1 CONTATO SOCIAL REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS Nº3 – ANO 3 - 2013 MINORIAS, ATIVISMO E INCLUSÃO Artigos e resumos expandidos III Encontro de Ciências Sociais 2 UNIÃO DE ENSINO E CULTURA DE GUARAPUAVA - UNIGUA Cleri Becher de Mattos Leão Diretora Presidente Leonardo Becher de Mattos Leão Diretor Administrativo FACULDADE GUARAPUAVA - FG Carlos Alberto Ferreira Gomes Diretor Geral CONTATO SOCIAL REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS ANO 3 – Nº 3 – 2013 MINORIAS, ATIVISMO E INCLUSÃO Artigos Científicos e Resumos Expandidos 3 CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Carlos Alberto Ferreira Gomes Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes Prof. Ms. Grazieli Eurich Prof. Ms. João Carlos Batista Morimitsu Profª Ms. Patrícia Terezinha da Silva Profª.Ms. Rosimeri Chaia Pedroso Prof. Ms. Vitor Ogiboski COMISSÃO DE APOIO Carlos de Jesus Lima (Filosofia) Ciro Nascimento Gomes (Comunicação Social) Dafne Ribeiro Breda (Pedagogia) Eliane Lupepsa Costenaro (História) Gilce Primak Niquetti (Pedagogia) Jorge Luiz Zaluski (História) Leticia Larsson (Pedagogia) Obs: A Comissão de Apoio é constituída por acadêmicos do Curso de Ciências Sociais que já possuem graduação em áreas afins e/ou cursos de especialização Lato Sensu. 4 GOMES, Cerize Nascimento e GOMES, Carlos Alberto (orgs) . Contato Social: Minorias, Ativismo e Inclusão. 107 páginas. Faculdade Guarapuava (FG). REVISTA CONTATO SOCIAL - ANO 3, Nº 3, 2013. Palavras-chave: Ativismo. Minorias. Sociedade. Educação. Inclusão. 5 ÍNDICE 1 - A participação dos movimentos sociais na elaboraç ão das propostas pedagógicas dos programas Saberes da Terra e Projovem Campo - Elenice De Paula, Jorge Luiz Zaluski e Ângela Maria Hidalgo.................................................................... p. 07 2 - Música popular e os movimentos sociais brasileiros - Rodrigo Alves Fávaro. Co-autores: Adriane Aparecida Prudente Machado, Dafne Ribeiro Breda, Fábio Noima Pelosi, João Carlos de Souza, Simone Ferreira Zeni...p. 45 3 - O canto popular religioso nos rituais da umbanda: registro etnográfico na Tenda Pai Francisco em Guarapuava (PR) - Cerize Nascimento Gomes p. 63 4 - Currículo e formação: um breve relato sobre as contribuições da sociologia do currículo, os desafios da formação docente e os princípios da educação profissional – Rafael Morgentale Disconzi..................................................p. 77 RESUMOS EXPANDIDOS 5 - A “Primavera das Mulheres”: feminismo e religiosidade em Guarapuava – Karina de Fátima Bochnia ..........................................................................p. 94 6 - A expressividade política dos povos do campo frente ao sistema escolar no município de Pinhão (PR) – Carlos de Jesus Lima.......................................p.100 7 - A inclusão escolar de alunos com deficiência: estudo de caso no município de Nova Laranjeiras (PR) – Eliseu Chuska.................................................p.105 8- A tradição gaúcha e suas ramificações em Guarapuava(PR) - Valmir José Jocoski .......................................................................................................p.109 9 - A festa de Cosme e Damião ou um passeio entre o sagrado e o profano nos terreiros de umbanda – Luciane Pietras...................................................p.112 10 - Ritos religiosos e festividades da umbanda : a festa do preto velho – Lucélia Terezinha de Araújo Pietras ......................................................p.116 11- Estudo sobre as contribuições do cooperativismo para as mulheres agricultoras do município de Turvo (PR) – Débora Machado....................p.119 6 12 - Adolescentes infratores na cidade de Guarapuava: uma análise geocriminal dos espaços utilizados e da relação de poder – Alex Maurício de Lima............................................................................................................p.122 13 - As cartografias sociais como identidade cultural dos povos faxinalenses da região de Guarapuava (PR) – Eliane de Fátima Bueno ............................p.127 14 - Rap, funk e juventude: narrativas urbanas sobre protesto e consumo Dinaldo Almendra.......................................................................................p.131 7 A P ARTICIP AÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCI AIS NA ELABORAÇÂO DAS PROPOSTAS PEDAG ÓGICAS DOS PROGRAMAS S ABERES DA TERRA E PROJOVEM CAMPO ELENICE DE PAULA1 JORGE LUIZ ZALUSKI2 ÂNGELA MARIA HIDALGO 3 RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo verificar e analisar a presença dos princípios educacionais do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), em que explicita a compreensão do movimento social a cerca de sua importância nas conquistas para os sujeitos que vivem no campo. Por meio das concepções de alguns conceitos como cidadania, trabalho, agricultura sustentável e identidade do campo, junto aos dois projetos Saberes da Terra de 2007 e Projovem Campo de 2010, percebendo suas mudanças e permanências bem como suas possibilidades. A pesquisa trata num primeiro momento do Histórico da educação destinada aos povos do campo, num contexto de lutas e conflitos, segundo momento o nascimento do movimento social (MST) e sua luta pela terra e por uma educação. Essa verificação foi realizada mediante a uma pesquisa bibliográfica e documental. O aprofundamento das discussões bibliográficas apoiou-se nos autores que discutem a temática da educação do campo, como Roseli Caldart, Miguel Arroyo, Joaquim Gonçalves Costa entre outros teóricos da educação do campo. Ao concluir a pesquisa, percebemos o comprometimento do movimento social do campo (MST), em legitimar seus princípios ideológicos junto aos cadernos pedagógicos dos dois programas, preocupados na formação de uma educação pautada na valorização da cultura e identidade do campo. PALAVRAS – CHAVE: Educação do campo; Movimento social (MST); Princípios ideológicos. 1 Graduada em História pela Unicentro 2008, especialista e Ensino e História da América Latina 2010. Educação do Campo 2011, Mídias Integradas a Educação 2012. E-mail: [email protected] 2 Graduado em História pela Unicentro 2008, especialista em Ensino e História da América 2010, Gestão Escolar 2011, Mídias Integradas a Educação 2012. Acadêmico do segundo período de Ciências Sociais – Faculdade Guarapuava, 2013. E-mail: [email protected] 3 Doutora em Educação pela UNESP. e-mail: [email protected] 8 INTRODUÇÃO A problemática da educação do campo, que permeia a adequação do currículo, sobretudo na questão das técnicas, conteúdos, formas de avaliação, e a utilidade daquilo que se é ensinado nas escolas do campo junto à formação de professores para atuarem nas esco las do campo, nos últimos anos tem sido amplamente discutida em diversos setores da sociedade, com diferentes interesses dos grupos sociais do campo. A respeito da educação muito se tem escrito, acerca das dificuldades da implantação de um ensino que rompa com a tradicional forma de educação presente no meio rural, visto que existe um prolongamento do ensino das escolas localizadas no meio urbano, para as escolas do campo (BENJAMIM; CALDART, 2000). Muitas vezes por não entender a dinâmica das populações, este ensino tem contribuído para dificultar ainda mais o aprendizado das crianças que habitam o campo, bem como não se percebe nos órgãos do Estado responsáveis pela educação uma preocupação de se construir uma proposta educacional para a educação do campo, isso demonstra que um dos maiores problemas dos países menos desenvolvidos está no analfabetismo no meio rural (BEZERRA NETO, 1999). A educação do campo tem sido vista como um novo paradigma, que valoriza o trabalho no campo e os sujeitos trabalhadores, suas particularidades, contradições e cultura, como prática social, que vem em contradição ao capitalismo agrário que atende aos interesses do agronegócio, que durante muito tempo levaram ao esvaziamento do campo (SOUZA, 2007). Este trabalho aborda questõe s relacionadas ao envolvimento da sociedade civil organizada, em seu novo lugar na busca por políticas públicas, refletindo sobre suas contribuições na proposta para a educação do campo na efetivação do programa Saberes da 9 terra do território Cantuquirigua çu e também o projeto Projovem campo, na reconstrução de uma nova escola que atenda suas especificidades. Para a construção destes dois programas existe o envolvimento dos movimentos sociais e do Estado, a proposta da pesquisa consiste em perceber se hav ia a presença dos princípios educacionais nas duas coleções do Saberes da Terra, e no programa Projovem Campo, com base nos princípios da educação do MST, como também, refletir sobre os conceitos de cidadania, trabalho, agricultura sustentável e identidade camponesa. Para a realização deste trabalho, utilizou -se a pesquisa bibliográfica, composta por leituras sobre o tema proposto, a metodologia utilizada foi por meio de análises documental. Ao debater sobre educação do campo implica nas abordagens de vár ias questões, principalmente a que rompe com um ensino que não valoriza o conhecimento do aluno, em propostas pedagógicas fechadas cristalizadas em muitas escolas públicas, novas abordagens que coincide muito com a proposta educacional do MST (MARTINS, 200 4). A abordagem sobre os princípios educacionais propostos pelo MST é fundamental para a compreensão do processo histórico de elaboração dos cadernos para o programa Saberes da Terra, a questão que norteou está pesquisa foi que durante a elaboração do programa houve uma grande participação do movimento social, com objetivos de transformação social. No entanto, existe uma disparidade na organização dos cadernos do qual o MST teve uma maior participação na elaboração dos materiais destinados ao primeiro projeto, em relação ao segundo do qual foram feitos poucos apontamentos sobre as propostas do movimento. De igual forma está análise servirá de referência para as intervenções nos cadernos, na tentativa de entender a implantação 10 do Programa e identificar a pre sença de princípios educacionais do MST. Para investigação foram selecionados os cadernos nº06 e 07, Cidadania, organização social e políticas públicas e nº8 e 9 desenvolvimento territorial sustentável e solidário, referentes ao primeiro programa que dará na implantação do programa Projovem campo, o estudo será realizado nos referidos cadernos nº5 desenvolvimento sustentável e solidário com enfoque territorial e no caderno nº3 Cidadania, organização social e políticas públicas. Esse material pedagógico foi analisado com objetivo de verificar como se dá as articulações no sentido da efetivação desses princípios organizacionais e pedagógicos do MST. A escolha pela análise dos primeiros cadernos do Projeto Saberes da Terra do Estado do Paraná deve -se ao fato deste ser considerado um projeto de base para a implantação do programa do Governo Federal o Projovem Campo, que vêm a apresentar uma série de contradições, mas também de muitas possibilidades, em sua tentativa de materialização de uma concepção de educação especifica para o campo. Para população entender do o campo, processo é de necessário escolarização estudar a para trajetória a da constituição do ensino brasileiro, em meio às representações e concepções para a construção do ensino para as classes populares. 1. REPRESENTAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO DO CAMPO A história da educação do campo muitas vezes pode ser compreendida camponesa, a partir sendo do descaso as escolas do em relação campo à população uma extensão dos saberes da cidade, com condições precárias de funcionamento 11 sobre bases estranhas, que não condiz com a realidade do espaço social responsável pela sua existência, o que implica no nascimento de outras alternativas de educação que começam ser gestada nos movimentos sociais que vão começar a reivindicar uma escola direcionada para a realidade do campo. Num primeiro momento, o ensino pretende designar o estabelecimento de processos e política s referentes à organização da sociedade capitalista, com o objetivo em um ensino elementar da leitura, da escrita, do cálculo, da moral e da religião, a educação como forma de doutrinação do povo. O caráter autoritário e excludente da nação que se queria c onstruir deixava explicito o limite da inclusão. Ela seria positiva desde que não colocassem em risco as formas tradicionais de submetimento da maioria com a exploração da elite imperial. Daí a ideia de que a escola não deveria comprometer o tempo do trab alho, ou de que a escola deveria instruir para o trabalho mecânico, para reforçar essa ideia de instrução do povo, buscam exemplos em outros países (SALDANHA, 1924). O ensino para as populações rurais foi desenvolvido como forma de civilizar o caboclo, vis to como atraso ao desenvolvimento, supersticioso, era preciso levar a “luz às trevas”, para que esse sujeito ignorante pudesse viver melhor, e principalmente ter “cultura”, caberia a escola ensinar técnicas agrícolas do trabalho na roça, ter uma produção voltada para atender a demanda da indústria, do comércio e do consumo das cidades, forma de integrar o homem do campo ao sistema capitalista (SALDANHA, 1924). A partir de uma análise cronológica da constituição do ensino, podemos dizer que este foi uma construção histórica, a ideia de formar uma sociedade através da educação, formar um homem para viver em uma sociedade diferente, a educação como um direito, mas obrigatória. 12 Podemos perceber que no século XIX, se permeia a noção de educação e instrução como estratégias de constituição do Estado nacional e da Nação brasileira, como também, a característica de que qualquer projeto civilizatório para o Brasil deveria comportar como elemento fundamental a questão da instrução primária, em que deveria primeiramente ser gestada na legislação, para depois ser colocada sobre o povo, do qual pode ser resaltado outro aspecto, a crença otimista na educabilidade do sujeito hum ano, sobretudo na legislação como estratégia de conformação da realidade social de cada individua. A construção da educação estava sendo pensada para as classes populares, com a finalidade de atender os processos socioeconômicos, tendo como base, um ensino fundamentado em questões de instrução dos trabalhadores. Com a passagem ao Estado como responsável pelo atendimento educacional, percebe -se que a educação passa a ter diferentes metas e propostas, estas que estão fundamentadas em formas e concepções metod ológicas diferentes que correspondem a cada período observado (SALDANHA, 1924). A educação rural apenas se desenvolverá quando surgem os movimentos migratórios na década de 1910 e 1920, em que o Estado vai desenvolver a educação rural como forma de conter a saída dos homens do campo, também uma maneira de evitar maiores problemas sociais da cidade. Com o advento do Estado novo na década de 1930, a educação rural é vista como meio de atender aos interesses da industrialização, mas o processo escolar não sofre alterações (SALDANHA 1924). Durante esse período vamos ter o desenvolvimento do projeto ruralista no Brasil, pensando sobre a necessidade de fixar o homem no campo junto a um determinado parâmetro pedagógico. Desde esse período estão presentes as discu ssões que permeavam a necessidade de fixação do homem no campo, propostas estas que determinavam um parâmetro pedagógico especificam para o campo, 13 tais discussões fizeram este movimento ficar conhecidas como “ruralismo pedagógico” (BEZERRA NETO, 2003). Ao longo de toda sua trajetória nas propostas para a educação do campo podem ser percebidas que existem ainda hoje algumas continuidades bem como suas rupturas que se assemelham com as propostas desse movimento. Principalmente com o MST, no que se refere ao c onteúdo e a metodologia especifica para o meio rural, através de uma proposta de fixação do homem no campo, dos quais se aproximam dos autores que defendem o ruralismo pedagógico (BEZERRA NETO, 2003). Enquanto que a proposta do MST apresenta algumas diferenças em relação as proposta dos ruralistas, principalmente no que se refere ao modelo de sociedade, enquanto o MST busca construir uma solidariedade sociedade socialista, baseada no princípio criticando o modelo atual capitalista, de já com o movimento ru ralista, esse defendia uma proposta nacionalista e capitalista. O que se determinou como ruralismo pedagógico foi uma proposta de educação para os trabalhadores rurais fundamentadas na ideia de segurar o homem no campo, formar professores para atuarem no m eio rural, formado por um grupo de intelectuais, pedagogos (BEZERRA NETO, 2003). Essa proposta nasce em 1930 em meio a uma conjuntura histórica no momento em que o Brasil passava por grandes transformações econômicas e políticas, com uma grave crise do sistema capitalista, e a formação de vários movimentos contra o governo em todo o país, por exemplo, o Tenentismo (BEZERRA NETO, 2003). Entre os anos de 1945 a 1960, foram desenvolvidos os programas para a alfabetização, tendo um caráter assistencialista, entendendo as populações do campo como atrasadas e incultas, já nos anos 1960 e 1970 a educação era forma de preparar mão de 14 obra barata que viesse a atender ao sistema econômico da época (SALDANHA, 1924). Deste modo a escola e a educação eram apenas uma forma de aprofundar o modelo social e econômico da sociedade dominante, visto apenas como um mecanismo a reforçá -la para que não ocasionasse uma transformação. O que ocorria, era que o Estado propunha este modelo educacional dentro do pensamento positivista de Augusto Comte 4, a escola como meio para atingir o progresso e o desenvolvimento, assim manteria a sociedade de classes necessária ao capitalismo. Percebemos que na história do Brasil a educação do campo sempre esteve à margem das prioridades do Esta do, este cenário faz nascer muitas reivindicações promovidas por associações civis e movimentos sociais, assumindo muitas vezes o papel do Estado para evitar a exclusão educacional das populações rurais. Após duas décadas de intensa urbanização e êxodo rural, a temática da educação do campo não ocupou papel relevante na agenda de política educacional durante o período de transição democrática dos anos 80, e só voltou à pauta do debate político pedagógico nos anos 90, pelas mãos dos movimentos sociais (ANDRADE; DI PIERRO, S/D, p.7). Por muito tempo a educação no campo não foi discutida, e assim acabava tendo visões distorcidas da realidade em relação ao seu conceito, em que a educação era apenas para que o trabalhador rural aprendesse a ler e a escrever, a té então era entendido que o homem do campo necessitava apenas de um 4 Principal representante da corrente filosófica positivismo, que afirmava ser possível planejar o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade a partir de critérios das ciências exatas, organizar o conhecimento humano sobre bases exatas, que teve grande influência no Brasil. 15 ensino primário para trabalhar na agricultura, assim as propostas para o ensino caminhavam junto a essa concepção (ARROYO, 2005). 2. EDUCAÇÃO DO CAMPO E MOVIMENTOS SOCI AIS O desenvolvimento das discussões sobre educação do campo está muito atrelado à história dos movimentos sociais no Brasil durante os anos de 1930 a 1960, por causa da conjuntura política presente na época vai existir uma forte presença de trabalhadores rurais e urbanos que buscam pela implantação de leis trabalhistas. O MST será o primeiro movimento camponês estruturado do país, que surgirá da reunião de vários movimentos populares de luta pela terra e pela educação, questionando os valores da sociedade capitalista, os quais promoveram ocupações de terra em diversos estados a partir de 1980. Sua fundação aconteceu oficialmente em 1984 no município de Cascavel, no Paraná, onde foi realizada o 1° Encontro Nacional do Movimento. Desde esse momento através de mu ito esforço o MST tem atingido algumas conquistas, como a terra e a educação. Percebe -se também que o movimento construiu uma forte influência na opinião pública, capaz de fazer com que o governo adotasse certas medidas que são do interesse do movimento ( COMPARATO, 2003). As especificidades do MST foram estudadas a partir de uma ótica política, a qual se deve ao fato de ser um movimento organizado fora dos poderes constituídos, mas isso não indica a ausência do envolvimento de partidos políticos dentro de sua estrutura, para que ocorra aprovação de suas decisões no espaço público. Segundo Arroyo (2004), os movimentos sociais do campo estão vivos, e mais do que nunca existe um reconhecimento de toda 16 a sociedade, em ver no campo um lugar de luta pela terra e por melhores condições de vida, neste sentido também existe uma renovação educacional dentro dos movimentos sociais e nos governos populares, nascendo das raízes populares. O MST, por exemplo, entre seus objetivos esta a formação de uma pedagogia para a educação do campo. Arroyo (2004, p. 68), afirma que o desenvolvimento da educação do campo está muito atrelado aos ideais dos movimentos sociais, nesse contexto ele explica : Significa que a educação só se tornará realidade no campo somente se ela ficar colada ao movimento social. Mais ainda acreditamos que o próprio movimento social é educativo, forma valores, nova cultura, provoca processos em que desde a criança ao adulto novos seres humanos vão se constituindo. Todavia, a despeito de todo um percurso do movimento e dos seus sujeitos, a história dos movimentos é parte fundamental da história da educação do campo no Paraná, ainda que pouco estruturada, reconhecendo a existênc ia de poucas escolas que se institua como escola do campo, sendo percebida uma adequação de currículos nas escolas que mais desestimulam o aluno, fazendo com que haja uma sobreposição da cidade sobre o campo. Surge daí a importância desse estudo em percebe r a luta dos movimentos para legitimar as leis por uma educação no campo. Percebendo que a educação no e do campo tem um vínculo de origem com as lutas sociais camponesas, isso fez com que ocorressem conquistas de vários benefícios, bem como a garantia de políticas públicas para o campo junto à valorização de sua cultura, compreendendo que este vínculo lhe confere um traço de identidade importante, pois se busca construir outro olhar para a relação: campo e cidade vista dentro do princípio de igualdade social e diversidade cultural. 17 Mas nem sempre foram levadas em consideração as necessidades e a relação entre campo e cidade, somente a partir da intensificação das lutas pelos direitos sociais, presentes desde a década de 1960 no Brasil, foram visadas a con strução da identidade no campo, uma nova consciência de dignidade, nova consciência de direitos, é que se avalia a necessidade de construção de projetos para a educação no campo (ARROYO, 2005). A partir desse contexto de mobilização social do MST presentes na elaboração, consolidaram compromisso do Estado e da sociedade brasileira em promover a educação para todos, garantindo o direito ao respeito e à adequação da educação às singularidades culturais e regionais, embora isso ainda não esteja sendo colocado em prática em diversas regiões do Brasil (FERNANDES, 2002). Durante muito tempo os movimentos sociais não tiveram representação no campo político, eram duramente questionados e reprimidos pelo sistema político. Entre 1910 a 1940 não existia organizações de sindicatos que viessem a lutar pelos direitos dos movimentos sociais, desde a década de 80, começam a se mobilizar a fim de pressionar as frentes políticas, no intuito de garantir seus direitos a terra. Essa luta foi estabelecida por ribeirinhos, serin gueiros, sem-terra e bóias frias, e tantos outros segmentos rurais (BENJAMIM; CALDART, 2000). Os movimentos estudantes, seringueiros, sociais trabalhadores sem -terra, rurais rurais de e boias -frias, 1980 formados urbanos, movimento por ribeirinhos, sindical, movimento das mulheres camponesas e a formação de novos partidos políticos, que eclodiram depois de um longo período de refluxo imposto pelo regime militar. Estas irão lutar contra duas frentes, uma imposta pela sociedade e outra pelo s espaços políticos, contra os valores de ordem que são colocados pela 18 própria sociedade divulgadoras e que os critica, formadoras da sendo opinião a mídia pública uma das contra os movimentos sociais. Os movimentos sociais serão compreendidos numa lógica contra a ordem vigente, bem como o próprio Estado sentindo-se ameaçado pelo fortalecimento desses movimentos sociais, fazendo com que o Estado se utilize muitas vezes da violência organizada para reprimir os manifestantes (CALDART, 2004). Esse novo pensa mento que se consolidou nos anos 80, junto ao fortalecimento dos movimentos sociais, não teve muita abertura política, pois mesmo com toda sua organização em defesa de lutas sociais que buscavam melhores condições para a vida no campo, não fez com que realmente fossem implantadas políticas públicas que viessem a atender aos interesses dos movimentos sociais (CALDART, 2004). As dificuldades para superar a ideia pejorativa vinculada aos movimentos sociais, que irão lutar por melhores condições no campo, vêm juntamente ao desenvolvimento da economia num conjunto de vários fatores que vão colaborar e fortalecer as lideranças dos movimentos sociais, devido ao avanço do agronegócio em áreas antes ocupadas pela agricultura familiar, fez com que houvesse um aumento por disputas políticas, em grande parte, as experiências inovadoras desencadeadas pelos movimentos sociais rurais dos anos 80 foram amputadas à esfera das ações governamentais sem muita representação, apenas fez com que houvesse uma “estatalização” dos mov imentos sociais, ou seja, o Estado vai controlar e tutelar suas ações, tendo em vista uma nova relação com o Estado (GOHN, 2007). O que merece destaque é a relação direta entre lideranças de movimentos sociais e governos, e nem tanto entre movimento social e Estado, consolidando uma relação política e não necessariamente uma nova institucionalidade pública, mas isso vai 19 estar presente em algumas esferas dos movimentos sociais (GONH, 2007). A realidade atual engloba novas visões e diversas abordagens que buscam a interpretação de seus mundos sociais e culturais, sendo esse meio constituído por diversos grupos étnicos, como por exemplo, indígenas, descendentes de negros provenientes de quilombos, todos os agricultores, pescadores ribeirinhos, compreendend o assim a existência da diversidade presente no meio rural, percebido dentro das políticas educacionais possibilitando a visibilidade bem como a valorização desses espaços (COSTA, 2010). Embora que ainda limitado existe uma mobilização dos movimentos sociais frente ao Estado, isso se dá através de pressões sociais, no sentido de provocar reação no Estado para a construção de políticas públicas para a garantia e ampliação de seus direitos. Isso ainda representa um grande desafio para as classes populares, p ara construir instrumentos políticos que busquem maior representatividade dentro do poder do Estado. Atualmente são visíveis as articulações dos movimentos sociais populares do campo na organização e formulação das políticas públicas junto ao Estado, princ ipalmente no que tange na melhoria da educação no campo, que traz os objetivos de valorização dos sujeitos, priorizando os aspectos culturais, sociais e econômicos (COSTA, 2010). Essas iniciativas que ganharam espaço desde 2002 abrem espaço para um novo pa radigma no campo, em perceber este como um lugar não apenas definido em territorialidade, mas um espaço de cultura e de trabalho, do qual possibilita o desenvolvimento de outras propostas que impulsionaram outros debates, em dar mais visibilidade a falta d e políticas educacionais, percebendo a necessidade de um novo projeto. 20 Será em meio a esses debates que nasce o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária o PRONERA, com objetivo de implantar ações educativas para as populações dos assentamentos e a campamentos rurais, propondo uma metodologia de ensino especifica a realidade sociocultural do campo, como meta de reduzir as taxas de analfabetismo, capacitar professores para atuar nas escolas do campo, bem como a formação profissional voltado para o tra balho no campo. O PRONERA representa uma iniciativa que se constituiu fora do âmbito governamental, nasce das discussões entre o MST e as Universidades, no I Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária o ENERA, em Brasília 1997, que somente ganhará força devido à capacidade de mobilização dos movimentos sociais, sindicatos e da sociedade civil (ANDRADE; DI PERRO, S/D). Para entender o que é política pública, primeiro é preciso definí-la como todas as políticas elaboradas pelo Estado qu e visa o bem estar social da população, seu conceito está relacionado à manipulação do poder político dentro do espaço econômico e da ação do Estado nas relações de produção (VIEIRA, 2001). Para a compreensão de políticas públicas usaremos a definição de Telmo Adams (S/D), segundo este, são ações públicas assumidas pelo Estado, com ou sem a participação da sociedade que concretizam direitos humanos coletivos ou direitos sociais garantidos em lei. A Educação do Campo no Brasil vem desde 2002 sendo construída, nesse sentido percebe -se que existe ainda a falta de políticas públicas que atendam as necessidades, bem como as particularidades regionais e nacionais. As políticas públicas estão pautadas numa luta histórica dos movimentos sociais em fazer valer o d ireito a uma educação de 21 qualidade, e melhorias para quem trabalha na agricultura, e assim devem estar presentes na realidade das escolas do meio rural, de modo a sanar uma dívida social histórica. Como forma de reivindicar ações sistemáticas do poder públ ico, evidenciam -se iniciativas de movimentos sociais, sindicais, Organizações Não Governamentais (ONGs), universidades e instituições vinculadas à temática. Nesse contexto esses movimentos sociais vêm discutindo leis por uma educação do campo em âmbito nac ional. Assim não podemos desvincular a história da educação do campo como parte da história dos movimentos sociais, principalmente do MST, em que essa nasce num espaço de contradições, de lutas sociais, será impulsionada principalmente através de pressõe s sociais, que ocuparão espaços nas formulações de políticas públicas. No Brasil e em toda América do Sul se têm empregado políticas públicas que devem ser feitas algumas discussões, em que se vê praticamente sem possuir realmente uma política social, muitas vezes aparecem programas e diretrizes relacionadas com a educação, muitos não revelam às pretensões de uma mudança social, em que quase sempre não se transformam, tendo apenas um caráter de ser exibida à sociedade, sem intervir nela, porque muitas vezes não é essa função de intervir, são elaboradas para atender aos interesses de um Estado autoritário e capitalista (VIEIRA, 2001). Percebemos assim que muitas políticas educacionais para o campo estão sendo articuladas a partir das formas de organização para a conservação produtivas, educação da comerciais, sempre vem mesma políticas, atender estrutura culturais aos social, ou interesses sejam elas religiosas. do A Estado, particularmente a educação dita “moderna” vincula -se ao sistema capitalista de produçã o (CERICATO, 2008). 22 Buscando entender a organização dos movimentos sociais populares tanto no passado como no presente, evidenciamos o seu fortalecimento a partir de 2002, em que vão conseguir a partir de toda uma trajetória aprovar a proposta para a educ ação do campo, que aconteceu no campus da Universidade de Brasília, o documento gestado ficou chamado de declaração de 2002, que contou com a articulação nacional por uma educação do campo, integrada por vários representantes que fazem parte, sendo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Movimento dos Trabalhadores Rurais (MST) Universidade de Brasília (UNB), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), entre outros movimentos sociais presentes, teve como principal objetivo propor uma discussão sobre a situação e as perspectivas do ensino no campo, bem como a falta de políticas públicas para a educação (CALDART, 2002). A Conferência de 2002 abre espaço para as discus sões sobre a educação do campo, que vem denunciando a falta de escolas, de infraestrutura, docentes sem qualificação, alta taxa de analfabetismo, levantando a questão de que por não receberem uma educação apropriada ocorre uma desmotivação por parte dos estudantes em continuar no campo, perdendo muitas vezes sua própria identidade, esse sistema de educação fora das relações culturais, nas escolas do campo fez surgir os seguintes programas, as casas familiares rurais, as Escolas Agrícolas, o Movimento de Educação de Base, e o Setor de Educação do MST, dando o início a várias reivindicações, que contribuíram para a construção de uma nova escola para as populações do campo. Dessa conferência surgiu uma das mais recentes conquistas dos movimentos sociais, oport unizando a abertura de espaços para a efetivação de políticas públicas, uma delas a aprovação das Diretrizes Operacionais para a educação básica nas escolas do 23 campo, que esta presente no parecer n°36/2001 e na resolução 1/2002 do conselho nacional de educ ação (CALDART, 2002). Um dos traços fundamentais que vêm desenhando a identidade deste movimento por uma educação do campo e a luta do povo do campo por políticas públicas que garantam o seu direito à educação, e a uma educação que seja no e do campo (CALDART, 2002, p. 26). A partir da realização dessa conferência, ficou observada que nos Estados em que houve garantia desses direitos, foram aqueles em que ocorreu uma maior organização dos movimentos sociais, em todas as reivindicações encaminhadas aos p oderes públicos. O estudo da trajetória do MST, bem como sua luta, faz parte da compreensão para entender a construção das políticas públicas para a educação do campo. Para que seja possível entender quais os objetivos estão presentes nas políticas para os referidos programas Saberes da Terra e Projovem Campo, que podem ser considerada uma das conquistas dos movimentos sociais. Quanto à participação dos movimentos sociais na efetivação das políticas públicas é preciso em prim eiro lugar conhecer o relacionamento entre Estado e movimento social, em dados momentos da história podemos perceber que sua participação depende das conjunturas políticas presentes no comando do poder do Estado. Os movimentos sociais caracterizam -se por possuir uma postura de oposição ou negação ao Estado, criticando ou reivindicando melhores condições de vida (MARTINS, 2004). Dependendo da conjuntura política no poder do Estado o governo será sem duvida o maior adversário dos movimentos sociais principalm ente o MST, mas nesse sentido tanto governo como MST, têm consciência de que tanto um quanto o outro não 24 podem ignorar a sua existência, porque os movimentos sociais precisam dialogar com o governo para atingir seus objetivos (MARTINS, 2004). Podemos perceber que qualquer ação do MST na sociedade ganha muita repercussão na mídia, muita força e visibilidade do que qualquer outro movimento. Isso ocorreu principalmente durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, embora por um momento o governo quisesse de struir o movimento, mas isso só fez com que ocorressem maior envolvimento e representação política, iniciando uma serie de reivindicações e mobilizações no cenário político (MARTINS, 2004). Contrariando toda uma suposta tradição de passividade e anomia do povo brasileiro, o MST consegue se organizar, ter força política, e desafia os poderes constituídos, não permitindo em nenhum momento, que a sociedade brasileira se esqueça da existência de milhares de trabalhadores rurais que não têm terra para cultivar (COMPARATO, 2003, p. 85). Podemos, portanto afirmar que o MST é um ator político com forte presença no cenário público atual. Não existe somente como reivindicação a posse pela terra, mas também o MST pressiona o governo para que haja políticas públicas para o atendimento a educação do campo com qualidade, exigindo um direito que é seu fundamental a prática para a cidadania. Para que fosse possível a análise dos cadernos do Saberes da Terra e Projovem Campo, primeiramente foi necessário conhecer os prin cípios educacionais do MST, bem como a historia do movimento, principalmente seu envolvimento político no que diz respeito na busca pela efetivação de políticas públicas para a educação. 25 3. PRINCÍPIOS EDUCACIONAIS DO MST - CONSTRUÇÃO DE UM CONHECIMENTO POR M EIO DA INTERAÇÃO A reflexão acerca desses princípios educacionais em meio às duas propostas torna -se pertinente na medida em que é analisada dentro do contexto da educação do campo, porque ambas são carregadas por diversos interesses pessoais tanto do MST e do Estado, a fim de apaziguar os conflitos sociais. O desenvolvimento do setor responsável pela educação no MST foi formado em 1987, num encontro realizado no Estado do Espírito Santo, reunindo vários representantes de vários acampamentos e assentamento s com um caminho já trilhado na educação do campo. Durante o período de 1999 a 2001, o MST dedicou -se a uma produção teórica especifica sobre educação, o objetivo do estudo aqui proposto é situar brevemente a trajetória de elaboração dos cadernos em meio à proposta de educação dos movimentos sociais, em que busca uma educação a partir da realidade, do conhecimento e das experiências concretas de cada sujeito em seu ambiente no caso o campo. O MST uniu a luta pela terra e pela reforma agrária a luta por uma educação de qualidade que respeite sua cultura, bem como, possibilite uma transformação social, atrelado ao fato de que o ensino deve partir da realidade dos estudantes em que a educação não se resume apenas na escola, mas que a realidade dos estudantes deve fazer parte de seu aprendizado. Todas essas atividades educacionais estão filosóficos da educação, pautadas em presentes no alguns princípios caderno da proposta educacional do MST, pautados nos seguintes princípios: A educação para a transformação social, Educação para o trabalho e cooperação. Educação voltada para as várias 26 dimensões das pessoas humana. Educação com e para valores humanistas e socialistas e educação como um processo permanente de formação e transformação humana (MST apud MARTINS, 2004, p. 57). No que se refere à educação para a transformação social, o objetivo não está somente ao acesso à propriedade, mas na socialização de seu acesso. Para o MST a educação é um direito de todos, e a escola deve proporcionar aos estudantes o conhecimento de sua história, tomando consciência e capacidade para transformar sua realidade. Em relação a educar para o trabalho, não seria educar para o mercado de trabalho, o trabalho é entendido como um processo de preparação para as mudanças na estrutura soci al, na transformação de uma sociedade mais igualitária, não no sentido de exploração capitalista, mas de produção de riquezas e do saber na valorização do trabalho rural. Quanto à cooperação estão ligadas ao sentido de compreensão do trabalho coletivo, as razões sociais seriam de cooperação, para que seja possível a obtenção de uma infra -estrutura para todos, ainda para associação o MST, entre o a cooperação trabalho, capital, é entendida a fim de como uma enfrentar os monopólios, e último educar para as vá rias dimensões humanas e para valores humanistas, significa a formação técnica profissional, quanto à formação cultural, tendo como objetivo a construção de uma sociedade melhor para viver, pautadas em valores da justiça social, realidade democrática e val ores humanistas e socialistas (MST apud MARTINS, 2004). P ar t i nd o d es s es pr in c íp i os , o M ST r e i v in d ic a d o Es t a do qu e a es c o l a pú bl ic a d o m eio r ur a l s ej a pe ns ad a e or g an i za d a pa ra o tr a ba l ho no c am po , da n do a m es m a ênf as e par a o tr ab a l ho m an ua l e o tr a b al h o i n te l ec t u a l, rom pen d o as s im c om a d ic o tom i a s oc i a l d o t ra b a l ho i nt e lec t ua l pa ra um a c l as s e e o tr a ba l h o braç a l p ar a o utr a. O M ST en t en d e, por ta n to , qu e p art i n do da prá t ic a pr o d ut i v a p ara a e d uc ac i o na l , es t ar iam f a ze n do 27 um a re l aç ão d i a lé t i c a e ntr e ( B EZ E RR A N ET O , 1 99 9, p . 47) . te or i a e pr át ic a A concepção de educ ação existente no interior do movimento relaciona entender a escola não apenas como o único espaço de formação humana, para o MST isso se dá na integração entre escola e sociedade, interagindo com as relações sociais já existentes ao redor dos estudantes, pois o conhecimento da realidade faz com que ocorra uma transformação social que proporcione melhorias na educação. A concepção educacional do MST está fundamentada nas bases teóricas do pensamento de Paulo Freire, no que diz respeito da educação como prá tica da liberdade, do conhecimento para a transformação social e emancipação humana, e de Pistrak em que vincula a proposta entre educação e o trabalho real da produção, entender o trabalho na escola como parte de sua vivencia social. A metodologia deve ser baseada na produção de conhecimento, partindo da realidade para depois levar ao conhecimento cientifico desta realidade. Por fim, esse movimento propõe uma educação permanente de formação, transformação humana, reforçando a concepção de que o processo ed ucacional não se dá exclusivamente na escola, mas sim na dinâmica social. Desta forma, o MST, optando pela educação para a liberdade, busca trabalhar com a valorização da cultura popular, das tradições, dos costumes, partindo da realidade, em que muitas vezes a escola urbana não consegue atender esses objetivos. Entretanto, existem outras teorias da educação as quais criticam o multiculturalismo, de um ensino para cada segmento da sociedade, pautado em sua realidade, questionando a relação entre a teoria e prática, a qual nega o que chamamos de educação tradicional. Segundo Duarte (2010) é preciso que o ensino na escola supere suas formas burguesas, mas de certa maneira que 28 privilegie a transmissão do conhecimento científico produzido ao longo da história d a humanidade (DUARTE, 2010). Os princípios da educação no MST estão pautados no conhecimento a partir de sua vivência, numa luta por uma transformação estrutural na ordem social da sociedade atual, uma educação aberta para o mundo, sem se fechar aos limi tes da realidade, proporcionando conhecimento científico. Nos últimos 20 anos, podemos perceber um grande fortalecimento dos movimentos populares do campo que vêm buscando o debate junto ao Estado acerca da educação do campo, que buscam respeitar uma dinâ mica dos próprios sujeitos do campo, entendo a questão cultural, social e econômica no e do campo, que vêm abrindo um novo debate sobre o processo histórico de implantação de políticas para a educação (COSTA, 2010). 4. MUDANÇAS E PERMANÊNCI AS – ANÁLISE DOS CADERNOS DO PROJOVEM S ABERES DA TERRA O Projovem é uma recente proposta de política pública dentro da educação do campo que se inscreve na perspectiva de retomar a identidade dos sujeitos do campo, junto a uma qualificação para o trabalho, num cenário at ual de muito descaso com o meio rural. O programa ao propor um ensino fundamental de qualidade, em paralelo oferece formação profissional, resultado na verdade de um processo muito mais amplo, como uma proposta política de governo, junto a uma mobilização dos movimentos sociais por uma educação do campo. O processo educativo do Programa Saberes da Terra, procurou em alguns aspectos fazer uma ligação entre as vivências dos estudantes curricular. junto ao contexto pedagógico, ao conteúdo Nesse sentido a impl antação do conteúdo funciona 29 como uma incorporação da realidade e depois processá -la como conteúdos informativos, assim o espaço escolar não deve ser visto apenas como um mero lugar de transmissão de conhecimento, mas um espaço de formação humana (COSTA, 2 010). A proposta pedagógica do Projovem Campo Saberes da Terra 5, esta voltada à capacitação das pessoas para o ensino fundamental integrado a qualificação profissional na modalidade de educação de jovens e adultos fase II de 5ª a 8ª séries. Este projeto tem como prioridade atender a demanda de jovens com idade entre 18 a 29 anos, que não concluíram o ensino fundamental. As regiões atendidas estão localizadas no meio rural, compreendidas entre o Vale do Ribeira e Cantuquiriguaçu. A construção do projeto nessa região, foi desenvolvido a partir da compreensão da educação como forma de sanar uma divida histórica, principalmente com os povos do campo, basta ver os altos índices que indicam a falta de escolarização das pessoas que vivem no campo, em relação ao meio urbano, que se distinguem em realidades diferentes. Segundo dados do IBGE mostram que cerca de 32 milhões de pessoas vivem no campo, e trabalham em áreas rurais. Para essa população o acesso à escola torna -se um grande desafio, bem como sua permanên cia (IBGE, 2011). Em meio a todas essas necessidades dos trabalhadores rurais, que vem nascer às discussões acerca da educação do campo, que tem como ponto de partida a conferência da educação do campo de 2002. A implantação do projeto nos municípios da região do Cantuquiriguaçu, contou com um estudo prévio do 5 O Projeto Saberes da Terra no Território Cantuquiriguaçu foi desenvolvido em três pilares fundamentais. Junto às parcerias entre o MEC, a Associação de Municípios da região do Cantuquiriguaçu e das Prefeituras municipais que se envolveram no projeto através das Secretarias de Educação. 30 processo desenvolvimentista regional movimentos sociais e a (CONDETEC) juntamente com os 6 , que possibilitaram a execução e elaboração do projeto Saberes da Terra, com uma proposta de atender as espe cificidades regionais, a escolarização dos trabalhadores da agricultura familiar, também capacitação para atuarem na educação. Na elaboração do Projeto Político Pedagógico (PPP) do Programa, contou com a participação do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Sindicato dos trabalhadores rurais e integrantes da gestão pública municipa l e de algumas prefeituras, envolvidos em cada região do Cantuquiriguaçu, e a participação do Estado através da Secretária de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), junto ao MST (COSTA, 2010). O planejamento da política tem como base o Decreto n°5154/04, que considera que a formação inicial e continuada de trabalhadores deve acontecer através de cursos ou programas de educação profissional, com o objetivo de elevar a educação dos trabalhadores, o objetivo maior desse programa é a qualifi cação profissional, além de promover o acesso à educação, que visa sua qualificação profissional e seu desenvolvimento humano, vinculado 6 O Conselho de Desenvolvimento do Território Cantuquiriguaçu é composto por diferentes atores sociais. Mais de 44 entidades que representam os segmentos: públicos, privados e não governamentais da região. De acordo com o regimento interno e sua estrutura organizacional, o Conselho contempla em sua atual composição: conselheiros representantes de: Movimentos Sociais (MST e MPA), Organizações (como a OAB e Associações de Engenheiros), Gestores Públicos (Prefeitos e Secretários Municipais), Igrejas, Empresas (inclusive Multinacionais), Sindicatos de Trabalhadores Rurais e de Educação, Instituições Educativas (Nível Médio e Superior), representantes das Câmaras Setoriais (tais como: Educação, Agricultura, Assistência Social, etc.), Bancos Estatais e Cooperativas de Crédito, ONGs, entre outros. Todos os segmentos devem contemplar diferentes critérios, como abrangência no mínimo regional; ter histórico de discussão para o desenvolvimento territorial, bem como contemplar em seus projetos o desenvolvimento econômico social justo para a maioria da população. Presentes nos Municípios de Candoí, Cantagalo, Goioxim, Laranjeiras do Sul, Marquinho, Nova Laranjeiras, Pinhão, Rio Bonito do Iguaçu e Virmond. 31 há um programa nacional de Educação de Jovens e Adultos integrado com a qualificação profissional para os agricultores familiares, que surge como uma política pública para o campo, visando à integração de acesso a todos, principalmente dos excluídos do sistema formal de ensino. Como explicitado na citação abaixo dada pelo ministro da educação Fernando Haddad: Ao lançar o programa, Haddad salientou que a capacitação profissional e a escolaridade se mantiveram separadas durante muito tempo no Brasil. Com o programa, segundo o ministro, será possível educar o jovem do campo, respeitada a cultura local e o ambiente no qual ele está inserido. “O objetivo é que, dentro do seu ambiente, o jovem alcance um desenvolvimento pessoal que colabore com o desenvolvimento de sua comunidade, valendo se das oportunidades que estão a sua disposição”, afirmou Haddad. (Fonte: MEC/ Notícia veiculada em 26 de abril de 2006 apud COSTA, 2010 p. 88). Outra questão importante da proposta e que o projeto deveria contemplar as relações políticas, culturais e sociais ambientais de cada região, visando também à sustentabilidade, buscando com que cada jo vem aplicasse seu conhecimento na prática. A duração do curso foi prevista para 5 semestres com aulas presenciais na escola, e outra parte deveria ser desenvolvida nas localidades rurais. A matriz curricular seria por área do conhecimento dividido em disc iplinas que estão organizadas em linguagens, códigos e suas tecnologias, linguagem matemática e ciência da natureza e ciências sociais estas são as de formação Básica, as disciplinas de qualificação social e profissional que visam à produção rural familiar . Para Costa (2010), por mais que o Projeto Saberes da Terra seja um programa oriundo do Estado e que pode corresponder aos interesses do capital, o ambiente em que foi inserido pode ter seus limites, mas também suas possibilidades. 32 Enfim, o projeto traz uma proposta pré -determinada, definida a integração curricular, em que deve orientar -se constantemente com a realidade, numa interação entre sujeitos educativos entendidos como todos os envolvidos, com a comunidade e o mundo do trabalho dos estudantes, pa ra que seja possível uma intervenção a partir da realidade dos educandos, articulados com os conteúdos (COSTA, 2010). Do ponto de vista dos movimentos sociais populares, principalmente no que se refere ao MST, à educação por eles sonhada deverá ser a port a de entrada para que haja uma transformação social, pois para o MST o acesso à educação é um direito, onde pesquisas revelam que a maioria dos sujeitos militantes ou não vivem no campo, são pessoas que não tiveram acesso à educação. Assim a análise dos c adernos do Projovem Saberes da Terra em meio pertinente à na proposta de medida Educação em que há do o MST, torna -se entendimento muito de sua participação na elaboração dos programas junto ao Estado, bem como sua história na construção das discussões par a a educação do campo. Nas abordagens dos cadernos do Projovem Saberes da Terra está muito presente a necessidade da superação de uma educação que condicione os sujeitos a conformação de uma sociedade de classes, que vê na luta pela reforma agrária, a mudança na estrutura social vigente, que permeiam as contradições da sociedade capitalista, mostrando que os povos do campo buscam uma nova proposta de educação e trabalho. Nesse sentido os conteúdos se pautaram na necessidade desenvolver propostas que envo lvam a teoria e prática, essa sendo à base de constituição de formação dos sujeitos do campo, para que a escola possa propiciar sua inserção no mundo do trabalho, 33 consistindo a partir de três eixos de estudo e formação profissional, políticas sindical e po lítica pública. Assim essa será uma das primeiras contradições entre a proposta de educação para o trabalho do MST, e a que está presente nos cadernos, que vem a atender aos interesses do mundo capitalista, não visando romper com o modelo de sociedade atual. O programa foi desenvolvido a partir dos avanços nos debates sobre a educação do campo em 2002, sendo muito presente a compreensão de educação, que não mais reduzisse aos valores da produção capitalistas, sendo elaborados muito além desse entendimen to, mas voltados para a formação humana, incorporando alguns princípios educativos dos movimentos sociais, como prática social, trabalho e cultura, voltados para as populações do campo, afim do entendimento de sua realidade, desenvolvendo pesquisas para qu e os estudantes conheçam sua comunidade, como “Construindo um trabalhar o as olhar atividades sobre conhecimento presentes nossa cientifico na realidade”, com um pagina que enfoque 115 propõe local, ressaltando o papel dos sujeitos nos processos de interfe rência. Percebe-se a presença de alguns princípios de educação do MST, que se fundamentam baseados em uma educação para a transformação social, para a cooperação, uma educação para a ação dos sujeitos que possam interferir no processo de transformação so cial da realidade no caderno 5 - Desenvolvimento sustentável e solidário com enfoque territorial as abordagens propõem que os estudantes façam pesquisas e conheçam seu território, abordando questões como da página 31, “como se caracteriza o seu território do ponto de vista de sua história, econômica, política, geográfica, cultural e identidade”, enfocando temas como educação do campo, agroecologia, organização da produção, organização social. 34 Os processos formativos presentes nas práticas educativas do programa Projovem campo do ano de 2010, se aproximam muito da metodologia do MST, em concordância nos seguintes princípios metodológicos Como: A relação entre teoria e prática, combinação entre os processos de ensino na sala de aula junto à capacitação para o trabalho no campo, mas ainda atendo ao modelo de formação para manutenção da sociedade capitalista, a realidade como base do conhecimento, educação para o trabalho e pelo trabalho, relação entre a educação e a valorização da cultura dos povos do campo, fo rmação dos educadores para o programa. A educação não está apenas associada na escola, mais num sentido mais amplo, objetivando a formação dos sujeitos, discutindo as lutas sociais presentes no cotidiano dos estudantes, a citação abaixo demonstra como est á explicito esses princípios: Atr a v és d as c a p ac it aç ões r e al i za d as nos c o l et i v os , os j o ve ns a pr en d em p roc es s os e d uc a t i vos v o lt ad os par a a r ea l i da d e do s em i - ár i do , o bs er v a n do l im it es , po t enc i a li d a des ec o nôm ic as , s oc ia l , po l ít ic a, c u lt ura l e am bi en ta l . Dur a n t e as c a pac i ta ç ões , o j o vem d is c u te t em átic as re l ac i on a das à c id ad a n ia , po l ít ic as p úb l ic as e ge raç ã o de r en d a n a a gr i c u lt ura f am ili ar d o s em i - ár id o (c a der n o 5 Pr oj o vem c am po, 20 1 0, p . 13 6) . Assim percebe -se a relação entre teoria e prática o conhecimento da sala de aula esta sendo colocado de forma que estabeleça uma educação para o trabalho. Embora ainda a questão de atender as particularidades locais esteja fora das teorias presentes nos cadernos, não enfocando um conhecimento sobre a sua realidade, ape nas através de pesquisas pelos estudantes, ponto este visível nas atividades. A leitura da realidade sócio -econômica e cultural do território se faz muito presente no livro em que aborda a questão da 35 territorialidade, compreendida não apenas como espaço onde se mantêm relações afetivas e culturais, mas o lugar onde se desenvolve as identidades locais, essas identidades próprias muitas vezes vão determinar a própria ação dos sujeitos. Outra preocupação da proposta está centralizada no discurso pautado na preservação ambiental, sempre priorizando o desenvolvimento regional sustentável, que tem como objetivo o desenvolvimento sócio -econômico. Os movimentos sociais estão muito ligados na preservação da identidade dos grupos nos diversos espaços, e não mais com o sujeitos predeterminados pelas macro -estruturas que irão determinar a ação dos sujeitos (GOHN, 2010). Uma das formas presentes no sentido da formação da identidade camponesa, reflete na retomada da plantação das sementes crioulas, criticando o uso de ag rotóxico, durante a revolução verde da década de 1960, que utilizou do discurso de aumento da produtividade sem visar à qualidade, esse resgate das sementes vem como forma de preservar a identidade camponesa, e se inscreve como uma ação contraria ao agrone gócio. A abordagem da cultura local verifica -se através dos conteúdos relativos à temática de textos sobre o campo e mesmo através de figuras ressaltando a importância do trabalho no campo, mas a ausência de uma base de problematização dos problemas enfrentados pelos trabalhadores rurais atualmente tem pouca profundidade, demonstrando que a cultura do campo é entendida apenas como um conjunto das manifestações artísticas, em diferentes modalidades, que são vivenciadas nas localidades, em algumas abordagens a identidade do campo se dá através das lutas sociais. Essa identidade é que vai determinar a luta pela reforma agrária como uma política pública, entendida como uma das 36 condições fundamentais para se alcançar o desenvolvimento sustentável sendo um novo pr ojeto pautado nos conceitos da agroecologia em contradição com o agronegócio. A r ef orm a a gr ár ia é um a d as po l ít ic as p ú b lic as def en d id as pelo m ovim en t o a gro ec o l óg ic o nac i o na l , v is t a como um a d as c o n d iç õ es f un dam en t ais p ar a se alc a nç a r um des e n vo l v im en to r ura l s us te nt á v e l. P or s u a par t e, os m ov im en t os de l u t a pe l a ter ra - em es p ec ia l o M ST – v êm c res c e nt em ent e inc or p ora n do o enf oq u e a gr oec o l óg i c o c om o par a d igm a a es tr u t ur aç ão t éc n ic a ec o nôm ic a d os as s e n tam en t os (c ad e rno 5 Pr oj o v em , 2 0 10 , p. 41) . A territorialidade se dá no próprio entendimento da necessidade da reforma agrária, na conversão das grandes áreas de monoculturas em novas unidades familiares de produção, visando à diversificação da produção. Os movimentos sociais que lutam pela terra são entendidos como responsáveis pelo fortalecimento da agricultura familiar. As f eir as l i vr es a p arec em c om o ou tr o es paç o im por ta nt e de c o m erc ia l i zaç ã o. Em v ár i os m unic í p i os a n a l is a dos , a pres e nç a d os as s e n tam en t os c o nt ri bu i p ara a d i vers if ic a ç ão e o c r es c im ent o d a of ert a l oc a l d e pro d ut os c h e ga n do a r ep erc ut ir no a um ent o d o t am an ho ou m e s m o da f r eq üê nc i a d as f e ir as , e em al g uns c as os , pr o v oc a nd o r eb a ix am en t o d e preç os de p rod u tos a lim e nt ares .. . Ai n da c om rel aç ã o à c om erc i a li za ç ã o, f or am det ec t a das m u da nç as i nd u zi d as pe l a or g a n i zaç ã o d os as s e nt a m entos , pr inc i p alm en t e o n de há pr es enç a de m o v i m entos s oc ia is or ga n i za d os , c om o o M ST (c a der n o 5 Pr oj o v em , 2 0 10 , p . 43 ). Essa nova representação na interpretação dos movimentos sociais estabelece um diálogo com o Estado, reconhecendo sua historicidade pela luta da terra. 37 A educação é entendida como uma prática a cidadania, formar um cidadão consciente, aproximando teoria e prática, revelando uma abordagem de um trabalho voltado para a formação da cidadania, voltados para atitudes e valores que se pautam em princípios éticos, na perspectivas de uma sociedade mais humana. Observa -se em alguns textos que procuram adequar mudanças no ensino, d iscutindo no decorrer deles as lutas pela terra, trabalho, qualidade de vida, educação, reconhecimento social e a formação do sujeito social, possibilitando a construção de novos paradigmas para a educação do campo. Dessa maneira, a formação da cidadania é trabalhada nos livros a partir da problematização de questões mais próximas da realidade dos estudantes, servindo de fio condutor para atingir os objetivos do programa. Dessa forma o desenvolvimento econômico é entendido como uma construção com bases na p reservação do meio ambiente, presentes nos dois cadernos analisados, o projeto em defesa das sementes crioulas, constituindo-se traz como uma forma elemento em de proteger defesa da a natureza, agricultura sustentável. Nos cadernos do Saberes da terra de 2007, percebe-se uma abordagem muito mais voltada para o marxismo ortodoxo, fazendo uma análise mais pela estrutura econômica do que por um viés cultural, discutindo muito as relações macro estrutural, contrapõem-se a uma educação para a conformidade e pa ra a integração ao mundo do trabalho nos moldes capitalistas. Enquanto que os cadernos do Projovem 2010 trazem um conteúdo mais bem elaborado do que na 1ª edição de 2007, em que propõe um ensino por meio do lugar em que o estudante vive abordando assuntos como, identidade, agricultura sustentável, cidadania, políticas públicas presentes no município e trabalho nos 38 dois cadernos podem perceber que esses princípios estão próximos da linha de pensamento dos movimentos sociais. Os objetivos presentes nas coleções propõem uma abordagem mais próxima dos sujeitos do campo, ligado a questões sociais, culturais e do cotidiano, visando formar alunos mais críticos do meio em que vivem, por exemplo, na citação “Qual a educação necessária para construir a cidadania”, do caderno 6 e 7 do Saberes da Terra de 2007 na pagina 07, demonstra a definição de cidadania por meio da participação dos sujeitos na sociedade e como forma de libertação dos meios de exploração. As coleções são formadas por cinco cadernos, tem como proposta principal trabalhar a identidade do homem do campo, dentro de uma proposta de agricultura sustent ável. Os cadernos demonstram que na formulação dos objetivos havia uma clareza com a descrição dos conteúdos, sempre com a preocupação de integrar a teoria a realidade do estudante. Como podemos perceber na citação abaixo os cadernos pretendiam buscar uma interação com os estudantes, favorecendo a discussão de problemas pertinentes à realidade. Ac r ed i tam os qu e a pa rt ic ip aç ão p o lí t i c a d os s uj e i tos d o c am po n as po l ít ic as p ú b l ic as f o rt a lec e a af ir m aç ã o da id e nt i da d e do c am po n ê s , da c am pon es a e das s uas f orm a s or g an i za t i v as , f av or ec e a v i nc u l aç ã o das i d en t id a des c o l e ti v as e des s es s uj e i tos como part ic i p an tes de um m ovim en t o s oc ia l q ue lu t a por t err a, ref orm a agr ár i a, po r um a pr o d uç ã o do e n o c am po p or m ei o da a gr ic u l tur a f am i li a r. P ar a is s o pr op om os um a r ef l ex ã o c om i nt u it o d e, p erc e b en d o m e lh or à r ea l i d ad e ( C AD E RNO 3 PR O J O V EM C A M PO , 2 0 1 0, pg . 2 1). Diante da citação acima se percebe uma nova proposta de ensino, a qual entende a sala de aula como um espaço de 39 produção de conhecimento, isso implica também na va lorização do conhecimento dos estudantes. Nas duas coleções estudadas os conceitos cidadania, trabalho, agricultura sustentável, estão voltados para o debate a partir da realidade de cada região, propondo atividades que levem a reflexão das praticas sociai s presentes em sua comunidade. São essenciais as observações acima, pois discutem uma nova concepção de ensino, bem como a analise dos cadernos é fundamental, pensar se essa mudança trará transformações para quem vive no campo, partindo de uma narrativa ma is próxima de quem escuta, diferente do ensino tradicional, que ignora a historicidade das populações do campo. Embora ainda tenha suas limitações, algumas permanências do ensino tradicional, e distanciamento com algumas realidades do campo, mostrando uma visão romantizada, não abordando os conflitos presentes entre Estado e movimentos sociais pela luta da terra e pela educação do campo. Contudo percebemos que o ensino apropriado às escolas do campo, ainda está em meio a muitas discussões, sobre o que deveria ser do conhecimento do cidadão do campo. CONSIDERAÇÕES FINAIS No decorrer do estudo da proposta de educação do programa Saberes da Terra, foi possível verificar a presença de algumas práticas educativas muito coerentes com os princípios filosóficos e pedagógicos dos movimentos sociais, principalmente do MST. Embora ainda sendo pensada como uma forma de suprir a carência das populações do campo, combater a pobreza através de 40 programas de bolsas e projetos voltados para a formação para o mercado de trabalho. Apresentando suas restrições e suas possibilidades as coleções podem ser entendida, como um espaço coletivo, múltiplo e fragmentado, incompleto, com muitas vozes. Não como um livro pronto, acabado, mas dando possibilidades dos estudantes formarem seu próprio conhecimento acerca de sua realidade. Dentro da lógica da própria produção dos cadernos é preciso entender que cada conteúdo será uma escolha de recortes, de produções possíveis. Entretanto ressaltando a é possível importância das inferir outras abordagens considerações, em que prioriza conhecimento do campo, isso é muito relevante para o processo de adequação das escolas, mas também se percebe uma mudança muito lenta para a adoção desses programas para que efetivamente virem políticas públicas para a educação do campo. O estudo da trajetória da educação do campo se fez presente a fim de entender os debates para a construção de uma educação para as “classes populares”, principalmente nas escolas situadas no meio rural. O entendimento de educa ção presentes em ambas as coleções está associada a um sentido mais amplo, que vai além da própria escola, com objetivo de formar cidadãos conscientes, não deixando de lado as lutas sociais, colocando em prática através de atividades fora da escola, o enco ntro entre a teoria e a prática. Percebe-se que o programa se inscreve em uma das conquistas da educação do campo, conquistada pelos movimentos sociais, que uniu a luta pela terra junto ao direito a uma educação de qualidade, que respeite as particularid ades locais, buscando compreende-los em sua realidade social, considerando a realidade como parte da produção do conhecimento. 41 Neste contexto podemos entender que a luta por políticas públicas para a educação do campo sempre esteve junto ao fortalecimento dos movimentos sociais organizados na sociedade civil. Pesquisas recentes indicam que os efetivos do MST se elevaram a 350 mil famílias assentadas e 70 mil famílias acampadas, o que representa cerca de 1,5 milhões de pessoas. Sabemos que essa luta pela t erra não começa pelo MST, podemos ver na história do Brasil a presença de vários movimentos camponeses como o de Canudos séc. XIX e do Contestado no século XX, mas o MST trará uma luta pela educação, buscando uma transformação do presente (COMPARATO, 2000) . Conclui-se que os cadernos analisados, vêm apresentando melhorias, fazendo abordagens mais próximas da realidade dos estudantes das escolas do campo, construindo e fortalecendo suas identidades, partindo da recuperação da memória e valorizando seus conhecimentos. Claro que a educação ideal para o campo está ainda no plano das ideias, sempre haverá divergências sobre seu formato através de novas abordagens, de mudanças na sociedade. Desta forma o ensino nas escolas do campo e os movimentos sociais estarão sempre sendo construídos e, produtos da sociedade, em constante transformação. Portanto, é impossível entender a trajetória da educação do campo sem conhecer a luta dos movimentos sociais do campo, intimamente ligado à construção de uma nova escola para o campo. REFERÊNCIAS ADAMS, Telmo. As políticas públicas no Brasil. Programa de pesquisa e Pós-graduação da Universidade Jesuíta Unisinos. São Leopoldo - RS - S/D. 42 ANDRADE, Márcia Regina; DI PIERRO, Maria Clara. Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária em perspectiva – Dados básicos para uma avaliação – PRONERA. S/D. ARROYO, Miguel Gonzáles; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna. Por uma Educação do Campo: A educação básica e o movimento social d o campo. 3 edição. Ed. Vozes: Rio de Janeiro, 2004. BENJAMIM, César; CALDART, Roseli. Projeto Popular e Escola do Campo. Articulação Nacional Por uma educação Básica do campo. Coleção 03. 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OUTRAS FONTES Cadernos pedagógicos 6 e 7 do Programa Saberes da Terra. Cidadania, organização social e políticas públicas . Cantuguiriguaçu/ SECAD. Laranjeiras do Sul - Paraná, 2007. Cadernos pedagógicos 8 e 9 do Programa Saberes da Terra. Desenvolvimento territorial sustentável e solidário. Cantuguiriguaçu/ SECAD. Laranjeiras do Sul - Paraná, 2007. 44 Cadernos pedagógicos 3 d o Programa Saberes da Terra Projovem campo. Cidadania, organização social e políticas públicas . Cantuguiriguaçu/ SECAD. Brasília, 2010. Cadernos pedagógicos 5 do Programa Saberes da Terra Projovem campo. Desenvolvimento sustentável e solidário com enfoque territorial. Cantuguiriguaçu/ SECAD. Brasília, 2010. 45 MÚSICA POPULAR E OS MOVIMENTOS SOCIAIS BRASILEIROS PROF. RODRIGO ALVES FÁVARO Estudantes: Adriane Aparecida Prudente Machado Dafne Ribeiro Breda Fábio Noima Pelosi João Carlos de Souza Simone Ferreira Zeni Ciências Sociais – FG RESUMO: O presente artigo pretende demonstrar o comprometimento da música popular brasileira com as demandas dos movimentos sociais que emergem em contextos sociais, econômicos e políticos diversos. Para isso, utiliza-se de referências relevantes sobre a teoria dos movimentos sociais brasileiros, compreendidos em dois períodos diferentes: o da política totalitária militarista e o da pós-redemocratização do Estado brasileiro. Foram evidenciadas, durante o texto, algumas das principais características desses movimentos sociais, identificando-os como importantes atores políticos que contribuem, ao longo da história, para o desenvolvimento da nação brasileira. PALAVRAS-CHAVE: Música. Militarismo. Redemocratização. Demandas. Movimentos Sociais. INTRODUÇÃO A música, mais que outras categorias artísticas, faz parte da vida das pessoas, seja como forma de entretenimento, seja como forma de identificação ideológicaou política. Os artistas se utilizam da música para expor suas opiniões, suas ideias, seus anseios, os quais muitas vezes estão em harmonia com os movimentos sociais. Desde já deixamos claro que o conceito de movimento social que adotaremos aqui é compartilhado das obras teóricas de Maria da Glória Gohn, qual afirma que “nós os vemos como ações sociais coletivas de caráter sócio-político e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas” (2010, p.13). Dessa forma o presente trabalho pretende verificar de que forma a música foi utilizada como meio de divulgação das demandas dos diversos movimentos sociais no Brasil, em seuscontextos. Apresentando diversos anseios de parte da população e de artistas que encontraram na poesia e na 46 música uma forma de demonstrar sua insatisfação, seja ela política, cultural, econômica ou de cunho ideológico. Nesse sentido, Maria da Glória Gohn afirma que: Na ação concreta, essas formas adotam diferentes estratégias que variam da simples denúncia, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência civil, negociações, etc.), até as pressões indiretas (GOHN, 2010. P. 13). Assim, a autora ainda afirma que os movimentos sociais são caracterizados por ações sociais coletivas, por interesses em comum, ou seja, interesses de reivindicação ou mobilização pela sua demanda (GOHN, 2010). Dessa forma, podemos afirmar que a partir dessas características, grandes contestações políticas no Brasil advêm de manifestações pela música, como por exemplo, na década de 60,após o golpe militar, quando diversos artistas passaram a compor suas músicas com cunho político, fazendo críticas ao regime político adotado e as crueldades cometidas pelo mesmo, porém de forma indireta, tendo em vista que a própria censura não permitia que essas reivindicações fossem diretas. 1. MÚSICAS E O PERÍODO MILITAR Entre 1964 a 1985 o Brasil viveu um dos períodos mais controversos de sua história. Sob a égide de um governo Militar, o país passou por diversas transformações sociais que afetaram em maior ou menor grau, toda população brasileira nesse período. Os impactos desse período foram tão grandes que mesmo depois de quase vinte anos do fim desse regime, a sociedade brasileira atual sente as reverberações emanadas desse contexto (Vide a comissão da Verdade). Nesse sentido, o Brasil passou por momentos de grandes disputas internas entre as forças sociais do período. Assim, a principal marca do governo brasileiro nesse período era a forte dominação política, construída 47 através dos Atos Institucionais (AI), que aumentavam cada vez mais o poder do executivo e diminuía o poder do legislativo, o bipartidarismo político (ARENA, MDB), grande repressão, com o uso das forças militares, cometendo assassinatos e torturas, além de repressão de manifestações culturais, através de censuras de músicas, filmes, peças de teatro, jornais, revistas, etc. Em contrapartida, alguns movimentos sociais buscaram reverter esse cenário, tentando mostrar a face cruel e repressora do Governo Militar. Entre esses movimentos de contestação podemos citar o Movimento Estudantil (UNE), os diversos movimentos de grupos de esquerda que, algumas vezes, se utilizaram da luta armada contra os militares e alguns cantores da época. Nessa época, os movimentos sociais de destaque eram essencialmente urbanos e “tiveram papel de destaque nas frentes de luta contra o regime militar” (GOHN 2010, p.7) Dessa maneira, a música foi um dos principais elementos utilizados tanto pelos militares como pelos contestadores do regime, como um mecanismo para conquistar a mobilização da população. Músicas como “Eu te amo meu Brasil” da dupla Dom e Ravel gravada em 1970, em meio a um sentimento ufanista gerado pelo “Milagre Econômico” e pela conquista da Copa do mundo de futebol pela seleção brasileira, pode ser considerada exemplo de músicas que corroboravam com a Ditadura Militar (NAPOLITANO, 2004). Da mesma maneira, importantes cantores do período escreviam letras metafóricas para tentar burlar o sistema de censura elaborado pelo governo. Podemos citar músico como Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Taiguara, Caetano Veloso, Geraldo Vandré, que procuraram em suas letras denunciar a falta de democracia e os crimes cometidos por esse regime. Dentre um grande número de cantores que fizeram seus trabalhos contra o regime militar, escolhemos para nossa pesquisa trabalhar com algumas músicas de Taiguara Chalar da Silva e Chico Buarque de Holanda, pelo fato de terem sido dois dos compositores musicais brasileiros mais perseguidos no período. 48 1.1 Taiguara (Dafne Ribeiro Breda Gonçalves) Taiguara Chalar da Silva, músico, compositor e intérprete, nasceu em nove de outubro de 1945 em Montevidéu, porém veio para o Brasil aos quatro anos de idade, com seu pai Ubirajara da Silva, também músico.Morou no Rio de Janeiro até os quinze anos e depois mudou-se para São Paulo, onde viveu até 1975 quando se exilou em Londres, morou ainda em Paris, Tanzânia e Etiópia. Voltou para o Brasil apenas em 1982. Uma das características nas obras de Taiguara é sua versatilidade de estilo musical, compondo desde sambas até sertanejos, porém suas músicas mais conhecidas são marcadas por um romantismo e melodia popular, como “Universo do teu corpo”, “Viagem”, “Hoje” e “Teu sonho não acabou”, muito tocadas nas rádios entre 1968 e 1975. Por suas críticas à repressão durante o período da ditadura militar, assim como Chico Buarque de Holanda, foi um dos compositores mais perseguidos pela censura, tanto é, que dois de seus álbuns foram censurados por inteiro, bem como um total de 68 músicas também censuradas. Devido a essas perseguições pela ditadura militar, Taiguara além de músicas e álbuns, teve também vários de seus shows cancelados como ele mesmo explica: [...] quando o processo capitalista, na sua fase imperialista, não consegue ainda, por meios econômicos, desapropriar uma nação inteira, é evidente que ele tem que usar os meios militares, que foram usados na época. A ditadura militar me proibiu 68 músicas, perseguiu os nossos espetáculos pelo interior de São Paulo, Santa Catarina e Paraná — onde eu fiz três circuitos universitários quase impossíveis de realizar porque a polícia federal chegava. Agentes disfarçados, à paisana, chegavam nas rádios e cancelavam a entrevista, cancelavam o show pela rádio, ameaçavam o público. Quando nós chegávamos com o ônibus, com todo o equipamento, após ter feito um gasto enorme, o clube estava fechado a cadeado e não se encontrava a diretoria — isso aconteceu em Piracicaba, Bauru e várias cidades do interior de São Paulo. Então, como eu não podia mais gravar, a censura proibia tudo e não podia mais sobreviver com 7 o trabalho, a saída foi o aeroporto . (SILVA, 1991, p.10). 7 Entrevista concedida ao Jornal Inverta em 24/09/1991. 49 Esses foram os motivos que o levaram a se exilar na Inglaterra, onde mais tarde gravou em inglês seu álbum Letthechildrenhearthemusic (Deixe que as crianças ouçam as músicas), que por sua vez, foi também proibido de ser lançado pela Polícia Federal do Brasil. Taiguara retornou ao Brasil em 1982, período em que a repressão militar já era menor, e aprofundou-se nas pesquisas de sonoridades paraguaias e africanas. A partir de então, voltou a realizar shows por todo o Brasil. Em 1990, seu último show foi gravado e transmitido pela TV Manchete. Seu último álbum foi lançado em 1994, “Brasil Afri”. Taiguara faleceu no dia 14 de fevereiro de 1996, devido a um câncer avançado de bexiga. Dentre suas músicas, faremos a reflexão a cerca da música Hoje, de seu álbum também intitulado Hoje em 1969 e Que as crianças cantem livres do álbum Fotografias em 1973. Hoje Trago em meu corpo as marcas do meu tempo Meu desespero, a vida num momento A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo... Hoje Trago no olhar imagens distorcidas Cores, viagens, mãos desconhecidas Trazem a lua, a rua às minhas mãos, Mas hoje, As minhas mãos enfraquecidas e vazias Procuram nuas pelas luas, pelas ruas... Na solidão das noites frias por você. Hoje Homens sem medo aportam no futuro Eu tenho medo acordo e te procuro Meu quarto escuro é inerte como a morte Hoje Homens de aço esperam da ciência Eu desespero e abraço a tua ausência Que é o que me resta, vivo em minha sorte Sorte Eu não queria a juventude assim perdida Eu não queria andar morrendo pela vida Eu não queria amar assim como eu te amei. Nesta letra podemos perceber que aparentemente se trata uma canção romântica, porém em suas entrelinhas notamos que ele se refere ao dia de hoje, o único dia o qual tinha certeza que poderia viver, demonstra sua preocupação com a imposição da violência, o medo que assombrava muitas pessoas nesse período, bem como a preocupação com o futuro que era incerto. 50 Leia-se a canção intitulada Que as crianças cantem livres: O tempo passa e atravessa as avenidas E o fruto cresce, pesa e enverga o velho pé E o vento forte quebra as telhas e vidraças E o livro sábio deixa em branco o que não é Pode não ser essa mulher o que te falta Pode não ser esse calor o que faz mal Pode não ser essa gravata o que sufoca Ou essa falta de dinheiro que é fatal Vê como um fogo brando funde um ferro duro Vê como o asfalto é teu jardim se você crê Que há sol nascente avermelhando o céu escuro Chamando os homens pro seu tempo de viver E que as crianças cantem livres sobre os muros E ensinem sonho ao que não pode amar sem dor E que o passado abra os presentes pro futuro Que não dormiu e preparou o amanhecer... Assim como na letra anterior, essa composição traz também em suas entrelinhas a realidade sombria, porém ao mesmo tempo demonstra a esperança pelo futuro que sonhava que um dia iria chegar o tempo em que a ditadura acabaria assim como o sofrimento desse período. 1.2 Chico Buarque de Holanda (Adriane Aparecida Prudente Machado) Francisco Buarque de Holanda (Chico Buarque de Holanda) nasceu em 1946 no Rio de Janeiro filho do Sergio Buarque de Holanda (Historiador) e Maria Amélia Cesário Alvim (pianista). No ano de 1946, Chico e a família vão morar em São Paulo onde seu pai Sergio Buarque é nomeado diretor do museu Ipiranga. Em 1953 muda-se para Itália onde seu pai passa a lecionar na Universidade de Roma. Anos mais tarde retornam ao Brasil Chico demonstra interesse pela música a qual passa a fazer parte de sua vida. Recebeu grande influência de João Gilberto. Dez anos mais tarde Chico Buarque entra para a Universidade de São Paulo no curso de Arquitetura e Urbanismo, onde participa de movimentos estudantis. Nesse mesmo ano da um ponto de partida 51 na sua carreira musical, que segundo ele foi com a participação no musical Balanço do Orfeu com a musicaTem mais Samba. Chico Buarque volta morar no rio de Janeiro no ano de 1967, lança seu segundo LP Chico Buarque de Holanda V2. Ainda nesse ano escreve a música Roda Viva. No ano seguinte 1968, vence festival Internacional da Canção com a música Sabiá em parceria com Tom Jobim. No final da década de 60, janeiro de 1969, Chico participa da passeata dos cem mil, contra a repressão do regime militar, e é exilado para a Itália. Só retorna ao Brasil em março de 1970 acreditando que a situação da política brasileira estava melhorando. Ele encontra o país divido entre massacre político e sentimentos nacionalistas. Diante da decepção ao ver que nada havia mudado e, sensibilizado pelos problemas brasileiros, sentiu-se a necessidade de realizar um trabalho que mostrasse a realidade de sua pátria. Então assina contrato com a gravadora Philips para produção de mais um disco. A música Apesar de Você chega a quase cem mil copias vendidas e propagando em todas as rádios do país, mas é censurada e recolhida das lojas. O estoque foi quebrado, e a fábrica fechada. Ao voltar do exílio Chico Buarque apresenta um interesse pela política e esse fato se reflete na sua música, passando a intensificar sua crítica social. As canções de repressão passam a ser um documento fiel da época. Assim, “Apesar de Você” (1970), “Deus Lhe pague” (1971) “Quando o Carnaval Chegar” (1972) e “Cálice” (1973) foram quatro canções compostas nos quatro anos mais opressores e censurados no Brasil. (MENESES, 2002, p.35). Algumas canções de Chico Buarque foram censuradas em sua totalidade, outras apenas palavras e versos retirados das músicas. Porém algumas passavam despercebidas diante dos funcionários da censura. Em um show Chico Buarque e Gilberto Gil resolveram interpretar o refrão da música Cálice e a gravadora com medo da repressão desliga o microfone fazendo os cantores calarem-se diante da multidão. Meneses (2002, p.68), considera a composição Apesar de Você a mais conhecida das canções de repressão composta por Chico Buarque. A proposta dessa canção é a mudança do momento presente para um futuro libertador, possuindo tanta vertente critica quanto utópica. 52 Essa composição foi considerada o hino da ditadura militar e marcou Chico Buarque com alvo constante da censura. Diante da situação, o compositor reprimido pela censura, utiliza-se das metáforas para denunciar e rebelar. Nos primeiro versos de apesar de você temos a realidade repressiva do poder, que ao dar uma ordem deve ser prontamente obedecidas sem nenhum direito a explicações. Chico usou a palavra você para representar o opressor e fez a música como se estivesse falando sobre o momento presente: Observe-se a letra da música Apesar de Você: Hoje é você quem manda Falou ‘tá’ falado Não tem discussão [...]. Falando de lado E olhando pro chão [...] Você que inventou esse estado E inventou de inventar Toda a escuridão Você que inventou o pecado Esqueceu-se de inventar O perdão O verso da canção remete a uma situação de submissão através do medo que as pessoas possuem da autoridade imposta. Ao mesmo tempo medo de olhar de frente a situação diante da opressão e do autoritarismo. Alguns versos nos dão a impressão que chegará um momento em que o opressor será cobrado pelas atrocidades cometidas, das quais ele não ficara impune. Os versos: Amanha há de ser Outro dia A água nova brotando Quando o galo cantar Água nova brotando O jardim florescer Vendo o dia raiar Amanhã renascer O céu clarear [...] Mostram-nos a esperança no amanhã, da vida em liberdade. Chico reforça sua crença em uma nova época e inicio de uma vida sem repressão, sem forças políticas. Devido à censura, a canção Apesar de Você só seria incluída num álbum do cantor em 1978, quando foi lançada como última faixa 53 de Chico Buarque (1978). Outros artistas que regravaram essa música sem saber do seu implícito,se viram obrigados a fazer publicidade para o governo. Os movimentos sociais dos anos 70 e 80 foram atuações políticas decisivas para a conquista de muitos direitos sociais, os quais se fizeram presentes na Constituição Cidadã de 1988. E a arte teve sua carga de mérito para essa conquista do cidadão brasileiro. E nesse contexto a música foi meio importante de divulgação das demandas políticas e sociais do povo. 2. A MÚSICA E OS NOVOS ATORES SOCIAIS Com o fim da ditadura militar no Brasil e nos demais países da América Latina, o manifesto político principalmente pela música, perdeu espaço e foi ocupado por outros movimentos, principalmente a partir de 1990, quando “[...] ecologistas, proliferaram após a conferência ECO 92, dando origem a inúmeras ONGs (Organizações Não-Governamentais). Aliás, as ONGs passaram a ter muito mais importância nos anos 90 do que os próprios movimentos sociais.” (GOHN, 2010. P. 22). Portanto, vendo-se agora sem alvo de ataque, os movimentos sociais antimilitaristas perderam força e saíram de cena. Porém, a partir dos anos 90 surgem novas formas de organização popular. Com a Constituição Cidadã prevendo em sua letras os direitos e garantias individuais como uma de suas Cláusulas Pétreas (CF, Art. 60, § 4º), e com a situação de desigualdade social e outros diversos problemas sociais de certa forma abafados pela ideologia militar, a sociedade começou a se organizar politicamente. Surgiram, portanto várias formas de organização popular: “Fóruns Nacionais de Luta pela Moradia, pela Reforma Urbana, Fórum Nacional de Participação Popular, etc” (GOHN, 2010, p.20), resultando posteriormente em movimentos sociais institucionalizados, como é o caso dos movimentos dos homossexuais, dos afro-brasileiros, dos indígenas, dos funcionários públicos, dos ecologistas, entre outros. Não podemos deixar de citar o movimento social antiglobalização, que surge próximo à virada do sec. XX para o XXI negando a forma “como a ordem capitalista vigente se reproduz” (GOHN, 2010, p. 33). Trata-se de uma 54 organização popular de âmbito global, mas que absorve as demandas dos movimentos sociais brasileiros, tratados até aqui, por serem frutos da reprodução dessa ordem capitalista vigente. E não obstante, ao lado dessas manifestações populares, a música se fez presente. Mais uma vez divulgando as demandas dos novos movimentos sociais. Elencaremos alguns exemplos a seguir. 2.1. Demandas ambientais Uma das grandes demandas dos movimentos sociais que surgiram a partir dos anos 90, e mais especificamente nas discussões dos movimentos sociais antiglobalização é a do equilíbrio ambiental. Exemplo disso é a grande quantidade de grandiosas ONGs de caráter ambiental. Dentre as mais conhecidas estão WWF, Greenpace, Ecoar, SOS Mata Atlântica. Nesse sentido, surgem composições de grande divulgação para propagar essa dos novos atores sociais. 2.1.1 Pampa Pobre (Gaúcho da Fronteira) (João Carlos de Souza) No ensejo desse novo modelo de movimento social, em 1991 o grupo de rock brasileiro Engenheiros do Hawaii regravou um grande sucesso de autoria de Gaúcho da Fronteira e Vaine Darde. A música trata dessa nova preocupação da sociedade moderna com o meio ambiente, propondo à sociedade a luta se for o caso, para preservar e recuperar a natureza. Segue a letra: Mas que pampa é essa que eu recebo agora Com a missão de cultivar raízes Se dessa pampa que me fala a história Não me deixaram nem sequer matizes? Passam às mãos da minha geração Heranças feitas de fortunas rotas Campos desertos que não geram pão Onde a ganância anda de rédeas soltas 55 Se for preciso, eu volto a ser caudilho Por essa pampa que ficou pra trás Porque eu não quero deixar pro meu filho A pampa pobre que herdei de meu pai Herdei um campo onde o patrão é rei Tendo poderes sobre o pão e as águas Onde esquecido vive o peão sem leis De pés descalços cabresteando mágoas O que hoje herdo da minha grei chirua É um desafio que a minha idade afronta Pois me deixaram com a guaiaca nua Pra pagar uma porção de contas Se for preciso, eu volto a ser caudilho Por essa pampa que ficou pra trás Porque eu não quero deixar pro meu filho A pampa pobre que herdei de meu pai A música gaúcha originalmente é carregada de regionalismo e de demonstrações de orgulho de seu povo pelo seu lugar, mas a letra de “Herdeiro da Pampa Pobre” relata além desse orgulho, também a vergonha da degradação ambiental que foi feita ao ecossistema natural do Rio Grande do Sul, que é o pampa também chamado de campos ou coxilhas. A letra da música retrata um dos movimentos sociais do século XXI, que é a preocupação com as questões ambientais, remontando o orgulho gaúcho no movimento social armado do século XIX que foi a Revolução Farroupilha. Na análise da letra da música em si podemos destacar que é feito o questionamento do que lhe sobra de ambiente natural para a sua geração, restando apenas matizes, ou manchas de uma natureza exuberante, que a ação predatória e gananciosa de antepassados, rouba o direito de gerações futuras de desfrutar de um ambiente saudável e produtivo, que pode ser verificado pelo processo de desertificação na região de Bagé naquele estado. Na sequência a letra da música mostra que o povo irá à luta para preservar e recuperar aquele ambiente, para que seus descendentes possam ser privilegiados com a possibilidade de desfrutar deste ambiente de forma plena, diferentemente da geração atual. Na segunda parte da música são confrontadas as questões sociais, econômicas e ambientais, onde fala do poder econômico do patrão que usa a natureza como bem entende, destruindo rios e controlando a produção e deixando na miséria a população excluída. Em seguida a música mostra que 56 esta dívida ambiental sobra à população em geral para arcar com os custos financeiros e até de saúde para recuperá-la, criticando os altos cultos de tratamento de água, esgoto e resíduos sólidos, além de ser uma referência aos valores excessivos dos impostos que são pagos pela população brasileira. Por fim a música reforça a luta pela preservação e recuperação dos ambientes naturais, que podem ser vistos hoje por todo o globo por meio de ONGs que lutam de várias formas na defesa de seu ideal, sendo um dos movimentos sociais retratados na obra da Maria da Glória Gohn em Movimentos Sociais no início do século XXI: Antigos e novos atores sociais. 3.1.2. Canção da Terra – Pedro Munhoz (Simone Ferreira Zeni) Nessa mesma perspectiva, por reinvindicações de cunho ambiental, Pedro Munhoz, também gaúcho, compôs a música Canção da Terra que foi gravada pela trupe O Teatro Mágico, em 2011, no disco Sociedade do Espetáculo. Tudo aconteceu num certo dia Hora de ave Maria o universo vi gerar No princípio o verbo se fez fogo Nem atlas tinha o globo Mas tinha nome o lugar Era terra, terra E fez, o criador, a natureza Fez os campos e florestas Fez os bichos, fez o mar Fez por fim, então, a rebeldia Que nos dá a garantia Que nos leva a lutar Pela terra, terra Madre terra nossa esperança Onde a vida dá seus frutos O teu filho vem cantar Ser e ter o sonho por inteiro Ser sem-terra, ser guerreiro Com a missão de semear À terra, terra Mas apesar de tudo isso O latifúndio é feito um inço Que precisa acabar Romper as cercas da ignorância Que produz a intolerância 57 Terra é de quem plantar À terra, terra Com essa música está em execução o primeiro contrato que reconhece a música livre no mercado fonográfico brasileiro. Pela primeira vez uma música trilha sonora de novela da emissora mais poderosa do país terá a característica de livre distribuição e gestão de obra feita pelo autor. A partir desta experiência, sem dúvida a música brasileira vira uma página. Isto ocorre com o contrato que o trovador amigo do Movimento sem Terra (MST) e a trupe O Teatro Mágico acabam de assinar com a Rede Globo e a gravadora Som Livre. Os movimentos sociais têm construído representações simbólicas afirmativas por meio de discursos e práticas “[...] ao realizarem essas ações, projetam em seus participantes sentimentos de pertencimento social. Aqueles que eram excluídos de algo passam a sentir-se incluídos em algum tipo de ação de um grupo ativo.” (GOHN, 2010. p.16) Canção da Terra é uma música conhecida entre os movimentos sociais, especialmente no MST, pois fala sobre a Reforma Agrária, que faz parte das discussões políticas atuais, pois é uma música gravada há apenas três anos. Fazendo um paralelo com a natureza, ela engloba também o movimento ambientalista, nos fazendo refletir sobre a melhoria e o cuidado com o meio ambiente. Essa luta por terra é um marco dos movimentos sociais, e uma constante na humanidade, há muito tempo faz-se manifestações para que mais grupos se organizem e entrem nessa luta pela garantia de se ter uma propriedade. A propriedade aqui se torna um símbolo de riqueza, de poder entre os povos. Rousseau em Discurso Sobre a Origem das Desigualdades, afirma que: O primeiro homem que cercou um pedaço de terra, que veio com a ideia de dizer isto é meu e encontrou gente simples o bastante para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e assassinatos derivam desse ato! De quanta miséria e horror a raça humana poderia ter sido poupada se alguém simplesmente tivesse arrancado as estacas, enchido os buracos e gritado para seus companheiros: Não deem ouvidos a este impostor. Estarão perdidos se esquecerem que os frutos da terra pertencem a todos, e que a terra, ela mesma, não pertence a ninguém. Sendo assim, dá-se a entender que todos merecem uma 58 propriedade se essa não estiver falta ao seu proprietário. (ROUSSEAU, 1967, p. 211-212) A constante luta por terra é acompanhada também pelas diferentes relações com a política, a economia e também com a sociedade. Segundo Maria da Glória Gohn“os movimentos populares criaram, ampliaram ou fortaleceram também a construção de redes sociais” (GOHN, 2010. P. 17). 2.2 Demandas antiglobalização (Fábio Noima Pelosi) Os movimentos sociais antiglobalização tomou corpo no inicio do século XXI, é caracterizado pelo “grito” de socorro, não pelo fim do processo de globalização, que a cada ano se incorpora e atinge cada vez mais intensamente os países, mas negando processo tomado pelo sistema globalizante, que está se colocando acima de tudo, tradições, culturas, etnias, acima também da justiça e igualdade de todo ser humano; “o movimento antiglobalização nega a forma como a ordem capitalista instituída vigente se reproduz e não a ordem em si” (Gohn 2010, p. 21). Desta forma, a música “Mais que um mero poema” de composição de Guilherme de Sá em 2009, auxilia a compreensão da legitimaçãodas demandas que os movimentos sociais atuais estão pautando e defendendo. Parece estranho Sinto o mundo girando ao contrário Foi o amor que fugiu da sua casa E tudo se perdeu no tempo É triste e real Eu vejo gente se enfrentando Por um prato de comida Água é saliva Êxtase é alívio, traz o fim dos dias E enquanto muitos dormem, outros se contorcem É o frio que segue o rumo e com ele a sua sorte Você não viu? Quantas vezes já te alertaram Que a Terra vai sair de cartaz E com ela todos que atuaram? E nada muda, é sempre tão igual A vida segue a sina 59 Mães enterram filhos, filhos perdem amigos Amigos matam primos Jogam os corpos nas margens dos rios contaminados Por gigantes barcos Aquilo no retrato é sangue ou óleo negro? Aqui jaz um coração que bateu na sua porta às 7 da manhã Querendo sua atenção, pedindo a esmola de um simples amanhã Faça uma criança, plante uma semente Escreva um livro e que ele ensine algo de bom A vida é mais que um mero poema Ela é real É pão e circo, veja A cada dose destilada, um acidente que alcooliza o ambiente Estraga qualquer face limpa De balada em balada vale tudo E as meninas Das barrigas tiram os filhos, calam seus meninos Selam seus destinos São apenas mais duas histórias destruídas Há tantas cores vivas caçando outras peles Movimentando a grife A moda agora é o humilhado engraxando seu sapato Em qualquer caso é apenas mais um chato Aqui jaz um coração que bateu na sua porta às 7 da manhã Querendo sua atenção, pedindo a esmola de um simples amanhã Faça uma criança, plante uma semente Escreva um livro e que ele ensine algo de bom A vida é mais que um mero poema Ela é real E ainda que a velha mania de sair pela tangente Saia pela culatra O que se faz aqui, ainda se paga aqui Deus deu mais que ar, coração e lar Deu livre arbítrio E o que você faz? E o que você faz? Aqui jaz um coração Através dessa música escrita em 2009, percebemos claramente o“grito” desses movimentos sociais antiglobalização, o afastamento entre as pessoas, dos indivíduos no seu papel enquanto uma sociedade, o individualismo que o sistema trás através da competição por status na sociedade, distanciamento cada vez maior do pobre e do rico, isso está bem expresso na letra; Mães enterram filhos, filhos perdem amigos Amigos matam primos Jogam os corpos nas margens dos rios contaminados Por gigantes barcos Aquilo no retrato é sangue ou óleo negro? (Sá, 2009) 60 O que o compositor da letra da música contesta é exatamente o que está relacionado com a demanda dos movimentos sociais antiglobalização. Também está explícita na letra a discrepância dos direitos humanos que é um direito universal, quando a letra trás; Eu vejo gente se enfrentando Por um prato de comida Água é saliva Êxtase é alívio, traz o fim dos dias E enquanto muitos dormem, outros se contorcem É o frio que segue o rumo e com ele a sua sorte (Sá, 2009) Um direito assegurado a todo indivíduo no Artigo XXV na Declaração Universal dos Direitos Humanos; Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. (Assembleia Geral das Nações Unidas, 1948). Através da música várias bandas e compositores do século XXI, se expressam com suas letras de músicas, em apoio aos movimentos sociais, atingindo a massa popular, e não se utilizam mais de uma faceta em suas letras, a demanda está expressa de entendimento para quem quer que se depare com a canção. Alguns grupos estilos de músicas de bandas de jovens têm incorporado as bandeiras de lutado movimento antiglobalização, ampliando-o;muitos se incorporam fisicamente ás ações doseventos, ou criam músicas e depoimentos deapoio ao movimento, conferindo-lhe uma faceta de rebelião cultural [...]. (GOHN,2002) A Banda Rosa de Saron, uma banda da religião católica, muito expressiva em suas canções, e que atinge um público alvo jovem, está pautada em suas letras em defesa aos direitos humanos, como vimos na letra em análise, que é o que Maria da Glória Gohn trás em seu texto abordando movimentos sociais antiglobalização, um movimento atual do século XXI. 61 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto neste artigo, vimos que a música popular esteve historicamente comprometida com as demandas dos movimentos sociais. Analisando o sentido que Gohn dá ao termo “movimentos sociais”, observamos que são ações sociais coletivas que viabilizam a população expressar suas demandas. Ou seja, são indivíduos que se encontram subjetivamente pela necessidade de alguma justiça que ainda não está, ainda queparcialmente, garantida a ele. E desse encontro surge uma identidade de grupo relacionado a essa demanda. Os movimentos sociais dos anos 70 e 80 levantaram a bandeira da opressão militar que não garantia a livre manifestação social, política, cultural da diversidade brasileira. Dentro desse contexto, artistas traduziam essas injustiças através de músicas que iam de encontro à ideologia militar do período da ditadura, entre 1964 e 1985. Com o fim da ditadura militar e a redemocratização do Estado Brasileiro, os movimentos sociais antimilitarismo perderam força e ganharam visibilidade outros movimentos sociais com demandas diferentes, como por exemplo, movimentos de habitabilidade, estrutural-política, ambiental, contra o desemprego, de saúde pública, rurais, étnico-raciais, de gênero e contra políticas neoliberais. E uma das formas mais expressivas da manifestação direta e indireta desses atores, foi e continua sendo a música popular. Esclarecendo-se assim a relevância dessa modalidade de produção artística. A qual, além da questão estética, possui importante função política. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Paulo César. Eu não sou cachorro, não. Música popular cafona e ditadura militar. São Paulo: Record, 2002. GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais no início do século XXI: antigos e novos atores sociais. 4º Edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. 62 MENESES, Adélia Bezerra. Desenho Mágico: poesia e política em Chico Buarque. São Paulo: 3. Ed. Ateliê Editorial, 2002. NAPOLITANO, Marcos. A MPB sob suspeita: a censura musical vista pela ótica dos serviços de vigilância política (1968-1981). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, nº 47, p.103-126, 2004. ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso Sobre a Origem da Desigualdade. São Paulo: Abril Cultural, 1973. SITOGRAFIA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm.Acesso em 06 de Junho de 2013. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em http://www.dicionariompb.com.br/taiguara/discografia. Acesso em 20 de maio de 2013. OUTRAS FONTES BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1998. 63 O CANTO POPULAR RELIGIOSO NOS RITUAIS DA UMBANDA: REGISTRO ETNOGRÁFICO NA TENDA PAI FRANCISCO EM GUARAPUAVA (PR) Profª.Ms. Cerize Nascimento Gomes Grupo de Pesquisa em Cultura e Religiosidade Afro-índio-brasileira Ciências Sociais - FG RESUMO: Promover a produção de conteúdos para o ensino da história e da cultura afro-índio-brasileira por meio de pesquisas regionalizadas é um dos objetivos centrais desse artigo que promove um estudo a partir de observação participante na Tenda de Umbanda Pai Francisco na cidade de Guarapuava (PR). A investigação possui recorte sobre o uso de cantos como expressão cultural e prática ritualística próprias da umbanda, anotando-se também o forte sincretismo religioso e a representação de tipos sociais brasileiros presentes nessas manifestações. O artigo sobre os cantos usados durante os rituais de umbanda, integra um estudo do Grupo de Pesquisa em Cultura e Religiosidade Afro-índio-brasileira da Faculdade Guarapuava, e tem como finalidade observar a expressão religiosa das comunidades tradicionais que preservam experiências populares centradas na oralidade e nos costumes, bem como contribuir com novos conteúdos para o ensino da história e da cultura dos povos africanos e indígenas. Palavras-chave: Sincretismo. Cultura popular. Religiosidade. Canto. Identidade. 1. ORAR CANTANDO Porque cantar parece com não morrer é igual a não se esquecer que a vida aqui tem razão. Ednardo/Climério A complexidade de expressões da religiosidade popular brasileira reflete que a cultura enquanto objeto de estudo científico e prática ritualística é algo ao mesmo tempo singular e plural. Os elementos disponibilizados pela cultura popular permitem ao homem encontrar mecanismos para a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais, em tempos distintos. Desse modo a cultura funciona como um aparato capaz de promover ao ser humano sua satisfação e seu bem estar em plano objetivo e também subjetivo. 64 Através das expressões de sua religiosidade e do sincretismo próprio das manifestações e das crenças populares, as pessoas forjam um caminho do seu mundo pessoal (interior) para o espaço público (exterior) , motivo pelo qual o estudo dessas práticas configuram-se em novos olhares sobre a construção simbólica dos espaços sociais, políticos e ideológicos. Os cantos usados durante as giras nos rituais da umbanda, integram um estudo do grupo de pesquisa em cultura e religiosidade afro-brasileira da Faculdade Guarapuava, e tem como finalidade observar a expressão religiosa das comunidades tradicionais que preservam uma experiência popular centrada na oralidade e nos costumes. No que diz respeito aos cantos e às giras da umbanda, sua importância histórica e social está na sua capacidade de transgressão aos princípios e práticas das religiões instituídas ou oficializadas, por meio da apropriação dos elementos ritualísticos dos povos africanos e também dos povos indígenas, diretamente ligados as forças da natureza com celebrações que são pontuadas por cantos e danças de caráter ritualístico religioso. Em Sagrados mistérios, Sônia Guimarães explica que a música popular religiosa é inúmera e diversificada, com cantos coletivos entoados em uníssomo. Ela descreve o toré que é uma dança ritual dos povos indígenas do nordeste e cuja cantoria é acompanhada pela incorporação dos encantados que são entidades típicas desses povos; o xiré que é uma festa religiosa onde os fiéis cantam ao som de tambores e atabaques em honra aos orixás do candomblé e a gira que é um dos principais rituais da umbanda na qual os participantes cantam e dançam girando. (GUIMARÃES, 2011, p.25 e 26) Segundo a autora esses cantos de origem indígena e africana como o os torés, os xirés e as giras podem ser vistos como uma transposição da missa católica e suas formas mais conhecidas por meio da cantoria de poemas litúrgicos, antífonas, lamentações, oratórios, réquiens hinos, e cantatas. Escreve Guimarães: A situação instaurada na formação da religiosidade brasileira congrega, portanto, a expressão religiosa oficial e a expressão religiosa oriunda das comunidades em sua experiência secular , firmada na oralidade e nos costumes, na apropriação e transgressão dos sistemas. Essa 65 relação, ainda que desigual, provocou e provoca um fluxo contínuo de trocas e reinvenção das religiosidades. (GUIMARÃES, 2011, p.15) Sobre o uso da música e do canto nas práticas religiosas, Guilherme de Melo em A música no Brasil, descreve que sua funcionalidade é atribuída ao cotidiano dos povos indígenas nativos e dos africanos trazidos para a América Portuguesa, observando-se o fato da habilidade que essas etnias possuíam de absorver as práticas musicais e de cantar durante longo tempo a ponto de causar arrebatamento. (MELO, apud GUIMARÃES, 2011 p.16). Guimarães registra essa função religiosa do canto entre os povos nativos com a reprodução de um texto sobre uma cerimônia indígena: A cerimônia da benção, que era feita por mais de quinhentos guerreiros. (...) Começava com danças e cantos sagrados. (...) O canto, que principiava com voz baixa e soturna como a dos padres , terminava por gritos e exclamações cabalísticas. As mulheres e os meninos não podendo tomar parte da dança, contentavam-se em repetir essas exclamações, fazendo um coro de dissonantes vozes. (GUIMARÃES, 2011, p.16). Destaca-se que “a presença forte do canto nas práticas musicais dos povos nativos, somadas às práticas instituídas na catequese ” (GUIMARÂES, 2011, p.17) foi um dos fatores que colaborou para o abrandamento da comunicação entre os povos indígenas, africanos e europeus. Esse contato teria resultado ao longo do tempo em variações populares próprias de um novo mundo com novos cantos e novas expressões ritualísticas religiosas. Sobre os povos africanos, a autora relata que: Da enorme contribuição dos povos africanos aqui trazidos, destaca-se definitivamente a ação da música que até hoje se faz presente, a partir da ritualística devotada ao panteão de deuses diretamente ligados às forças da natureza. (...) A necessidade de os afrodescendentes manterem suas memórias, em contrapartida ao empenho da igreja em impor sua liturgia, santos e trindade, deu origem aos matizes sonoros que tanto marcam as características da nossa música. (...) Foi no seio de lutas culturais chegadas até nós pela via da resistência que se formou o grande manancial de manifestações, nas quais o canto é ao mesmo tempo testemunho histórico e transcedência do cotidiano. (GUIMARÃES, 2011, p.18 e 19) 66 Guimarães pondera que as ações de evangelização no novo mundo já pretendiam incentivar o canto popular, valorizar e reverenciar as tradições musicais dos povos encontrados .Tal procedimento teve como resultado a gestação de um repertório de música popular religiosa inúmero e diversificado, que se expressa por meio de “benditos, incelanças, encomendações de almas, penitências, romances, xácaras, bailes pastoris, cheganças, reisados, rezas, torés, xirés e giras” (GUIMARÃES, 2011, p.25). Versando sobre o mesmo tema Heridan de Jesus Guterres Ferreira, no artigo (Em)canto de santo: religiosidade e identidade no bumba meu boi do Maranhão, entende que por meio do canto ritualístico a língua constitui-se em forma de ação e de confronto ideológico entre o sujeito e o meio social. Para a autora a língua é um elemento fundamental na formação do povo brasileiro e a partir das manifestações populares, deixa de ser vista como um sistema abstrato para demarcar novos espaços sociais: Nas últimas décadas tem se intensificado estudos a respeito da identidade mestiça, focando-se principalmente, a questão dos valores identitários afrobrasileiros, que permeiam os sujeitos e suas relações no país, considerando-se para tanto, a contribuição do negro, do branco e do indígena na formação do povo brasileiro.Nessa perspectiva, leva-se em consideração alguns valores identitários, tais como a oralidade, a ancestralidade, a circularidade, entre outros que se manifestam nos usos e costumes do brasileiro, inclusive na cultura popular. (FERREIRA, 2012, p.3) Christiane Caetano em Sonora Brasil, explica que são muitos os festejos religiosos populares do Brasil. Observa-se que tais rituais são realizados tanto em áreas urbanas metropolitanas quanto em áreas rurais inóspitas. A autora destaca-se a festa do Divino Espírito Santo, no Maranhão, que tem entre os seus elementos mais importantes as caixeiras, senhoras devotas que cantam e tocam caixas acompanhando todas as etapas da cerimônia (CAETANO, 2011, p.33). Outra festa mencionada na pesquisa é a Comitiva de São Benedito que tem na música e na dança os instrumentos de louvação ao santo, cuja prática é bastante comum em vários estados brasileiros . Citam-se também as bandas de congo comuns no Espírito Santo como a principal manifestação de tradição oral desse estado e que estão relacionadas a São Sebastião, São Pedro, São Benedito e Nossa Senhora da Penha. (CAETANO, 2011, p.48) 67 Lucrécio Araújo de Sá Junior, em Entre Logos, Ethos e Phatos: A linguagem persuasiva, representativa e discursiva da religiosidade popular, analisa as relações entre discurso, história e memória por meio dos cantos religiosos que constituem a cultura popular. Para o autor: Na religiosidade popular o canto é uma ferramenta linguística, concebida e procurada na medida em que os indivíduos põem em prática o imaginário social. (...) No campo das tradições religiosas os cantos são signos lingüísticos cujo significado e sentidos envolvem os sentimentos, as emoções,as crenças e os valores de todo um grupo. (SÀ JR, 2011, p.105). Segundo Sá Jr., os cantos foram se desenvolvendo “de forma periférica, longe dos centros eclesiais por meio de orações cantadas e moldadas seguindo práticas e representações populares” que com o tempo assumiram formas múltiplas (SÁ JR, 2011, p.106) . Os cantos religiosos populares são usados com várias finalidades e reportam ao imaginário social, comunicando-se por meio de uma “linguagem sobrecarregada de símbolos” repletos de imagens e alegorias que tem possuem o poder de integrar os devotos em comunidade. 2. APONTAMENTOS DIDÁTICOS Daniel Torquarto de Lima e Paula Maria Fernandes da Silva, em O canto às orixás: A presença feminina da religiosidade afrobrasileira nas canções, abrem novos rumos para o debate sobre a importância do estudo sobre as práticas religiosas populares. Os autores pontuam a necessidade de usar o material coletado nessas pesquisas como elementos didáticos que possam despertar o interesse dos estudantes pelas temáticas relacionadas à cultura e à historia dos afrodescendentes. Os autores entendem que a musicalidade dos terreiros de umbanda é marcada pela herança africana e sugerem que esse repertório seja transportado para a sala de aula: O expressar dos sentimentos, dos valores e principalmente o trazer a tona elementos culturais, pode ser feito através das músicas; assim este estudo reflete sobre a utilização desse instrumento na sala de aula como recurso didático, ele pode ser utilizado em qualquer disciplina desde que haja um planejamento , para que a mesma não seja apenas para motivação de uma aula, mas que seja também um instrumento que desperte o estudante a interpretação da música baseado no 68 conhecimento e na experiência de vida que ele já possui. (LIMA e SILVA, 2010, p.2) Segundo Lima e Silva as linguagens alternativas, como a música e o canto, têm sido usadas como importantes ferramentas didáticas. Esse é o caso, por exemplo, do estudo da Musica Popular Brasileira (MPB) para a compreensão do regime militar das décadas de 1960 e de 1970. Ampliar essa prática pedagógica para o cenário das práticas religiosas indígenas e negras possibilita reconhecer que a história possui páginas de opressão e discriminação sobre essas etnias e que, dentre as formas de dominação e exploração que negam e degradam a identidade étnica desses povos destacase a discriminação religiosa. (LIMA E SILVA, 2012, p. 4) 3. OS CANTOS NA UMBANDA A técnica de observação participante na Tenda de Umbanda Pai Francisco, na cidade de Guarapuava (PR), ocorreu no dia 27 de abril de 2012, as 14h, por ocasião de uma atividade complementar da disciplina de Antropologia Cultural do Curso de Ciências Sociais, da Faculdade Guarapuava. Participaram da atividade 24 acadêmicos orientados por duas professoras do grupo de pesquisa em cultura e religiosidade afro-brasileira. As observações permitiram o registro de atividades ritualísticas que se realizam nos dias de sábado, durante o período da tarde, nas quais se reúnem o chefe do terreiro ou pai de santo e os médiuns que recebem as entidades dos caboclos, que são espíritos indígenas; dos pretos-velhos representados por entidades afro-brasileiras e dos exus que envolvem a recepção de espíritos de malandros, baianos, ciganos, boiadeiros e pombagiras. O templo no qual se realizam os rituais de incorporação é de chão batido, com bancos feitos de pequenas toras de madeira e possui um altar com imagens e representações de orixás, santos, caboclos e exus masculinos e femininos, além de pretos-velhos, pretas-velhas e anjos. O local onde ocorrem as manifestações dessas entidades é separado dos participantes por uma pequena cerca, cujo portão só pode ser transposto pelas pessoas convidadas pelos médius ou pelo pai de santo. 69 3.1. Pontos de abertura Em correspondência com o recorte proposto pela presente pesquisa, de trabalhar com o repertório de cantos utilizados na umbanda, anotou-se durante a observação ritualística que desde a abertura dos trabalhos, são usados os cantos e que os mesmos reproduzem desde o primeiro momento o sincretismo entre o candomblé pela menção aos orixás e o catolicismo quando menciona o Pai Nosso, a Ave Maria, alguns santos cristãos e os anjos: Salve o ponto de abertura/ Salve o terreiro povo de umbanda/ Bate a cabeça Ogum está chegando/ Salve o ponto / Pai Nosso / Ave Maria. Salve o ponto de defumação/ Magia, mistério e umbanda/ Nossa Senhora defuma o seu altar/ Para seus reis, para seus filhos chegar/ Eu defumo a minha aldeia de caboclo/ Para o mal sair e só o bem entrar/ Ponto de defumação/ Defume todos um por um. Vou firmar meu ponto/ Com fé em meus orixás/ Com arruda e guiné/ E a licença de Oxalá/ Com arruda e guiné/ E a licença de oxalá/ Corre a guia preto velho/ Seu povo vai trabalhar/ Com a ajuda de rei congo no congá Só firma ponto quem pode mandar/ Meu ponto é seguro da mãe Iemanjá/ Só manda fogo quem pode mandar/ Meu fogo é seguro meu pai Oxalá Salve o ponto/ Salve Iansã/ Cheira a arruda e alecrim/ Cheira o incenso e a guiné/ Umbanda tem fundamento/ E preciso prepará/(...) Glória glória meu São Jorge/ Que não esquece de firmar/ Salve Jorge/ Salve anjo da guerra/ Salve seu ponto/ Salve Jorge. O anjo da guarda bendito sejais/ Em nome de Deus seus filhos guardai 3.2. Cantos dos caboclos Oi lá nas mata onde os “caboco” mora Vestimenta de “caboco” é samambaia só. Os caboclos são entidades indígenas incorporadas durante os rituais da umbanda. Sobre o vasto repertório de entidades que se manifestam nos templos de umbanda Maria Helena Villas Bôas Concone diz que são 70 numerosíssimos os personagens que transitam por sua mitologia e cerimonial (CONCONE, 2004, p.281). Durante os trabalhos de observação ritualística pode-se perceber através dos cantos o momento em que determinados caboclos incorporam e passam a fazer parte do ritual. Percebe-se também que mesmo durante a recepção das entidades indígenas ocorre o encontro com os orixás africanos e com os santos cristãos. Chama-se atenção para letras dos cantos populares repletas desse sincretismo possível nos rituais da umbanda. Outra questão é a de como essas figuras míticas correspondem ao que Concone (2004, p.284) denomina de “mitos e símbolos fundantes da sociedade brasileira”. Leiam-se trechos de canções entoadas pelos participantes do ritual observado: Salve os caboclos/ Salve os orixás / Quem manda lá nas matas é Oxossi caçador / Sete caboclos/ Sete Lanças/ Sete Flechas/ Firma seu ponto saravá meu pai Xangô/ Quem mandá lá nas matas é Oxóssi Caçador/ Firma seu ponto saravá meu pai Xangô. Pena Branca chegou no terreiro/ Pena Branca chegou prá trabalhar/ Saravá Pena Branca no terreiro/ Saravá Pena Branca no Congá. Salve caboclo Ubirajara/ Salve! / Que penacho é aquele/ É o penacho de arara/ Quando rompe a mata virgem/ É o caboclo Ubirajara/ Sou Ubirajara do peito de aço/ Piso no chão não importa embaraço. Eu vi chover eu vi relampiar/ Mas mesmo assim o céu estava azul/ Firma seu ponto nas folhas de Jurema/ Que Oxóssi é dono do Maracatu. Se chama Tupi e é um companheiro/ Trabalha lá na Aruanda/ E trabalha no terreiro Salve o sol e salve a lua/ Salve São Sebastião/ Salve São Jorge Guerreiro/ Que nos deu a proteção. Oxóssi e Pena Branca/ Passeavam naquela rua/ Mas olha que beleza o clarão da lua. Em relação ao sincretismo podem ser destacados dos cantos acima, os caboclos: Sete Lanças, Sete Flechas, Pena Branca, Ubirajara, Tupi e Jurema. Entre os orixás são mencionados Oxóssi e Xangô. Do panteão de santos 71 católicos estão presentes nas cantorias São Sebastião e São Jorge. Essa harmonia entre representações de religiosidades diversas é típica dos rituais de umbanda por suas origens relacionadas ao candomblé, aos rituais indígenas, ao espiritismo kardecista e ao catolicismo. 3.3. Cantos dos pretos velhos e das pretas velhas Pretos velhos quando vem de Aruanda Vem trazendo as leis de Umbanda. Canto popular Os pretos velhos e as pretas velhas são considerados figuras-chave da umbanda e mito fundante da sociedade brasileira. Isso significa dizer que a figura simbólica do preto velho, com os cabelos brancos, fumando seu cachimbo, apoiado sobre a bengala ou o cajado faz parte do imaginário dos tipos sociais brasileiros. Os cantos curtos, entoados várias vezes durante os rituais, reproduzem esse simbolismo: Preto Velho que fuma cachimbo/ Preto velho que arrasta o pé/ Preto velho que vem de Aruanda/ Prá salvar seus filhos de fé. Preta velha você não me engana/ Arruma sua saia com palha de cana/ E o cigarro que ela fuma... é de palha de Aruanda / E o cigarro que ela fuma... é de palha de Aruanda. Durante a recepção dessas entidades vários cânticos são executados. Por meio das letras percebe-se que é nesse momento do ritual que o sincretismo religioso é menor e as crenças afro-brasileiras são predominantes: Preto Velho, Preta Velha/ Vovô, vovó / Salve os pretos velhos/ Salve o povo de Angola/ Salve as tribos africanas. Eu sou Manoel Jangadeiro/ Eu sou Manoel Jangadeiro/ Pai das crianças/ E chefe do terreiro. Preto velho vem de Minas no caminho da fazenda/ Oi tem areia/ Oi tem areia Eu confio em meus orixá/ Com arruda e com guiné/ E a ajuda com ajuda de Oxalá/ Vem pai João/ Vem mãe Maria/ Saravá santa senzala/ Salve o clarão do dia Na minha terra não tem embaraço/ Chegou preto velho do peito de aço/ E o navio gritou no mar/ E a barca balancio/ Fala a língua preto velho/ Que eu quero falar nagô 72 Deve-se considerar também a questão sócio-espacial, no que diz respeito aos pretos velhos e às pretas velhas é notável o número de referências feitas aos países ou localidades tipicamente africanos: Pai Joaquim, rei , rei/ Pai Joaquim, rei, á/ Pai Joaquim veio de Angola/ Pai Joaquim veio de Angola / Rei lá. Eu vou chamar Oxalá meu Congo/Que meu Congo vem/ O rei Congo ajudar/ Congo rei Congo/ Congo chegou/ Congo maravilha/ No terreiro saravá Vovó tem sete saias/ A última saia tem mironga/ Vovó veio de Angola/ prá salvar filhos de umbanda / Com seu patuá e sua figa de guiné/ Vovó veio de Angola/ Prá salvar filhos da fé Sobre a menção feita às entidades de outras religiões, como já foi dito, elas são mais raras quando da incorporação dos pretos velhos e das pretas velhas. Mesmo assim ainda puderam ser constatadas referências a São Jorge, São Benedito e Nossa Senhora, nas manifestações cantadas em dois momentos do ritual. Primeiramente durante a incorporação do rei Congo e depois na despedida das entidades: Piso na linha de Congo/ É de congo e de congá, aruê/ Piso na linha de Congo/ Agora é que eu quero vê/ Viva congo, viva rei Congo/ Viva Congo em ação/ Viva São Jorge Guerreiro/ Viva São Sebastião Já vai preto velho subindo pro céu/ Que nossa senhora lhe cubra com seu véu/ O sino da igrejinha faz belem bem blom/ O sino da igrejinha faz belem bem blom/ Deu meia noite o galo já cantou/ Deu meia noite o galo já cantou/ Já vai preto velho subindo pro céu. 3.4. Cantos dos exus Senhora pombagira eu vou cantar em seu louvor Na barra da sua saia corre água e nasce flor. Canto popular Ressalta-se ainda que a umbanda tem o poder de sacralizar tipos sociais brasileiros contestadores e rebeldes que incorporam como exus. São 73 conhecidos nos centros de umbanda os malandros, os baianos, os boiadeiros, os marinheiros e as pombagiras. São espíritos alegres e descontraídos que bebem cachaça ou champagne; cantam, dançam e riem alto durante os rituais revelando a face contestadora e contracultural da sua religiosidade (CONCONE, 2004, p.285). Esse aspecto está relacionado à sua origem religiosa simples e livre próprias dos terreiros de macumba usados pelos afrodescendentes antes da oficialização da umbanda. Na Tenda Pai Francisco os cantos para os exus masculinos são curtos e repetidos várias vezes: E na Bahia/ Ninguem pode cos baiano Quebra coco rebenta sapucá/ Vamos todos sarava/ Quem não pode com a mandinga/ Não carrega patuá Me chamam de boiadeiro/ Boiadeiro eu não sou/ Eu sou tocador de gado/ Boiadeiro é meu patrão Notou-se durante a incorporação dos exus a predominância da recepção das entidades femininas das pombagiras: Arreda homem que ai vem mulher/ Arreda homem que ai vem mulher / Ela é a pombagira rainha do candomblé/ Ela é pomba gira a mulher de muita fé. Deu um vento na roseira/ A roseira desfolhou/ é o vento do saiote/ Da pombagira que chegou Minha mãe é uma moça bonita demais/ Ela é ela é a pomba gira de Umbanda. Vem pomba gira/ Vem me ajudar/ Você é a rainha da umbanda/ Pomba gira da quimbanda/ Vem bailar. Leia-se um dos cantos tradicionais da umbanda, gravados por cantores de Música Popular Brasileira (MPB) como Rui Maurity e Angela Maria, entre outros. O canto descreve uma das entidades mais populares da umbanda, a pombagira cigana e foi entoado durante o ritual observado no momento de sua incorporação por uma médium bastante jovem: 74 De vermelho e negro vestindo a noite o mistério trás/ De colar de cor de brinco dourado a promessa faz/ Se é preciso ir você pode ir peça o que quiser/ Mas, cuidado amigo ela é bonita, ela é mulher. (...) E nos cantos da rua/ Zombando, zombando, zombando está/ Ela é Moça Bonita girando, girando, girando lá/ Oi girando lá oiê/ Oi girando lá oiê/ Oi girando lá oiê/ Oi girando lá... É evidente que o momento da “chegada” da pombagira cigana ao terreiro é bastante esperado pelas pessoas que participam do ritual. Ela se apresenta como uma entidade alegre e predisposta a atender pessoas com problemas amorosos. Uma das peculiaridades dessa entidade é ler a mão dos consulentes, um costume cigano preservado pela umbanda. Enquanto a pombagira lê a mão de algumas pessoas previamente agendadas pelo pai de santo e outras aleatoriamente escolhidas pela entidade, ouve-se repetidamente o canto: Vim caminhando a pé para ver/ se encontrava pomba gira cigana de fé/ Eu só queria saber onde mora/ Pombagira cigana de fé/ Ela parou, leu a minha mão e me disse toda a verdade/ Eu só queria saber onde mora/ Pombagira cigana de fé. A despedida faz-se por meio de um canto repetido duas ou três vezes até que a entidade cigana abandone o corpo da médium: Vai, vai moça bonita/ Vai, vai minha senhora/ Pombagira diz adeus/ Se despede e vai embora/ Vai pombagira/ Vai pombagira passear/ Numa estrada tão bonita/ Numa noite de luar. 3.5. Canto e resistência Outra questão evidente no decorrer do processo ritualístico é a presença da demanda, uma forma de devolução do mal feito ou desejado. Os cantos feitos refletem esse papel das entidades. Tais características estão bem marcadas em diversos momentos ritualísticos quando os cantos entoados e repetidos transformam-se em enfrentamento: Eu tenho sete espadas/ Eu tenho sete escudos/ Eu tenho sete flechas/ Que ganhei de Tranca Tudo/ Pra me defender contra todo o mal/ Depois de bem cortada/ Entregarei seu Beira Mar 75 Oi caboclo o que é que tu qué/ É pau de aroeira/ É pau de guiné / Eu quebro macumbeiro/ E o que vier. Não estrague a mata que é de Oxóssi/ Não quebre a pedra que é de Xangô/ Não faz demanda prá filho de umbanda/ Porque nas matas tem gavião vencedor Caboclo Quebra Pedra no terreiro ele chegou/ As vezes estou grande/ As vezes não estou/ Caô, Caô, Caô/ Quebra Pedra chegou/ No terreiro de Xangô/ Caô, Caô, Caô/ Sou quebra pedra/ Sou guerreiro de Xangô. Umbanda sua rainha chegou/ Umbanda mais uma estrela brilhou/ E a pombagira vem girar/ E a pombagira vem trabalhar/ Ela é demandeira/ Quando pisa na tronqueira/ Ela é justiceira/ Na encruza ela é guerreira Meu pai Xangô está no remo/ Meu pai Xangô é orixá/ Olha seus filhos a pedir meu pai/ Justiça e paz nesse congá. A representação das pombagiras, dos caboclos e dos orixás como guerreiros, demandeiros e vencedores está relacionada a características que fazem com que os espíritos afro-índio-brasileiros vistos como defensores dos fiéis. algumas sejam Para Concone (2004, p.286-287) essas características são a juventude, a força, a justiça, a capacidade de chefia, a agitação e o movimento. Esses espíritos simbolizam a força, a liberdade, a natureza, o poder e o paganismo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao concluir o artigo sobre o canto popular religioso nos rituais de umbanda parece-nos bastante evidente que mesmo os leigos podem compreender desde a primeira participação nesses rituais, por meio dos cantos populares, a fertilidade do encontro entre os orixás africanos, os caboclos indígenas, os santos e os anjos católicos e os espíritos do kardecismo. Esse sincretismo das entidades e das crenças de povos diversos, possibilitou o encontro de gentes de contextos sociais e de idéias divergentes. Os rituais da umbanda promovem desde sua fundação a união de símbolos e de pessoas que por alguns momentos, durante a celebração ritualística, são irmanadas pelas emoções e sentimentos característicos dos centros de umbanda. 76 A observação etnográfica realizada na Tenda Pai Francisco em Guarapuava permite-nos afirmar que os cantos populares exercem um papel fundamental em todos os momentos do ritual e que os mesmos servem de ponte de compreensão sobre os papéis incorporados nos terreiros e os tipos sociais consagrados pelos brasileiros, tão bem representados pelos pretos velhos, pelas pretas velhas, pelos índios, boiadeiros, baianos, marinheiros, malandros e pelas pombagiras. A expectativa com relação ao presente estudo é a de que ele ofereça contribuições simples, porém concretas, para ampliar as oportunidades de ensino da história e da cultura dos povos afro-brasileiros e indígenas. REFERÊNCIAS CAETANO , Christiane. Sonora Brasil: Circuíto 2011/2012. Rio de Janeiro: SESC, 2011. CONCONE, Maria Helena Vilas Bôas. Caboclos e pretos-velhos da umbanda. In. Encantaria Brasileira: O livro dos mestres, caboclos e encantados. Rio de Janeiro, Pallas, 2004, p. 281-303 GUIMARÃES, Sônia. Sagrados mistérios. In: Sonora Brasil: Circuito 2011/2012. Rio de Janeiro: SESC, 2011. PRANDI, Reginaldo. Encantaria Brasileira : O livro dos mestres, caboclos e encantados. Editora Pallas, São Paulo, 2001 SITOGRAFIA FERREIRA, Heridan de Jesus Guterres (org). (Em) canto de santo: religiosidade e identidade no bumba meu boi do Maranhão. Disponível em: http://cral.in2p3.fr/artelogie/IMG/article_PDF/article_a179.pdf. Acessado em 10 de maio de 2013. SÁ Jr, Lucrécio Araújo de. Entre Logos, Ethos e Phatos: A linguagem persuasiva, representativa e discursiva da religiosidade popular. 2011, p. 105114. Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/Vivencia/sumarios/38. Acessado em 07 de junho de 2013. 77 CURRÍCULO E FORMAÇÃO: UM BREVE RELATO SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DO CURRÍCULO, OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO DOCENTE E OS PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RAFAEL MORGENTALE DISCONZI8 RESUMO: O presente artigo está dividido em três partes: a primeira relata o estudo da sociologia do currículo, elucidando sua importância como instrumento de mediação técnica e metodológica em busca de uma reflexão crítica de mundo. Entende-se que currículo não pode se preocupar somente com a organização do conteúdo, nem encará-lo de modo neutro e imparcial, mas como um artefato que produz ideologias, identidades e conhecimentos acerca de uma realidade social. A segunda parte corresponde aos desafios da formação dos profissionais de licenciatura, e a última se refere os princípios que regem a educação profissional, esta voltada exclusivamente para desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Será apresentado sugestões relevantes a partir da perspectiva dialética, que coaduna com abordagem de uma educação inclusiva, multicultural e sociocrítica das diferentes esferas que compõe a heterogeneidade societal. PALAVRAS-CHAVE: Educação, Currículo, Formação Docente, Educação Profissional. INTRODUÇÃO Dentro da consagrada Sociologia da Educação, criou-se um espaço para discutir a importância do currículo no sistema escolar. Essa brecha ou vazio encontrado começou no final dos anos sessenta, início dos anos setenta, com os primeiros críticos chamados de teóricos da reprodução: Louis Althusser, Pierre Bourdieu, Jean-Claude Passeron, Establet e Baudelot como maiores destaques. A partir dos trabalhos desenvolvidos, colocaram em pauta assuntos como reprodução social, ideologia, poder e currículo entre outros. 8 Professor de Sociologia na Faculdade de Guarapuava - Departamento de Ciências Sociais e da Rede Pública de Ensino do Paraná. Graduado em Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais (PUCRS), Porto Alegre/RS. Pós-Graduado em Metodologia de Ensino em Sociologia (FACEL), Curitiba/PR. Mestrando em Ciências da Educação (UPAP), Assunção/Paraguai. 78 No primeiro momento, será discutido a sociologia da educação a partir da intenção de trabalhar o currículo como forma político-cultural e o educador como elemento decisivo neste processo. No momento que o educador escolhe determinado assunto, conteúdos, informações, está selecionando segundo uma visão de mundo, o que é importante que os educandos saibam, isto é, a maneira de ver e entender as relações que se materializam no mundo está impregnado de valores ideológicos. Qual Importância na seleção, organização e transmissão de conhecimento escolar? Qual é o objetivo de discutir a formação curricular na escola? No segundo momento, um dos pontos centrais que elucidamos são os cursos de formação dos profissionais de licenciatura, em relação aos obstáculos encontrados referente à complexidade das novas configurações sociais presente nos sistemas educacionais. Nesse sentido, entende-se que o profissional docente tem o papel de intelectual transformador, contribuindo para novas perspectivas de análise do saber-fazer e do fazer-saber. Nesse sentido, os professores precisam ser estimulados ainda quando estudantes na sua formação universitária a desenvolverem pesquisas, transformado-os em pesquisadores-em-ação como denomina Henry Giroux. E o terceiro e último assunto abordado nesse artigo, a reflexão sobre a educação profissionalizante, sua proposta de integrar os estudantes a diferentes perspectivas de trabalho, educação, ciência e tecnologia. Nesse quesito, visa estabelecer conhecimentos específicos para aptidões necessárias para atender a demanda das exigências do mundo do trabalho. 1. O PAPEL DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO O currículo é visto como forma de política cultural, onde a cultura é encarada como terreno fértil de conflitos e concepções que formam a vida social. É na contradição cultural existente na sociedade que o currículo pode ser uma ferramenta útil a ser aplicada como contestação e resistência das relações assimétricas encontradas no interior do sistema de ensino. 79 A pedagogia radical e a pedagogia progressista trabalham com a ideia de que a prática é inseparável da teoria ou a teoria é inseparável da prática. Ambas trabalham com a perspectiva do conhecimento que resultam no reconhecimento de grupos desfavorecidos, ao mesmo tempo, que estimulam uma linguagem que contribui a inserção da escola numa nova esfera pública, resgatando ideias de democracia, que defende o respeito as diferenças nos mais diversos âmbitos, assim como a justiça social. A pedagogia radical fornece subsídios para passagem da consciência ingênua para consciência crítica, pois, transfere a forma de “classe de si” para “classe para si”. Os educadores progressistas apontam para uma ruptura da situação de opressão, que são criados e reforçados pela sociedade capitalista, e estimulam uma experiência prática para construção de uma nova ordem social. Ser oprimido significa não somente estar subjugado economicamente, mas principalmente não ser respeitado em suas manifestações culturais. Quem sofre essa condição, muitas vezes não percebe, e pior, considera-se como condição “natural” a privação, a espoliação, a exclusão. Se as ideias liberais constitui o pensamento fundante do sistema de ensino moderno, Pierre Bourdieu (2011) salienta que tais características descritas acima apresentam-se como arbitrário cultural (pedagógico), sendo que estas diferenças correspondem obstáculos quanto ao sucesso escolar, compreendidos como diferenças de capacidades, de um lado, estão os grupos que dominam com facilidade o capital cultural presentes nos livros didáticos, na escrita, na linguagem e nas expressões artísticas por exemplo, e do outro lado, grupos que não possuem tais "capacidades", pois são oriundos de famílias desprovidas de acúmulo de capital cultural. Segundo o autor, essa prática no seio escolar, em última instância, resultaria uma polarização entre os possuidores de "dons naturais" e os despossuídores, recaindo no plano individual toda a justificativa do possível fracasso no aproveitamento escolar. Assim, a instituição escolar, que em outros tempos acreditamos que poderia introduzir uma forma de meritocracia ao privilegiar aptidões individuais por oposição aos privilégios hereditários, tende a instaurar, através da relação encoberta entre a aptidão escolar e a herança cultural, uma verdadeira nobreza de estado, cuja autoridade e 80 legitimidade são garantidas pelo título escolar. (BOURDIEU, 2008, p. 39) Um dos papéis primordiais do currículo na escola como instituição deveria ser de socialização, no seguinte sentido, promotora de ensinamentos de humanização, autonomia, liberdade, livre arbítrio, equidade, justiça social, respeito às diferenças, o que se vê é muitas vezes ao contrário, serve como mecanismo de formulação e reformulação de subjetividades apropriadas estritamente a geração de mão-de-obra necessária para mercado de trabalho. É a partir desse propósito que os teóricos críticos da reprodução enxergam a educação institucionalizada como reprodutora de desigualdades sociais. O currículo não se constitui apenas de técnicas, instrumentos e organização do conhecimento escolar, nem pode ser encarado de modo amorfo, inodoro, imparcial e ingênuo. Passa a ser visto como conhecimento implicado na produção de relação de poder no interior da escola, mas também como contextualização histórica. O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e educação. (MOREIRA; SILVA;1995b, p. 7-8) No trabalho de Althusser (1983) A ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado, há uma clara preocupação com a questão da ideologia na educação. Esse ensaio rompe com a perspectiva liberal da educação que desinteressadamente envolve a transmissão de conhecimento. A transmissão de conhecimento é dirigida, intencional e formadora de opiniões através do qual a classe dominante transfere suas ideias sobre o mundo, com o objetivo de reprodução da estrutura social existente. A escola como uma das instituições reprodutoras e mantenedoras da estrutura de classes tem o papel de garantir o ensinamento de valores apropriados do capitalismo. Parafraseando Moreira e Silva (1995b, p.23): 81 A ideologia, nessa perspectiva, está relacionada às divisões que organizam a sociedade e às relações de poder que sustentam essas divisões. O que caracteriza a ideologia não é a falsidade ou verdade das ideias que veicula, mas o fato de que essas idéias são interessadas, transmitem uma visão do mundo social vinculada aos interesses dos grupos situados em uma posição de vantagem na organização social. A ideologia é essencial na luta desses grupos pela manutenção das vantagens que lhes advêm dessa posição privilegiada. Os dois últimos teóricos críticos da educação são Roger Establet e Christian Baudelot e desenvolveram conjuntamente a teoria da escola dualista, realizaram pesquisas extensas nas escolas francesas, nas quais descobriram que existem duas redes de escolarização: uma destinada aos filhos dos membros da classe empresarial e outra destinada aos filhos dos membros da classe trabalhadora9 (GADOTTI, 1999, p.197). Nesse sentido, há duas escolas que coexistem de forma dissimulada, pelo fato, de que aparentemente elas se alicerçam na ideologia da classe dominante para se apresentarem como única e universal, que ofereceriam oportunidades iguais, ou seja, há uma “naturalização” das relações assimétricas entre classes que se afirmam na base ideológica do liberalismo embasado na perspectiva que “todos são iguais”, isto é, “todos gozariam das mesmas oportunidades”. Segundo Establet-Baudelot (1971, p. 298 apud SAVIANI, 2007, p.157), a escola não é um local de luta para transformar a sociedade, mas somente reproduzi-la. (...) aparelho escolar capitalista é diretamente responsável pelas modalidades segundo as quais este concorre para a reprodução das relações de produção capitalistas. Isto supõe evidentemente que nós elaboraríamos pouco a pouco uma definição sistemática da forma escolar, da qual nós simplesmente indicamos que ela repousa fundamentalmente sobre a separação escolar, a separação entre as práticas escolares e o trabalho produtivo. 9 A primeira classe teria acesso às melhores escolas; seus filhos teriam tempo e recursos para estudar; disponibilidade e recursos para freqüentar outras atividades que complementam a formação e educação escolar, quanto à segunda classe, não teriam acesso às melhores escolas nem a complementação dos seus estudos, seja por conta da falta de recursos financeiros, seja por conta da incompatibilidade com a sua jornada de trabalho, que os obrigaria a freqüentar cursos noturnos, sem possibilidade de fazerem outros cursos paralelos. 82 Nos anos oitenta surgiu uma nova corrente de estudos educacionais, intitulada de Nova Sociologia da Educação, que contribuiu de forma significativa para o debate sobre o campo do currículo, com ênfase para o papel da escola e o processo de seleção dos conteúdos culturais a serem distribuídos, numa concepção crítica. No artigo Cultura e Currículo, Alfredo Veiga-Neto (2002, p. 49) ressalta as mudanças nas conjecturas na pós-modernidade, como os valores, questões de gênero, etnia, política, economia e o próprio multiculturalismo. Faz uma crítica a corrente metodológica ligada aos “velhos esquemas” baseados na oposição binária, principalmente a temas envolvendo política e economia. De acordo com Veiga-Neto a dialética materialista ligada ao culturalismo rompe com a perspectiva reducionista que muitos autores a concebem 10, pelo fato, de associá-lo ao marxismo materialista mecanicista11 ligada a Escola de Moscou. Os educadores críticos reprodutivistas apontam para uma ruptura da situação de violência, que são criados e reforçados pela sociedade capitalista, e estimulam uma experiência de prática inovadora. A escola deve ser vista como um espaço que proporcione a possibilidade de escolha, de indagação, de decição, de duvidar, experimentar hipóteses de ação. Não se pode conceber a escola como algo fechado, estático, fixo e imutável, mas como ambiente aberto para sua construção e reconstrução permanente. No livro Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem, Henry Giroux (1997, p. 48) fala da prática do currículo oculto muito comum nas escolas: "(...) inconscientemente podem acabar endossando formas de desenvolvimento cognitivo que mais reforçam do que questionam as formas existentes de opressão institucional." Nesse sentido, o currículo oculto 10 Houve dois nomes importantes que mudaram o caráter marxista na história: Gramsci e Lukasc. Eles demonstraram a importância da superestrutura na determinação dos fenômenos, isto é, mostraram diversas instâncias que influenciam na transformação da sociedade, como as ideias, a educação, a consciência de classes, as ideologias políticas entre outras. Neste sentido, os chamados marxistas culturalistas demonstram como fatores culturais podem mudar a infra-estrutura. 11 Também chamado de determinismo mecanicista, onde a infra-estrutura determina tudo, em outras palavras, não a nada que não decorra diretamente do plano econômico. 83 praticado muitas vezes pelos professores em salas de aula legitima o domínio cultural a partir de certos discursos, desacredita e marginaliza outros. 2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ENTRAVES E DESAFIOS De acordo com o livro Territórios Contestados, Antônio Flávio Moreira e Tomaz Tadeu da Silva (1995a) citam Henry Giroux sobre a contribuição para novas perspectivas de análise da formação de professores. Nesse sentido, descreve a importância de que os cursos de licenciaturas formem professores para atuarem como intelectuais transformadores e como pesquisadores-emação. É relevante salientar a afirmativa de Freitas (1992) sobre os problemas da formação de licenciados que não carecem de esforços teórico excepcional, mas sim de “vontade política” para seu encaminhamento. Acrescenta, contudo, que não se trata apenas de vontade pessoal, trata-se de circunstâncias que impedem o desenvolvimento de certos projetos e a implementação de certas práxis. Um outro fato que merece destaque é trazida por Apple (1995) nas discussões acerca da desqualificação sofrida pelos professores, identificada como uma corrente crescente - a imposição de procedimentos de controle técnico sobre os profissionais que atuam nas escolas. Outra questão é o prestígio, status e a realização do trabalho docente, este não está sendo valorizado como deveria, e com isso a classe vem sofrendo profundos abalos. A própria condição salarial e de trabalho são fatores desmotivantes para diminuição da procura por cursos de licenciaturas. Segundo pesquisas, divulgadas durante o Seminário Remuneração do Professor, Gestão e Qualidade da Educação12, realizado em São Paulo em 2007, é emblemático que “alunos de professores que participaram dos chamados cursos de atualização não tiveram desempenho melhor do que aqueles que assistiram às aulas de educadores que não fizeram os cursos”. 12 Fonte: http://aprendiz.uol.com.br/content/swoviclodr.mmp Acesso em 17/03/2012. 84 Neste ponto, o cientista político e sociólogo Simon Schwartzman relata que “não podemos continuar reduzindo o problema da educação brasileira em questões como salários, cursos de aperfeiçoamento ou uso de computador”. O assunto é complexo e reacende o debate sobre a precariedade na qualidade da educação em vários âmbitos no Brasil. Isso é um dado surpreendente, porque se torna um sinônimo do que Paulo Freire (1996, p. 25) disse: “ensinar não é apenas transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua construção”. Muitos cursos de formação de docente seguiam a concepção tradicional de pedagogia - a visão positivo-funcionalista de de Émile Durkheim (1978, p. 60) a educação significa “ação exercida por uma geração sobre a geração seguinte, com o fim de adaptá-la ao meio social...”.Segue a prática do reducionismo, do consenso, do fatalismo e da acomodação que não podem mudar a ordem das coisas. A partir da obra freiriana Pedagogia da Indignação (2000) citada na contracapa por Alípio Casali: “não se educa sem a capacidade de se indignar diante das injustiças”, demonstra primeiramente a refutação dessa ótica, segundo verifica-se a necessidade de outros elementos para compreensão do fenômeno atual. Este último, uma possibilidade alternativa frente a concepção que está impregnada desde o começo do século XX. Parafraseando Veiga-Neto (2002, p. 48), “o ato de educar não envolve um processo de colonização de mentes e corpos?” Como ensinar para outros grupos sem impor a eles meus valores? Essas questões servem para refletir sobre o conceito de aculturação muito debatido nas ciências sociais. O maior problema é quando esse conceito ultrapassa atingindo o conceito de inculcação cultural, onde há uma imposição clara de hábitos, regras, condutas, valores, costumes como meio adequado de aprendizagem. O trabalho docente não é definido apenas como atividade em sala de aula, ele agora compreende gestão da escola no que se refere à dedicação dos professores ao planejamento, à elaboração de 13 projetos, à discussão coletiva do currículo e da avaliação. (OLIVEIRA, 2004, p. 1132) 13 No caso do Brasil ver especificamente os artigos 13 e 14 da LDB n° 9.394/96. 85 Uma maneira diferente de pensar o processo de ensino e aprendizagem é a participação coletiva possibilita que aqueles educandos que são economicamente e culturalmente desfavorecidos participem ativamente no processo de produção. Assim como “intelectuais orgânicos” conceito gramsciano, os grupos subordinados puderiam gerar seus “intelectuais”, os alunos representantes de camadas menos abastadas poderiam formar seus “próprios professores”, rompendo com a lacuna e o distanciamento deixado pelas instituições que não reconhecem os direitos, entre eles o do processo da cidadania. Em outras palavras, “esses professores” poderiam ajudar a criar as condições necessárias para construção de instituições de educação popular, como uma forma de educação cultural alternativa frente à exclusão e desamparo que sofrem essas populações. A palavra contra-hegemonia de expressão de Gramsci (1971) reforça a lógica da crítica e oferece elementos para pensar na criação de novas relações sociais e novos espaços públicos que materializam formas alternativas de resistência, ou seja, funciona como meio de luta e negação diante dos discursos e práticas dominantes. Nesse sentido: A idéia de uma cultura comum (...). Envolve um exercício de conceituação coletivo, de que participem todas as pessoas, atuando ora como indivíduos, ora como grupos, num processo contínuo, que jamais pode ser dado como pronto ou concluído. Nesse processo coletivo, a única regra incondicional é manter todos os canais e instituições de comunicação continuamente abertos, para que todos possam contribuir e ser estimulado a contribuir. (WILLIAMS, s.d., apud APPLE, 1982, p. 51) Na produção do conhecimento coletivo, o pensar certo implica na existência de sujeitos que pensam mediados por objetos sobre que incide o próprio pensar dos sujeitos. É fundamental que na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma que é indispensável pensar certo, que isso não se adquire apenas de algumas situações ou leituras, mas na produção em conjunto do professor e com o educando. Por isso, que o professor está em permanentemente em formação. Nesse sentido, Giroux (1997, p.239) citando Gramsci argumenta que “todo o professor é sempre um aluno, e todo aluno, um professor”. 86 O processo de escolarização deveria ensinar aos estudantes a “ordem objetiva das coisas”, segundo Herbert Marcuse (1982, p.142): “(...) uma sociedade que mantém sua estrutura hierárquica enquanto explora com eficiência cada vez maior os recursos naturais e mentais e distribui os benefícios dessa exploração em escala cada vez maior. Os limites dessa racionalidade e sua força sinistra aparecem na escravização progressiva do homem por um aparato produtor que perpetua a luta pela existência, estendendo-o a uma luta total internacional que arruína a vida dos que constroem e usam esse aparato”. É preciso relatar que não há negação da importância que competem as instituições de educação formal, mas tem um problema: os princípios reprodutivos seguem uma perspectiva liberal. O alunado se torna refém dessa lógica, porque está internalizando o pensamento da sociedade do consumo, o individualismo exacerbado que dá significado e significância nas suas relações sociais. 2.1 A docência pode ser caracterizada como um processo de proletarização? A pergunta é pertinente, pelo fato, que o processo educacional não cria a divisão social do trabalho, mas ela tem o papel fundamental de produzir indivíduos com características adequadas para esta divisão. Assim, a escolarização fornece uma população dividida, isto é, produz por um lado trabalhadores intelectuais, e por outro lado, trabalhadores manuais. Então, o sistema educacional está contribuindo para produção de indivíduos com características de socialização adequadas a divisão social do trabalho. A educação é concebida com ferramenta necessária para responder a demanda de formação de mão-de-obra. Outro ponto contrastante corresponde as condições de trabalho: O que vem sendo considerado um processo de precarização do trabalho decorre da constatação de que é possível o crescimento econômico sem ampliação do número de empregos, o que tem contribuído para o acirramento das desigualdades sociais neste 87 começo do século. (POCHMANN, 1999 apud OLIVEIRA, 2004, p.1138). A discussão envolve o entendimento sobre o trabalho capitalista. Nesse ponto, precisa-se expor a tese da proletarização - o processo que pelo qual um grupo de trabalhadores perde, em diferentes graus maiores ou menores, o controle sobre seus meios de produção, ou seja, a organização de suas atividades e o objetivo de seu trabalho. Partindo desse pressuposto, o trabalho do professor vem cada vez mais perdendo autonomia, aumentando a especialização, fruto de uma maior divisão social do trabalho. Nessa perspectiva o professor como qualquer outro trabalhador vem sofrendo as conseqüências da intensificação e fragmentação do processo de produção material da sociedade. O trabalho docente está perdendo progressivamente até o poder de decidir sobre o tempo de suas atividades, somente o professor pode ou poderia decidir o tempo necessário para que a “turma X” precisa ou precise para assimilar tal matéria, diferentemente da “turma Y” que tem ou teve mais facilidade. Mas já vem pré-estabelecido na forma de disciplina, diretrizes, horários, programas, normas de avaliação, etc. A educação é uma forma de condicionamento, mas não pode ser imposto de forma anti-reflexiva, como sustenta a pedagogia tradicional, e ninguém melhor que o educador para avaliar qual é a melhor maneira de realização do seu trabalho. O professor precisa romper com a concepção da escola como empresa, que tem objetivo de formar o aluno somente como valor de troca, como mero instrumento de lucro a serviço do capital. 3. EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: OBJETIVOS E PRINCÍPIOS As mudanças drásticas pelas quais vem passando o mundo, intensificado pela globalização (entre o local e global), nas últimas décadas produziram transformações na prática social e no trabalho. O sistema 88 educacional brasileiro está buscando reformas que contemple a adequação às novas exigências do mundo competitivo. O ensino médio, que corresponde à educação secundária superior, é a grande questão de debates atualmente na educação. Que formação está sendo estabelecida entre a educação geral e a educação profissional? Como conciliar os objetivos de preparação de visão crítica que envolve os estudos entre o mundo do trabalho e desenvolvimento pessoal? Em 1996, o Brasil aprovou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a Lei N° 9.394, também conhecida como Lei Darcy Ribeiro. Ela consiste três níveis14 para educação: Básico, Técnico e o Tecnológico. O primeiro estabelece a modalidade de educação não-formal, ou seja, independe da escolaridade prévia. O segundo, destinados a jovens e adultos que estejam cursando ou tenham concluído o ensino médio. E o terceiro, destinado à formação superior, tanto de graduação como de pós-graduação. Segundo Filho15 (1999, p. 2) define a educação profissionalizante: A educação profissional tem como objetivos não só a formação de técnicos de nível médio, mas a qualificação, a requalificação, a reprofissionalização para trabalhadores com qualquer escolaridade, a atualização tecnológica permanente e a habilitação nos níveis médio e superior. A educação profissional deve levar ao “permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva”. Essa reformulação da educação profissional veio a ser adotada a partir de modelos já existentes, como a educação secundária implementada na Argentina e Israel. Essa reinstrumentalização da educação profissionalizante tem uma função primordial: atender os interesses de diversos setores da economia, especificamente, de qualificar a mão-de-obra nacional. O marco curricular estabelece conteúdos, orientações e metodologias a ser trabalhadas, quanto aos objetivos16: 14 Algumas bibliografias descrevem apenas dois níveis: a educação básica e a educação superior, pelo fato, a primeira incorpora o nível básico e técnico, e a segunda o nível tecnológico correspondendo à formação superior. 15 Rui Leite Berger Filho é Secretário de Educação Média e Tecnológica, Ministério da Educação, Brasil. 16 Assinalamos somente três pontos que achamos relevantes para nossa discussão. 89 - Currículos baseados em competências requeridas para o exercício profissional. - A prática profissional constitui e organiza o desenvolvimento curricular. - Oferta de cursos sintonizada com as demandas do mercado, dos cidadãos e da sociedade. Percebemos que ensino técnico não se propõe formar indivíduos críticos diante das relações de trabalhos, mas de adaptá-los ao sistema bem numa visão funcionalista durkheimiana de integração social. Para promover uma mudança qualitativamente diferente na educação, educador e educadora precisam romper com a concepção da escola como empresa, que tem objetivo de formar indivíduos somente como valor de troca, como fossem meros instrumentos de lucro a serviço do capital. Nessa perspectiva, a escola, ao invés de servir para aplainar diferencias sociais e compensar desvantagens de nascimentos, como pretende a ideologia liberal, estaria diretamente implicada na reprodução das desigualdades sociais estabelecidas por uma organização econômica cuja lógica consiste exatamente em manter uma sociedade de classes. A partir dessa ideia básica, tem-se tentado explicar muitas e variadas características do sistema educacional por seus vínculos com certas das necessidades do sistema capitalista. (SILVA, 1992, p. 174) O ensino educacional formal tem uma função sócio-política e multicultural de formação, mas na prática é utilizada como mecanismo de homogeneização histórica que reproduzem e mantém valores e normas dominantes. Segundo o livro Educação como Prática da Liberdade, Paulo Freire (1973, p.15) aborda: Não existe um processo educacional neutro. A educação ou funciona como instrumento usado para facilitar a integração da geração mais jovem na lógica do sistema atual e trazer conformidade à mesma, ou então torna-se a “prática da liberdade” – o meio através do qual homens e mulheres lidam crítica e criticamente com a realidade e descobrem como participar da transformação de seu mundo. 90 CONSIDERAÇÕES FINAIS A possibilidade de reconstruir a educação como “educação crítica”, implica numa ampliação na sua representação nas esferas públicas. Essa questão surgiria a partir da politização da educação, na reivindicação de classes populares, de diversos movimentos sociais por políticas públicas inclusivas17, com objetivo que reparassem as desigualdades historicamente produzidas. A educação é um campo de luta, de disputas intermináveis, por mexer nos privilégios de uma pequena minoria da sociedade, em detrimento de uma grande maioria espoliada sócio-político-economicamente, quase ou sem chances de poder ter um ensino de qualidade. O estudo do currículo propicia um olhar mais apurado da realidade que nos cercam, ao mesmo tempo, servindo de instrumento de ação transformadora para uma nova ordem qualitativa de aprendizagem. Quanto aos cursos de formação docente, enfatizamos que as mudanças na licenciatura que se fazem necessárias não podem ser refletidas sem a noção a uma política mais ampla na qual educação e educadores recebam outro tratamento. Algumas questões desafiadoras destacamos entre elas: ensino e pesquisa, teoria e prática, qualidade de trabalho, compromisso e responsabilidade social. E por último, a educação profissionalizante apresenta interesses bem dirigidos, de promover conhecimentos específicos para os estudantes, este por sua vez corresponde quase exclusivamente a segmentos ligados à economia. A observação que façamos corresponde ao ensino ministrado, pois não pode ser encarado como uma mercadoria, muito menos os indivíduos que nela atuam, contemplados por currículos que objetivam somente a visão tecnocráticas e corporativista. Finalizando, então, não se pode dissociar a reflexão crítica sobre o currículo da formação docente e da educação profissionalizante. _______________________________________________________________ 17 É a questão das cotas raciais e do programa Prouni que são alvos de grandes discussões em torno do assunto. 91 REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de estado; trad. Walter José Evangelista, Maria Laura Viveiros de Castro. 6° ed. Rio de Janeiro: Graal, 1992. APPLE, M. W. Ideologia e Currículo. São Paulo. Editora Brasiliense, 1982. BOURDIEU,P.; PASSERON, J. C. A Reprodução – Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. __________. Escritos de Educação. In: CATANI, A. e NOGUEIRA, M. A. (org.). 12. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. __________. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 9° ed. Campinas/SP.: Papirus, 2008. DURKHEIM, È. Educação e Sociologia. São Paulo. Melhoramentos, 1978. FILHO, R. L. B. Educação profissional no Brasil: novos rumos. Revista Ibero Americana, N°20, maio-agosto de 1999. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 1996. _________, P. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo, Paz e Terra, 1973. FREITAS, L. C. 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O que produz e o que reproduz em educação. Ensaios de Sociologia da Educação. Porto Alegre, RS. Artes Médicas, 1992. VEIGA-NETO, A. Cultura e Currículo. Contrapontos, ano 2, n° 4 – Itajaí/SC, jan/abril, 2002. SITOGRAFIA http://www.rieoei.org/rie20a03.htm. Acessado em 11 de março de 2012. http://www.oei.es/quipu/brasil/educ_profesional.pdf. Acessado em 16 de março de 2012. http://aprendiz.uol.com.br/content/swoviclodr.mmp. Acessado em 17 de março de 2012. 93 RESUMOS EXPANDIDOS 94 A “PRIMAVERA DAS MULHERES”: FEMINISMO E RELIGIOSIDADE EM GUARAPUAVA KARINA DE FATIMA BOCHNIA Orientadora: Profª.Dra. Rosemeri Moreira Ciências Sociais-FG PALAVRAS-CHAVE: Gênero. Mulheres. Religiosidade. Feminismo. A presente pesquisa sobre o Movimento Mulheres da Primavera - MMP, surgido no Bairro Primavera na cidade de Guarapuava, permite analisar a construção e a configuração do primeiro movimento de mulheres, declaradamente feminista, na cidade de Guarapuava, PR. O MMP surgiu no ano de 2002, inserido num projeto da Paróquia Nossa Senhora de Fátima da Igreja Católica, vinculado a necessidade da participação dos católicos na vida política do município. No ano de 2009 foi eleita, pelo PHS (Partido Humanista da Solidariedade) uma das integrantes do MMP como vereadora da cidade de Guarapuava. Em 2012, essa mesma vereadora Eva Schran de Lima tornou-se vice-prefeita da cidade. Fato inédito na política local. É Importante assinalar que o MMP constituído atualmente por aproximadamente trinta mulheres é o primeiro movimento de mulheres a declarar-se Feminista na região e a filiar-se ao movimento internacional denominado Marcha Mundial das Mulheres. E que mesmo nos grupos ditos de esquerda da região, não existe uma identificação imediata com o feminismo. Como é o caso do PT local, por exemplo, que não se utiliza do termo feminista, preferindo o termo “mulheres do PT”. Dessa forma, a implicação política do uso do termo feminista por parte de um movimento social de mulheres, principalmente por estarem vinculadas a Igreja Católica, por si só já nos coloca questões para uma análise histórica e sociológica. A pesquisa em torno do MMP torna-se necessária na medida em que se 95 fazem os seguintes questionamentos: Em que medida as reivindicações e estratégias do MMP são feministas? Sob qual patamar ideológico se deu a configuração inicial do MMP? Qual é a relação do MMP estabelecida com outros grupos políticos organizados de mulheres, principalmente os grupos de ditos de esquerda? De que forma, e sob quais experiências, se deu a construção das participantes do MMP como sujeitos políticos? Qual a importância da MMP na configuração política e religiosa local? Essas questões permitem a análise de como se formam as identidades coletivas. Além disso permite também aprofundar as representações, locais em termos políticos e religiosos, sobre as configurações e identidades de gênero. Ainda em termos políticos, a pesquisa propicia a discussão sobre as recusas e aceitações do termo Feminismo na cultura política local. Nessa perspectiva, a análise do MMP nos permitirá investigar a construção do movimento; as suas formas de organização; e a ação das mulheres como sujeitos políticos na cidade de Guarapuava. 1. ABORDAGEM DA TEORIA Ao definir a categoria “mulheres” é necessário identificar historicamente o processo ao qual levou a compreensão da categoria em quanto sujeitos possuidores de uma identidade própria e suas relações construídas culturalmente. A historiadora Joana Pedro apresenta em uma análise didática as lutas feministas e o papel das mulheres na história definindo o debate atual sob a perspectiva de “gênero”. Para dar embasamento a essa pesquisa é imprescindível a compreensão do papel dos movimentos feministas, da formação da identidade na categoria “mulher “e a perspectiva de gênero, enquanto categoria de análise, na reflexão do sujeito em relação a cultura. Segundo a historiadora Joana Pedro: Afinal, do que estamos falando quando dizemos “relações de Gênero”? estamos nos referindo a uma categoria de análise, da mesma forma quando falamos de classe, raça/etnia, geração.” (PEDRO, 2000, p. 3) 96 O Movimento Feminista, destacado pela historiadora Joana Pedro, pelo viés de uma nomenclatura mais tradicional, teve diversas fases divididas em ondas. Na “primeira onda', durante o século XIX e início do século XX, o movimento focou sua reinvindicações em favor dos direitos políticos; como votar e ser eleita; e dos direitos sociais e econômicos como o de trabalho remunerado, estudo, propriedade e herança. Será na chamada “segunda onda” que a categoria “gênero” é criada: “Foi justamente na chamada “segunda onda” que a categoria “Gênero” foi criada, como tributária das lutas do feminismo e do Movimento de mulheres.” (pág.3) Até esse momento utilizava-se a categoria “mulher”, pensada justamente em contraposição a palavra “homem” palavra considerada universal o que é considerado comum em nossa fala ou escrita ao nos referirmos a um grupo de pessoas usarmos o plural masculino, o questionamento desse movimento feminista se dava no sentido de que o universal na sociedade era considerado masculino, e quando eram nomeadas pelo masculino não sentiam se incluídas. “Assim, era como “Mulher” que elas reafirmavam uma Identidade, separada da de “Homem” (pág. 4) Dessa forma, optaram por realizar grupos de reflexão composto somente por mulheres, pois a presença de homens nas reuniões inibia palavras e iniciativas das mulheres, as quais nessas reuniões narravam a maneira como tinham sido criadas, percebendo o que acontecia individualmente com cada uma dentro de um contexto amplo. Nesta pesquisa o uso de gênero como categoria analítica corresponde aos pressupostos defendidos pela Historiadora Joan Scott que assinala que sua definição de “gênero” divide-se em duas partes que estão interrelacionadas, mas, que devem ser diferenciadas: A primeira é que gênero é um elemento que se constitui em relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos. A segunda é que gênero seria uma primeira forma de dar significado a relações de poder. Esta categoria implica ainda em quatro elementos que estão inter-relacionados, em primeiro estariam os símbolos construídos culturalmente, um exemplo seria o de Eva e Maria baseados na religião cristã ocidental. (SCOTT, Joan W. 1990, p. 86); o 97 segundo seriam conceitos normativos que expressam interpretações dos significados e símbolos que estão presentes em doutrinas e que afirmam categoricamente e inequivocamente o significado de masculino e feminino, na qual chama a atenção para o perigo de posições dominantes que declararemse como únicas possíveis. (SCOTT, p. 86); o terceiro aspecto sobre as ralações de gênero consiste em o pesquisador descobrir a natureza do debate ou da repressão que leva a aparência de uma permanência que escapa do tempo na representação binária de gênero, incluindo uma concepção política referenciando a instituição ou a organização social. Scott chama a atenção neste terceiro aspecto, ao fato de não se trabalhar gênero em uma categoria específica de parentesco, mas demonstrar também as categorias econômicas e políticas presentes ( SCOTT, p.. 87); o quarto e último elemento está relacionado a identidade subjetiva de gênero na qual o pesquisador deve examinar as formas as quais as identidades genereficadas são substantivamente construídas, nas quais o pesquisador deve ainda, relacionar seus achados com toda uma série de atividades, organizações e representações sociais historicamente específicas. (SCOTT, pág. 88) Sob essas circunstâncias, a autora destaca que: A primeira parte da minha definição de gênero, então, é composta desses quatro elementos e nenhum dentre eles pode operar sem os outros. No entanto eles não operam simultaneamente, como se fosse um simples reflexo do outro. (SCOTT, 1990, p. 88) Faz-se necessário o pesquisador analisar as relações que se encaminham nesses quatro aspectos. Dessa maneira, Gênero enquanto categoria de análise propõe uma transformação sob a perceptiva do conhecimento tradicional, acrescentando novos temas e incluindo novos discursos no sentido de analisar a natureza dessas relações. 2. FONTE E DESCRIÇÃO DA POPULAÇÃO O MMP do Bairro Primavera, consiste em uma organização de mulheres que reúnem –se quinzenalmente para discutir assuntos pertinentes a realidade 98 social em que estão inseridas, tanto econômicas quanto sociais e políticas. O objetivo do movimento é promover a emancipação das mulheres nas esferas financeira, emocional e política, com foco no equilíbrio de Gênero na sociedade Além de promoverem uma vez por ano a romaria da mulher a partir de temas que focam a participação da mulher nos espaços sociais como exemplo o tema da romaria deste ano de 2012 que foi: Participação política das mulheres, autonomia financeira feminina e combate da violência contra as mulheres. O bairro primavera localiza-se nas margens BR 277 com a PR 466 na entrada da cidade de Guarapuava, sendo um espaço delimitado pelo parque das araucárias e o rio xarquinho além das residências de classe média em geral a economia do bairro concentra-se no comercio em geral e principalmente pelo comércio de peças e utilidades de carros e caminhões pelo fato de localizar-se na rodovia.Possui ainda um posto de saúde municipal que atende a comunidade, 4 igrejas sendo uma católica e 3 evangélicas e 4 escolas sendo uma estadual e 3 municipais. A população do bairro segundo o último censo realizado pela igreja católica em 2011 era de 12.000 habitantes. Portanto as mulheres que participam do MMP vem em geral da classe média e tem profissões diferenciadas entre elas encontram-se as seguintes profissões: advogadas, assistentes sociais, professoras, secretárias, donas de casa, domésticas entre outras, as mulheres que participam do movimento possuem idade entre 15 e 60 anos, também possuem raça/etnia diferenciada entre elas existem negras, branca e pardas. A construção do movimento, suas estratégias e reivindicações serão analisadas através das atas e entrevistas flexíveis realizadas de forma qualitativa, com no máximo cinco mulheres. Nessa perspectiva, as entrevistas serão encaminhadas através de diálogos e de forma livre, convidando as entrevistadas a falar sobre o assunto de interesse comum. REFERÊNCIAS BUTLER, Judith. Fundamentos contingentes: o feminismo e a questão do “pós modernismo”. Cadernos Pagu, n. 11, 1998. PP. 11-42. 99 CAVALCANTI, Vanessa Ribeiro Simon. Memórias femininas: tempo de viver, tempo de lembrar. Revista Brasileira História. vol. 27, n. 54. São Paulo. Dez. 2007 D’ALÉSSIO, Maria Mansor. Intervenções da memória na Historiografia: identidades, subjetividades, fragmentos, poderes – PUC. SP. Projeto História Trabalhos da memória. n. 17, Nov. 1998. JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memória. Ed. Siglo Veintiuno, España, Argentina, 2001. MORAES, Marieta ; MACHADO, Janaína. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro. FGV, 1996 SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e realidade, vol. 16, n° 2, Porto Alegre, jul./dez. 1990, p.5. SITOGRAFIA PEDRO, Maria Joana. Traduzindo o debate: o uso da categoria Gênero na pesquisa histórica. História, São Paulo, v.24, N.1, P.77-98, 2005. < http://www.scielo.br/pdf/his/v24n1/a04v24n1.pdf> acesso em:14/04/2013. PINSKY, Carla Bassanezi. Estudos de Gênero e história social. Estudos feministas 17(1): 296, janeiro-abril/2009 <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/11687/10988> acesso 14/04/2013. 100 A EXPRESSIVIDADE POLITICA DOS POVOS DO CAMPO FRENTE AO SISTEMA ESCOLAR NO MUNICIPIO DE PINHAO (PR) CARLOS DE JESUS LIMA Ciências Sociais (FG) “A cultura deve deixar de ser perfume e passar a ser feijão” Tom Zé PALAVRAS-CHAVE: Filosofia. Liberdade. Igualdade. Sujeito. Direito. Levado a pesquisar sobre as noções de justiça social numa justificação filosófica para em seguida compreender as causas e condições de pessoas mencionadas aqui como não citadinas, optei pela analise de cunho bibliográfico e comparativo de entre os textos que me serviram de apoio como norte para todos os assuntos abordados. A compreensão das categorizadas noções pertinentes as ações coletivas como de política, cidadania, direito, sociedade, comunidade e entre outros; levaram-me a ponderar por vezes a impossibilidade de serem reconhecidos como cidadãos plenos todos aqueles que vivem a margem do sistema – haja vista que a categoria cidadão pertence conceitualmente às correlações cidade/cidadão. O camponês, portanto surge como não citadino – ele pode não ser cidadão? Segundo o filosofo grego Aristóteles (séc. IV AC), “Quem não pode fazer parte de uma comunidade ou quem não precisa de nada, bastando-se a si mesmo, não é parte de uma cidade, mas é fera ou Deus” (Poli. I, 2, 1253 a 27), definindo assim, o homem como um ser que não pode efetivar-se senão dentre os outros, isto é, a possibilidade de ser, do homem, permanece numa comunidade de homens. Pela clássica definição de política, tomada aqui a partir de Aristóteles, ou seja, partindo da idéia de que em algum momento e lugar ocorre originariamente entre dois e/ou mais seres uma relação, um “combinado” (que em algum sentido daí para diante os envolvidos vão passando a ser, de certo modo, sócios, como na amizade ou num casal de namorados, por exemplo), com necessidades 101 razão, palavra – a capacidade divina no homem – passando a formar comunidade, vila, cidade. Compreende-se também a relação do termo cidadania ao fundamento das comunidades, das cidades; do cidadão, do ser que é da cidade – da política – sem a qual não se pode ser. Não ser cidadão, é o mesmo que não pertencer à cidade, ou melhor, à comunidade de homens. Aponta-se na direção que certamente tomaríamos, a titulo de exemplo, dentre as mais variadas instancias sociais. A escola, portanto caracterizada como simples reprodutora da ordem presente. Nunca transformadora. Dado que a ordem social aqui se presta como construto de relações humanas – nos remetendo a autores como Hobbes, Locke e Rousseau, na medida em que podemos resgatar idéias referentes ao contrato social –, referente a um bem e, portanto, caracterizando um bem quando relacionado a alguma finalidade. Segundo o professor Bernardo Mançano Fernandes (SEED, p15), temos “três distintos modelos de interpretação do campesinato”. Fica difícil conceber uma via de ação sem que antes saibamos definir com clareza o objeto de nossas ações. Devemos ter em mente que por mais diferentes que sejam entre si, os paradigmas em questão, permanecem numa lógica sistemática associada à idéia de capital. O camponês por certo sofre a ameaça de extinguir-se devido à impossibilidade de sustentar-se fora da lógica capital-industrial (fim do campesinato). Por outro lado, o camponês requerendo (num processo de resistência) sua permanência e luta diante da lógica capital-industrial que precisaria também da produção de bens do camponês – perspectiva que compreende um estado de crise permanente do sistema capitalista na medida em que a própria crise faz com que o sistema evolua: 1)pelo arrendamento; 2) pelo financiamento de terras; 3) e pela própria ocupação; – permanentemente destruindo e (dando origem a resistências) recriando o campesinato (fim do fim do campesinato). Numa terceira possibilidade, o camponês se transformaria em agricultor familiar devido ao processo de desenvolvimento da sociedade como 102 um todo – permanece neste caso uma dualidade: camponês/atrasado – agricultor familiar/modernizado (metamorfose do campesinato); Retomando a concepção filosófica de Aristóteles onde, “Quem não pode fazer parte de uma comunidade ou quem não precisa de nada, bastando-se a si mesmo, não é parte de uma cidade, mas é fera ou Deus” (Poli. I, 2, 1253 a 27), concomitante às noções paradigmáticas expostas pelo professor Fernandes, observamos claramente a figura do camponês como de O excluído, do sistema vigente. Não faz parte de uma cidade. Não mora nem participa de um sistema citadino. Classificado como bruto compreender-se-á numa exclusão que é ideologicamente naturalizada, ou seja, para ser e pertencer como um cidadão, só lhe resta dobrar-se ao sistema vigente ou lutar contra (empreendida como necessidade dicotômica) – deixar de ser camponês porque é preciso? Tornar-se camponês porque é preciso? Se o ato de tornar– pelo pacto social ou mesmo pela relação entre sujeitos que se dão a reconhecer numa comunidade, como ocorre na seara dos movimentos sociais, resultando em ações políticas legitimas na medida em que constituem uma determinada ordem social – pelo saber conviver entre membros e, ao mesmo tempo, pelos objetivos comuns pelos quais lutam e constituem seus grupos organizados. Desses grupos, portanto partem as reivindicações expressivas de uma população insatisfeita porque se reconhecem na margem de um sistema excludente e identificam-se pelo pertencimento que lhes foi negado – forçandoos a uma outra posição de existência frente a um dado sistema. Quem são eles? “Joaquim, homem de meia idade, importante sujeito e apoiador de minha pesquisa (...) Posseiro, ele tem uma historia peculiar de inserção no município, que nos remete às tramas do conflito fundiário lá ocorrido” (AYOUB, 2011, p 9) – muito de emblemático envolve a historia do município de Pinhão. Observamos características peculiares do sistema escolar nesse município que, em particular através do Projeto Político Pedagógico (PPP) do Colégio Estadual do Campo São José, “A Casa Escolar São José iniciou seus serviços estudantis em 1954 e era de caráter particular de propriedade das 103 Indústrias João Jose Zattar” (2011, p 13). São evidenciados na identidade de alunos que como filhos e ou netos de pessoas que participaram de conflitos, tornam-se o grande numero do publico dessas escolas. A educação surge, apesar de muito já avançado em relação às paradigmáticas noções sobre os povos do campo, ainda refém da sistemática externa aos interesses do ser humano feito aluno – transformar-se o humano numa ferramenta, é a lógica do sistema cujo ponto de referencia é o capital/industrial. Uma coisa que se torna inegável pela natureza do próprio direito, ou seja, para ser direito tem de ser legitimado, ou seja, de alguma forma tem de ser escrito para ser lei. Se não estiver escrito, o direito por certo não existirá – a lógica das construções normativas nos permite afirmar ainda, que se o direito pertencer a quem possui determinado bem – quem não o possui não terá direitos. O sem terra, portanto não tem direito a terra... Conclusão um tanto obvia pela lógica, mas estranha por se tratar de sujeitos humanos que se supõem iguais perante a lei. Apesar de estranho, os movimentos sociais compõem-se de sujeitos que vivem a margens do direito, da cidade, do sistema, etc. (“constituídos/instituidos”)– justamente por isto se legitima a luta para que sejam incluídos. Deve-se observar a quem a escola do campo servirá: reproduzindo um sistema carregado de condicionantes que excluem e vem mantendo excluídos, ou, torna-se diferente – como escola orgânica que vive a vida de seus membros: os alunos. REFERÊNCIAS AYOUB, Dibe Salua. Madeira sem lei: jagunços, posseiros e madeireiros em um conflito fundiário no interior do Paraná - Curitiba 2011 (Dissertação de Mestrado) CREMONESE, Dejalma. Teoria política – Ijuí : Ed. Unijuí, 2008. – 220 p. – (Coleção educação a distância. Série livro- texto). 104 HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil; 3. ed. – São Paulo : Abril Cultural, 1983. MONTEIRO,Nilson. Madeira de lei: uma crônica da vida e obra de Miguel Zattar – Curitiba: Edição do autor, 2008. NICOLA, Abbagnano; Dicionário de Filosofia – t. Alfredo Bosi; 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes 2000. PRADO JUNIOR, Caio; O que é: liberdade, justiça, direito – São Paulo – Circulo do Livro, 1994, 188 p. SITOGRAFIA ROSA, Graziela Rinaldi da. Conhecendo maneiras de pensar gênero na filosofia de Portugal. Rev. Estud. Fem. [online]. 2008, vol.16, n.1, pp. 249-252. ISSN 0104-026X. in: http://www.scielo.br/pdf/ref/v16n1/a23v16n1.pdf de 12/10/2011. RIBEIRO, Renato Janine. Filosofia, ação e filosofia política. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 13, n. 36, Feb. 1998. Disponível em : Available from <http://www.scielo.br/scielo.php. Accessado em 12 de outubro de 2011. OUTRAS FONTES SEED/PR. Cadernos Temáticos: educação do campo/Paraná. Superintendência da educação. Departamento de Ensino Fundamental. – Curitiba: SEED-PR, 2008. – 75vp. 105 A INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA: ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE NOVA LARANJEIRAS(PR) ELISEU CHUSCA Ciências Sociais- FG PALAVRAS-CHAVE: Inclusão. Escola. Deficiências. Educação. Sociedade. Este resumo tem por objetivo apresentar uma breve discussão sobre a inclusão de alunos portadores de deficiência no município de Nova Laranjeira. O conceito de deficiência formou-se ao longo da historia, e foi influenciado por diversas culturas, que deu significados diferentes de acordo com seu contexto. No momento atual muito tem se falado sobre a problemática que envolve o tema, mais ele só ganhou força após a declaração de Salamanca de 1994. A qual preconizou a escola como sendo para todos, devendo adaptar seu espaço estrutural, e seu currículo com o fim de prover ambiente integrado e sem descriminação. Para CARVALHO (2000) houve períodos que marcaram a concepção de deficiência dentro do tempo histórico, segundo o autor na antiguidade os deficientes eram vistos como demônios ou como portadores de poderes e dons divinos. Fato que causa medo em alguns, e admiração de outros, serviços de saúde nessa época era quase inexistente. Seguindo os escritos de Carvalho que diz que a lei da hereditariedade de Mendel, as descobertas genéticas e os testes de inteligência contribuíram negativamente para justificar a exclusão escolar e social de muitas pessoas. Pensamento que só começou a mudar opôs a I e II segunda guerra mundial, quando houve a necessidade de atender e reabilitar os soldados que retornavam dos campos de batalha com graves mutilações. O que chamou a atenção para o atendimento de outras pessoas com deficiência. Sabe-se que a escola é fundamental para toda criança, e ainda mais para quem possui alguma necessidade especial. Embora o termo usado para referir-se as pessoas com necessidade especial seja muitas vezes pejorativos não dando espaço para as possibilidades de melhora do individuo. Para Tessaro (2005) “inclusão não implica desconsiderar a diversidade/diferença, ao contrario, significa aceitar e reconhecer a diversidade 106 na vida e na sociedade,” precisa-se identificar cada individuo como um ser único, com suas necessidades, desejos e vontades que lhe são própria de sua unitariedade. O grande desafio da escola da educação de hoje é de criar um ambiente que oportunize o acesso de toda a diversidade humana existente, o ensino especial inclusivo é muito mais exigente que o ensino regular, a busca de incluir o deficiente dentro do contexto escolar e social, com o fim de tornálos sujeitos independentes e cidadãos participativos dentro do contexto social de maneira igualitária deve ser a busca do profissional que trabalha com essa problemática. Esta pesquisa tem por objetivo abordar o tema da inclusão escolar no município de Nova Laranjeira, com o propósito de verificar como se encontra a inclusão no mesmo. Sendo que o referente município esta localizado no região oeste do Paraná, a qual possui baixo nível IDH (índice de desenvolvimento humano) sendo a região considerada a mais pobre do estado. Sua população segundo dados do IBGE é de 11218 habitantes, esta a uma distancia de 418 km da capital Curitiba. A maioria de sua população reside na área rural do município. Os primeiro contato feito com o secretario municipal de educação e com uma professora que responsável pelo trabalho da inclusão no município revelou que são 816 alunos matriculados na rede municipal de ensino, são três escolas que possuem alunos inclusos atualmente, a secretaria municipal de educação não possui um projeto político pedagógico (PPP) municipal, que segundo a professora R, O PPP (projeto político pedagógico) e de responsabilidade de cada escola, também não existe um levantamento de dados sobre o numero do total de alunos inclusos. A pesquisa presente pesquisa tem como objetivo abordar o tema da inclusão escolar, em um município do interior, que supostamente possui pouca estrutura e recursos. O desenvolvimento da pesquisa e da busca por informações e levantamentos de dados serão embasados na pesquisa bibliográfica com autores, como Vigostky, Carvalho, Mantoan e outros, alem de entrevistas com três professoras experientes que estão trabalhando com a inclusão no município. O qual pretende-se saber como se da a relação professor aluno, quais as dificuldades em incluir o aluno com deficiência no contexto escolar. E pra escola quais as dificuldades da inclusão será que 107 possibilita diagnosticar as dificuldades e limitações da ação pedagógica, curricular na sala de aula. Os problemas relacionados a inclusão do aluno com deficiência no ensino regular, permeia um desafio a ser superado pela escola e professores. A escola tem por propósito romper barreiras como o preconceito, rejeição, que podem levar o deficiente ao isolamento do ambiente escolar e social. a escola esta sendo desafiada a oferecer as condições necessária para que o incluso se desenvolva o Maximo de sua potencialidade com dignidade e respeito de cidadoa que o mesmo merece e tem direito. REFERÊNCIAS CARVALHO R. E. Integração e inclusão de que estamos falando? São Paulo: Ed Memon, 1997. CARVALHO R.E. Renovando barreiras, a aprendizagem. Porto Alegre: Editora Casa, 2003. D`ANTINO, M. E. F. (1997). A questão da integração do aluno com deficiência Mental na escola regular. In: M. T. E. Mantoan (org.). A integração de pessoas com 21deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon, Editora SENAC, p.97-103. MANTOAN, Maria Tereza Eglér. Ser ou estar, eis a questão, explicando o déficit intelectual, Rio de janeiro WVA, 1997. MANTOAN, M.T.E. Compreendendo a deficiência mental: Novos caminhos educacionais. São Paulo: Scipione, 1989. MANTOAN, M.T.E. A integração de pessoas com deficiência: Contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Ed. SENAC, 1997. MAZZOTA, Marcos Jose Silveira. Educação especial no Brasil: Historia e políticas publicas. 3. Ed são Paulo: Cortez, 2001. MARCHESI, A. Da linguagem da deficiência, as escolas inclusivas. 2º Ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. Vol. 3. MINISTERO DA EDUCACAO E CULTURA-MEC. N.1/1998, Educação Especial. Cadernos da TV Escola. MAZZOTTA, M.J.S. (2005). Educação Especial no Brasil História e Políticas Públicas. 5ª ed. São Paulo: Cortez. 108 MOREIRA, A. F.; LINHARES, C.; e. Formação de Professores pensar e fazer. 3ª ed. São Paulo: Cortez. (1995). MOTTA, C. O. Por que a inclusão de alunos com necessidades educativas especiais no ensino fundamental da rede publica? Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, 1999. OLIVEIRA, Maria Helena Alcântara. Trabalho e deficiência mental: perspctativas atuais. Brasília DF. Dupligrafica editora. 2003. PESSOTI, I. Deficiência mental: da superstição a ciência. São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1984 PADILHA, A. M. Lunardi. Práticas Pedagógicas na Educação Especial: a capacidade de significar o mundo e a inserção do deficiente mental. 2º ed. Campinas: FAPESP, 2005. SASSAKI, Romeu Kazumi. Educação profissional e emprego de pessoas com deficiência mental pelo paradigma da inclusão. (org). Brasília, DF. Dupligráfica Ed. 2003. TESSARO, N.S. Inclusão Escolar Concepções de Professores e Alunos e Especial da Educação Regular. São Paulo: Casa do Psicólogo. (2005). VIGOSTSKY, L.S. (1988). Formação social da mente. São Paulo: Martins Fonseca. SITOGRAFIA IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: WWW.ibge.gov.br. Acessado em 21. Abril. 2013. OUTRAS FONTES BRASIL (2000). LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei 9.394/96. Brasília: CORDE. BRASIL. Constituição da Republica federativa do Brasil de 1988. Brasília: Gráfica do Congresso Nacional, 1988. BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 7.679, 02 de dezembro de 1999. Dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de curso. D F, 1999. Seção 1 E, p. 20. 109 A TRADIÇÃO GAÚCHA E SUAS RAMIFICAÇÕES EM GUARAPUAVA VALMIR JOSÉ JOCOSKI Orientador: Prof. Ms. Ernando Brito Gonçalves Ciências Sociais – FG PALAVRAS-CHAVE: Tradição. Gaúchos. Cultura. Costumes. Sociedade. Apesar de sua natureza espacial creditada ao povo que mora no estado do Rio Grande do Sul, a cultura gaúcha faz parte da vida do povo de Guarapuava, um município do Paraná, desde sua fundação no século XIX. Pode-se fazer tal afirmação a partir de informações históricas sobre o Município. Segundo a historiadora Gracita Gruber Marcondes a região ficou conhecida como caminho das tropas e era passagem obrigatória das tropas de gado que vinham do Rio Grande do Sul e seguiam para Sorocaba em São Paulo. Através desse contato alguns moradores do lugar teriam assimilado e adquirido costumes próprios da cultura gaúcha que era trazida pelos tropeiros que por aqui passaram e também por aqueles que aqui se estabeleceram devido às grandes e férteis áreas de pastagens que aqui existiam. Dessa forma a cultura gaúcha foi sendo disseminada em toda a região. Quando se ouve a palavra: “gaúcho” normalmente nos vem a memória um homem tipicamente a caráter, usando botas, uma calca larga e um pedaço de pano pendurado ao pescoço. Segundo o dicionário a palavra gaúcho significa: “ habitante do campo, o cavaleiro hábil e valente que vive em contato com a natureza e no trato do gado”. Partindo desta definição podemos ter uma noção previa dos motivos pelos quais a região de Guarapuava passou a ter uma forte influência da cultura gaúcha. Historicamente falando a cidade teve e ainda continua tendo um grande laço com essa cultura, pois basicamente desde sua formação teve a influência do homem do campo que vivia exclusivamente do cultivo da terra e do trato com o gado. A partir dessas práticas alguns costumes foram introduzidos, fazendo com que o guarapuavano fosse considerado por muitos estudiosos, um autentico gaúcho. 110 No quer diz respeito a pesquisa, em um primeiro plano devemos nos ater a definição de cultura que segundo alguns autores pode ser definida como um conjunto de bens materiais que caracterizam um determinado agrupamento humano, como também pode ser compreendida como “um conjunto complexo que inclui conhecimentos, artes, leis, crenças, moral, costumes, enfim, tudo o que o homem adquire como membro de sua comunidade” (LARAIA, 2003). Entre os objetivos do trabalho está o de analisar e compreender a influência que a cultura gaúcha mantém sobre algumas pessoas do local, pois nota-se que vários habitantes da cidade aderiram aos costumes e as tradições da cultura gaúcha mesmo não tendo nenhuma ligação ou contato com os riograndenses ou com a sua cultura. A partir desse contexto será feita uma abordagem teórica para compreender as ramificações desta cultura. Serão utilizados referenciais de Darci Ribeiro, Caroline Kraus Luvizoto, Roque de Barros Laraia e Gracita Gruber Marcondes. Entre os métodos de pesquisa a serem utilizados estão o método compreensivo do sociólogo Max Weber e o método de observação participante com descrição por meio de diário de campo desenvolvido pelo antropólogo Bronislaw Malinovski. Estes autores servirão de embasamento teórico para o determinado estudo e sendo desta forma buscar-se á uma melhor compreensão do referido tema. Através desse estudo busca-se compreender as várias manifestações da cultura gaúcha na região de Guarapuava. Um dos propósitos é a compreensão das várias formas pelas quais se apresenta tal cultura, o que aponta para a necessidade de uma pesquisa de campo bem elaborada que permita entender a disseminação da cultura gaúcha e suas ramificações na região de Guarapuava. REFERÊNCIAS LARAIA,Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. 111 LUVIZOTO, Caroline Kraus. As tradições gaúchas e sua racionalização na modernidade tardia. São Paulo : Cultura Acadêmica, 2010.l MARCONDES, Gracita Gruber. Guarapuava: História de Luta e Trabalho. Guarapuava:UNICENTRO,1998. MALINOWSKI, Bronislaw. Os argonautas do Pacifico Ocidental. São Paulo: Coleção os Pensadores, Editora Abril, 1988. RIBEIRO, Darci. O povo brasileiro: evolução e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 1997. WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix,1968. ___.A ética protestante e o espírito do capitalismo.São Paulo: Pioneira,1983. ___.Ação e relação social.In:FORACCHI, M. M., MARTINS, J. S.(Org.). Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro: LTC, 1978. 112 A FESTA DE COSME E DAMIÃO OU UM PASSEIO ENTRE O SAGRADO E O PROFANO NOS TERREIROS DE UMBANDA LUCIANE PIETRAS Orientadora: Profª. Ms.Cerize Nascimento Gomes Grupo de Pesquisa em Cultura e Religiosidade Afro-índio- brasileira Ciências Sociais - FG PALAVRAS-CHAVE: Umbanda. Religiosidade. Cultura. Educação. Inclusão. São Cosme e São Damião Cheira cravo, cheira rosa, cheira flor de laranjeira Cantiga popular de louvação aos orixás Os objetivos da pesquisa que está sendo proposta para a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, são os de investigar a religiosidade afro-brasileira a partir de estudo de caso sobre a FESTA DE COSME E DAMIÃO, promovida anualmente no mês de setembro, mais especificamente no dia 27 de setembro pela Tenda de Umbanda Pai Francisco, localizada no Bairro Trianon, na cidade de Guarapuava. Sobre Cosme e Damião pode-se dizer que eles representam os Ibejí ou Ibejís, orixás africanos que protegem as crianças e são conhecidos na Umbanda como os orixás de amor e alegria. O sincretismo dos ibejis com os santos católicos, Cosme e Damião, que viveram no oriente em 300 D.c, devese ao fato de que eram gêmeos e foram médicos, não cobravam por seus préstimos, tinham especial atenção com as crianças e curavam não somente as pessoas, mas também os animais. Entre as suas principais qualidades dentro dos templos de umbanda estão as de trazer a cura para doenças de natureza diversa e amparar as crianças. 113 Junto aos pretos velhos e aos caboclos, as crianças formam o tripé da Umbanda, revela Raimundo Nonato Ribeiro da Silva (SILVA, 2012). Segundo ele, os domínios dos ibeijis são os parques, jardins e extensos gramados. Sua cor é o rosa e os espíritos que trabalham sob a irradiação de Ibejís apesar da forma frágil com que se apresentam, ou seja, como crianças, depois de Oxalá são os únicos orixás que dominam totalmente a magia. O autor explica que nas obrigações da umbanda aos Ibejís, são utilizadas velas cor de rosa, flores com tonalidade rosa e sem os espinhos ou ainda brancas. Segundo ele, também são usados doces como as cocadas, balas, pirulitos e fatias de bolo. A bebida é a água pura ou misturada com mel e atualmente são ofertados refrigerantes como o guaraná. Os ibejis representam, segundo Sônia Guimarães, a necessidade dos afrodescendentes manterem suas memórias, em contrapartida ao empenho da Igreja em impor sua liturgia, seus santos e sua trindade. Para a autora, o povo africano, em sua diáspora forçada, jamais cultuou os santos católicos em detrimento aos seus orixás. (GUIMARÃES, 2011, p.18) Sobre as festas e rituais da umbanda, a autora explica que : O tempo nas festas e liturgias também são atualizações de eventos sagrados que se inscrevem em intervalos periódicos, instaurando a experiência sagrada na cotidianidade profana, propiciando o religare, a repetição do fato religioso de outrora (...). Portanto, o tempo sagrado atualiza-se nas festas, em qualquer tempo e em qualquer cultura. O ritual das festas aproxima o homem contemporâneo do acontecimento sagrado mítico anterior ao seu tempo, refazendo o mito no presente e o tornando primordial. (GUIMARÃES, 2011, p.12) Os primeiros resultados da pesquisa sugerem que os rituais e as festas da umbanda são praticamente desconhecidos na região de Guarapuava, mesmo diante do expressivo número de centros de umbanda em atividade na cidade. Estima-se num primeiro momento que mais de 15 tendas estejam em funcionamento. A invisibilidade desses locais e dessas práticas sugere que os umbandistas preferem permanecer anônimos. Esse anonimato é um indício de que os adeptos da umbanda consideram que a identificação dos locais de culto e das pessoas que participam dos rituais da umbanda pode gerar mal estar e insegurança entre a comunidade umbandista. 114 Tal teoria promoveu o levantamento de algumas hipóteses relacionadas ao exercício de discriminação religiosa, acompanhada de falta de tolerância e do uso de preconceito contra as religiões de matriz africana na região de Guarapuava. Desse modo o estudo específico sobre a Festa de Cosme e Damião é um desafio que tem como propósito desvendar para a comunidade acadêmica alguns aspectos das crenças e das práticas próprias da umbanda, investigando-se também sua existência e sua história no município de Guarapuava. As fontes de pesquisa serão bibliográficas e orais e a metodologia utilizada será a da observação participante, com realização de entrevistas e acompanhamento da Festa de Cosme e Damião , produção de material fotográfico e se possível de um vídeo documentário, uma vez que esses materiais poderão ser utilizados como referenciais de pesquisa. O presente projeto está relacionado também à necessidade de produção de material didático para atendimento dos pressupostos pela Lei 10.639/2003 e pela Lei 11.645/2008 , as quais determinam a inclusão de conteúdos de história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos da educação básica. REFERÊNCIAS CONCONE, Maria Helena V. B. Umbanda: uma religião brasileira. Col. Religião e Sociedade Brasileira. São Paulo, CER-FFLCH da USP, 1987. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: M.Fontes, 1992. EYN, Cido de Osun. Candomblé: A panela do segredo. São Paulo: Mandarim, 2000. GUIMARÃES, Sonia. Sagrados mistérios: Vozes do Brasil. Rio de Janeiro:SESC, 2011. NEGRÃO, Lísias Nogueira. Umbanda: entre a cruz e a encruzilhada. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 5(1-2): 113-122, 1994. PRANDI, Reginaldo. Modernidade com feitiçaria: candomblé e umbanda no Brasil do século XX. Tempo Social; Rev. Social. São. Paulo: USP, , 2(1): 4974, 1.sem. 1990 VALLA, Victor Vincente (org.). Religião e cultura popular. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. 115 SITOGRAFIA SILVA, Raimundo Nonato Ribeiro da. Um trajeto poético nas práticas devocionais de Cosme e Damião em Salvador. Disponível em : http://www.academicoo.com/artigo/um-trajeto-poetico-nas-praticas-devocionaisde-cosme-e-damiao-em-salvador . Acessado em 20 de novembro de 2012. 116 RITOS RELIGIOSOS E FESTIVIDADES DA UMBANDA : A FESTA DO PRETO VELHO LUCÉLIA TEREZINHA DE ARAUJO PIETRAS Orientadora: Profª. Ms.Cerize Nascimento Gomes Grupo de Pesquisa em Cultura e Religiosidade Afro-índio-brasileira Ciências Sociais - FG PALAVRAS-CHAVE: Umbanda. Religiosidade. Educação. Cultura. Preconceito. O presente projeto está relacionado à necessidade de produção de material didático para atendimento dos pressupostos pela Lei 10.639/2003 e pela Lei 11.645/2008 , as quais determinam a inclusão de conteúdos de história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos da educação básica. A existência dessa legislação sugere que as faculdades e universidades, em especial os cursos de licenciatura, devem se transformar no espaço próprio para fomentar a pesquisa sobre as questões étnico-raciais relacionadas aos povos afro-brasileiros e indígenas. Nesse sentido, escolheu-se uma temática própria da religiosidade e da cultura afro-brasileira, com foco sobre os fundamentos e as práticas de umbanda no Brasil, incluindo-se informações que possam fundamentar estudos multidisciplinares étnico-raciais com enfoque antropológico e social. Para o desenvolvimento da pesquisa escolheu-se um estudo de caso sobre um ritual religioso específico da umbanda, denominado Festa do Preto Velho que ocorre anualmente no mês de maio, no terreiro da Tenda Espiritual Pai Francisco, localizada no Bairro Trianon em Guarapuava. A pesquisadora Maria Helena Villas Boas Concone estuda o simbolismo dos personagens da umbanda. Segundo ela os caboclos e os pretos velhos são os símbolos-chave dessa religião e marcam presença desde o nascimento do Brasil. Todos os demais personagens, os baianos que representam o preto jovem; o mulato, o boiadeiro, o marinheiro, a Pomba Gira e o Zé Pilintra formam a composição de um quadro simbólico que ajuda na interpretação da história, da cultura e da formação do povo brasileiro. (CONCONE, 1987) 117 Entre as definições encontradas para a origem etimológica do vocábulo umbanda, Cavalcanti Bandeira, em o que é a umbanda afirma que ela é uma palavra originária da língua kimbundo, utilizada em muitos dialetos bantus, falada em Angola, Congo e Guiné. De acordo com o autor a palavra é utilizada para mencionar uma nação poderosa ou um espírito poderoso. Ela reporta a palavra kimbanda que significa curandeiro. De acordo com os sentidos em que é aplicada e com sua origem gramatical é entendida como a arte ou magia de curar, poder de curar, ofício de ocultismo ou ciência médica. A partir das fontes de pesquisa foram encontradas diversas denominações para os locais de realização de cultos de umbanda: centros de umbanda, templos de umbanda, terreiros de umbanda e tendas de umbanda. A pesquisa bibliográfica realizada para a produção do presente artigo sugere que a fundação da umbanda data das duas primeiras décadas do século XX com o surgimento dos primeiros terreiros nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. A religião é bastante sincrética e reúne princípios do catolicismo, do espiritismo e do candomblé promovendo a comunhão de princípios da religiosidade branca européia, negra africana e indígena americana. As fontes de pesquisa serão bibliográficas e orais e a metodologia utilizada será a da observação participante, com realização de entrevistas e acompanhamento da Festa do Preto Velho, produção de material fotográfico e se possível de um vídeo documentário, uma vez que esses materiais poderão ser utilizados como referenciais de pesquisa. REFERÊNCIAS CONCONE, Maria Helena V. B. Umbanda: uma religião brasileira. Col. Religião e Sociedade Brasileira. São Paulo, CER-FFLCH da USP, 1987. EYN, Cido de Osun. Candomblé: A panela do segredo. São Paulo: Mandarim, 2000. NEGRÃO, Lísias Nogueira. Umbanda: entre a cruz e a encruzilhada. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 5(1-2): 113-122, 1994. 118 NEGRÃO, Lísias Nogueira. (1973) Umbanda e questão moral: formação e atualidade do campo umbandista em São Paulo. São Paulo. Tese de livre-docência. FFLCH-USP. PRANDI, Reginaldo. Modernidade com feitiçaria: candomblé e umbanda no Brasil do século XX. Tempo Social; Rev. Social. São. Paulo: USP, , 2(1): 4974, 1.sem. 1990 SITOGRAFIA D’OGUM, João. A origem da umbanda. Disponível em: http://www.centroespiritaurubatan.com.br/estudos/o-que-e-umbanda.html. Arquivo acessado em 10 e setembro de 2012. 119 ESTUDO SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES DO COOPERATIVISMO PARA AS MULHERES AGRICULTORAS DO MUNICIPIO DE TURVO – PR DEBORA MACHADO Orientadora: Profª .Ms. Cerize Nascimento Gomes Ciências Sociais-FG PALAVRAS-CHAVE: Mulheres. Agricultura. Cooperativismo. Trabalho. Economia. A presente pesquisa está relacionada ao cooperativismo e ao desenvolvimento sustentável como alternativas para a geração de emprego e renda, para as mulheres agricultoras, a partir de estudo sobre o exemplo da Cooperativa de Produtos Agroecológicos, Artesanais e Florestais de Turvo – COOPAFLORA. Uma das questões mais debatidas neste início de século, está relacionada ao surgimento de um modelo de sociedade organizada a partir de uma base econômica, social, cultural e ambiental mais sustentável. Jalcione Almeida, em A problemática do desenvolvimento sustentável, procura elucidar a concepção dessa prática: A noção de desenvolvimento sustentável vem sendo utilizada como portadora de um novo projeto para a sociedade, capaz de garantir, no presente e no futuro, a sobrevivência dos grupos sociais e da natureza. Transforma-se, gradativamente, em uma categoria-chave amplamente divulgada, inaugurando uma via alternativa onde transitam diferentes grupos sociais.(ALMEIDA, 1997, p.20). Levando-se em consideração que os projetos relacionados ao desenvolvimento sustentável vem sendo utilizados como uma alternativa para a sobrevivência dos grupos sociais e da natureza, foca-se esse estudo sobre as ações das mulheres e suas conquistas sócio-economicas por meio da Coopaflora, uma cooperativa que desenvolveu projetos experimentais de sustentabilidade que tornaram-se referência para o Brasil. 120 Inserido na macrorregião de Guarapuava , Turvo caracteriza-se pela posse e preservação de uma das maiores reservas nativas de araucárias do Sul do Brasil. Com chuvas regulares, clima frio, e altitude média de 1000m, o município favorece a agricultura e é conhecido nacionalmente pelo desenvolvimento de um programa de cultivo de ervas orgânicas de excelência, tais como Alcachofra, alfazema, alecrim, calendula, camomila, capim-limão, carqueja, cavalinha, chapeu de couro, endro, espinheira-santa, funcho, macela, manjericão, manjerona, melissa, menta, oregano, pata-de-vaca, poejo, sálvia, sete-sangrias, tanchagem e tomilho. O trabalho das mulheres tem sido fundamental para a consolidação dos projetos. Maria Celeste Corrêa em O uso sustentável dos recursos naturais na floresta com araucárias explica que o município de Turvo tornou-se uma referencia em sustentabilidade porque os agricultores familiares reunidos em torno do Instituto Agroflorestal Bernardo Harkvoorth (IAF) e a Coopaflora promovem por meio dos produtos da floresta o desenvolvimento local (CORREA, 2010, p.20). A autora referenda as contribuições das mulheres para o desenvolvimento dos programas de plantas medicinais, de melhoria da qualidade da erva-mate e o de preservação dos faxinais regionais. A Cooperativa congrega 85 famílias de pequenos produtores rurais, inseridos em uma área de 765 hectares. Incluindo-se familiares, funcionários e prestadores de serviços, a comunidade atendida pela Coopaflora envolve mais de 430 pessoas, que adotaram o sistema agroecológico de produção como opção de trabalho e filosofia de vida. Nossa pesquisa vai procurar identificar quantas dessas pessoas são do sexo feminino e quais são as ações realizadas especificamente pelas mulheres. Pressupõe-se que a Coopaflora, por meio de suas ações e projetos, contribui de modo significativo para a conservação dos remanescentes florestais de araucária, bem como com a recuperação dos ambientes florestais já degradados, ao mesmo tempo em que busca estimular a melhoria das condições de vida das famílias de pequenos agricultores , através do desenvolvimento da agricultura familiar sustentável, baseada na agroecologia. 121 A metodologia utilizada será a de pesquisa bibliográfica por meio da utilização de fontes teóricas, pesquisa aplicada e de campo com visitas à Coopaflora e encontros com as mulheres agricultoras. Pretende-se consultar o arquivo de documentos e fotografias da Coopaflora e promover de técnicas de pesquisa oral a partir da realização de entrevistas. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Jalcione. A problemática do desenvolvimento sustentável. In: BECKER, Dinizar Fermiano (org). Desenvolvimento sustentável: Necessidade e/ou possibilidade? Santa Cruz do Sul (RS): EDUNISC, 1997. CAVALCANTI, Clóvis. (org.). Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez; Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1998. CORREA, Maria Celeste. O uso sustentável dos recursos naturais na floresta com Araucárias. São Paulo: Serzegraf, 2010. SILVA, Maria Joseane. Organização autônoma de mulheres agricultoras: emergência de “novos” sujeitos políticos coletivos no campo. SITOGRAFIA http://www.arvoredobrasil.com.br/. Acessado em 16 de maio de 2011. http://www.ecocert.com.br/certificacao.html. Acessado em 16 de maio de 2011. http://www.arvoredobrasil.com.br/coopaflora/. Acessado em 24 de maio de 2013. 122 ADOLESCENTES INFRATORES NA CIDADE DE GUARAPUAVA: UMA ANÁLISE GEOCRIMINAL DOS ESPAÇOS UTILIZADOS E DA RELAÇÃO DE PODER ALEX MAURICIO DE LIMA Orientador: Prof. Ms. João Carlos Morimitsu. Ciências Sociais - FG PALAVRAS-CHAVE: Adolescentes. Infração. Poder. Espaços. Ressocialização. O presente projeto vem demonstrar a difícil luta pela reinclusão de adolescentes em conflito com a lei na cidade de Guarapuava, objetivando delimitar os pontos de maior interesse no intuito de realizar o acompanhamento de novas políticas aplicáveis aos adolescentes que se envolvem prematuramente com o crime, sinalizando uma melhor compreensão do ambiente social onde ele se desenvolve, através da análise dos trabalhos desenvolvidos pelo único projeto de ressocialização e de medidas sócioeducativas existentes na cidade de Guarapuava, o Projeto Formando o Cidadão. Todo adolescente foi uma criança, com isso se explica então, com início de tudo, quando ele passa de apenas um pequenino sem muita voz e nem vez, para um jovem de corpo quase adulto, com tamanho praticamente igual ao dos outros. Assim podemos verificar nas crianças, a primeira fonte de pesquisa sobre tal tema, onde elas começam a aprender e a desenvolver suas novas habilidades, e a conhecer um mundo que até pouco tempo atrás era desconhecido ou distante de sua condição, se tornando agora, palpável a suas mãos. Marco Antonio Cabral dos Santos, (SÃO PAULO, 2005) escreveu uma pesquisa sobre as crianças e criminalidade no inicio do século, onde retratou como surgiram os primeiros atos infracionais da época, com a explosão demográfica e o surgimento das indústrias em São Paulo, o que levou a surgir às primeiras apreensões de batedores de carteiras e mendigos adolescentes, 123 que eram o perigo das ruas nos primórdios da industrialização. Segundo sua pesquisa do período de 1900 a 1916, foi registrada quase o mesmo número de prisões entre menores e maiores de idade, é claro que o tipo do crime se diferenciava muito, tendo em vista o período em que se analisou. Outro referencial foi pesquisado também no Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, NEV-USP. As estatísticas de criminalidade mostram que boa parte dos envolvidos em crimes violentos no Brasil apresenta um perfil bastante definido. São jovens do sexo masculino, com idades entre 15 e 24 anos, geralmente pobres e moradores das periferias dos grandes centros urbanos. Os homicídios têm sido a principal causa de morte nessa faixa de idade, respondendo por 40% dos óbitos. Em sua maioria, esses adolescentes tinham algum tipo de ligação com delitos, tais como, roubo e tráfico de drogas. A delinquência juvenil, tanto por sua relevância estatística quanto pelas consequências nefastas que acarreta à sociedade, é um dos mais graves problemas da segurança pública. Para entendê-la, é preciso, antes de tudo, varrer os mitos que a cercam. Um trabalho da Universidade de São Paulo ajuda a desfazer alguns deles. O estudo foi feito a partir da análise dos prontuários de 2.400 internos da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM) entre 1960 e 2002. Os resultados, que uma revista divulgou em sua reportagem, indicam que, nas últimas quatro décadas, ao mesmo tempo, em que cresceu a participação dos adolescentes no crime, aumentaram também o grau de escolaridade e a inserção desses jovens infratores no mercado de trabalho. O resultado chama atenção por contrariar uma das crenças mais difundidas no que se refere ao problema da criminalidade entre os jovens: a de que mais empregos e maior escolaridade, por si só, seriam capazes de diminuir as taxas de violência. "O estudo mostra que isso não tem sido suficiente para deter a escalada da criminalidade entre os adolescentes", afirma a psicóloga Marina Bazon, orientadora da pesquisa e especialista em delinquência juvenil. 124 E por que isso ocorre? Para educadores e sociólogos, há duas respostas para o fenômeno. A primeira diz respeito à qualidade da educação recebida pelos adolescentes. Boa parte dos infratores que passaram pela Febem em 2002 (67,5%) cursou entre a 5ª e a 8ª série do ensino fundamental, mas a maioria (66%) não estava matriculada quando foi presa. O dado indica que a escola pública tem sido incapaz de reter os jovens. "Quando eles abandonam as aulas, a chance de conseguirem se qualificar para bons empregos fica ainda mais remota. Diante de trabalhos e remuneração ruins, percebem que o mundo do crime oferece uma possibilidade de ganho maior e mais rápido", afirma Marina Bazon. (2007) A segunda resposta está em uma combinação perversa: mais instrução, mesmo que precária, aliada a baixa remuneração, colabora para causar no jovem uma frustração existencial e material cuja válvula de escape pode ser a prática de roubos e furtos. "Especialmente nos crimes contra o patrimônio, o roubo não se dá pela fome ou pela privação absoluta. O menino não assalta porque não tem um sapato, mas sim porque deseja ter um tênis de grife", diz o sociólogo Michel Misse (2010), do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU), ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro. Um estudo feito pelo núcleo (2010), a partir de dados da 2ª Vara de Infância e Juventude do Rio de Janeiro, mostra que os adolescentes infratores passaram a cometer crimes mais violentos. Até 1994, o número de furtos superava o de roubos. Hoje, essa relação se inverteu. O número de assaltos à mão armada, entre os anos de 1960 e 2004, saltou de 264 para 5.377, um crescimento de quase 2.000%. No mesmo período, o número de ocorrências de furtos envolvendo jovens aumentou 165%. Trazendo para uma realidade local, a cidade de Guarapuava possui dados sobre as incidências de infrações e delitos oriundas de adolescente demonstrada por meio de estatísticas do serviço auxiliar da Infância e Juventude vinculado ao Poder Judiciário do Estado do Paraná. Pretende-se com tais dados apresentar alternativas tais como a criação de programas focados nos jovens. Políticas públicas genéricas de combate ao crime não têm eficiência em relação ao jovem delinquente, afirmam especialistas. É preciso 125 pensar em iniciativas específicas para eles. "Não basta, por exemplo, implementar uma Bolsa Família e distribuir renda", afirma o sociólogo Cláudio Beato, coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais. (Minas Gerais, 2010) Um exemplo de iniciativa específica é oferecer alternativas que reduzam a exposição do jovem ao ambiente de criminalidade. As escolas em tempo integral, com projetos que se estendem inclusive nos fins de semana, têm conseguido bons resultados em áreas de periferia. Há também que se pensar em ressuscitar a velha e boa assistência social do Estado. Isso ajudará, e muito, a impedir que famílias desestruturadas produzam jovens delinquentes. A pesquisa em questão da necessidade da adoção de medidas de modo a combater ou minimizar os efeitos sobre o desenvolvimento e qualidade de vida dos adolescentes e da sociedade vitimada pelas ações dos mesmos, ou seja, que são acometidas pelo problema. Os objetivos de pesquisa são os de fundamentar a relação existente entre a ocorrência de adolescentes infratores que adentram ao projeto formando cidadão e seus desencadeamentos após sua passagem nas medidas sócio-educativas, no intuito de rastrear o ponto-chave da problemática em questão, no intuito de acrescentar medidas novas de políticas para a criança e o adolescente; caracterizar a problemática da criminalidade juvenil dentro do município de Guarapuava ligando às expectativas de reinserção desses adolescentes a sociedade; analisar o estigma social criado em torno desses jovens envolvidos com a criminalidade e a importância de um acompanhamento profissional na recuperação desse jovem; verificar a importância do Projeto Formando Cidadão dentro da comunidade de Guarapuava, mostrando dados estatísticos de entrada e saída desses menores do mundo da criminalidade, auxiliando-os dentro desse contexto. Os métodos utilizados serão os de origem qualitativa e quantitativa além do uso da literatura disponível, ou seja, fontes primárias de informação como livros, artigos, teses, dissertações, monografias, entre outros referentes ao assunto. 126 REFERÊNCIAS SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Criminalizando a pobreza: implicações entre ação policial e políticas médico-sanitárias em São Paulo (1890-1920). Juiz de Fora (MG): UFJF, 2005. FREITAS, Marcos Cezar de. História Social da Infância no Brasil, Editora Cortez-Universidade São Francisco. Guarulhos, Estado de São Paulo,1997. PRIORE, Mary Del. História das crianças no Brasil, Editora Contexto. São Paulo, Estado de São Paulo,2002. OUTRAS FONTES Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. (NEV- USP) Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NECVU-UFRJ). Projeto Formando o Cidadão vinculado a Secretária de Assistência Social da Prefeitura Municipal de Guarapuava. Serviço Auxiliar da Infância e Juventude de Guarapuava, Poder Judiciário do Estado do Paraná. 127 AS CARTOGRAFIAS SOCIAIS COMO IDENTIDADE CULTURAL DOS POVOS FAXINALENSES DA REGIÃO DE GUARAPUAVA ELIANE DE FÁTIMA BUENO Orientadora: Profª. Ms. Cerize Nascimento Gomes Ciências Sociais – FG PALAVRAS-CHAVE: Faxinal. Cartografia. Cultura. Identidade. Povos Tradicionais. O presente projeto de pesquisa tem como objeto de estudo as Cartografias Sociais das comunidades tradicionais faxinalenses da região de Guarapuava no que diz respeito à reafirmação de sua identidade coletiva. Este trabalho surgiu após a leitura das cartografias compreendendo que estas visam a afirmação das identidades desses povos a partir da visão que os mesmos têm da sua forma de organização, incluindo o uso comum da terra para produção e criação de animais e principalmente, principais conflitos sociais a partir desse modo de vida, ou seja, a maneira com que essas populações encaram as novas formas de produção na chegada de vizinhos que não compartilham do mesmo método de produção, além do relato presente nas cartografias de que essas comunidades, a partir do processo de modernização do sistema de produção agrícola está fadada ao desaparecimento deste modo de produção, o que se configura como principal preocupação desses povos. Para a este projeto serão aqui utilizadas como fontes de pesquisa as Cartografias Sociais, as quais têm como princípio fundamental o envolvimento dos sujeitos mapeadores com o processo de mapeamento de informações sobre práticas tradicionais de produção e reprodução social e dos conflitos enfrentados por estes grupos, visando o fortalecimento destes movimentos sociais que se estabelecem a partir da evocação de identidades territoriais coletivas. 128 Segundo o estudo realizado por Roberto de Souza Martins no livro “Terra e Território Faxinalense: notas sobre a busca do reconhecimento”, existem no Paraná cerca de 44 faxinais e na região de Guarapuava em torno de 3 mil famílias que vivem no sistema faxinal. Este sistema de produção e organização tem um modo peculiar de posse comum da terra e de criadouros de animais, fato este ignorado pela população da cidade, que conhece o Faxinal somente como uma localidade do interior e que tem costumes como da cidade, tendo em vista que são cidadãos comuns. Sendo assim, estudar os Povos e Comunidades Tradicionais a partir de suas experiências e relatos é uma forma de reconhecimento acadêmico de sua organização. Dessa forma, no presente estudo, os conceitos presentes na obra de Norbert Elias e John. L. Scotson, “Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma comunidade” são de grande valia. Os autores realizaram durante aproximadamente três anos, na pequena comunidade industrial urbana, de nome fictício de Winston Parva, no sul da Inglaterra, que mostra uma clara divisão, em seu interior, entre um grupo de residentes estabelecidos desde longa data num bairro relativamente antigo e, ao redor dele, duas povoações formadas em época mais recente, cujos moradores eram tratados pelo grupo dos estabelecidos como outsiders. Também se torna relevante neste trabalho, a obra de Stuart Hall, “Identidade Cultural na pós-modernidade”, em que o propósito do livro é explorar algumas das questões sobre a identidade cultural na modernidade tardia e avaliar se existe uma crise de identidade, em que consiste essa crise e em que direção ela está indo. Ao desenvolver seus argumentos, o autor introduz certas complexidades e examina alguns aspectos contraditórios que a noção de "descentração do sujeito", em sua forma mais simplificada. O projeto das cartografias sociais tem o como objetivo dar a oportunidade de povos e comunidades tradicionais fazerem seu autoreconhecimento. Para a elaboração das mesmas são realizadas oficinas de mapas e técnicas de uso de GPS e tem o reconhecimento do Instituto de Terras, Cartografia e Geociências – ITCG do Paraná e contou com o apoio Secretaria de Estado da Educação – SEED, do Grupo de Trabalho 129 Intersecretarial Clóvis Moura, da Universidade Federal do Paraná Setor Litoral e organizações e entidades da sociedade civil como o Centro Missionário de Apoio ao Campesinato Antônio Tavares Pereira – CEMPO e o Instituto Equipe de Educadores Populares. A elaboração da Cartografia Social é tida pelos “faxinalenses” como instrumento de afirmação social, identificação de seus territórios e fortalecimento da identidade e instrumento de reconhecimento de sua existência: “Esse mapeamento para mim eu acho é muito importante porque ele é um reconhecimento. Não adianta eu dizer que tem um faxinal se ele não aparece em documento nenhum, e ele estando no mapa ele está sendo reconhecido, tem mais força pra brigar com o governo. Se vamos brigar por algum recurso: “Não! O meu faxinal tá aqui no mapa tal”. Então o mapeamento é importante por isso, é um reconhecimento, tem mais força pra frente e de sair pela frente.” (Depoimento do Sr. Antônio Rodrigues de Lima, do Faxinal dos Seixa, município de São João do Triunfo) Essa experiência tem serventia, segundo os próprios faxinalenses, como instrumento de luta por visibilidade social e política, opondo-se aos mapas oficiais do Estado, que se utilizam do “silêncio cartográfico” como estratégia de ocultar certas realidades cuja propagação não interessa aos responsáveis por sua produção. Sendo assim, a partir da organização da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses em 2005, esses povos foram ganhando visibilidade e em 2007 elaboraram um dossiê entregue na Assembléia Legislativa do Paraná denunciando acontecimentos como a presença de novos proprietários que colocariam cercas e que traria danos a esta forma de produção. Nesse sentido, ao estudar o dossiê, conclui-se que é necessário o estudo da organização do povos faxinalenses a partir de sua visão não como forma interpretativa de olhares de pesquisadores que não convivem diretamente com esses povos, mas com participação em seu cotidiano, tais como reuniões da "Rede" ou diretamente nas ações afirmativas de reconhecimento de tais povos e que envolvem manifestações dentro da Assembléia Legislativa do Paraná, Câmaras Municipais de vários municípios (cita-se aqui o exemplo de Rebouças-PR) e encontros regionais dos Povos Faxinalenses. 130 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de (Org.) ; SOUZA, R. M. (Org.) . Terras de Faxinais. Manaus: Edições da Universidade do Estado do Amazonas, 2009. ELIAS Norbert; e SCOTSON, John. L.; Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma comunidade; tradução Vera Ribeiro; tradução do posfácio à edição alemã, Pedro Süssekind – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. – São Paulo: Editora da UNESP – Biblioteca Básica, 1991. _______. (2002) Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Touro. 10.ed. Rio de Janeiro:DP&A, 2005. SOUZA, R. M. ; Rocha, E.P. . Terra e Território Faxinalense: notas sobre a busca do reconhecimento. Campos (UFPR), v. 08, p. 209-212, 2007 SITOGRAFIA www.planalto.gov.br/ccivil www.novacartografiasocial.com www.redepuxirão.com.br FONTES DOCUMENTAIS PROJETO NOVAS CARTOGRAFIAS SOCIAIS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO BRASIL - Fascículos 1, 3 e 5 – Povos dos Faxinais – Paraná. Brasília, Março. 2007. SÍNTESE DO 3º. ENCONTRO ESTADUAL DOS POVOS FAXINALENSES. 2010. POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO. SUSTENTÁVEL DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS NO BRASIL. DECRETO 6.040. Palácio do Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2007/decreto/d6040.htm. Acesso em Abr/2012 131 RAP, FUNK E JUVENTUDE: NARRATIVAS URBANAS SOBRE PROTESTO E CONSUMO18 DINALDO ALMENDRA19 PALAVRAS-CHAVE: Música. Rap. Funk. Protesto. Consumo. Este resumo expandido apresenta os resultados parciais e preliminares de pesquisa ainda em desenvolvimento sobre rap, funk e juventude. Cabe analisar como os jovens, através dessas narrativas da periferia, lidam com o sofrimento humano e a luta política, bem como produzem cultura e lazer, na busca de sentidos de vida para as suas condições de existência, construindo identidades a partir de mediações sociais, políticas, culturais e religiosas que atravessam e constituem o rap e o funk. Toma-se como ponto de partida um acontecimento recente: a participação de Mano Brown, dos Racionais MC’s, em um vídeo-clipe de funk, fato que produziu um curto-circuito entre a cultura hip hop e o mundo do funk, quer dizer, uma tensão entre públicos jovens das periferias e das favelas. Com efeito, o caso demonstra os giros de sentido das representações sociais que a juventude pobre urbana faz de si e do lugar que ocupam na cidade. O rap e o funk caminham hoje juntos e misturados e, ao mesmo tempo, separados, nas periferias e nas favelas das cidades brasileiras. A participação de Mano Brown, líder dos Racionais MC’s, em um videoclipe de funk, da música Tanto faz, tanto fez, do MC Pablo do Capão, funkeiro paulista e morador do Capão Redondo, “quebrada” de Brown, rendeu ao rapper duras críticas de uma parte dos integrantes da cultura hip hop e dos fãs de rap. O videoclipe, em que MC Pablo do Capão canta enquanto Mano Brown aparece atrás do funkeiro, parado e posicionado ao fundo, olhando firme para a câmera, 18 Resumo expandido de pesquisa sobre as relações entre rap e juventude desenvolvida na Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), submetido ao III Encontro de Ciências Sociais da Faculdade Guarapuava – Minorias, Inclusão e Ativismo. 19 Doutorando em Sociologia pelo IESP-UERJ. Professor do Departamento de Comunicação Social da UNICENTRO. 132 circulou pela internet dando origem a matérias em sites especializados em hip hop e, na esteira disso, desencadeou incontáveis posts de usuários das redes sociais com comentários críticos e, também, de apoio ao rapper. O videoclipe do funk Tanto faz, tanto fez foi disseminado no Youtube no dia 17 de abril de 2013, seguido por centenas de posts com comentários críticos pela participação do rapper. No dia seguinte, o portal Rap Nacional repercutiu a matéria Mano Brown é apedrejado com comentários após aparição em videoclipe de funkeiro, enquanto que o site Vai Ser Rimando publicava Mano Brown aparece em clipe de funkeiro do Capão e desperta fúria de fãs. Em São Paulo, em meio a esse curto circuito desencadeado pela aproximação entre rap e funk, a assessoria de Mano Brown, em um primeiro momento, divulgou uma nota informando que “o vídeo polêmico não foi autorizado pelo Mano Brown. Mano Brown não gravou este vídeo como um produto, ele estava na loja do Fundão no momento da gravação e apenas fez um gesto de apoio ao amigos. O uso destas imagens não teve autorização do Mano Brown” — Fundão é a marca de roupas criada pelo rapper, e ambos usam as camisas com as suas cores no videoclipe. Essa nota foi logo retirada do ar, mas capturada pelo site Noticiário Periférico antes que fosse deletada e substituída, fornecendo o seguinte esclarecimento público: “Mano Brown felicita e deseja Sucesso ao MC Pablo do Capão e aos muitos jovens artistas de sua comunidade. Sua presença no vídeo foi um gesto de apoio e incentivo porque conhece a dura caminhada que é a vida de artista da periferia no Brasil”. No Rio de Janeiro, MC Leonardo, morador da favela da Rocinha e autor, com MC Júnior, de funks tombados no imaginário popular, como Rap das Armas e Endereço dos bailes, e hoje na liderança da APAFUNK (Associação dos Profissionais e Amigos do Funk), organização mobilizada em torno da luta contra a discriminação do funk, publicou, na sua página pessoal no Facebook e, também, no site da revista Caros Amigos, um texto cujo título é uma síntese perfeita do ruído provocado na percepção do público jovem: Mano Brown no funk? 133 Mas, afinal, por que essa repentina justaposição entre a cultura hip hop paulista e o mundo do funk carioca produziu tamanha tensão entre diferentes segmentos do público periférico? Essa justaposição entre rap e funk a partir da presença do maior rapper brasileiro no videclipe de um funkeiro e antigo amigo do Capão Redondo — MC Pablo participou de videoclipe dos Racionais MC’s, da música Vida Loka Parte II, do disco Nada como um dia após outro dia, de 2004 —, expôs os focos de tensão e os giros de sentido culturais, sociais e políticos implicados nos temas narrados tanto pelo rap e quanto pelo funk nas próprias margens urbanas onde esses gêneros são produzidos e consumidos. Em outras palavras, criou fortes dissonâncias, mas também aproximações entre vivências, valores e visões políticas da juventude periférica e favelada, forjadas pelas práticas e trajetórias de vida dos próprios rappers e funkeiros, e cantadas em suas músicas. Com efeito, cabe observar que o curto-circuito entre a cultura hip hop e o mundo funk se deu a partir da conexão de narrativas nascidas daquilo que irmana os jovens periféricos, e gera traços identidários e sensos de solidariedade e mútua compreensão que eles possuem entre si: a pobreza urbana, seguida da estigmatização de classe e de cor sofrida nos lugares onde vivem e, também, em circulação pelos diferentes espaços sociais da cidade. O fenômeno recente da explosão do funk carioca nas periferias de São Paulo, onde predominou o rap cadenciado pela militância do movimento hip hop, é marcado por uma nova vertente do funk. No coração econômico do Brasil, nasceu uma nova versão do tamborzão carioca, o chamado “funk ostentação”, em que o batidão pesado é a base para que os MCs paulistas como o Pablo do Capão cantem e exaltem dinheiro, bens de consumo e o sexo com belas mulheres, estilo que começa a influenciar os bailes do Rio. Os MCs do funk ostentação fazem a ode ao consumo, cantam e rimam marcas famosas dos bens de consumo mais variados: roupas de grife, bebidas alcoólicas, carros, motos, etc. Nos seus videoclipes, fazem suas performances em cenários rodeados de mulheres, de iates luxuosos ou casas de alto padrão, e balançam para as câmeras notas de dinheiro vivo, as de 100 reais. 134 Assim, além da presença de Mano Brown em um vídeo-clipe do gênero funk, o fato de ter sido “apedrejado com comentários” e despertado a “fúria de fãs” foi agravado por se tratar de uma música estilo “ostentação”. De um lado, muitos acusaram o rapper de ter vacilado, quer dizer, “rap é compromisso”, é engajamento político e luta contra todas as formas de alienação dos jovens na “sociedade capitalista”. Do outro lado, os fãs de rap (ou de funk) afirmavam que o funk também faz parte da vida das “quebradas” de todo o Brasil, por isso, estão irmanados nesse espírito comum, pois ambos os gêneros sempre sofreram preconceito e perseguição, sendo frutos das mesmas dores e alegrias das periferias. A síntese dessas tensões entre a cultura hip hop e o mundo funk pode ser capturada em um diálogo entre MC Leonardo e um fã de rap postado nas redes sociais. O fã de rap cita a letra de uma música clássica dos Racionais MC’s, Vida Loka Parte II, justamente a que conta com uma participação do MC Pablo do Capão, para ironizar a participação de Mano Brown no vídeo-clipe, e recebe o seguinte comentário do funkeiro carioca20: Miguel Bartholo "pobre eh o diabo, eu odeio ostentacao" Mano Brown Mc Leonardo Apafunk Miguel Bartholo , antes dessa frase aí o tem outra! Mc Leonardo Apafunk "Tudo vai tudo é faze irmão, logo mais vamos arrentar no mundão, de cordão de elite 18 kilates, pôe no pulso logo um breit que tal, tá bom..." e por aí vai Tanto o usuário quanto MC Leonardo referem-se ao mesmo trecho de Vida Loka Parte II, porém, selecionam e destacam o que é necessário a construção das respectivas argumentações: “Tudo vai, tudo é fase irmão, logo mais vamo arrebentar no mundão. De cordão de elite, 18 quilate, põe no pulso logo Breitling. Que tal, tá bom. De lupa Bausch&Lomb, bombeta branca e vinho, Champanhe para o ar, que é pra abrir nossos caminhos. Pobre é o diabo, e odeia a ostentação. Poder rir, mas não desacredita não”. Quer dizer, 20 Disponível em:< https://www.facebook.com/mcleonardorj?hc_location=timeline> Acesso em: 04 jun. 2013. 135 Mano Brown, ao mesmo tempo em que critica a sociedade em que vivem pela segregação que sofrem, também canta as marcas e os bens de consumo que essa juventude também aspira e sonha ter. Daí os posts de jovens nas redes sociais dizerem, por exemplo, que21 “rap e funk são como água e óleo, não se misturam” “O Rap é da favela, o funk é da favela, não podemos negar isso, mas são realidades diferente, o rap luta contra a alienação, o funk canta justamente pra alienar as pessoas, mano, na favela não tem camaro, na favela não tem R1, na favela não tem isso que passa nos clipes, os caras cantam como se tudo aquilo que tivesse alí fosse a realidade deles e todos nós sabemos que não é, o brown foi um guerreiro do Rap, o brown juntamente com o racionais revolucionou o Rap durante tempos, mas de um certo tempo pra cá o brown não é o mesmo de antes, acho que isso pego muito mal pra ele, Racionais fez um show aqui na minha cidade junto com o Catra [Funkeiro carioca] que o valor passava de 100 reais, será isso o certo?” “O que adianta cantar contra o preconceito e ser preconceituoso? O que adianta querer ter liberdade de expressão, e discriminar a forma do próximo se expressar? O que adianta levantar uma falsa bandeira e dizer que é "100% favela" e não aceitar as expressões dessa mesma favela? Vamos fazer com os outros o que fizeram com a gente? Discriminar? Chega de hipocrisia dentro do RAP. Se não gosta, como eu também não gosto de funk, ao menos respeita” Esse acontecimento demonstra o quanto essas narrativas musicais urbanas são, de fato, algo como que um sensível sismógrafo social, cultural e político da vida cotidiana da juventude pobre. As suas letras e vídeos-clipes expressam as transformações sociais sofridas pelas classes populares e médias em todo o Brasil contemporâneo, nas regiões metropolitanas ou interioranas, em especial a emergência das classes C e D, e tem muito a revelar das representações sociais e políticas da juventude entre protesto e consumo, e, também, crime e espiritualidade, temas a serem aprofundados e desenvolvidos no curso desta pesquisa. 21 Disponível em: <http://www.rapnacional.com.br/portal/mano-brown-e-apedrejado-com-comentarios-aposaparicao-em-videoclipe-de-funkeiro/> Acesso em 04 jun. 2013. 136 REFERÊNCIAS COSTA, Jurandir Freire. Perspectivas da juventude na sociedade de mercado. In: NOVAES, Regina; VANNUCHI, Paulo (Orgs). Juventude e Sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2004. KEHL, Maria Rita. Radicais, Raciais, Racionais: a grande fratria do rap na periferia de São Paulo. São Paulo Perspec. [online]. July/Sept. 1999, vol.13, no.3. p.95-106 NOVAES, Regina; VANNUCHI, Paulo. Juventude e Sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2004. SOVIK, Liv. O Rap Desorganiza o Carnaval: Globalização e Singularidade na Música Popular Brasileira. Cadernos do CRH (UFBA), Salvador. v. 33, n. jul/dez, p. 247-255, 2000 SITOGRAFIA VIANNA, Hermano. Funk paulistano. Disponível em: <http://hermanovianna.wordpress.com/tag/hip-hop/> Acesso em: 07 mai 2013.