neurocriptococose - relato de caso em paciente hiv

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Trabalho de Conclusão de Curso
Relato de Caso
Neurocriptococose
Cássia Maria Costa Ventura
Neurocriptococose
Relato de caso em paciente HIV - negativo
2
Resumo
A criptococose é uma micose com predileção pelo sistema nervoso
central (SNC), sendo de distribuição mundial. Teve sua incidência aumentada
após a década de 80 com o aparecimento do Vírus da Imunodeficiência
Humana (HIV), porém pode acometer indivíduos sem nenhuma comorbidade,
como visto no relado de caso apresentado abaixo.
Abstract
Cryptococcosis is a major fungal infection that affects the central nervous
system (CNS), with worldwide distribution. Its incidence increased after 80
years with the emergence of HIV, but can involve individuals with no
comorbidity, as seen in Case report below.
Keywords:
Neurocryptococcosis,
neurocriptococose/microbiologia,
blastomicose,
Cryptococcus neoformans, Cryptococcus gatti.
Introdução
As infecções fúngicas tornaram-se mais prevalentes após o surgimento
do HIV, aumento da sobrevida dos pacientes transplantados, durante
tratamentos quimioterápicos e nas doenças comprometedoras do sistema
imunológico. Dentre estes patógenos encontra-se a criptococose, a qual pode
inclusive prejudicar o SNC. No entanto, não é uma doença exclusiva de
3
pacientes
imunossuprimidos,
pode
acometer
paciente
sem
nenhuma
sinonímias:
torulose,
comorbidade, com altas taxas de morbi-mortalidade.
A
Criptococose
apresenta
as
seguintes
blastomicose européia e doença de Busse-Buschke. Trata-se de micose
sistêmica, de porta de entrada inalatória causada por fungos do complexo
Cryptococcus neoformans, atualmente com duas espécies: Cryptococcus
neoformans e Cryptococcus gattii. A micose abrange duas entidades distintas
do ponto de vista clínico e epidemiológico:
o
de
Criptococose oportunista: cosmopolita, associada às condições
imunodepressão
celular
e
causada
predominantemente
por
Cryptococcus neoformans.
o
Criptococose
primária
de
hospedeiro
aparentemente
imunocompetente: endêmica em áreas tropicais e subtropicais,
causada predominantemente por Cryptococcus gattii. 12
Em
ambas
há
meningoencefalite,
de
evolução
grave
e
fatal,
acompanhada ou não, de lesão pulmonar evidente, fungemia e focos
secundários para pele, ossos, rins, supra-renal, entre outros.
A principal fonte de infecção da Criptococose é através das fezes de
pássaros (pombos) e morcegos, através da via aerógena (inalação do pó).
Quanto mais excremento ressecado e pulverizado no ambiente, maiores as
chances do homem apresentar a doença. Um forro empoeirado de uma casa
freqüentada por pombos é um ambiente muito insalubre e repleto de
microorganismos patogênicos inaláveis.
Os animais susceptíveis ao contagio dessa doença são os bovinos,
caprinos, eqüinos, ovinos, cães, gatos, primatas, homem. Ainda não há
conhecimento de casos de transmissão animal-animal, animal-homem ou
homem-homem.
A mortalidade por criptococose é estimada em 10% nos países
desenvolvidos chegando a 43% nos países em desenvolvimento com um
tempo médio de sobrevida de 14 dias. 12
4
A criptococose ocorre como primeira manifestação oportunista em cerca
de 4% dos casos de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) no Brasil.
A criptococose neoformans associada à SIDA predomina nas regiões, sul,
sudeste e centro-oeste do Brasil. A criptococose gattii pode ocorrer em áreas
de clima temperado e apresentar-se sob forma de surtos. Observamos que a
infecção por Cryptococcus gattii humana e de animais é de ocorrência
geográfica mais ampla do que o habitualmente descrito e tem aspectos clínicoepidemiológicos pouco conhecidos, perfila-se ao lado das micoses sistêmicas
endêmicas e necessita uma abordagem distinta da criptococose oportunista por
Cryptococcus neoformans. 12
A meningoencefalite é a forma clínica mais comumente diagnosticada,
ocorrendo em mais de 80% dos casos, quer sob forma isolada ou associada ao
acometimento pulmonar. 13
Apresenta-se, freqüentemente como meningite ou meningoencefalite
aguda
ou
subaguda,
entretanto
são
observadas
no
hospedeiro
imunocompetente lesões focais únicas ou múltiplas em SNC, simulando
neoplasias, associadas ou não ao quadro meníngeo. Esta última apresentação
tem sido associada ao Cryptococcus gatti.
Cefaléia e febre estão presentes em 76% e 65% respectivamente.
Meningite criptocócica deve ser sempre considerada em pacientes com SIDA
que apresentam cefaléia e febre inexplicada, demência progressiva e confusão
mental; ocorrem nos pacientes com linfócitos T CD4+ < 50 células/mm3 sendo
difícil a erradicação permanente do fungo no líquor cefalorraquidiano (LCR) e
SNC. A hipertensão intracraniana (pressão liquórica inicial medida por
raquimanometria > 200mmH2O, com o paciente em decúbito lateral) ocorre em
aproximadamente 50% dos pacientes com neurocriptococose, contribuindo
para significativo aumento da morbi-mortalidade da doença.
O
diagnóstico
diferencial deve
ser feito
com outras afecções
neurológicas comuns no paciente com SIDA, tais como: tuberculose,
toxoplasmose,
linfoma,
histoplasmose e nocardiose.
leucoencefalopatia
multifocal
progressiva,
5
Um episódio de meningite criptocócica pode evoluir com um número
significativo de seqüelas e déficits neurológicos. As mais freqüentes são
diminuição da capacidade mental (30%), redução da acuidade visual (8%),
paralisia permanente de nervos cranianos (5%) e hidrocefalia.
Em pacientes, não imunodeprimidos, o quadro clínico resultante da
inflamação do sistema nervoso é exuberante: sinais meníngeos (náuseas,
vômitos, rigidez de nuca); sinais de meningoencefalite em um terço dos
pacientes na admissão (alterações de consciência, déficit de memória,
linguagem e cognição); acometimento de pares cranianos (estrabismo,
diplopia, ou paralisia facial (III, IV, VI e VII)). Déficit visual ou amaurose, de
caráter temporário ou definitivo ao longo da evolução e tratamento, refletem
lesão do I par craniano (oftálmico). Há grande pleomorfismo clínico na
meningoencefalite criptocócica podendo a demência ser a única manifestação
da doença. 12
O diagnóstico da criptococose no SNC pode ser realizado através do
exame micológico direto obtido pela confecção de um esfregaço em lâmina
com amostra do LCR corado pela tinta da china, realização de cultura para
fungos e através do antígeno criptocócico liquórico.
O padrão ouro para o diagnóstico é a cultura, sendo positiva em 89 %
dos pacientes não infectados pelo HIV e em 95% a 100% dos pacientes com
SIDA. A cultura consiste também em parâmetro evolutivo. O exame direto (tinta
da China) pode ser positivo em até 50% dos casos em pacientes não
infectados pelo HIV e em 80% nos pacientes com SIDA. A Centrifugação do
LCR (500rpm, por 10 minutos) aumenta o rendimento do exame direto.
Embora, este seja um teste muito útil no diagnóstico da doença, ele não é
preditor da evolução da meningite criptocócica.
O exame direto deve ser obrigatoriamente com tinta nanquim para
observação de células capsuladas, com diâmetro variável (5-20 micrômetros)
que dão o diagnóstico presuntivo.
6
A cultura é realizada em meio ASD (Ágar Saboraud Dextrose) ou
qualquer outro meio que não contenha cicloheximida, a qual inibe o
crescimento do Cryptococus. O agente cresce rápido (sete dias) entre 25 –
37ºC, sob forma de colônias mucóides de coloração creme à parda. A
identificação de gênero e espécie é feita através de provas bioquímicas, como:
teste de urease e auxanograma.
O exame citoquímico do LCR compatível com meningite criptocócica é
variável na dependência da imunodepressão, entretanto, a maioria dos
pacientes apresentam pleocitose (acima de 10 cels/mm3) linfomonocitária,
hiperproteinorraquia e hipoglicorraquia. Predomínio de polimorfonucleares pode
ocorrer em imunocompetentes. Em estados de grave imunodepressão a
celularidade pode ser normal ou discretamente elevada com associação à
elevada carga fúngica. 12
Ao exame físico podem ser evidenciados sinais de irritação meníngea
(Brudzinsky, Kernig e Laségue), sinais de hipertensão intracraniana, como o
papiledema,
que
geralmente,
corresponde
à
pressão
intracraniana
>350mmH2O. Outros sinais neurológicos, tais como ataxia, alteração do
sensório e afasia podem ser observados. Complicações como ventriculite
fúngica, hidrocefalia obstrutiva por bloqueio sem meningite e, hidrocefalia por
má absorção do LCR pela meningite são freqüentes. A tomografia cerebral
pode ser normal em até 50% dos casos. 14
A pressão liquórica deve ser medida sempre por ocasião da primeira
punção. A hipertensão intracraniana é definida como a pressão liquórica inicial
medida por raquimanometria > 200mmH2O com o paciente em decúbito lateral,
e ocorre em aproximadamente 50% dos pacientes com neurocriptococose,
contribuindo para significativo aumento da morbi-mortalidade da doença. A
principal intervenção recomendada para a redução da Hipertensão Intra
Craniana (HIC) é a punção lombar intermitente, descrita na literatura desde
1994 (Evidência AII). 15 16
7
A maioria das mortes ocorridas nas primeiras semanas da doença tem
sido associada à pressão liquórica elevada.
17 18
A derivação liquórica deve ser
considerada em pacientes que não toleram a punção diária e persistem com
sinais e sintomas de edema cerebral (Evidência BIII).
19 20
Quando as punções
seqüenciais falham em controlar os níveis pressórios, com persistência ou
progressão de sinais, sintomas ou déficits neurológicos persistem ou são
progressivos, é indicada a derivação lombo-peritoneal.
As exceções se fazem para os pacientes que apresentam HIC e
hidrocefalia para os quais está indicada derivação ventrículoperitoneal
precocemente. Para os casos ausentes de condições clínicas para a realização
de derivação permanente, a utilização de derivação ventricular externa é
permitida até que seja possível realizar o procedimento definitivo. O uso de
acetazolamida não está indicado. 21
Nas formas graves, principalmente com acometimento do SNC, seja o
paciente infectado ou não pelo HIV, a fase de indução tem por objetivo a
negativação ou redução efetiva da carga fúngica, tendo duas semanas como
período mínimo de tratamento. A fase de consolidação compreende
manutenção de negatividade micológica e normalização de parâmetros clínicos
e laboratoriais, por pelo menos oito semanas. Segue-se a fase de supressão
também chamada de manutenção, por mínimo de um ano com tempo adicional
variando de acordo com a condição do estado imune do hospedeiro. 12
As drogas disponíveis são: anfotericina B, anfotericina B formulações
lipídicas (complexo lipídico e lipossomal) itraconazol e fluocitosina (5-FC). A
anfotericina B reduziu a mortalidade da criptococose em 30%. Os estudos com
a combinação, anfotericina nas doses de 0,710 ou 1mg/kg/dia + 5-FC:
100mg/kg/dia, foram associados à esterilização mais rápida dos fungos no LCR
em duas semanas, comparadas à anfotericina B sozinha. 22 23
Um estudo randomizado envolvendo pacientes da Tailândia avaliou 64
pacientes, os quais receberam anfotericina B isoladamente (0,7 mg / kg / dia), a
anfotericina B com flucitosina (100 mg / kg / dia), a anfotericina B juntamente
com fluconazol (400 mg / dia), ou terapia medicamentosa tripla.40 A
8
combinação de anfotericina B com flucitosina foi o regime mais rapidamente
fungicida. Embora o desenho do estudo não permita a correlação entre as
taxas de clearance criptocócica e desfecho clínico, torna possível inferir que a
esterilização mais rápida do LCR leva ao aumento da sobrevida aguda, e este
estudo reforça as recomendações para o uso de anfotericina B e flucitosina na
terapia de indução. Os pacientes tratados com fluconazol morreram em duas
semanas após inicio da terapia. 39
A esterilização mais precoce do LCR está diretamente associada à
redução da mortalidade e assim, são desejados esquemas terapêuticos que o
esterilizem mais rapidamente. Não demonstrou diferença significativa em
relação à mortalidade na segunda e décima semanas após o tratamento, entre
pacientes tratados com anfotericina B 1mg/kg/dia e anfotericina B 0,7mg/kg/dia
associados a 5FC (100mg/kg/dia), embora a queda da hemoglobina na
segunda semana tenha sido maior no grupo que recebeu 5FC.
A 5-FC é droga com potencial mielotóxico e hepatotóxico, e seu uso
deve
ser
acompanhado
com
controles
laboratoriais
por
hemograma,
hepatograma, e função renal. Na dosagem de 100mg/kg/dia VO ou IV esta
droga tem sido usada sem efeitos tóxicos significativos, sem necessidade de
dosagens séricas. 22
A formulação lipossomal de anfotericina B (4mg/kg/dia) foi testada
comparativamente à anfotericina B (0,7mg/kg/dia) em um grupo pequeno de
pacientes e não mostrou diferença na evolução deles, mas apresentou menor
toxicidade renal e esterilização mais rápida que a anfotericina B.24 Do mesmo
modo, a anfotericina B complexos lipídico (5mg/kg/dia) foi avaliada em 83
casos de criptococose de SNC e apresentou resposta favorável de 65% e
reduzida toxicidade.
25 26 27
Portanto estas duas formulações lipídicas podem
ser usadas em substituição à anfotericina B, quando esta não estiver
indicada.25
Após duas semanas da terapia de indução com sucesso com o uso de
anfotericina B + 5FC, recomenda-se seguir o curso terapêutico com fluconazol
(400mg/dia), por mínimo de oito semanas ou até que as culturas de LCR se
9
tornem negativas.
28
A administração de Fluconazol deverá ser iniciada na fase
de consolidação, quando o paciente apresentar melhora clínica definida por:
melhora do status mental, febre, cefaléia, sinais meníngeos e/ou negativação
da cultura do LCR na segunda semana29. Um risco adicional do uso de
fluconazol é a indução de resistência, embora rara, por ser fungistático e não
induzir à esterilização precoce do LCR, por isso não é recomendável para
terapêutica de ataque e sim, preferencialmente, para a manutenção.
8
Eventos
68
adversos do fluconazol incluem . trombocitopenia (4%) e granulocitopenia
(18%) quando associado com 5FC, trombose de seios cavernosos (2,2%). O
itraconazol pode ser uma alternativa30. A combinação de fluconazol (400 a
800mg/dia) + 5-FC (150mg/kg/dia) também foi efetiva no tratamento da
meningite criptocócica nos pacientes com SIDA. 31
A adição de flucitosina durante a terapia de indução foi associada com
uma taxa de recaída significativamente menor e o uso de itraconazol como
terapia
de
manutenção
foi
associada
com
uma
taxa
de
recaída
significativamente maior quando comparado ao fluconazol.39
A concentração da anfotericina B no LCR é baixa, e conseqüentemente
sua administração intratecal tem sido uma tentativa em casos graves e
refratários. Entretanto, muitos efeitos colaterais têm sido descritos, tais como:
cefaléia, vômitos, dor local, parestesias e aracnoidite. Devido à falta de
evidência da eficácia deste regime terapêutico e considerando a viabilidade de
outros agentes antifúngicos, o uso intratecal deve ser reservado para casos
graves e que não responderam aos esquemas habituais. 32 33
Anfotericina B intratecal ou intraventricular pode ser usada, apenas nos
casos refratários, como terapia de resgate, devido à toxicidade e dificuldade de
aplicação. Anfotericina B intratecal + anfotericina B IV associada ou não à 5FC
foi utilizada com sucesso em 39 de 40 pacientes HIV negativos, tratados com
este esquema até a negativação da cultura do LCR e seguido de manutenção
com fluconazol ou itraconazol até a negativação da microscopia, por pelo
10
menos três semanas. Este estudo sugere uma alternativa para o tratamento
desses casos no Brasil. 32 33
Há relatos que a dexametasona pode contribuir para a melhora clínica
do paciente, porém essa conduta é ainda muito discutível. 10
A falência terapêutica é definida como manutenção de cultivo positivo e
deteriorização do estado clínico a despeito de terapêutica apropriada, ou seja,
manutenção de pressão intracraniana elevada, falta de melhora dos sinais e
sintomas clínicos após duas semanas de terapia antifúngica apropriada, ou
recaída após a terapêutica inicial. O melhor tratamento, nesta condição, não
está determinado. Doses mais alta de fluconazol (800 até 2.000mg/dia) com ou
sem 5-fluocitosina também podem ser tentadas.
34
Os novos antifúngicos
azólicos (voriconazol e posaconazol) podem ser uma alternativa de resgate
nestes pacientes. A avaliação do posaconazol em terapia de resgate de
pacientes com meningite e que falharam a terapêutica antifúngica convencional
mostrou resposta clínica em 48% dos pacientes35. O papel do voriconazol na
criptococose é ainda menos estudado que o posaconazol36. Há descrição de
recaída da neurocriptococose em paciente com SIDA, em uso de voriconazol,
no qual Cryptococcus foi sensível in vitro ao voriconazol37. As equinocandinas
não apresentam eficácia no tratamento da criptococose.
Existem relatos de casos de aparecimento de resistência ao fluconazol e
itraconazol durante a terapia de manutenção.
38
Sendo assim recomendam-se
um novo tratamento com anfotericina B com ou sem 5FC e a manutenção com
anfotericina B 50mg 3X/semana.
Relato do caso
R.R.P, sexo feminino, 24 anos, sem comorbidades, chega ao pronto
socorro acompanhada da mãe que refere que há 6 meses a paciente iniciou
11
quadro de cefaléia holocraniana, de forte intensidade, acompanhada de
náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia, sem fatores de melhora. Veio
transferida ao nosso serviço devido à piora progressiva do quadro,
apresentando neste momento, confusão mental, agitação psico-motora, ataxia,
astenia e febre. Neste mesmo período a paciente estava em investigação
ambulatorial devido a nódulo pulmonar. Ao exame físico encontrava-se confusa
no tempo e espaço, febril (37,9 ºC), taquicardia (130 bpm), PA: 100 x 70mmHg,
estrabismo convergente (lesão de VI par craniano à direita), alteração da
coordenação motora e ausência de sinais meníngeos. O hemograma
demonstrava uma leucocitose sem desvio à esquerda, VDRL, hepatites,
toxoplasmose e HIV todos negativos. Foi realizada Tomografia de Crânio com
contraste que não evidenciou nenhuma alteração. Foi colhido o LCR que
demonstrou: Proteínas totais 42,4; Glicose: 48,4; Cloretos: 118,0; leucócitos de
211,0 com Linfócitos: 82%, Neutrófilos: 4% e monócitos 14% e tinta da china
positivo, sendo diagnosticado neurocriptococose e iniciado anfotericina B. A
raquimanometria foi de 66 mmH20, abaixo do valor de referência que é menor
que 200 mmH2O.
Cryptococcus sp. Coloração Tinta da China (LCR) visualizada em Microscópio óptico.
Fonte: http://www. asm.org/Division/c/photo/cneofrm1.JPG
12
Durante a internação, a paciente evoluiu com alternância do nível de
consciência até que após 20 dias de tratamento a paciente iniciou quadro de
crise convulsiva tônico-clônica generalizada e rebaixamento do nível de
consciência, sendo necessário suporte ventilatório invasivo. Foi repetida a
tomografia de crânio com contraste que demonstrou imagem atenuante
circunscrito, isoatenuante ao líquor, em lobo temporal direito, medindo 1,0 cm,
de aspecto cístico. Dois focos hipoatenuantes subcorticais frontais e esquerdo,
inespecíficos. Outro na cabeça no núcleo caudado direito.
Foi realizada nova punção liquórica que se apresentou turva, proteínas
totais: 184 mg/dL; glicose: 1,0 mg/dL; cloretos: 125,0 mEq/L, Hemácias: 122,66
mm3 e leucócitos: 3907,55, Neutrófilos: 94%; linfócitos: 4% e monócitos: 2%.
Na cultura cresceu leveduras não Candida albicans e Acinetobacter sp. Foi
adicionado ao esquema de antibiótico a vancomicina e o cefepime, devido a
não resposta clínica o cefepime foi substituído por imipenem e acrescentado
polimixina B.
Trinta dias após a admissão o paciente evoluiu com sinais de morte
encefálica, que foi confirmado após a realização do protocolo e exame de
arteriografia.
Discussão
A criptococose é a principal micose que atinge o sistema nervoso central
acometendo principalmente pacientes com algum grau de imunossupressão,
seja pelo HIV, uso de medicamentos ou por patologias que comprometam a
resposta imune, porém, como visto no relato de caso acima, pode acometer
inclusive pacientes imunocompetentes e sem comorbidades, levando às altas
taxas de morbi-mortalidade.
13
A paciente apresentou-se na forma de meningoencefalite, com meses de
evolução, cujo diagnóstico foi realizado tardiamente. Apesar do quadro clínico
não ser específico pela análise do LCR através exame direto e culturas,
realiza-se o diagnóstico na maioria das vezes, porém neste caso o LCR só foi
colhido com seis meses de evolução, o que atrasou o início do tratamento
comprometendo todo o prognóstico da paciente.
No LCR havia pleiocitose às custa de linfócitos e tinta da china positiva o
que não deixou nenhuma dúvida sobre o diagnóstico.
Durante a internação foram administrados antifúngicos (anfotericina B
sem a associação com a flucitosina) e punções de repetição para
acompanhamento clínico, apesar da raquimanometria não ter demonstrado
aumento da HIC, o que resultou em complicações fatal a nossa paciente, uma
infecção bacteriana por germe multirresistente, o qual sequer respondeu aos
antimicrobianos de última geração.
Em nenhum momento houve a esterilização do LCR e a infecção
bacteriana veio sobreposta à infecção fúngica. Apesar da gravidade do caso,
não foi realizado antibiótico terapia intratecal, uma vez que não havia
evidências e nem trabalhos demonstrando a sua eficácia.
Existem relatos sobre a contribuição da dexametasona na melhora
clínica do paciente, porém em nosso caso não mostrou nenhum benefício.
Todos os esforços devem ser feitos para a realização do diagnóstico
precoce, cujos pacientes com sintomas sugestivos de infecção do SNC
deverão ser submetidos a um exame neurológico detalhado seguido por
tomografia de crânio e coleta de LCR, a fim de um diagnóstico o mais
precocemente possível.
Embora exista pequeno número de casos de neurocriptococose em
pacientes sem fatores predisponentes, o diagnóstico sempre deve ser
afastado.
14
Conclusão
A neurocriptococose é uma patologia grave que tem sua
incidência aumentada nos pacientes portadores de HIV, porém pode acometer
pacientes previamente hígidos com alta taxa de morbi-mortalidade mesmo com
o tratamento correto. A prevenção pode ser feita com o tratamento das causas
de imunodeficiência e evitando à exposição aos ambientes repleto de
microorganismos patogênicos inaláveis. O diagnóstico precoce com o início do
tratamento adequado é fundamental para a evolução clínica do paciente.
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