1 ESTUDO MOLECULAR SOBRE ELEMENTOS GENÔMICOS S/MARs REGULADORES DA EXPRESSÃO GÊNICA E SUA APLICABILIDADE BIOTECNOLÓGICA Newton Valério Verbisck, Simone Portela Lucas [email protected], [email protected] CCNH, Universidade Federal do ABC Av. dos Estados, 5001, Santo André, SP A obtenção de linhagens celulares de mamífero estavelmente produtoras de proteínas recombinantes esbarra na grande variabilidade da expressão do transgene na população transfectada, em função da estrutura da cromatina e de elementos regulatórios junto aos sítios de integração genômica (efeito de posição). Para contornar esses problemas a forma mais simples e rápida é utilizar elementos regulatórios da cromatina que impedem a influência da heterocromatina na expressão do transgene de interesse, de tal modo a obter ou a expressão regulada do transgene em terapia gênica ex vivo ou a produção duradoura e em altos níveis de uma proteína recombinante. Os S/MARs (scaffold/matrix attachment regions) são sequências de DNA que se ligam in vitro à matriz nuclear com alta afinidade, definindo domínios de cromatina independentes. I. INTRODUÇÃO Quando um transgene é inserido artificialmente na célula e integrado ao seu genoma uma expressão eficiente é altamente dependente do sítio de integração (Grosveld et al, 1987; revisto por Kwaks & Otte, 2006). Ele pode ser inserido numa região de heterocromatina. O resultado, nesse caso, é o silenciamento do gene. Outra possibilidade é sua inserção numa região de eucromatina, onde se observa que os genes são menos compactados e apresentam maior probabilidade de serem transcritos (Kwaks & Otte, 2006). Figura 1 – (A) Nas regiões mais enroladas estão os genes inativos. Os genes – tubos sólidos – ativos são encontrados nas alças. (B) A estrutura espiral indica uma configuração de cromatina fechada, e o cilindro aberto um gene silenciado. Inversamente, o cilindro fechado e porções lineares de cromossomos indicam um local de atividade gênica. Os elementos S/MARs são esquematicamente indicados como cruzes ao longo da fita de DNA. Os estados ativo e inativo da cromatina podem variar rapidamente provocando expressões gênicas instáveis (Galbete et al, 2008). A utilização dos elementos S/MARs para a manipulação do material genético promete ser uma ferramenta poderosa para aumentar a produção de proteínas recombinantes, pois já foi comprovado que S/MARs permitem alterar o empacotamento do DNA de forma regulada (regulação epigenética - mudanças na expressão dos genes que não envolvem uma mudança na sequência do DNA). Essas mudanças podem ocorrer quando o gene é translocado para uma região próxima da heterocromatina, nessa região a estrutura heterocromática pode se propagar ao longo do cromossomo e tornar o gene inativo. Esse processo que resulta do espalhamento da heterocromatina é conhecido como Variegação do Efeito de Posição. Diferentes estratégias podem ser aplicadas a fim de superar esses obstáculos aumentando a produção de proteínas recombinantes e diminuindo a variação da expressão transgênica relacionada ao empacotamento do DNA nas estruturas ativa e inativa de cromatina. Uma delas é o uso de elementos genômicos capazes de realizar regulação epigenética. Esses elementos podem ser de vários tipos, tais como os: BEs (do inglês Boundary Elements, também denominados Insulators), elementos que delimitam a fronteira da eucromatina, ou domínios transcricionais, e protegem o gene da influência transcricional de elementos regulatórios vizinhos (Kwaks & Otte, 2006). LCRs (do inglês, Locus Control Region), que são sequências específicas de nucleotídeos necessárias para a ativação da cromatina de um determinado locus (regulam a iniciação da transcrição no locus gênico nativo). Eles têm a habilidade de aumentar a expressão gênica através da abertura e remodelação da estrutura da cromatina (Kwaks & Otte, 2006). UCOEs (do inglês, Ubiquitous Chromatin Opening Elements), elementos que criam um ambiente transcricionalmente ativo (ou de cromatina aberta) em torno de um transgene integrado a determinado genoma e maximizam o potencial de uma proteína ser transcrita (Kwaks & Otte, 2006). S/MARs (do inglês, Scaffold or Matrix Attachment Region), componentes que organizam o genoma dos eucariotos em unidades funcionais através da sua ligação à matriz nuclear com alta afinidade, definindo assim domínios de cromatina independentes (Kwaks & Otte, 2006). STARs (do inglês, Stabilizing and Antirepressor Elements), elementos com a habilidade de bloquear a expressão transgênica mediada por heterocromatina e assim aumentar a transcrição do gene de interesse (Kwaks & Otte, 2006). Todos esses elementos são trechos de DNA com diferentes características funcionais que podem atuar conjuntamente de forma complexa na regulação da expressão gênica em eucariotos. O resultado dessa interação pode ser a ativação dos genes contidos num trecho de cromatina delimitado por esses elementos (Lewin, 2008; Kwaks & Otte, 2006). Particularmente, a utilização dos 2 elementos S/MARs para a manipulação do material genético promete ser uma ferramenta poderosa para aumentar a produção de proteínas recombinantes, pois já foi comprovado que S/MARs permitem alterar o empacotamento do DNA em estruturas de cromatina ativa ou inativa de forma regulada (regulação epigenética - mudanças na expressão dos genes que são hereditárias através da mitose e/ou meiose e que não envolvem uma mudança na sequência do DNA, ou seja, uma mutação). Realizou-se um estudo detalhado desses motivos comuns através da utilização da ferramenta de bioinformática MapDraw, que possibilita a criação de mapas gênicos indicando a localização de cada motivo dentro das sequências estudadas. Olhando para esses mapas viu-se um padrão de motivos que se repete em quase todos os trechos observados. A Figura 3 ilustra essa assinatura encontrada em nove dos onze S/MARs analisados. Somente os menores elementos, αGlobina e HPRT, não apresentam o padrão de motivos em sua sequência. II. RESULTADOS Nesse estudo foram analisados onze diferentes S/MARs. O cLysMAR, os S/MARs do genoma humano X-29, 1-6, 1-42, 1-68, β-globina, HPRT, β-interferon e CSP-B, o S/MAR DHFR intron da célula CHO e o da α-globina de galinha. Estudou-se a literatura a fim de se conhecer quais motivos, atualmente, são associados às sequências de S/MARs. Pode-se entender como motivos pequenos pedaços de DNA que obedecem a um padrão e têm alguma função biológica. Eles frequentemente são representados por alguma sequência à qual se ligam proteínas como as nucleases e os fatores de transcrição. São eles: Origens de Replicação, Regiões do DNA ricas em AT/TG, DNA Dobrado/Torcido, DNA na forma Z, Sítios para Topoisomerase, T/A/Y-box, Regra H, MRS, Ilhas de CpG entre outros. Feitas as devidas comparações entre essas onze sequências foi possível verificar que alguns motivos estruturais estão presentes em todas as sequências (Origem de Replicação, Regiões ricas em AT (ATRich), DNA Torcido, Regra H, Y-box, MTAATA e Sítios para Lamina Nuclear). A fim de se encontrar um padrão de motivos que permitisse caracterizar e identificar possíveis S/MARs foi feito mapa a seguir que contêm apenas esses motivos comuns: Figura 3 – Assinatura característica encontrada nos trechos dos elementos S/MARs estudados. III. CONCLUSÃO Ainda há muito para se saber sobre S/MARs e outros elementos genômicos, porém, é difícil estudá-los com as ferramentas que temos hoje. Por isso, é de grande importância não somente conhecer cada vez mais os processos químicos e biológicos envolvidos com a expressão gênica, mas tentar desenvolver novos algoritmos computacionais (programas) que permitam identificar as regiões do genoma responsáveis pelas diversas funções regulatórias relacionadas com a expressão de genes codificadores de proteínas. O desenvolvimento de tecnologias para a produção de biofármacos é de grande importância para o Brasil, pois é uma forma de gerar divisas através da substituição da importação e/ou através da exportação de produtos e também de reduzir as taxas de internação e mortalidade da população e melhorar a qualidade de vida de pacientes que sofrem de doenças crônico-degenerativas. IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bode, J., Goetze S., Heng H., Krawetz S. A., & Benham C. From DNA structure to gene expression: mediators of nuclear compartmentalization and dynamics. Chromosome Research 11: 435-445, 2003. Bode, J., Kohwi, Y., Dickinson, L., Joh, T., Klehr, D., Mielke, C and Kohwi-Shigematsu, T. Biological significance of unwinding capability of nuclear matrix-associating DNAs. Science 255 (1992) 195-197. Evans, K. et al. A comparative study of S/MAR prediction tools. BMC Bioinformatics, 2007. Figura 2 – Identificação dos motivos para assinatura de S/MARs. Galbete J. L., Bucetaza M. and Mermod N. MAR elements regulate the probability of epigenetic switching between active and inactive gene expression. Molecular BioSystems , 2008. 3 Gautam B. Singh, Jeffrey A. Kramer and Stephen A. Krawetz. Mathematical model to predict regions of chromatin attachment to the nuclear matrix. Nucleic Acids Res., 25, 1419-1425. 1997. Girod P. A., Mermod, N. Use of scaffold/matrix-attachment regions for protein production. S. C. Makrides (Ed.) Gene Transfer and Expression in Mammalian Cells, Chapter 10, 2003. Glazko, G.V., Rogozin, I.B and Glazkov, M.V. Comparative study and prediction of DNA fragments associated with various elements of the nuclear matrix. Biochim. Biophys. Acta 1517 (2000) 351-364. Grosveld, F. et al. Position-independent, high-level expression of the human beta-globin gene in transgenic mice. Cell 51, 975-985, 1987. Kwaks T. H. J., Otte A. P. Employing epigenetics augment the expression of therapeutic proteins in mammalian cells. Trends Biotechnol. 24, 137-142, 2006.