáticas clássicas da História da Filosofia,
enquanto ponto de partida é uma proposta interessante, mas, é necessário
que haja o deslocamento do eterno ruminar histórico para as novas
inscrições, a produção de conhecimento, de uma nova história. Falamos,
portanto, da proposta feita pelos autores de Ética e cidadania: “a filosofia
como arte do cuidado de si”. (2012, p.7).
Podemos então questionarmos: se a Filosofia deve proporcionar a
experiência filosófica, a construção de conhecimentos próprios para o
“cuidado de si” e a alteração da vida, como começar o trabalho? A
resposta, acreditamos estar, na utilização de temáticas pertinentes que
possam remeter ao cotidiano dos alunos para o deslocamento no
pensamento. Nesse sentido, o livro Ética e Cidadania aparece-nos
enquanto proposta pertinente. No decorrer de suas cento e doze páginas,
são trabalhadas temáticas pontuais relacionadas à condição humana, ou
seja, temáticas que transpassam a vida de todos os homens.
Divididas em unidades, são as temáticas propostas nos livros:
Filosofia e o Conhecimento, Política e Cidadania, Ideologia, Alienação
(Des)Humanização do homem no trabalho, Ética e Civilização, O Corpo,
Sexualidade: o nome da coisa, A liberdade, Estética: Arte e vida cotidiana,
Estética de si, Ética e cidadania na sociedade tecnológica.
Acreditamos, portanto, que a abordagem temática assegurada no
livro, principalmente pela pontual e refinada escolha dos autores, pode
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possibilitar não apenas a concretização de um primeiro encontro com a
Filosofia, o seu primeiro caminho, mas também, problematizando a
liberdade dos percursos com ênfase na criação, proporcionar temas
pontuais para os (des)caminhos da filosofia. Os (des)caminhos não estão
postos, não devendo, portanto, serem compreendidos como percursos que
vão para fora do ambiente de conhecimento da Filosofia, mas sim
proporcionar a partir deles a criação de caminhos próprios para cada aluno
constituir-se enquanto cidadão ético de seu próprio cuidado.
Ainda é polêmico que falemos sobre criação conceitual por parte
daqueles que se introduzem no estudo e produção do conhecimento
filosófico. Todavia, esses fenômenos não devem ser encarados como uma
restrição da filosofia enquanto atividade altamente intelectualizada e
restrita às cátedras acadêmicas. Há, portanto a necessidade de quebrar
essa resistência em assumir que a Filosofia é uma atividade possível a
todos. Ora, se conseguimos encarar a filosofia como um valor capaz de
alterar realidades, tal como nos é proposto como atividade do “cuidado de
si”, ela não está restrita a um grupo determinado, mas ensinando-a,
enquanto processo que é, pode ser apropriada por todos, e reconhecida na
atitude política, entendendo esta com foco no principio de relação e
reconhecimento entre as pessoas.
Retomando um posicionamento do filósofo italiano Antônio
Gramsci, pensador empenhado em destruir o preconceito com relação ao
conhecimento filosófico, todos podem filosofar. Segundo Gramsci
É preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a
filosofia é algo muito difícil pelo fato de ser a atividade
intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas
especializados ou de filósofos profissionais sistemáticos. (2004,
p.93).
Para o pensador italiano, essa possibilidade de todos poderem
filosofar, encontra-se no fato de que os elementos característicos de uma
“filosofia espontânea” podem ser encontrados na linguagem, no senso
comum e na religião, ou seja, “em todo o sistema de crenças, superstições,
opiniões, modos de ver e agir que se manifestam naquilo que geralmente
se conhece por folclore.” (GRAMSCI, 2004, p.93).
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Portanto, consideramos pertinente a escolha da obra Ética e
cidadania: caminhos para a filosofia, para o trabalho com os estudantes do
Ensino Médio. Isso se dá por dois motivos, primeiro pelo fato de que os
próprios autores da obra sinalizam a importância de um deslocamento no
pensamento, também de uma apropriação conteudística, mas que supõe o
exercício filosófico subjetivo, e em segundo lugar porque fornecem esse
subsídio de conteúdos ao proporem temáticas pertinentes à condição
humana, ou seja, temas sobre os quais, em muitos momentos da vida
somos obrigados a pensar e que determinam realmente quem somos. Por
isso, a proposta do referido material apresenta-se coerente enquanto um
caminho que se constrói pelo alicerce da Filosofia, e um (des)caminho que
se abre sob os pés de quem deseja posicionar-se filosoficamente.
Filosofar: criar conceitos
Tomando como matriz metodológica e conceitual as propostas
filosóficas de Deleuze e Guattari, a tarefa sob a qual o sujeito deve se
debruçar no exercício filosófico, é a construção de conceitos, sendo o
conceito o objeto próprio da Filosofia. Deleuze e Guattari pontuam que o
papel da Filosofia, por excelência, consiste na criação, na fabricação de
conceitos, tarefa traduzida por eles como arte: “a filosofia é a arte de
formar, de inventar, de fabricar conceitos.” (DELEUZE & GUATTARI, 1992,
p.8).
Os filósofos franceses acima citados, ao atribuírem à Filosofia o
papel de criadora de conceitos, tecem na trama do saber uma importante
inversão. A Filosofia, vista até certo tempo como mero exercício
contemplativo de abstração, pode, enfim, tomar formas segundo queira
seus próprios criadores (de conceitos), que utilizando-se de sua
potencialidade criativa, podem (re)significar o mundo, alterando-o.
O sujeito, utilizando-se do saber filosófico, detentor de uma
potencia, uma possibilidade criadora e criativa libertas, invoca não mais o
detentor do saber, o pensador encastelado, engessado por uma teia
discursiva; mas a figura do “amigo da sabedoria”, o qual, através do toque,
do exercício dos fenômenos de sua realidade e de seus desejos, inscrevese como “personagem conceitual”, cumprindo seu papel de inventor,
criador de conceitos, inventor e criador de possibilidades, caminhos outros
para sua realidade.
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10801
Utilizando as propostas de Deleuze e Guattari, os estudantes das
diversas séries do Ensino Médio, podem aproximar-se da filosofia segundo
as experiências de seu próprio mundo. De acordo com o que é pontuado
por Gramsci, em relação ao que propõem Deleuze e Guattari, os
enfrentamentos
cotidianos
dos
adolescentes
podem
se
inscrever
filosoficamente pela problematização desses mesmos enfrentamentos,
pois tornam-se amigos do conceito enquanto seus criadores.
De acordo com Deleuze e Guattari
O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência.
Quer dizer que a filosofia não é uma simples arte de formar, de
inventar ou de fabricar conceitos, pois os conceitos não são
necessariamente formas, achados ou produtos. A filosofia,
mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar
conceitos. [...] É porque o conceito deve ser criado que ele
remete ao filósofo como àquele que o tem em potência, ou que
tem sua potência e sua competência. (DELEUZE e GUATTARI,
1992, p. 11).
A arte de criar conceitos fica explícita pelo fato de que, em se
constituindo como arte criativa, de inventar, de fabricar os conceitos,
esses, devem conter a forma como queiram seus próprios criadores. O
produto da criação, ou seja, aquilo que se cria, enquanto toma forma, deve
conter, de modo exclusivo, os limites que seus criadores lhe atribuírem.
Somente o criador pode atribuir limites a sua criação. Esse espaço permite
externar-se e acontecer a subjetividade, pois esta também é uma função
do conceito que é criado, se inscrever enquanto acontecimento.
Portanto, não existem predeterminações sobre o que será criado, o
processo criativo deve ser livre, é devir.
Deleuze e Guattari pontuam a importância dos processos de
criação conceitual serem livres. Segundo eles: “Os conceitos não nos
esperam inteiramente feitos, como corpos celestes. Não há céu para os
conceitos. Eles devem ser inventados, fabricados ou antes criados, e não
seriam nada sem a assinatura daqueles que o criam.” (1992, p.11). Os
filósofos franceses, ao citarem Nietzsche, discorrem sobre a inversão que
ocorre na filosofia quando essa deixa o espaço da espera contemplativa,
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10802
justificando as propostas contemporâneas de uma filosofia ativa, criativa.
Segundo Nietzsche
Os filósofos não devem mais contentar-se em aceitar os
conceitos que lhes são dados, para somente limpá-los e fazêlos reluzir, mas é necessário que eles comecem por fabricá-los,
criá-los, afirmá-los, persuadindo os homens a utilizá-los. Até o
presente momento, tudo somado, cada um tinha confiança em
seus conceitos, como num dote miraculoso vindo de algum
mundo igualmente miraculoso. (NIETZSCHE, apud Deleuze e
Guattari, 1992, p.11).
No espaço que compreende o ensino de Filosofia nas escolas, a
proposta de entender a Filosofia como criação conceitual implica, por parte
dos alunos, uma entrada em contato com o ato próprio do filosofar. Dessa
forma, é possível sair de um plano repleto de preconceitos. Por exemplo,
os preconceitos pontuados por Gramsci, quando ele atenta para o
encastelamento da Filosofia, que fica restrita à uma pequena parcela de
pessoas que a utilizam no âmbito da razão suprema, como atitude
altamente especializada. A criação conceitual, nesse sentido, permite aos
adolescentes,
entenderem,
através
da
problematização
dos
acontecimentos cotidianos de sua vida, o funcionamento do ato filosófico
ao passo em que ele acontece. O papel do mestre, nesse sentido, não
está excluso, mas consiste em fornecer as bases para um percurso que se
quer livre. Nesse sentido, o docente também está envolto no processo pelo
qual passam os estudantes. Constituindo-se como movimento, o
envolvimento permite a constante reformulação e modificação das
problematizações e posicionamentos.
Segundo Gallo
Trata-se, isso sim, de assumir uma outra postura perante o
ensino. Uma postura que não implique a transmissão direta de
saberes, que seriam assimilados diretamente por aquele que
aprende; uma postura que não implique uma submissão
daquele que aprende àquele que ensina; enfim, uma postura
de abertura ao outro, ao aprendizado como encontro com os
signos e como criação. (2012, p.48).
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10803
Portanto, a proposta da Filosofia enquanto processo criativo tende
a aproximar os estudantes de uma experiência filosófica concreta,
invertendo, efetivamente a posição que se manteve até hoje, a de um
ensino baseado na transmissão de conhecimentos da História da Filosofia
através de uma ação meramente reprodutiva. A criação conceitual emerge,
nesse sentido, dos fenômenos existenciais da realidade problematizada de
cada estudante.
Horizontes metodológico/didáticos: deslocamento no pensamento
Se compreendemos que a criação conceitual é o exercício próprio
da atitude filosófica, neste momento apresentamos as propostas,
correspondentes a quatro passos didáticos para o deslocamento no
pensamento que pode ser desenvolvido em sala de aula. Para essa
apresentação, valemo-nos da proposta metodológica/didática de Silvio
Gallo (2012). O autor de Metodologia do ensino de filosofia: uma didática
para o ensino médio sustenta a proposição deleuzoguattarirriana da
Filosofia como sendo a “a arte de formar, de inventar, de fabricar
conceitos.” (DELEUZE e GUATTARI, 1992, p.8). Segundo Gallo
Que fique claro então que a criação (ou recriação) do conceito
não é uma tarefa impossível: não se cria no vazio, com base
em nada; são os próprios conceitos da história da filosofia ou
seus elementos constitutivos que nos darão a matéria-prima
para nossa atividade de criação ou recriação a partir de nosso
próprio problema. (GALLO, 2012, p.98).
O autor então propõe quatro passos didáticos para possibilitar o
deslocamento no pensamento visando a criação conceitual.
No primeiro dos passos, a “sensibilização”, os alunos devem se
atentar para a temática que será discutida, os estudantes precisam ser
afetados sobre aquilo que se pretende criar. Já no segundo passo temos a
problematização, nesse momento, o tema abordado, precisa ser
transformado em problema, quanto maior a profundidade desse momento
de problematização, maior é o horizonte na busca de conceitos para
formar o próprio. O terceiro passo didático consiste na “investigação”, ou
seja, buscar elementos que possibilitem, no diálogo, a resolução do
problema. É no terceiro passo que ocorre a visita à História da Filosofia,
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10804
ela é o recurso que possibilita o pensamento contextualizado com a
atualidade. E o quarto, e o ultimo passo, é a “conceituação”, ou seja, o
momento em que podem ser buscados conceitos que possibilitem a
equalização do problema, ou mesmo a criação de um conceito que o faça,
nesse sentido, a primeira proposição acontece pelo deslocamento, pois
não
existem conceitos
puros,
quando
revisitados, são alterados,
transformando-se em outros. (GALLO, 2012. p.96-97).
Considerações finais
O livro Ética e cidadania: caminhos da filosofia nos é apresentado
como material que possibilita não só o ensino, mas uma revisita à Filosofia,
posto que as temáticas por ele abordadas estão em constante alteração,
mudança, e essas são características próprias para um posicionamento
filosófico, posicionamento ao qual os alunos são convidados e torna-se
possível através da metodologia na qual o referido material se baliza.
Como é então que o material analisado propõe uma revolução no
campo da formação de professores? O professor é ilustrado em nossa
proposição pela figura do guia, que acompanha a viagem, não estando
alheio às reverberações que da incursão possam ser geradas durante o
percurso, nele envolve-se a cada nova visita que se faz inédita.
Dessa forma, há a desterritorialização da figura do professor de
Filosofia, que é marcada por preconceitos. A figura do mestre autoritário e
detentor supremo dos saberes, a cada nova paisagem que a incursão pelo
pensamento filosófico propõe, é desconstruída e constrói-se com nova
roupagem, através do diálogo com seus alunos, tomando como produto
dessas investigações. Dessa forma, constrói-se um ambiente no qual não
é possível apenas o simples contato com o saber filosófico, mas uma
intima relação e sua criação.
Acreditamos
que,
com
essa
proposição,
aproximamos
o
posicionamento do professor de Filosofia ao do filósofo educador,
pontuado por Nietzsche, quando nos diz que é necessário que não nos
contentemos com os conceitos que nos chegam prontos. A Filosofia
demanda um posicionamento móvel, aberto às possibilidades de alteração
constante. Nesse sentido, as temáticas que o livro aborda são de
fundamental importância e pertinência, pois, de forma que muito bem
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10805
escolhidas, fazem referência à vida daqueles que, lendo as páginas da
obra são chamados ao “cuidado de si”.
Assumir um posicionamento cambiante com relação a figura do
professor de Filosofia é reconhecer, somente por essa forma a
possibilidade
de
que
o
ensino
dessa
disciplina
aconteça.
É
desterritorializando o lugar dos saberes estabelecidos previamente e
realocando-os em novos lugares, os locais de desejo de quem passa pela
experiência filosófica que o ensino dessa disciplina se justifica como
criação de espaços, fôlegos, possibilidades de liberdade. Não assumimos
com isso que a formação deve se dar através do livro, ao contrário,
reconhecemos que o processo de formação nos cursos que tem por essa
sua finalidade, devem aumentar seu rigor, para que práticas de educação
efetivas posam acontecer assumindo propostas outras para um mundo
outro. Com isso, acreditamos que o livro Ética e cidadania: caminhos da
filosofia pode ser utilizado como importante ferramenta para a construção
de experiências filosóficas para aqueles que se encontram com essa forma
de saber, experiência que só tem sentido quando se reconhece na
existência cotidiana e singular de cada estudante.
Bibliografia
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ROCHA, Ronai Pires da. Ensino de Filosofia e Currículo. Petrópolis:
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12
10806
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