225 Original Eletroestimulação Epidural Medular no Tratamento da Dor de Difícil Controle e Melhora da Qualidade de Vida Spinal epidural electric stimulation in the treatment of poorresponse pain patients and improvement in quality of life Carlos Eduardo D´Aglio Rocha1; Marielza R. Ismael Martins2; Marcos Henrique D´Alglio Foss3; Randolfo Santos Junior4; Ana Márcia Rodrigues Cunha5; Sebastião Carlos da Silva Junior6; SINOPSE ABSTRACT Introdução: Estudo prospectivo em amostra de conveniência, recrutada seletivamente em indivíduos com causa inoperável e refratários ao tratamento convencional. Metodologia: Foram avaliados e acompanhados dois indivíduos com dor crônica não neoplásica, em tratamento na Clinica da Dor do HB. Os dados foram coletados no período de março de 2009 a junho de 2010. Os indivíduos haviam sido submetidos a agentes morfínicos, antidepressivos, neurolépticos e anticonvulsivantes, tendo também sido submetidos a tratamento fisiátrico com alongamento, acupuntura, infiltração dos pontos-gatilhos, calor, massagem e ultra-som. Resultados: Os resultados foram regulares em ambos os casos. A duração da queixa álgica variou entre 3 e 5 anos. A dor no caso I localizava-se região lombar secundária a síndrome dolorosa miofascial em músculo quadrado lombar e glúteo máximo com radiculopatia crônica L5. No caso II, houve lesão medular incompleta ASIA C tendo evoluído para ASIA A após 3 meses de cirurgia com descompressão do canal medular associada a artrodese . Em ambos foi implantado um eletrodo tipo placa quadripolar T3-T4 epidural e realizada reabilitação das incapacidades psicológicas, físicas e sociais através de atividades dinâmicas e educacionais com abordagem psicossocial e com objetivo de reduzir a dor, promoverem mudanças comportamentais e melhorar o desempenho de atividades da vida diária. Conclusão: Após acompanhamento, houve redução total do uso de opióides, permanecendo apenas os adjuvantes com melhora da qualidade de vida. Introduction: Prospective study in a convenience sample recruited selectively individuals presenting with pain refractory to conventional treatment. Method: Two patients presenting with chronic nonmalignant pain, undergoing treatment at the Pain Clinic of the HB were evaluated and followed up. Data were collected between March 2009 and June 2010. Both patients were submitted to morphine agents, antidepressants, neuroleptics and anticonvulsants. Physiotherapy treatment based on stretching, acupuncture, infiltration of trigger points, heat, massage and ultrasound were also done. Results: Final results were regular in both cases. Duration of pain complaint ranged between 3 and 5 years. Patient in case I presented with axial low back pain due to myofascial pain syndrome in lumbar quadrate muscle and gluteus maximus associated with chronic L5 radiculopathy. In case II there was an incomplete spinal cord injury which evolved from ASIA C to ASIA A 3 months after spinal canal surgical decompression associated with arthrodesis. In both patients a T3-T4 epidural quadripolar plate type electrode was implanted, besides psychological rehabilitation of disabilities, physical and social dynamics through activities and educational and psychosocial approach designed to reduce pain, promote behavioral change and improvement of the performance of daily life activities . Conclusion: After the follow-up period, there was a complete reduction of the use of opioids ,with manteinance of the adjuvant therapy , together with a better quality of life. Palavras-chave: Implantação de eletrodos, reabilitação, qualidade de vida. Keywords: Electric implantation, rehabilitation, quality of life. 1- Neurocirurgião - Serviço da Clinica da Dor - Departamento de Ciências Neurológicas - Hospital de Base - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP. 2- Terapeuta Ocupacional - Professora Doutora - Serviço da Clinica da Dor - Departamento de Ciências Neurológicas - Hospital de Base - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP. 3- Fisioterapeuta - Serviço da Clinica da Dor - Departamento de Ciências Neurológicas - Hospital de Base - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP. 4- Psicólogo - Serviço da Clinica da Dor - Departamento de Ciências Neurológicas - Hospital de Base - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP. 5- Anestesiologista - Serviço da Clinica da Dor - Departamento de Ciências Neurológicas - Hospital de Base - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP. 6- Neurocirurgião - Serviço da Clinica da Dor - Departamento de Ciências Neurológicas - Hospital de Base - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP. Recebido em setembro 2010, aceito em outubro 2010 Rocha CED, Martins MRI, Foss MHD, Junior RS, Cunha AMR, Junior SCS - Eletroestimulação Epidural Medular no Tratamento da Dor de Difícil Controle e Melhora da Qualidade de Vida J Bras Neurocirurg 21 (4): 225-229, 2010 226 Original Introdução As anormalidades neurovegetativas, neuro-humorais e neuroimunitárias, características da dor aguda, são inexistentes nos doentes com dor crônica e levam os indivíduos à adoção de posturas e alterações psicocomportamentais que acarretam prejuízos sociais, econômicos e profissionais com menor reação à terapia antiálgica1. Ansiedade, depressão, hostilidade, hipocondria, estratégias passivas de enfrentamento, uso abusivo de analgésicos, álcool, drogas e crenças freqüentemente infundadas são comuns em pacientes com dor crônica. Estes indivíduos, emocionalmente comprometidos, podem comprometer a adesão ao tratamento e causar privação de cuidados e isolamento social6. Em 15 anos de vivência na Clinica da Dor do Ambulatório do Hospital de Base verificamos também que, quando estas pessoas são submetidas a numerosas intervenções, podem ser levadas a resultados insatisfatórios e inconclusivos, conduzindo-os a adotar atitudes passivas, manipuladoras e hostis, originando resultados inadequados da terapia analgésica. Desta forma, o manejo destes pacientes exige além do uso de analgésicos e procedimentos apropriados, a reabilitação das incapacidades psicológicas, físicas e sociais que acompanham estes casos, necessitando de um conjunto de médicos de diferentes especialidades e outras profissões como psicólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, nutricionista e assistente social conforme preconizado por Bonica ( 1950), cujo modelo de atendimento interdisciplinar foi seguido por inúmeras clínicas do mundo2. O estudo da dor, nos últimos quarenta anos tem contribuído com mudanças na compreensão da dinâmica e complexidade do sistema nervoso ; tem impulsionado o reconhecimento da importância das dimensões socioculturais e psíquicas na experiência e expressão do fenômeno doloroso, além de proporcionado a diversificação de recursos terapêuticos mobilizados no cuidado da dor crônica16,9. Melzack & Wall10 relatam que a dor é um círculo vicioso entre os sistemas centrais e periféricos que mantêm a atividade patológica da medula. Este mecanismo afeta uma infinidade de elementos que postos em movimento autonomizam-se e passam a produzir dor onde antes poderia ser prazer, portanto, dor crônica é a distorção, ela é uma deturpação de um processo que deveria ter sido agudo. Nos casos de dor refratária, dentre vários métodos de intervenção, existe a neuroestimulação8. As primeiras implantações de eletrodos medulares, com finalidade analgésica, foram realizadas, em 1967, por Shealy e col.15, através de laminectomia. Inicialmente, os eletrodos uni ou bipolares eram implantados no espaço subaracnóideo. A seguir, no compartimento subdural e atualmente prefere-se colocá-los em situação epidural. Os eletrodos atuais são quadripolares e a técnica mais empregada é a do implante percutâneo, por ser mais simples e segura. Quando a estimulação medular produz melhora persistente da sintomatologia, durante o período de teste, as conexões externas dos eletrodos são removidas. Utilizando-se cabo apropriado, os eletrodos são conectados ao gerador de pulso Itrel III (Medtronic Inc.,Minneapolis, EUA) implantado no tecido celular subcutâneo da face anterior do tórax ou abdômen.O gerador é programado para estimulações na freqüência de 130 Hz, durante 60 segundos, a cada um ou 10 minutos, de acordo com a necessidade individual. A intensidade programada é a necessária para provocar parestesias suportáveis no segmento em que a dor é referida.Os eletrodos são retirados quando a estimulação elétrica, durante a fase de testes, não beneficia os doentes. Estudos sobre este tema são ainda pouco freqüentes5,7, assim, o objetivo desta apresentação é descrever os resultados quanto ao alívio da dor, às mudanças nas atividades de vida diária, e a qualidade de vida de indivíduos submetidos ao implante de eletrodos para alivio da dor crônica. Metodologia Trata-se de um estudo prospectivo, de seguimento de dois indivíduos pertencentes à Clinica da Dor do Hospital de Base de São José Rio Preto/FAMERP. O caso 1 constou de um paciente do sexo feminino, 38 anos, com síndrome pós-laminectomia , com dor crônica mista neuropática em membro inferior direito após artrodese de coluna L5-S1. Há 3 anos com radiculopatia crônica L5 e dor lombar axial secundária a síndrome dolorosa miofascial em músculo quadrado lombar e glúteo máximo associadas, que respondem bem à infiltração de pontos gatilhos dolorosos . O paciente fazia uso de morfina 30 mg 6/6horas, carbamazepina, 200 mg 3x/dia , amitripitilina 25mg à noite e diclofenaco 50 mg vo 8/8h, mantendo uma escala visual analógica (EVA)13 8 . A EVA consiste em aferir a intensidade da dor em uma faixa limitada de 10 cm de comprimento, a qual representa o continuo da experiência dolorosa e tem em suas extremidades palavras - âncora como: sem dor e pior dor possível. A percepção da qualidade de vida através do SF-123 apresentou o componente físico 43,17 ±13,2 e componente mental 56,8 ± 8,5 de uma escala que varia de zero a 100 por componente pesquisado (pior-melhor estado geral de saúde,nota de corte≤50). Rocha CED, Martins MRI, Foss MHD, Junior RS, Cunha AMR, Junior SCS - Eletroestimulação Epidural Medular no Tratamento da Dor de Difícil Controle e Melhora da Qualidade de Vida J Bras Neurocirurg 21 (4): 225-229, 2010 227 Original O caso 2 trata-se de um individuo de 43 anos de idade, do sexo masculino, que sofreu acidente motociclistico 5 anos antes, com fratura T7-T8 com lesão medular incompleta ( ASIA C ), tendo evoluído para ASIA A após 3 meses de cirurgia com descompressão do canal medular associada a artrodese 360 graus, com necessidade de toracotomia esquerda. Evoluiu com dor neuropática tipo choque em região torácica média, mais intensa à esquerda (região da cicatriz da toracotomia ) com irradiação para membros inferiores, refratária a 100 mg de amitriptilina, carbamazepina 200 mg 8/8h e gabapentina 600mg 12/12h , anti-inflamatórios não esteróides(AINEs), opiáceos e metadona 10 mg 3x/dia, tendo sido submetido a bloqueio de pontos-gatilho inter-escápulo vertebral à direita, paralelo à incisão cirúrgica da artrodese. Ambos os pacientes foram submetidos a implante de eletrodo epidural quadripolar tipo placa T3-T4 com boa cobertura da parestesia induzida pela neuroestimulação sobre a área dolorosa. O procedimento constituiu-se de sessões cujos critérios de eficácia foram: uma entrevista semi-estruturada contendo dados bio-sócio-demográficos dos participantes (estado civil, escolaridade, idade, sexo, situação trabalhista), além de questões sobre as atividades diárias e prática (sono, apetite, deambulação, atividades domiciliares, trabalho, higiene pessoal, habito intestinal, relacionamento interpessoal, concentração, atividade sexual, humor, lazer) que eram assinaladas pelos valores correspondentes: (1) sem alteração; (2) parcialmente comprometida; (3) totalmente comprometida; (4) não se aplica. A avaliação da qualidade de vida foi feita através do SF-12 e da dor com a escala EVA. Nas sessões após consulta e regulagem do eletrodo, os pacientes realizavam atividades dinâmicas e educacionais sobre biomecânica corporal, cinesioterapia, ergonomia, dinâmicas de grupo para abordagem psicossocial, relaxamentos, massagem e atividades ocupacionais terapêuticas, orientadas e supervisionadas por terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e psicólogos. O objetivo deste programa não era apenas abolir a dor, mas promover mudanças comportamentais e melhorar o desempenho das atividades da vida diária e prática, trabalho e lazer. Os pacientes foram avaliados antes e após a colocação do eletrodo, utilizando-se os mesmos critérios de eficácia e então comparados os resultados. O nível de significância utilizado para os testes foi de 0,05. Resultados Tabela 1 – Variáveis bio-sócio-demográficas dos participantes. Caso I Caso II Estado civil Divorciada Casado Escolaridade Ensino médio completo Ensino superior incompleto Idade 38 anos 43 anos Sexo Feminino Masculino Situação trabalhista Auxílio doença Aposentado por invalidez Com relação às atividades de vida diária e prática, foram assinaladas com os valores correspondentes ao desempenho de cada atividade/condição: (1) sem alteração; (2) parcialmente comprometida; (3) totalmente comprometida; (4) não se aplica. ( tabela 2). Tabela 2 – Descrição da atividade/condição avaliada nos casos (I e II). 1 2 3 Caso 1 Apetite Sono Deambulação Atividade sexual Atividade domiciliar Humor Lazer Trabalho Caso 2 Apetite Sono Deambulação Atividade sexual Humor Lazer trabalho 4 Atividade domiciliar Nas tabelas abaixo estão apresentadas a evolução dos valores médios dos domínios do SF-12 e EAV, comparando antes e após implantação dos eletrodos. Tabela 3 – Variação e valores médios dos domínios do questionário nos períodos pré e pós implantação no CASO 1. Domínios Avaliação Inicial Média ± DP Reavaliação Média ± DP Valor de p Componente físico 43,7 ± 13,2 (15-90) 78,6±4,8 (20,0-100) 0,004* Componente mental 56,8 ± 8,5 (0,0-100) 82,3±10,3 (0,0-100) 0,006* EAV 8,0 ± 2,3 (1,2-10,0) 2,8±2,2 (1,5-10,0) 0,045* * valor de p≤ 0,05 Rocha CED, Martins MRI, Foss MHD, Junior RS, Cunha AMR, Junior SCS - Eletroestimulação Epidural Medular no Tratamento da Dor de Difícil Controle e Melhora da Qualidade de Vida J Bras Neurocirurg 21 (4): 225-229, 2010 228 Original Tabela 4 – Variação e valores médios dos domínios do questionário nos períodos pré e pós implantação no CASO 2. Domínios Avaliação Inicial Média ± DP Reavaliação Média ± DP Valor de p Componente físico 36,7 ± 10,2 (15-90) 78,6±3,8 (20,0-100) 0,004* Componente mental 45,8 ± 6,5 (0,0-100) 72,3±6,3 (0,0-100) 0,006* EAV 10,0 ± 2,3 (1,2-10,0) 3,3±2,2 (1,5-10,0) 0,03* * valor de p≤ 0,05 Cita-se também enfatizar a necessidade de um manejo multi- e interdisciplinar com abordagem biopsicossocial da dor crônica e que uma clinica de dor de referencia deve estar habilitada a realizar desde procedimentos simples de bloqueios a intervenções neurocirúrgicas funcionais complexas como implantes de eletrodos de neuroestimulação, pois devemos citar o novo código de ética médica , que diz no capitulo V4 dos seus princípios fundamentais ampliando a palavra médico num contexto multidisciplinar para todos os profissionais envolvidos na clinica de dor. Conclusão Discussão Os instrumentos utilizados neste estudo são complementares, pois o quadro de dor e as modificações funcionais destes indivíduos merecem avaliação completa para que haja contribuição para o diagnóstico e tratamento das alterações que causam o desconforto, com o intuito de melhorar a qualidade de vida destas pessoas. Mostra-se assim necessário aplicar escalas validadas cientificamente, e utilizá-las como complemento da avaliação de pessoas que sofrem com este tipo de dor17. Levando-se em conta as condições experimentais deste estudo, concluiu-se que a eletroestimulação utilizada em indivíduos com causa inoperável e refratários ao tratamento convencional, criteriosamente selecionados, pode ser um recurso viável para controle álgico e melhora da qualidade de vida. Capitulo V - Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente. Há dois aspectos marcantes nestes casos. Primeiro, os pacientes relataram alívio da dor superior a 50% após a estimulação medular, concordando com outros trabalhos publicados que demonstram melhor evolução quando é realizado teste de estimulação antes da implantação do gerador definitivo. O segundo aspecto é o decréscimo da medicação necessária para controle da dor e retirada do opióide com diminuição dos efeitos colaterais. Os mecanismos para esse resultado são incertos, mas várias hipóteses têm sido postuladas. A influência da estimulação medular na modulação de aminoácidos excitatórios na medula espinhal, gânglio da raiz dorsal, a ativação de estruturas supra-espinhais e seu controle das vias descendentes inibitórias são outros mecanismos que podem ser afetados pela estimulação dos cordões posteriores da medula espinhal12. Pontos importantes também são que ambos os pacientes estavam aposentados por invalidez e persistem nesta condição trabalhista, porém, a funcionalidade no âmbito familiar e social melhorou bastante, o consumo de opióides reduziu-se drasticamente assim como a dor constatada pela EAV. Outro ponto a ressaltar é a importância da síndrome dolorosa miofascial associada como uma comorbidade frequente e que deve ser extensivamente pesquisada e tratada em qualquer momento do manejo de pacientes com dor crônica, mesmo após uso de implante de neuroestimulacão11,15. Rocha CED, Martins MRI, Foss MHD, Junior RS, Cunha AMR, Junior SCS - Eletroestimulação Epidural Medular no Tratamento da Dor de Difícil Controle e Melhora da Qualidade de Vida J Bras Neurocirurg 21 (4): 225-229, 2010 229 Original Referências 1 Alo KM, Holsheimer J. New trends in neuromodulation for the management of neuropathic pain. Neurosurgery 2002; 50(4): 690-703 2. Bonica JJ. Cancer pain: The management of pain. 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