Escola Básica e Secundária de Velas AS RIVALIDADES ENTRE AS POTÊNCIAS EUROPEIAS NO SÉCULO XVIII Os sistemas de alianças e o equilíbrio do poder Enquanto os governantes continuavam a acreditar na eficácia da guerra (opinião partilhada de um modo geral pelos respectivos povos), os objectivos que procuravam atingir foram mudando gradualmente. Em primeiro lugar, como convinha a uma época de tolerância e ideias iluministas, foram desaparecendo as preocupações mais estritamente ideológicas dos séculos anteriores. Para o cardeal Richelieu e mesmo para Cromwell, as considerações mais estritas de ortodoxia religiosa tendiam a ser obscurecidas, quando se tratava de alianças em tempo de guerra, pelos motivos mais prementes das “razões de Estado”. Para os governantes do século XVIII essas preocupações pertenciam ao passado, e o interesse do Estado ou nacional era mais importante. (…) Por outro lado, enquanto a monarquia absolutista continuou a ser modelo típico de governo, as guerras eram ainda motivadas por razões dinásticas tradicionais; e na medida em que persistiam as ideias feudais relativas à posse da terra, os governantes eram levados a considerar a expansão dos seus territórios, à semelhança do que aconteceu em séculos anteriores, como se tratasse de novas aquisições de grandes propriedades. No novo século (XVIII), assistimos à sobrevivência destes conceitos numa série de guerras de sucessão pelos domínios espanhóis, Polónia, Silésia e Baviera; nas preocupações da monarquia francesa (…) em torno do seu Pacto de Família com os Bourbons e os Habsburgos. (…) Pode-se defender a tese de que foi a grande resistência da França em abandonar esses objectivos o motivo principal que acabaria por colocá-la durante muitos anos em desvantagem face à Grã-Bretanha na sua luta pelas possessões coloniais. Relacionado com este conceito, mas mais universal e constante, estava o do equilíbrio do poder. (…) No século XVII, outros Estados se esforçaram por conseguir o equilíbrio formando sucessivas coligações com vista a travar as ambições das principais potências continentais: a França e a Espanha. A Inglaterra lutara contra Luís XIV, como anteriormente o fizera contra Filipe II, a fim de evitar a ocupação dos Países Baixos, o que colocaria a sua costa sueste flanqueada por uma grande potência hostil, ou potencialmente hostil. Após a derrota da França em 1713, nenhum Estado foi suficientemente poderoso para dominar a Europa Ocidental, uma vez que haviam sido rejeitadas as pretensões dos Habsburgos austríacos em relação à Espanha, e a situação tornou-se mais flexível. Na primeira metade do século, atingiu-se um equilíbrio continental através do alinhamento da França com a Espanha, Prússia e Baviera, por um lado, contra os Habsburgos austríacos, geralmente apoiados pela Grã-Bretanha e pelas Províncias Unidas, por outro; outros Estados, tanto no Leste como em Itália e na Alemanha, tomaram partido por um ou outro bloco de acordo com as exigências da 1 época. Contudo, durante estes anos, o modelo foi gravemente perturbado pelo aparecimento da Rússia como grande potência que dominava o Leste e o Báltico e, a partir de 1740, pela meteórica ascensão da Prússia como poderoso contrapeso do Império Austríaco no centro da Europa. (…) Como resultado, o centro do equilíbrio europeu deixou de ser o Oeste, onde se havia mantido durante tanto tempo, e começaram então a surgir em primeiro plano questões como a partilha da Polónia e a “questão oriental”, o que obrigou as potências ocidentais – especialmente a França e a Inglaterra - a formarem novas alianças. Havia, porém, outro factor, de importância crescente, que alterou o equilíbrio entre as potências e criou novas possibilidades de conflito entre elas. Foi o aumento do comércio (…) e o concomitante crescimento dos impérios coloniais. O comércio organizado segundo fórmulas agressivamente mercantilistas condizia à guerra, o que tornara evidente desde os princípios do século anterior, quando o inglês Thomas Mun proclamou em 1622 que “devemos ter sempre em consideração esta regra: vender anualmente aos estrangeiros mais do que aquilo que nós consumimos deles”. Deste modo, a prosperidade de uma nação traduzia-se naturalmente em perdas para a nação vizinha; e foi de acordo com este princípio que Luís XIV, a quem não faltavam teóricos mercantilistas em França, declarou guerra aos Holandeses após a promulgação das leis restritivas sobre o comércio elaboradas por Colbert na década de 1660, e as guerras entre a Inglaterra e a Holanda foram consequência dos Actos de Navegação daquela (também dirigidos contra os holandeses) em 1651 e 1660. Porém, mesmo com os Holandeses fora da corrida, as possibilidades de conflito tornaram-se mais pronunciadas e explosivas no século seguinte. Mediante o tratado de Utreque, a Inglaterra obteve o precioso asiento que lhes abriu as portas ao comércio sul-americano, aumentou as suas possessões na América e Índias Ocidentais e a catapultou para o lugar de potência comercial e colonial dominante. As suas guerras posteriores, contra a França e a Espanha em 1739-1763 (…), fizeram inclinar ainda mais a balança a seu favor, pois alargaram as suas conquistas na Índia e na América do Norte. Nestas lutas, a Inglaterra desfrutou da vantagem do seu poder naval e da capacidade de concentrar as suas energias nos conflitos ultramarinos, enquanto subvencionava os seus aliados europeus através de um erário bem provido. A França gozava de um aparelho de Estado mais apetrechado tanto para a guerra como para a diplomacia, mas durante muito tempo viu-se marginalizada da disputa colonial pelas suas preocupações antiquadas com ambições dinásticas na Europa e pelo reflexo do seu Pacto de Família com os Bourbons Espanhóis. Um dos resultados dos ganhos coloniais da Grã-Bretanha foi uma nova valorização desses ganhos não só para o comércio e o tesouro, mas também em termo de política externa e equilíbrio do poder, e não apenas em ralação à Grã-Bretanha como também a outros países. No início do século XVIII, Defoe afirmara que “ser detentor do poder marítimo é ser detentor de todos o poder e de todo o comércio na Europa”; por seu lado, John Campbell, na sua obra The Present State of Europe, afirmava, em 1750, que “os interesses e o comércio do império Britânico estão intimamente ligados que podem muito bem ser considerados uma só realidade”. Quanto aos valores coloniais, deve-se ter em conta que a opinião contemporânea atribuía um papel de primeira importância à posse das ilhas de escravos e do açúcar das Índias Ocidentais (atendendo aos elevados montantes em jogo) (…). Tão-pouco é de estranhar que esta modificação do equilíbrio do poder colonial impressionasse a opinião pública noutros países, em especial aqueles cujos 2 comerciantes tinham perdido riqueza e influência devido à crescente importância da Grã-Bretanha. Deste modo, encontramos em meados do século um panfletista francês que defendia a ideia de que “o domínio dos mares daria a uma nação a monarquia universal”, por seu turno, o ministro Choiseul afirmou que os Ingleses, “ao pretenderem proteger o equilíbrio em terra que não estava ameaçado (…) estão a destruir o equilíbrio do mar que ninguém defende”. Estas considerações desempenharam um papel importante na alteração política externa francesa: começou a abandonar as suas ambições dinásticas (mantendo-se inclusivamente à margem dos problemas da Polónia e da Baviera nos finais do século), “inverteu” a sua tradicional aliança contra os Habsburgos e conseguiu margem de manobra para um ajuste de contas com a Inglaterra sobre as possessões ultramarinas. Neste quadro beneficiou também do facto de que outros países europeus, cuja marinha mercante era vistoriada pelos Ingleses no alto mar em busca de contrabando, foram facilmente convencidos de que tanto a liberdade dos mares como o equilíbrio do comércio se encontravam ameaçados pelos métodos arbitrários e a crescente supremacia britânica. Deste modo, a Grã-Bretanha, a partir de 1763, viu-se praticamente isolada na Europa, e a França, Espanha, as Províncias Unidas e as potências neutrais do Norte uniram-se aos Norte – Americanos, na guerra de 1775 a 1783, a fim de lhe arrebatarem as colónias americanas. No entanto, esta mudança na orientação da política francesa chegou demasiado tarde e, pelo menos no seu caso, o resultado final desta situação não foi (…) exactamente aquilo que os seus comerciantes e governantes haviam esperado. Georges Rudé, A Europa no Século XVIII, Lisboa, Ed. Gradiva, 1988 3