Até onde a vista alcança (Expresso: 22-08-1998) Treine a sua visão e verá que a sua vista alcança mais longe do que suspeita OBSERVAR os céus é uma arte. Para conseguir descobrir cores, matizes, galáxias e estrelas duplas é necessário saber observar. Onde uns vêem um ponto de luz, outros vêem um planeta azul esverdeado. Onde muitos vêm uma mancha no céu, alguns descobrem uma galáxia. Muitos dos grandes astrónomos do passado foram observadores de excepcional perícia. Em 1610, Galileu (1564-1642) descobriu as luas de Júpiter porque se espantou com quatro «pequenas estrelas» que pareciam seguir o planeta. Em 1781, Herschel (1738-1822) descobriu Urano porque se surpreendeu com a cor e aspecto dessa «estrela». Em 1930, Tombaugh (1906-1997) descobriu Plutão porque soube persistir na comparação sistemática das fotografias que tirava ao céu e porque se manteve atento onde outros falharam. Em todos estes casos, os astrónomos souberam ver porque souberam olhar. E souberam olhar porque sabiam para onde olhar, mas também porque sabiam como olhar. Quem começa a ser atraído para a astronomia amadora ocorre muitas vezes no erro de adiar as suas observações para partir à procura de telescópios e outro equipamento. Mas o melhor instrumento de observação acompanha-nos desde a nascença - é o olho humano. Binóculos e telescópios ajudam certamente, mas o melhor conselho a dar aos que se iniciam na observação dos céus é o de aprender a utilizar a visão - é à vista desarmada que os céus são mais belos e apresentam mais desafios. As estrelas mais ténues que podemos observar sem equipamento são 100.000.000.000.000 vezes menos brilhantes que a fonte de luz mais poderosa que podemos observar sem perigo para a vista. Trata-se de uma amplitude absolutamente excepcional. A fotografia, tal como o cinema, tem grande dificuldade em reproduzi-la. E, antes da fotografia, eram os pintores que lutavam contra esse grande obstáculo. Ainda hoje, quem observe no cinema uma cena nocturna não pode deixar de verificar que há sempre algo que não parece realista. É impossível reproduzir a gama de luminosidades que o olho humano consegue captar. Mas o olho humano demora algum tempo a adaptar-se a diferentes intensidades luminosas. Há dois mecanismos de adaptação que funcionam a diferentes velocidades. O primeiro, mais rápido, e mais conhecido, é o mecanismo de abertura e redução da pupila. Tal como um obturador de uma máquina fotográfica, a pupila fecha-se em situações de maior luminosidade e abre-se, para captar mais luz, em situações de menor iluminação. O segundo mecanismo de adaptação, mais lento mas mais amplo, é permitido pelo uso de diferentes células fotossensíveis: os cones e os bastonetes. Os primeiros são mais precisos mas menos sensíveis, os segundos são mais sensíveis mas têm maior dificuldade em transmitir o sentido da cor. Quando deixamos uma zona iluminada e tentamos observar um céu escuro é necessário esperar que o olho se adapte à escuridão. O que pouca gente sabe é que esse processo de adaptação é muito lento. Segundo António Magalhães, que além de presidente da Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores (APAA) é médico oftalmologista, o processo de adaptação total dura entre 20 minutos a meia hora, pelo que é preciso dar tempo ao tempo e não desistir ao fim de alguns minutos. Também pouca gente sabe que o processo de adaptação pode ser completamente contrariado, em fracções de segundo, pela exposição a fontes de luz brilhantes, tais como os faróis de um carro, ou a luz de uma lanterna. Se necessitar de luz, utilize uma fonte avermelhada, o que se consegue, por exemplo, colocando celofane vermelho no vidro da lanterna. É que o olho reage mais lentamente à luminosidade nessa banda do espectro. Com olhos adaptados à escuridão há ainda um pequeno truque que se aprende na tropa, que é o de utilizar a visão lateral. Como o explica António Magalhães, o segredo consiste em olhar lateralmente para o objecto. Tentamos apontar o olhar para uma direcção um pouco afastada do ponto que queremos observar, mas prestamos atenção a esse ponto e não à direcção para onde voltamos o olhar. Com um pouco de treino e paciência, garante António Magalhães, acabamos por fazê-lo com muita facilidade. Uma outra sugestão importante é descansar, fechar os olhos passados alguns minutos de observação, e navegar com a vista, evitando fixar muito tempo seguido o mesmo ponto luminoso. É que, ao fim de alguns segundos, entra em acção o chamado «fenómeno de Troxler»: os objectos fixados persistentemente no mesmo ponto da retina tendem a ser ignorados pelo cérebro. Sabendo utilizar a nossa visão e tendo uma noite bem escura e de céus bem transparentes, pode-se testar até onde a nossa vista alcança. Um dos primeiros testes consiste em procurar o limite observável de luminosidade, aquilo que os astrónomos chamam magnitude aparente dos objectos celestes. A magnitude revela a luminosidade numa escala não linear em que cada valor que se desce equivale, aproximadamente, a uma luminosidade 2,5 vezes maior. Assim, por exemplo, a Estrela Polar apresenta-se com uma magnitude de 2,1, enquanto que a Deneb, do Cisne, é cerca de duas vezes mais brilhante, com uma magnitude de 1,3, e Vega, da Lira, com uma magnitude de 0,1, é três vezes mais brilhante que a Deneb e mais de seis vezes mais luminosa que a Polar. Em condições atmosféricas ideais, o limite da magnitude observável a olho nu é 6 ou 7. Na realidade, a maioria dos observadores não treinados não consegue atingir mais que a magnitude 4 ou 5; mas há quem consiga observar objectos muito menos brilhantes. Para testar a sua visão propomos as estrelas no quadrado de Hércules. No mapa celeste representamos as estrelas até à magnitude 6,7. Até onde alcança a sua vista? Quantas estrelas consegue observar? Uma outra importante função do nosso olho é a de distinguir objectos aparentemente próximos. É a chamada capacidade de resolução. O teste mais natural énos oferecido pelas chamadas estrelas duplas, isto é, estrelas que se encontram quase alinhadas no mesmo raio de visão, pelo que aparecem muito perto na esfera celeste e praticamente indistinguíveis. Há estrelas duplas que, na realidade, se encontram longe uma da outra, são as chamadas binárias visuais, mas há aquelas que se encontram perto uma da outra, ligadas por atracção gravitacional mútua e que consistem no chamado sistema binário. Alcor e Mizar são binárias visuais que eram utilizadas pelos árabes para teste da agudeza de visão. Constituem a penúltima «estrela» da cauda da Ursa Maior. Mizar, com magnitude 2,4, ofusca Alcor, de magnitude 4,0. Mas encontram-se separadas por cerca de um quinto de grau, quase metade do diâmetro aparente da Lua, pelo que a dificuldade está em reconhecer Alcor por detrás do brilho de Mizar. Um outro par famoso que oferece um maior desafio é a «estrela» épsilon da Lira, uma dupla que é de facto uma dupla-dupla, um sistema de quatro estrelas. É esta dupladupla que Jodie Foster, enquanto heroína do filme Contacto, encontra nos céus da estrela Vega. Ambas as duplas, épsilon-1 e épsilon-2, aparecem à vista desarmada, e mesmo em binóculos e telescópios modestos, como estrelas únicas. Ambas aparecem como pontos luminosos de magnitude 5 e a uma separação angular cerca de três vezes menor que a do par da Ursa Maior. Não é um par fácil de separar à vista desarmada. Até onde alcança a sua vista? Consegue separar estas estrelas binárias? Texto de UO CRATO