O FORNECIMENTO DO PROTETOR SOLAR COMO POLÍTICA

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CURSO DE DIREITO
ANGÉLICA CRISTINA CASTELLI ROSSO
O FORNECIMENTO DO PROTETOR SOLAR COMO POLÍTICA
PÚBLICA DE SAÚDE NA PREVENÇÃO AO CÂNCER DE PELE
CRICIÚMA, JUNHO DE 2010.
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ANGÉLICA CRISTINA CASTELLI ROSSO
O FORNECIMENTO DO PROTETOR SOLAR COMO POLÍTICA
PÚBLICA DE SAÚDE NA PREVENÇÃO AO CÂNCER DE PELE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
para obtenção do grau de Bacharel em
Ciências Jurídicas, no Curso de Direito da
Universidade do Extremo Sul Catarinense UNESC.
Orientador: Prof. Msc. Reginaldo de Souza
Vieira.
CRICIÚMA, JUNHO DE 2010.
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ANGÉLICA CRISTINA CASTELLI ROSSO
O FORNECIMENTO DO PROTETOR SOLAR COMO POLÍTICA
PÚBLICA DE SAÚDE NA PREVENÇÃO AO CÂNCER DE PELE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
para obtenção do Grau de Bacharel em
Ciências Jurídicas, no Curso de Direito da
Universidade do Extremo Sul Catarinense –
UNESC, com linha de pesquisa em Direito
Constitucional e Políticas Públicas.
Criciúma, ________/_________/2010.
BANCA EXAMINADORA
Presidente: ____________________________________________________
Profº Msc. Reginaldo de Souza Vieira – Orientador
1º Examinador: _________________________________________________
Profº Doutor André Viana Custódio
2ª Examinador: ________________________________________________
Mestrando Francisco Pizzete Nunes
4
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho aos meus pais, e à minha
irmã, que com todo amor e carinho me
apoiaram em todos os momentos da minha
vida, e em especial durante minha vida
acadêmica, não medindo esforços para que eu
chegasse até aqui.
Amo muito vocês, para sempre!
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço imensamente a Deus pelo dom da vida, em que
diariamente posso desenvolver meu aperfeiçoamento como ser humano, e pela
permissão de ter nascido em uma família que me proporcionou uma educação
que é a base do meu ser e que formou o meu caráter, me incentivando a ir
sempre em busca dos meus ideais.
É difícil expressar o meu agradecimento à todos que contribuíram
para que eu chegasse até esse momento, espero não deixar de citar pessoas
queridas e importantes para conclusão de mais um etapa em minha vida.
Agradeço aos meus pais, Valério e Claudete, por serem os principais
responsáveis pelo que sou hoje. Sem medir esforços constantes, me educaram
e investiram no meu desenvolvimento intelectual e de caráter, para que eu
pudesse no futuro ser uma pessoa humana que contribuísse para o
desenvolvimento de uma sociedade melhor.
Agradeço muito à minha irmã, Daiane, por ser mais que uma irmã,
uma amiga fiel, que me acompanha em todas as etapas da minha vida,
torcendo pelas minhas vitórias e me aconselhando nos tropeços. Pela sua
paciência e dedicação e, apesar de ser a irmã mais nova, muitas vezes
desenvolveu o papel da mais velha.
Não poderia deixar de lado, meus amigos queridos, que também
desenvolveram um papel fundamental para que eu chegasse até aqui. Muitas
vezes, com compreensão e paciência não reclamavam da minha ausência,
mas sim me apoiaram e muito para conclusão de uma etapa importante na
minha vida.
Ao meu professor, Reginaldo, pela disposição e empenho em me
orientar, e por acreditar na minha capacidade para que o presente trabalho
fosse desenvolvido e concluído da maneira mais adequada.
E, a todos aqueles que não mencionei, mas que de forma direta ou
indireta contribuíram de maneira essencial para esse momento.
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RESUMO
A presente pesquisa tem como tema central o fornecimento do protetor solar
como política pública de saúde na prevenção ao câncer de pele, com o objetivo
de estudar a necessidade que se estabelece nos dias atuais em haver a
distribuição de fotoprotetores gratuitamente, uma vez que o Direito a Saúde
trata-se de um Direito Fundamental consagrado pela Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, e o câncer de pele ser uma neoplasia que cresce
a cada ano, pela alta incidência da radiação ultravioleta que se dá através da
exposição solar, e que sem a devida proteção causa rigorosas conseqüências.
Por ser através das políticas publicas que o Estado intervém na vida da
coletividade, visando a garantia de direitos e do bem-estar social, é que se têm
a distribuição do protetor solar como uma política pública efetuada através do
principal órgão de prevenção e assistência a saúde do povo brasileiro, ou seja,
o Sistema Único de Saúde – SUS. A metodologia utilizada foi através do
método dedutivo, por meio de pesquisa bibliográfica, tendo como base inicial o
Projeto de Lei nº 3.730/2004, que disporá sobre a distribuição de forma
gratuita, através do SUS, do protetor solar, a toda população, com fator de
proteção FPS12. Mencionado projeto ainda se encontra em tramitação na
Câmara dos Deputados em Brasília/DF.
Palavras-Chaves: Direitos Fundamentais; Câncer de pele; Direito à Saúde;
Protetor Solar; Políticas Públicas.
7
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO................................................................................................. 8
2. SAÚDE: UM DIREITO FUNDAMENTAL DO SER HUMANO....................... 10
2.1. Conceito de saúde................................................................................. 10
2.2. Os direitos fundamentais do ser humano.............................................. 15
2.3. O direito fundamental à saúde............................................................... 26
2.4. O direito fundamental à saúde na Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988.............................................................................................. 29
3. CÂNCER DE PELE: CONSEQUÊNCIAS E FORMAS DE PREVENÇÃO.... 34
3.1. Câncer: conceito.................................................................................... 34
3.2. O câncer de pele.................................................................................... 39
3.2.1. Cânceres não-melanoma............................................................. 39
3.2.1.1. Carcinoma basocelular.................................................... 40
3.2.1.2. Carcinoma espinocelular................................................. 42
3.2.2. Melanoma.................................................................................... 43
3.3. Fatores que influenciam na incidência do câncer de pele..................... 46
3.4. Formas de prevenção ao câncer de pele.............................................. 49
4. A POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DO FORNECIMENTO DO PROTETOR
SOLAR NO ROL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DE PREVENÇÃO
AO CÂNCER DE PELE: O PROJETO DE LEI 3.730/2004.............................. 52
4.1. Políticas públicas: conceito e classificação........................................... 52
4.2. Sistema único de saúde (SUS): conceituação e características........... 57
4.3. Políticas públicas para prevenção e combate do câncer de pele: o
projeto de lei nº 3.730/2004.............................................................................. 64
5.CONCLUSÃO................................................................................................ 71
REFERÊNCIAS................................................................................................ 74
ANEXO............................................................................................................. 81
Projeto de Lei nº 3.730/2004............................................................................ 81
8
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho estuda a possibilidade de distribuição do
protetor solar, de forma gratuita, como uma política pública em saúde para a
prevenção do câncer de pele.
O projeto de Lei nº 3.730/2004, proposto pelo Deputado Lobbe Neto,
é o ponto de partida desse estudo, envolvendo nele a pesquisa sobre os
Direitos Fundamentais, em especial o Direito Fundamental à Saúde, o câncer
de pele e a possibilidade de se incluir no rol das políticas públicas a distribuição
do protetor solar.
A saúde possui como conceito, proposto pela Organização Mundial
da Saúde, o estado de mais completo bem-estar físico, mental e social, e não
apenas a ausência de enfermidade. Esse conceito está intimamente ligado aos
Direitos Humanos, e conseqüentemente aos Direitos Fundamentais.
Os direitos humanos consolidaram-se internacionalmente através
das lutas sociais na busca pela dignidade da pessoa humana e, tiveram sua
efetividade em âmbito nacional, através de sua positivação nas Constituições
de cada país, sendo denominados como Direitos Fundamentais.
A proteção da saúde foi consagrada na Constituição da Republica
Federativa do Brasil de 1988 como um Direito Fundamental Social, devendo o
Estado garantir sua promoção, através de atividades de prevenção e
assistência, pelo Sistema Único de Saúde – SUS.
Muitas doenças tiveram grandes avanços na sua propagação nos
últimos tempos, e o câncer de pele é uma delas. Por ser uma neoplasia que
atinge a população de forma gradativa, ou seja, cumulativa, se percebe pouca
preocupação nos cuidados de prevenção dessa doença, que geralmente ocorre
pela exposição inadequada ao sol.
Os cuidados com a prevenção tornam-se um fator de grande
importância para diminuição dos casos de câncer de pele no país. O uso de
bonés, óculos, roupas adequadas, evitar horários inadequados de exposição
ao sol e a utilização dos protetores solares são medidas eficazes para tanto.
Mencionada prevenção, busca amparo através das políticas publicas
implementadas pelo Estado, já que este é o meio através do qual o Estado
intervém na vida social, na busca pelo bem estar de cada individuo, e em
9
especial nesse caso, para proteção da saúde e principalmente da vida de cada
pessoa.
Uma das formas de incentivo para essa prevenção, está na
distribuição do protetor solar pelo SUS, que busca sua implementação através
do projeto de Lei acima mencionado, onde pode-se verificar uma das formas de
atuação, a principal delas, a que o SUS se propõe, ou seja, atuar através de
ações preventivas.
A metodologia adotada para o desenvolvimento desta pesquisa foi o
método dedutivo, com pesquisa bibliográfica na área das Ciências Sociais
Aplicadas e Ciências da Saúde.
Para fins deste estudo, o trabalho se divide em três etapas/capítulos.
O primeiro versa sobre a saúde como um direito fundamental do ser humano,
em que se estuda o conceito de saúde, e a sua consagração como um direito
fundamental do ser humano, em especial na Constituição da Republica
Federativa do Brasil de 1988.
No segundo capítulo, se estuda o câncer de maneira abrangente, e
em especial o câncer de pele, bem como os fatores que influenciam para sua
incidência, as taxas de câncer de pele no Brasil nos dias atuais, e as formas de
prevenção para tal doença.
O terceiro capítulo trata da possibilidade de ser incluído no rol das
políticas públicas em saúde, a distribuição do protetor solar para prevenção do
câncer de pele. Dessa forma, desenvolve-se sobre as políticas públicas, em
especial sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), e ainda as políticas
existentes para prevenção e combate do câncer de pele, bem como uma
referência ao Projeto de Lei nº 3.730/2004, que objetiva a distribuição do
protetor solar pelo SUS.
Por fim, cabe destacar que esta pesquisa não busca esgotar a
temática em estudo, mas provocar a reflexão sobre a providência da inclusão
do fornecimento do protetor solar nas políticas públicas de saúde para
prevenção e combate ao câncer de pele.
10
2. Saúde: um direito fundamental do ser humano.
2.1. Conceito de saúde.
Os problemas de saúde, enfrentados pela humanidade, em sua
maior parte, estiveram relacionados ao convívio em comunidade, onde pode se
ter como exemplo as doenças transmissíveis, os problemas de ordem sanitária,
entre outros. A busca da solução dessas enfermidades é que originou a saúde
pública (ROSEN, 1994).
Tem-se que a medicina primitiva estava muito relacionada aos
aspectos de magia, antes de se tornar sacerdotal e posteriormente científica
(SOURNIA, 1992).
Os povos primitivos, acreditavam que a doença estaria relacionada a
influência de espíritos malignos, onde os doentes eram vítimas de demônios, e
que competia ao feiticeiro ou xamã a cura destes (SCLIAR, 2005).
A doença era vivida como um castigo ou um pecado que seriam
eliminados através de práticas encantatórias vindas de tradições mágicas e
religiosas, ao invés dos princípios clínicos e racionais do ser humano
(SOURNIA, 1992).
Ainda, nas palavras de Germano Schwartz,
A busca pela saúde é uma realidade presente desde os primórdios
da humanidade. A existência de curandeiros, xamãs e feiticeiros em
sociedades primitivas confirmam a sentença posta. Todas essas
pessoas eram imbuídas de um único objetivo: a cura dos males que
afetavam os seres humanos. Esse processo “curativo” era feito por
meio de procedimentos “mágicos”. (2001, p. 28)
Eram os xamãs que intercediam junto ao sobrenatural através de
rituais, danças e oferendas, para que os deuses se tornassem favoráveis ao
homem, e este pudesse obter o perdão daqueles em caso de ofensa, livrandoo dos males sofridos (SOURNIA, 1992).
George Rosen (1994) também destaca que por haver essa crença no
sobrenatural dos povos primitivos, por muito tempo se acreditou que as
moléstias também seriam julgamentos divinos em repressão as atitudes
humanas.
11
Desta forma, primeiramente a humanidade pensou em saúde como a
eliminação de todos esses males, doenças causadas pelo sobrenatural que
colocavam em risco sua sobrevivência (SCHWARTZ, 2001).
Germano Schwartz (2001) ainda relata que em um plano filosófico e
religioso, o interesse pela saúde refletia uma valorização da vida, que vinha
externada pelo medo da morte característico da humanidade.
Mas sob esse contexto, merece destaque o fato de que os feiticeiros
da época trouxeram grandes benefícios para a prática médica, uma vez que o
uso de plantas trouxe descobertas de substâncias terapêuticas (SCLIAR,
2005).
Foi a Grécia antiga que rompeu com esta concepção, uma vez que o
conhecimento dos gregos eliminou o ranço do mágico e religioso, mesmo
cultuando deuses da saúde, foram eles que apresentaram o primeiro conceito
de saúde (SCHWARTZ, 2001).
Apesar dos gregos cultuarem deuses e semideuses curadores, e
com a capacidade de provocar doenças também por inveja, vingança ou por
castigo a um sacrilégio, foram eles que iniciaram a elaboração de uma
medicina complexa, fundada no empirismo e no intelectualismo, sendo eles os
primeiros a terem escrito um tratado exaustivo de patologia humana
(SOURNIA, 1992).
Moacir Scliar (2005) relata que para os gregos clássicos o ser
humano ideal era uma criatura equilibrada no corpo e na mente, e de
proporções definitivamente harmoniosas.
A Idade Média ficou conhecida como a Era das Trevas, e para os
aspectos relacionados à saúde, não havia expressão melhor. Com a queda do
Império Romano e a ascensão do Regime Feudal houveram profundas e
desastrosas conseqüências na conjuntura de saúde, na prevenção e no
tratamento de doenças (SCLIAR, 2005).
Com o advento da Idade Média o conceito de saúde retrocedeu
àquele que era utilizado nos primórdios da humanidade. A Igreja teve grande
influência no retorno a ele, uma vez que incentivou a idéia de que ter saúde era
uma graça divina, e que a doença seria a purificação por pecados acumulados,
e a cura só viria se houvesse o merecimento (SCHWARTZ, 2001).
12
Não é de se estranhar que pelas graves dificuldades encontradas no
período da Idade Média, e que pelo ambiente de corrupção, insegurança e
temor que se vivia em Roma naquele tempo, as circunstâncias não eram as
melhores para o desenvolvimento das ocupações intelectuais ou artísticas. Por
tais motivos que se teve um retrocesso nas atividades relacionadas à saúde e
nas práticas da medicina (SOUSA, 1996).
A fé cristã da época, encontrou adeptos e apóstolos em todos os
meios sociais, e exerceu uma influência muito grande, revolucionando
costumes e conceitos. Se atribuiu uma influência negativa do Cristianismo
sobre o desenvolvimento científico em geral, e em particular na saúde e nas
práticas médicas. As preces, ou as práticas supersticiosas, tomam lugar das
medidas terapêuticas racionais e o cultivo da ciência é contrariado ou, pelo
menos, desleixado, como coisa sem interesse nem valor (SOUSA, 1996).
Os rituais mágicos ou religiosos, por não serem medidas eficazes,
eram compensados com a caridade. Por isso que na Idade Média surgiram os
primeiros hospitais e casas de caridade, em que os doentes se não
encontravam a cura, ao menos conforto espiritual lhes era proporcionado
(SCLIAR, 2005).
Segundo os ensinamentos cristãos, deve-se prestar assistência aos
pobres e deserdados; daí que surge nos mosteiros a destinação de uma
enfermaria para o cuidado dos doentes que ali se hospedam. Estas
enfermarias se disseminaram pelos caminhos das peregrinações, uma vez que
os peregrinos partiam em cumprimento de suas devoções para busca de alívio
dos seus males. Os monges por sua vez, aliaram algumas técnicas
terapêuticas, como a utilização de espécies vegetais raras, dotadas de
propriedades curativas; sendo assim, foram as comunidades religiosas que
fundaram os hospitais urbanos. Nesse contexto, magia e religião coexistem
sempre a todos os níveis da sociedade, ao lado de práticas médicas que delas
ainda não se distinguem nitidamente (SOURNIA, 1992).
No mesmo sentido atesta Sousa (1996, p. 143-144), que:
Em certas Ordens religiosas, alguns monges ocupavam-se
especialmente do tratamento dos doentes e dos feridos, em primeiro
lugar os da própria comunidade, mas depois também os que de fora
batiam à porta, pedindo auxílio. Os frades encarregados dessa tarefa
iam aumentando a sua experiência, mas as repetidas solicitações do
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exterior, cada vez mais freqüentes, afastavam-nos das suas
obrigações religiosas e expunham-os a tentações de várias ordens,
comprometendo a disciplina monástica.
[...]
Também para poder acudir às necessidades dos enfermos se
cultivavam plantas medicinais nos hortos dos conventos. Recolhidas
cuidadosamente, e conservadas em recipientes apropriados,
guardadas em perfeita ordem em armários a tal fim destinados, assim
se originaram as boticas dos conventos, algumas das quais se
tornaram justamente famosas pela riqueza das suas coleções.
Desta forma, foi a própria igreja que retornou ao conceito de saúde
proposto pelos Gregos, sendo que por volta de 1240 os mosteiros começaram
a estudar a medicina Grega. Através desses estudos é que se publicou o
primeiro livro ilustrado sobre a anatomia humana (SCHWARTZ, 2001).
Com o surgimento do Estado Moderno, começa haver a dissolução
entre o temporal e o espiritual, o corpo e a alma. Assim, houve uma separação
entre antropologia e cosmologia. O individuo é convidado a medir o mundo, e é
por sua vez medido e estudado; o ser humano passa a ter que se descobrir
como entidade biológica (SCLIAR, 2005).
Para Germano Schwartz, a saúde na sociedade industrial era
conceituada da seguinte forma:
[...] a sociedade industrial procurou explicar a doença como sendo o
defeito na linha de montagem que exigia reparo especializado. Uma
vez doente (“estragado”), o trabalhador deve ser curado
(“consertado”), a fim de que a produção não cesse.
Com a industrialização da sociedade, a força de trabalho deveria ser
a máxima possível, e a doença passou a ser considerada um
transtorno ao funcionamento das indústrias. A saúde, basicamente,
tinha uma concepção liberal: a de repor o indivíduo ao trabalho.
(2001, p. 33)
Apenas por razões econômicas é que o Estado Liberal interviu para
exercer a polícia sanitária, objetivando evitar a morte de proletários, que
ocorrendo em larga escala comprometeria a produção e o lucro capitalista.
Assim a saúde surgida por volta do século XIX era curativa, ligada ao que
atualmente se chama de aspecto negativo da saúde, ou seja, a ausência de
enfermidades (SCHWARTZ, 2001).
Foi no período do pós-guerra que a idéia de saúde começa a mudar:
As transformações sociais ocorridas no século XX e as grandes
guerras do mesmo período fizeram com que fosse repensada a idéia
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da saúde “curativa”. Novas idéias vieram se chocar ao individualismo
liberal do qual tal idéia (curativa) foi um de seus expoentes, em
especial quando, em 1917, ocorre a Revolução Russa, implantandose uma nova forma de se administrar e pensar uma sociedade – a
comunista. Isto interferiu, como já dito, na concepção de saúde, uma
vez que esta não pode ser analisada separadamente dos demais
compartimentos societários.
A tese “preventiva” da saúde começa a tomar corpo com a idéia de
Welfare State surgido após as grande guerras, e, portanto, quando
nasce uma visão coletivizante da realidade social. Ora, a saúde
deveria não ser mais apenas um poder comprar a cura, mas sim o
direito de que todos tenham acesso à cura. O Estado interventor
deveria, pois, proporcionar a saúde aos seus cidadãos mediante
serviços básicos de atividade sanitária. (SCHWARTZ, 2001, p. 34)
Com o estabelecimento do Estado de Bem-Estar Social1, o
orçamento não poderia mais ser neutro. Deveria ser utilizado como um meio
para eliminação das desigualdades existentes, mesmo que viesse a resultar
em um desequilíbrio orçamentário. A assistência médica agora não era uma
questão de caridade, mas um direito adquirido por meio do trabalho, tal como
as pensões e a aposentadoria (SCLIAR, 2005).
A evolução das técnicas em medicina foi tão rápida que a saúde
deixou de ser tratada de maneira precária. A ciência dispôs de meios de se
tratar, e até mesmo evitar as doenças. Muitos governos assimilaram essa idéia,
surgida na época das Luzes, ou seja, na Revolução Francesa 2, de que a saúde
é um bem social e o poder público tem a obrigação de a preservar (SOURNIA,
1992).
Mas, o grande marco na conceituação da saúde, foi com a criação da
Organização Mundial da Saúde (OMS). Scliar (2005) expõe que com a
fundação da OMS houve a formulação de um novo conceito para saúde,
1
O Estado de Bem-Estar Social coloca o Estado como agente da promoção social e regulador
da economia. O Estado organizada toda vida e saúde social, política e econômica do país.
Cabe ao Estado garantir serviços públicos e proteção à população. É no estado de bem-estar
social que todo individuo tem direito, desde o seu nascimento até sua morte, a um conjunto de
serviços prestados direta ou indiretamente pelo Estado, para sua existência (FIORI, 1997).
2
Em 1789, a França parecia ser uma das maiores potências da Europa. Mas na verdade o país
atravessava uma grave crise econômica. Milhares de pessoas morriam de fome e o
descontentamento era geral. A desastrosa administração financeira do governo e guerras
sucessivas haviam empobrecido o país. A todo momento os reis da dinastia Bourbon
aumentavam os impostos, para pagar suas dívidas. De acordo com as leis feudais os impostos
eram pagos exclusivamente pelo povo. A nobreza, classe dominante, e a riquíssima Igreja
Católica não pagavam nada. As obrigações feudais garantiam aos nobres e sacerdotes quase
toda a produção dos camponeses. Nem mesmo os poucos empresários e grandes
comerciantes do país tinham condições de concorrer com seus competidores ingleses, por
causa das elevadas taxas cobradas pelo governo. O povo desesperado se revoltou. E a
Revolução Francesa balou o absolutismo em toda a Europa (HILLS, 1991, p. 02-03).
15
tornando-se o estado de mais completo bem-estar físico, mental e social, e não
apenas a ausência de enfermidade.
De outra banda, a saúde seria a possibilidade de a pessoa ter os
meios indispensáveis pra sua efetivação. A saúde para cada homem,
mulher ou criança é ter os meios de traçar um caminho pessoal e
original, em direção ao bem-estar físico, psíquico e social.
(SCHWARTZ, 2001, p. 43)
Nesse sentido, Ayres (2007) coloca que a busca da efetivação da
saúde, não estaria apenas relacionado ao fato de que ações de saúde seriam o
produto de um arsenal instrumental colocado por um profissional a serviço de
um usuário ou da população, mas sim a junção de sujeitos, buscando soluções
para prevenção, superação ou recuperação dos processos de adoecimento.
Fernando Lefevre e Ana Maria Cavalcanti Levefre (2007), fazem
referência que para se concretizar o ideal de saúde posto hoje, como o estado
de bem-estar físico, mental e social, torna-se necessário romper a instituição
da saúde como um conjunto determinado de serviços e produtos gerado por
um sistema de base tecnológica, que responde a uma doença como uma
fatalidade.
Por isso é que Ayres (2007, p. 60) define saúde como:
[...] a busca contínua e socialmente compartilhada de meios para
evitar, manejar ou superar de modo conveniente os processos de
adoecimento, na sua condição de indicadores de obstáculos
encontrados por indivíduos e coletividades à realização de seus
projetos de felicidade.
Desta forma, o conceito de saúde se expandiu, declarando que não
apenas os aspectos curativos e preventivos devem ser observados, como
também se deve fazer a promoção da saúde (SCHWARTZ, 2001).
2.2.Os direitos fundamentais do ser humano.
Primeiramente, torna-se interessante ressaltar a importância de se
estudar os direitos fundamentais do ser humano para a presente pesquisa,
uma vez que tratam-se de direitos essenciais para a vida e desenvolvimento do
homem e, visto que a saúde é considerada um direito fundamental,
16
principalmente após a sua consagração na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, na qualidade de direito fundamental social.
Mas, antes de aprofundar na matéria dos Direitos Fundamentais,
cumpre-nos observar que de um ponto de vista histórico, os Direitos
Fundamentais, são, originalmente, direitos humanos, que foram positivados,
tornando-se assim, aptos a produção de efeitos no plano jurídico (GUERRA
FILHO, 1997).
Na concepção de José Luiz Quadros Magalhães (2000), os Direitos
Humanos tiveram seu início na época dos pensadores gregos, onde se
percebeu a existência de muitas leis e costumes nas nações e povos
existentes, originando questionamentos sobre a existência de princípios e
normas superiores que sejam válidas a todos, ou se a justiça e o direito eram
mera conveniência. A partir daí é que se deu a partida para o pensamento do
Direito Natural, que se desenvolveu através dos tempos, e que hoje, é o que se
conhece por Direitos Humanos.
Para Flávia Piovesan (2008), os direitos humanos são fruto de um
espaço simbólico de luta e ação social, na busca por dignidade humana, o que
compõe um construído axiológico emancipatório.
Ainda nas palavras de Norberto Bobbio (1992, p. 30):
Os direitos humanos nascem como direitos naturais universais,
desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando cada
Constituição incorpora Declarações de Direitos) para finalmente
encontrar a plena realização como direitos positivados universais.
Sob esse prisma, apesar de se fazerem referências aos direitos
humanos, eles só foram verdadeiramente consolidados após a Segunda
Guerra Mundial, diante do repúdio internacional pelas atrocidades cometidas
nesse período. Dessa forma, o processo de internacionalização dos direitos
humanos é recente, surgindo da necessidade encontrada em reconstruir os
direitos humanos, ou seja, de haver uma ação internacional mais eficaz para
proteção desses direitos (PIOVESAN, 2008).
Sendo assim, os direitos humanos tornaram-se preocupação
internacional após a Segunda Guerra Mundial, havendo a criação das Nações
Unidas, a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela
Assembléia Geral da ONU, em 1948 e, como conseqüência, tais direitos
17
passaram a ocupar um foco central nas instituições internacionais (PIOVESAN,
2008).
Com a formação de Convenções e Declarações Internacionais, se
faz referência a um Direito Internacional dos Direitos Humanos, que é ao
mesmo tempo universal no sentido de que os cidadãos são reconhecidos como
“cidadãos do mundo”, e não apenas pertencentes a este ou àquele Estado. Por
esse motivo, o objetivo e fim dos tratados de direitos humanos seria a proteção
dos direitos fundamentais, independentemente do vínculo de nacionalidade
(PEREIRA, 2004).
Nos reportando à uma descrição histórica acerca dos direitos
fundamentais, podemos vislumbrar nas palavras Sarlet (1998, p. 41):
[...] o processo de elaboração doutrinária dos direitos humanos, tais
como reconhecidos nas primeiras declarações do século XVIII, foi
acompanhado, na esfera do direito positivo, de uma progressiva
recepção de direitos, liberdade e deveres individuais que podem ser
considerados os antecedentes dos direitos fundamentais.
Foi no período da Idade Média, mais especificamente na Inglaterra
que temos um importante documento que fez referência a alguns direitos e
liberdades civis clássicas. Estamos nos referindo a Magna Charta Libertatum,
que muito embora consagrava alguns direitos indispensáveis a condição
humana, como o hábeas corpus, o devido processo legal e a garantia da
propriedade, não podemos atribuir-lhe um caráter de direito fundamental por se
tratar de um instrumento outorgado pela autoridade real em um contexto social
marcado por desigualdades, e utilizado por poucos (SARLET, 1998).
Para Magalhães (2000), apesar de a Magna Carta ter sido feita por
Barões ingleses e pela Igreja do Rei, visando assim mais aos seus interesses
do que do próprio povo, ela trouxe limitações ao poder do governo, tornando-se
assim um marco na história, sendo considerada uma Constituição moderna.
Ainda, nas palavras de Sarlet (1988) podemos notar que, mesmo não
sendo caracterizados como direitos fundamentais tais pactos, não podemos
deixar de considerá-los importantes, pois foi através deles que houve o
desenvolvimento e reconhecimento de tais direitos.
18
Com a reforma protestante é que o nascimento dos direitos
fundamentais foi conduzido, uma vez que se buscava o reconhecimento para
liberdade de opção religiosa, como bem afirma Canotilho (1999, p. 359):
A quebra de unidade religiosa da cristandade deu origem à aparição
de minorias religiosas que defendiam o direito de cada um à
verdadeira fé. Esta defesa da liberdade religiosa postulava, pelo
menos, a idéia de tolerância religiosa e a proibição do Estado em
impor ao foro íntimo do crente uma religião oficial. Por este facto,
alguns autores, como G. Jellinek, vão mesmo ao ponto de ver na luta
pela liberdade de religião a verdadeira origem dos direitos
fundamentais. Parece, porém, que se tratava mais da idéia de
tolerância religiosa para credos diferentes do que propriamente da
concepção da liberdade de religião e crença, como direito inalienável
do homem tal como veio a ser proclamado nos modernos
documentos constitucionais.
Após o texto da Magna Carta, surgiram novas limitações ao poder
absoluto, garantindo aos indivíduos certos Direito Fundamentais. Sendo assim
teremos algumas declarações de direitos inglesas do século XVII, como a
Petition of Rights de 1628, o Hábeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de
1689. Nesses documentos, os direitos e liberdades reconhecidos aos cidadãos
ingleses surgem como meras regras gerais de direito costumeiro, que
resultaram da progressiva limitação do poder monárquico (MAGALHÃES, 2000;
SARLET, 1998).
Sarlet ainda destaca sobre as declarações inglesas, que: “apesar de
conduzir a limitações do poder real em favor da liberdade individual, não pode,
ainda, ser considerada como marco inicial, isto é, como o nascimento dos
direitos fundamentais no sentido que hoje se atribui ao termo” (1998, p.44).
Podemos
destacar
como
marco
histórico
para
o
Direito
Constitucional, a Revolução Norte-Americana de 1776, e a Revolução
Francesa de 1789, onde os direitos fundamentais serão reafirmados pela
Declaração de Independência dos Estados Unidos e pela Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, na França (MAGALHÃES, 2000).
A Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia em 1776 foi
considerada a primeira declaração de direitos fundamentais, em conformidade
com o sentido moderno. José Afonso da Silva muito bem destaca sobre a
finalidade que essa Declaração propôs:
19
Vê-se que, basicamente, a Declaração se preocupara com a
estrutura de um governo democrático, com um sistema de limitação
de poderes. Os textos ingleses apenas tiveram por finalidade limitar
o poder do rei, proteger o individuo contra a arbitrariedade do rei e
firmar a supremacia do Parlamento. As declarações de direitos,
iniciadas com a da Virgínia, importam em limitações do poder estatal
como tal, inspiradas na crença na existência de direitos naturais e
imprescritíveis do homem. (2008, p. 154)
De grande importância também, na formação dos direitos humanos,
foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que
juntamente das outras declarações, tinha como característica comum sua
profunda inspiração jusnaturalista, reconhecendo ao ser humano direitos
naturais, inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis, direitos de todos os homens
e não apenas de uma casta ou estamento (SARLET, 1998).
Foi a partir das revoluções Norte-Americana e Francesa, que se
consagraram os princípios liberais políticos e principalmente econômicos,
iniciando-se assim, o Estado Liberal3, que teve como base a busca dos
interesses individuais, sendo assim, o conteúdo dos Direitos Fundamentais
seriam
os
Direitos
Individuais
relativos
à
liberdade
e
à
igualdade
(MAGALHÃES, 2000).
A primeira Constituição que destacou uma longa lista referente aos
Direitos Sociais, foi a Constituição do México promulgada em 05 de fevereiro
de 1917, se tornando uma importante etapa na história dos direitos
fundamentais, uma vez que se diferenciou da linha liberal clássica que ocorreu
no caso dos Estados Unidos e da França (DIMOULIS; MARTINS, 2007).
As
inovações
trazidas
pela
Constituição
do
México
foram
confirmadas e completadas pela primeira Constituição Soviética de 1918, que
também introduziu vários direitos sociais (DIMOULIS; MARTINS, 2007).
Após a Primeira Guerra Mundial surgiram Constituições que não
ficaram apenas preocupadas com a organização política dos Estados,
apareciam novos interesses em salientar o direito e o dever do Estado, e em
reconhecer e garantir uma nova estrutura exigida pela sociedade, o Estado
passa a se preocupar com o social (MAGALHÃES, 2000).
3
Essa forma de Estado caracteriza-se pela descentralização do poder, pelo sufrágio universal
e periódico, pela igualdade perante a lei e, principalmente, pela ética da liberdade negativa, ou
seja, intervenção do Estado apenas para impedir a violação da liberdade e dos direitos
individuais. Assim, o Estado, detentor do monopólio do uso da força, intervém apenas para
impedir a violação dos direitos individuais. (CARVALHO; MACHADO; TIMM, 2004, p. 20)
20
Foi a Constituição de Weimar, na Alemanha, a primeira a ser
considerada a principal Constituição social européia da época, reservando um
grande lugar aos direitos sociais. Neste sentido, com as Constituições do
México e de Weimar, os direitos sociais e econômicos passaram a ser
considerados direitos fundamentais dos seres humanos, e nessa mesma época
começa haver a internacionalização dos Direitos Humanos (MAGALHÃES,
2000).
Dessa forma, os direitos fundamentais surgiram com o advento do
Estado social, uma vez que estes direitos são o oxigênio das Constituições
democráticas. Com isso, o centro do Estado social, e todos os direitos de sua
ordem jurídica, é o princípio da igualdade (em sentido material), como bem
salienta Paulo Bonavides (2006, p. 378):
Os direitos fundamentais não mudaram, mas se enriqueceram de
uma dimensão nova e adicional com a introdução dos direitos sociais
básicos. A igualdade não revogou a liberdade, mas a liberdade sem
a igualdade é valor vulnerável. Em ultima análise, o que aconteceu
foi a passagem da liberdade jurídica para a liberdade real, do mesmo
modo que da igualdade abstrata se intenta passar para a igualdade
fática.
Os direitos sociais têm como característica a realização por parte do
Estado de ações positivas consistente numa prestação de natureza fática.
Assim, os direitos sociais reclamam uma crescente posição ativa do Estado na
esfera econômica e social, já que objetivam a realização da igualdade material,
no sentido de garantirem a participação do povo na distribuição pública de bens
materiais e imateriais (SARLET, 1998).
Nos reportando ao sentido moderno de Direitos Fundamentais
vislumbramos o conceito que Paulo Hamilton Siqueira Jr. e Miguel A. M. de
Oliveira trazem: “Os direitos fundamentais, são aqueles imprescindíveis ao
homem no seio da sociedade. São direitos indispensáveis à condição humana.
São direitos básicos, fundamentais” (2009, p.20). E esses direitos, serão
fundamentais quando reconhecidos pelo Estado na norma fundamental, como
um direito básico para vida em sociedade. “A característica essencial dessa
categoria de direitos é o fato de ser fundamental para o ser humano na vida em
sociedade” (SIQUEIRA JR.; OLIVEIRA, 2009).
21
Paulo Bonavides destaca que Carl Schmitt elaborou dois critérios
formais de caracterização dos Direitos Fundamentais: o primeiro seria aquele
em que todo direito fundamental estaria nomeado e fundamentado na
Constituição, e o segundo se trataria daqueles direitos que receberam do
instrumento Constitucional um grau mais elevado de segurança e garantia,
podendo ser imutáveis ou de difícil modificação. Do ponto de vista material,
destaca que varia de acordo com a ideologia e modalidade de Estado que cada
nação possui, ou seja, cada Estado tem seus Direitos Fundamentais
específicos (SCHMITT apud BONAVIDES, 2006).
Ainda do ponto de vista material: “Os direitos e garantias
fundamentais, em sentido material, são, pois, pretensões que, em cada
momento histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade
humana” (MENDES; COELHO; BRANCO; 2008, p.561).
No mesmo sentido, destaca J.J. Gomes Canotilho:
Os direitos fundamentais serão estudados enquanto direitos jurídicopositivamente vigentes numa ordem constitucional. Como iremos
ver, o local exato desta positivação jurídica é a Constituição. A
positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na
ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e
“inalienáveis” do individuo. Não basta uma qualquer positivação. É
necessário assinalar-lhes a dimensão Fundamentals Rights
colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas
constitucionais. Sem esta positivação jurídica, os direitos do homem
são esperanças, aspirações, idéias, impulsos, ou, até, por vezes,
mera retórica política, mas não direitos protegidos sob a forma de
normas (regras e princípios) de direito constitucional. [...] os direitos
fundamentais são-no, enquanto tais, na medida em que encontram
reconhecimento nas constituições e deste reconhecimento se
derivem conseqüências jurídicas. (1999, p. 353)
José Afonso da Silva, ainda nos dá a idéia de que os direitos
fundamentais do homem “são situações jurídicas, objetivas e subjetivas,
definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da
pessoa humana” (2008, p.179).
Os direitos fundamentais assumem posição de definitivo realce na
sociedade quando se inverte a tradicional relação entre Estado e
indivíduo e se reconhece que o indivíduo tem, primeiro, direitos, e,
depois, deveres perante o Estado, e que os direitos que o Estado
tem em relação ao indivíduo se ordenam ao objeto de melhor cuidar
das necessidade dos cidadãos. (MENDES; COELHO; BRANCO,
2008, p. 232-233)
22
Com o decorrer de cada época na história o catálogo dos direitos
fundamentais vem se avolumando conforme as exigências de cada momento
histórico. A classe dos direitos que são considerados fundamentais não tende à
homogeneidade, o que dificulta uma conceituação material ampla e vantajosa
que alcance todos eles (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008).
Podemos dividir os direitos fundamentais em: direitos fundamentais
de primeira dimensão; direitos fundamentais de segunda dimensão; direitos
fundamentais de terceira dimensão, e ainda podemos ter os direitos
fundamentais de quarta dimensão (BONAVIDES, 2006).
Importante destacar, que utilizaremos o termo “dimensões” ao invés
de “gerações”. Apesar de muitos autores fazerem referência a gerações de
direitos fundamentais, nos parece mais adequado nos utilizarmos da palavra
dimensões de direitos fundamentais; uma vez que é inegável a progresso
desses direitos, mas, uma fase não viria substituir a anterior, o que ocorreria
seria um processo cumulativo, em que uma dimensão complementaria a outra,
e a utilização da expressão geração traria um entendimento de substituição
gradativa. Essa é a razão pela escolha de se utilizar o termo dimensão
(SARLET, 1998).
Feita a ressalva acima, os direitos fundamentais de primeira
dimensão são àqueles referentes à liberdade, ou seja, direitos civis e políticos.
Tendo como foco central o individuo, tratando-se de direitos de resistência ou
oposição ao Estado, ocorrendo uma nítida separação entre Sociedade e
Estado. Os direitos fundamentais de primeira dimensão valorizam primeiro o
homem-singular que compõe a chamada sociedade-civil (BONAVIDES, 2006).
Pretendia-se, sobretudo, fixar uma esfera de autonomia pessoal
refratária às expansões do poder. Daí esses direitos traduzirem-se
em postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações
de não fazer, de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada
indivíduo. [...] São direitos em que não desponta a preocupação com
desigualdades sociais. (MENDES; COELHO; BRANCO,2008, p. 233)
Os direitos fundamentais de segunda dimensão se reportam àqueles
direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos da coletividade,
estando estes direitos amparados pelo princípio da igualdade. São direitos que
dominaram as Constituições do segundo pós-guerra, momento em que surge
os Estados de Bem-Estar social (BONAVIDES, 2006).
23
A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez
que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera
da liberdade individual, mas sim, de propiciar um direito de participar
do bem-estar social. Não se cuida mais, portanto, de liberdade do e
perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado.
Estes direitos fundamentais, que embrionária e isoladamente já
haviam sido contemplados nas Constituições Francesas de 1793 e
1848, na Constituição Brasileira de 1824 e na Constituição Alemã de
1849, caracterizam-se, ainda hoje, por outorgarem ao indivíduo
direitos a prestações sociais estatais, como assistência social,
saúde, educação, trabalho, etc. (SARLET, 1998, p. 49).
Os direitos fundamentais de terceira dimensão estão relacionados
com os direitos de fraternidade ou solidariedade. Em um mundo dividido entre
nações desenvolvidas e subdesenvolvidas deu margem para que se buscasse
essa outra dimensão dos direitos fundamentais. Esses direitos não se destinam
apenas a proteção dos indivíduos ou de uma coletividade, tem como
destinatário o gênero humano, tendo sua afirmação como valor supremo. Têmse identificado cinco direitos dentro desses direitos de fraternidade: direito ao
desenvolvimento, direito à paz, direito ao meio ambiente, direito de propriedade
sobre o patrimônio comum da humanidade e direito de comunicação (BULOS,
2008).
A globalização política na esfera global da normatividade jurídica é
que introduziu os direitos fundamentais de quarta dimensão, que correspondem
à institucionalização do Estado Social. Os direitos fundamentais de quarta
dimensão são: o direito à democracia, o direito à informação e, o direito ao
pluralismo (BONAVIDES, 2006).
Segundo Paulo Bonavides:
Os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade
dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem – sem,
todavia, remove-la – a subjetividade dos direitos individuais, a saber,
os direitos da primeira geração. (2006, p. 571-572)
Podemos, ainda, traçar algumas características inerentes aos direitos
fundamentais: a) historicidade: são históricos como qualquer direito, tem como
base para sua fundamentação o direito natural do homem, e vão se ampliando
com o decorrer do tempo; b) inalienabilidade: tratam-se de direitos que não
podem ser alienados, transferidos, não se pode desfazer deles, uma vez que a
ordem constitucional os garante a todos; c) imprescritibilidade: não pode
24
ocorrer a prescrição para tais direitos, são exigíveis a qualquer momento, “não
há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da
exigibilidade pela prescrição”; d) irrenunciabilidade: não há a possibilidade de
se renunciar os direitos fundamentais, “pode-se deixar de exerce-los, mas não
se admite sejam renunciados” (SILVA, 2008, p. 181).
Para se mencionar os direitos fundamentais na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, nota-se importante fazer uma breve
menção desses direitos nas Constituições brasileiras antecedentes.
Foi a Constituição do Império do Brasil de 1824 que proclamou os
direitos fundamentais de forma semelhante ao encontrado nos textos
constitucionais dos Estados Unidos e da França. A Constituição da Republica
dos Estados Unidos do Brasil de 1891, retoma, em seu texto os direitos
fundamentais especificados na Constituição anterior, de 1824, mas com
importantes acréscimos como exemplo o reconhecimento do direito de reunião
e associação, amplas garantias penais e o instituto do hábeas corpus. A
semelhança dos direitos fundamentais consagrados nas duas Constituições
mencionadas, segue nos textos posteriores (nos anos de 1934, 1937, 1946 e
1967/1969); importante ressaltar que a partir da Constituição de 1934 houve a
incorporação de alguns direitos sociais, como exemplo temos os institutos do
mandado de segurança e da ação popular (DIMOULIS; MARTINS, 2007).
Mas foi na Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988
que pela primeira vez pode-se perceber um tratamento de merecida relevância
aos direitos fundamentais (SARLET, 1998).
A CRFB/88 faz referências aos direitos fundamentais em diversas
partes do seu texto. Em seu art. 5º traz um extenso rol de direitos e garantias
individuais como também coletivas, já no art. 6º define sobre os direitos sociais
a serem concretizados, e em seu art. 7º eleva o direito do trabalho ao nível
constitucional; além de podermos encontrar outros direitos e garantias,
considerados
fundamentais
também,
em
diversos
outros
dispositivos
(DIMOULIS; MARTINS, 2007).
Um aspecto que pode ser pontuado como de merecida relevância, foi
a amplitude dos direitos fundamentais protegidos, que a Constituição da
Republica Federativa do Brasil de 1988 trouxe, contemplando assim direitos
25
fundamentais de diversas dimensões4 estando em consonância com a
Declaração Universal de 1948 e outros pactos internacionais sobre Direitos
Humanos (SARLET, 1998).
Pode-se ter os direitos fundamentais divididos sobre o critério do
nível de cognição, que se subdivide em: direitos auto-suficientes e direitos
coalescentes; e sobre o critério do dever correlativo, subdividido também em:
direitos de abstenção e direitos de prestação.
Segundo o critério do nível de cognição, os direitos fundamentais
auto-suficientes5 são aqueles que possuem autonomia constitucional, e os
direitos fundamentais coalescentes são aqueles que “reclamando interposição
legislativa como condição de inteligibilidade, só se tornam inteiras no nível
Constituição-Legislação;
são
normas
sem
autonomia
constitucional”6 (MARTINS NETO, 2003, p. 134).
Analisando agora o critério do dever correlativo, temos os direitos de
abstenção, sendo aqueles que exigem uma conduta negativa, ou seja, deixar
de realizar algo para que o direito fundamental seja efetivado. Podemos ter
como exemplo nesse caso, o não-impedimento de ações autorizadas, como a
liberdade de expressar uma idéia, ou então a não-invasão de âmbitos
reservados, como o lar conjugal, entre outros exemplos. Já os direitos de
prestação, implicam em uma ação positiva, ou seja, há a necessidade de uma
intervenção para efetivação dos direitos fundamentais. Consiste em prestações
de dar ou fazer. E, esse direito de prestação pode consistir na exigência dos
particulares ao poder estatal em efetuar as ações positivas cujo objeto poderia
se conseguir com particulares (podemos colocar como exemplos à assistência
jurídica aos carentes, o ensino educacional gratuito, serviços de assistência à
saúde, etc.), como também aquelas ações em que só cabe ao Estado realizar,
que são inerentes a soberania estatal7 (MARTINS NETO, 2003).
4
Também considerados como direitos fundamentais de primeira, segunda, terceira, e também a
de quarta geração, já desenvolvidos neste capitulo.
5
Manoel Gonçalves Ferreira Filho também a denomina de auto-executáveis, por ser
considerada completa, e não necessitar de norma para regulamentar (1998, p.100).
6
João dos Passos Martins Neto, melhor diferencia essa classificação da seguinte maneira: “o
elemento crucial da distinção está na necessidade, ou não da edição de lei infraconstitucional
para integrar o conteúdo do enunciado normativo. Quando essa necessidade existir, o direito é
coalescente, quando não, auto-suficiente, modalidades que variam de acordo com o nível de
cognição ou de apuração do sentido de cada direito em particular, sempre aferível pela
dependência ou não da lei de complementação (2003, p.135).
7
Essas duas outras subdivisões dos direitos de prestação podem ser classificadas como:
direitos de prestação em sentido próprio (cujo objeto poderia ser conseguido através de
26
Dessa forma, para que as possibilidades de efetivação dos direitos
fundamentais continue a integrar nosso ordenamento jurídico pátrio, “torna-se
indispensável o concurso da vontade por parte de todos os agentes políticos e
de toda a sociedade” (SARLET, 1998, p. 72).
Por fim, após um estudo abrangente sobre os direitos fundamentais
do ser humano, destaca-se como importante adentrar de maneira específica no
tema do direito fundamental à saúde.
2.3. O direito fundamental à saúde
Podemos dizer que a base para conceituar os direitos fundamentais
é o principio da Dignidade da Pessoa Humana, que “no mundo contemporâneo
diz respeito ao valor essencial do ser humano” valor esse que surgiu a partir de
diferentes referenciais filosóficos (FIGUEIREDO, 2007, p. 47).
Com a universalização dos Direitos Humanos após a II Grande
Guerra e a proclamação da Declaração Universal de Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas – DUDH/ONU – em
1948, consagrou-se a dignidade da pessoa humana como valor
fundamental da ordem jurídica, a significar a garantia última da
pessoa humana em relação a uma total disponibilidade por parte do
poder estatal e/ou social: a dignidade da pessoa humana vai se
tornar o conceito jurídico operativo para designar o que há de
humanidade nos homens. É porque ela é inerente a todos os
membros da família humana, que tudo o que tenda a desumanizar o
homem será considerado como um atentado a esta dignidade. A
dignidade humana foi assim elevada a máximo dos valores ou
principio jurídico supremo e, enquanto garantia constitucional, na
medida em que positivada pelos ordenamentos nacionais, tornou-se
o principio constitucional supremo. (FIGUEIREDO, 2007, p. 49-50)
A dignidade da pessoa humana se faz presente em face da pessoa
concreta, na sua vida real e cotidiana, e não de um ser abstrato, não
importante o gênero, sê masculino ou feminino, afinal “em cada homem e em
cada mulher estão presentes todas as faculdades da humanidade”. E ainda, a
dignidade da pessoa pressupõe a de todos os outros (MIRANDA, 2006).
A dignidade é uma qualidade individual de cada ser humano,
possuindo um caráter de irrenunciabilidade e inalienabilidade. Deve, desta
forma, ser auto-limitada de maneira consciente e com respeito à vida, levando
particulares), e direitos de prestação em sentido impróprio (onde a ação positiva só cabe ao
Estado, em função da sua soberania). (MARTINS NETO, 2003, p.151).
27
consigo o objetivo do respeito a esta dignidade pelos outros (FIGUEIREDO,
2007).
Cumpre ressaltar que a Dignidade da Pessoa Humana é um dos
princípios que fundamenta a República Federativa do Brasil, nos termos do art.
1º da CRFB de 1988 (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008).
Importante destacar aqui, que para toda regra sempre existirão
exceções, assim não seria diferente com os direitos fundamentais. O principio
básico é que os direitos fundamentais devem estar fundados na Dignidade da
Pessoa Humana, mas podemos nos deparar com algumas poucas exceções
em que a garantia de um direito fundamental possa estar desvinculada da
Dignidade Humana, mas, como bem podemos destacar nas palavras de André
Ramos Tavares:
[...] ao menos em principio, em cada direito fundamental se faz
presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade
da pessoa. Ou seja, mesmo que não esteja expresso, sua idéia
poderá ser compreendida como presente. (2008, p. 547)
Fazendo uma relação do Direito Fundamental à Saúde com o
princípio da Dignidade da Pessoa Humana, têm-se aí direitos intimamente
ligados, uma vez que se baseiam na garantia que o Estado dá ao individuo de
ter um desenvolvimento sadio, com dignidade e qualidade de vida. Dessa
forma, “o Estado deve promover políticas sociais e econômicas destinadas a
possibilitar o acesso universal igualitário às ações e serviços para a promoção,
proteção e recuperação da saúde” (TAVARES, 2008).
Como bem citado acima, a garantia do Direito Fundamental à Saúde
não está apenas ligado à prestação de assistência médica pelo Estado,
assistência essa que atua apenas quando a doença, os males que afligem o
ser humano já se encontram instalados. Garantir esse direito tão importante
que nos reporta também ao Direito à Vida, trata-se de uma prestação muito
mais ampla, ou seja, a de garantir condições mínimas de bem estar e
desenvolvimento, mental, físico e social a cada individuo (DALLARI, 2004).
No mesmo sentido, destaca José Luiz Quadros de Magalhães:
Direito à saúde não implica somente direito de acesso à medicina
curativa. Quando se fala em direito à saúde, refere-se à saúde física e
mental, que começa com a medicina preventiva, com o
estabelecimento e a educação da população, higiene, saneamento
28
básico, condições dignas de moradia e de trabalho, lazer,
alimentação saudável na quantidade necessária, campanhas de
vacinação, dentre outras coisas. Muitas das doenças existentes no
País, em grande escala, poderiam ser evitadas com programas de
esclarecimento da população, com uma alimentação saudável, um
meio ambiente saudável e condições básicas de higiene e moradia.
(2000, p. 269)
Existem muitos documentos internacionais que relacionam a
importância da efetivação do Direito à Saúde. Mas, destacamos como marco a
Conferencia Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, ocorrido na
antiga URSS em 1978, sendo colocado como necessidade urgente uma ação
eficaz dos governos, profissionais e da comunidade mundial para promoção da
saúde a todos os povos do mundo (PEREIRA, 2004).
Como bem podemos observar, garantir saúde à população não é
tarefa fácil, uma vez que o conceito de saúde gira em torno de proporcionar o
bem estar físico, psíquico e social a toda a população. Por isso, se vislumbra a
necessidade de garantir outros direitos, podendo-se citar como exemplos: o
direito a uma moradia digna, condições de trabalho salubres, acesso ao
tratamento sanitário, à educação, entre outros que aliados garantirão a eficácia
do direito à saúde (DALLARI, 2004).
Desta forma, pode-se compreender que o direito à saúde está
intimamente ligado também ao direito à vida, ou seja, à medida que se garante
a promoção da saúde temos a garantia da vida da pessoa humana
(FIGUEIREDO, 2007).
Marlon Alberto Weichert (2004) expressa que o direito à saúde deduz
em ações negativas8 e positivas por parte do Estado e da sociedade,
ressaltando a idéia de implantação de ações positivas pelo Estado.
Tem-se, aliás, dado reforço à perspectiva do direito à saúde através
de ações positivas estatais voltadas à prevenção das moléstias,
inclusive mediante adoção de políticas econômicas e sociais
compatíveis. É o que a Organização Mundial da Saúde, na
Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde realiza
em Alma-Ata, na então União Soviética, em 1978, enfatizou, ao
invocar a responsabilidade dos Estados por ações ativas de
promoção da saúde, fixando como prioridade o atendimento primário
à saúde da população. (WEICHERT, 2004, p. 122)
8
As ações negativas do Estado e da Sociedade estão relacionados ao fato, de o cidadão não
ter a sua saúde agredida através dos atos daqueles. Ou seja, O Poder Público e a sociedade
devem se abster de determinadas ações que ponham em risco a saúde. (WEICHERT, 2004, p.
123)
29
O direito à vida trata-se do direito mais básico existente, por ser prérequisito dos demais direitos, sendo considerado assim o direito mais sagrado.
Dessa forma, cabe assegurar o direito à vida aos indivíduos até sua interrupção
por causas naturais. Para segurança de tal direito, deve-se garantir condições
mínimas de vida digna, incluindo alguns direitos como: alimentação, moradia,
vestuário, saúde, educação, cultura e lazer. Pode-se perceber na garantia do
direito à saúde, a garantia também de continuar vivo, a garantia de não ver
violado o direito à vida também (TAVARES, 2008).
Poderíamos considerar o direito à saúde como um direito
transdimensional, uma vez que ele se enquadra nas três primeiras dimensões
de direito estudadas anteriormente. A saúde seria um direito individual
(primeira dimensão) por estar intimamente ligado ao direito à vida, assim, a
proteção estatal nesse caso deve ser institucionalmente marcante. Também
estaria classificado no rol dos direitos sociais (segunda dimensão), já que
consagrado pela CRFB/88 como tal, tratando-se de um direito auto-aplicável e
que requer um grau de otimização máximo. Podemos classificar também como
um direito de terceira dimensão, ou seja, transindividual; ampliando, desta
forma, o rol de legitimados a exercer esse direito, por se tratar de um direito
difuso e coletivo (SCHWARTZ; GLOECKNER, 2003).
A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 não se
distanciou do enfoque dado pela Organização Mundial da Saúde, relativo ao
que é considerado saúde, e a consagrou como direito de todos e dever do
Estado promover a sua garantia (WEICHERT, 2004).
Sendo assim, por haver a positivação do direito à saúde, como um
direito fundamental do homem, na Constituição da Republica Federativa do
Brasil de 1988, têm-se como necessário o estudo específico do tema a seguir.
2.4. O direito fundamental à saúde na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988.
O Direito Fundamental à Saúde veio contemplado na Constituição da
Republica Federativa do Brasil de 1988 no rol dos direitos sociais, direitos
30
esses que exigem uma ação positiva9 no Estado para sua efetivação
(TAVARES, 2008).
Cumpre-nos fazer aqui uma breve explicação sobre os direitos
sociais, antes de se falar especificamente do Direito à Saúde na CRFB/88.
Para Paulo Bonavides (2006), a base do modelo de Estado social, se
compõe através dos direitos sociais.
Sendo assim, um dos pontos positivos da CRFB/88 foi de ter incluído
em todo o seu art. 6º os direitos sociais (FIGUEIREDO, 2007).
Esses direitos foram consagrados pelo nosso Constituinte pátrio
muito tardiamente, uma vez que podemos observar o reconhecimento dos
direitos sociais desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948,
juntamente com o reconhecimento dos direitos civis e políticos. Esses direitos
foram incorporados por muitos países, sobretudo após a Segunda Guerra
Mundial, merecendo destaque, que se tratam de direitos destinados a todos os
indivíduos, sem haver distinção de raça, cor, credo ou religião (TELLES, 1999).
Nas palavras de Mariana Filchtiner Figueiredo os direitos sociais:
[...] respondem pelo fornecimento dos recursos fáticos
indispensáveis ao efetivo exercício das liberdades e dos demais
direitos fundamentais, buscando assegurar a liberdade efetiva pela
igualdade material. Os direitos sociais são tão fundamentais quanto
os demais “direitos e garantias” reconhecidos constitucionalmente.
(2007, p. 64)
Assim, os direitos sociais se caracterizam pelas ações positivas do
Estado, em efetivar também o direito à igualdade, dando melhores condições
de vida aos mais fracos, procurando colocar em condições de igualdade
situações sociais desiguais. Devemos destacar aqui, que os direitos sociais
são destinados à todos, mas visa em especial a proteção daqueles que
precisam de um maior amparo pelo Estado (TAVARES, 2008).
Diversas são as ações e prestações quando se refere à efetivação
do Direito Fundamental à Saúde, uma vez que a doutrina parece convergir para
os aspectos curativo, preventivo e de promoção da saúde (FIGUEIREDO,
2007).
9
Na visão de André Ramos Tavares, essas ações positivas estariam ligadas a “uma forma
atuante do Estado na implementação da igualdade social dos hipossuficientes”. (2008. p. 769)
31
Antes de adentrarmos no estudo do direito à saúde na CRFB/88,
torna-se importante realizar um breve relato histórico do direito à saúde nas
Constituições anteriores.
A primeira Constituição da era Republicana, em 1891, nada trouxe
no âmbito da saúde. Valorizava-se apenas a propriedade privada, espelhada
no modelo liberal. Mas, foi após a Primeira Guerra Mundial que houve
transformações, onde se traduzia o Estado social, revestido pelo princípio da
dignidade da pessoa humana trazido pela Constituição de 1934 (SCHWARTZ;
GLOECKNER, 2003).
[...] a Constituição de 1934 privilegiava a assistência médica e
sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso
antes e depois do parto sem prejuízo do salário e do emprego, e
instituição de previdência mediante contribuição igual da União, do
empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da
maternidade e nos casos de acidente de trabalho ou de morte. Assim,
a saúde, a partir da Constituição de 1934, passa à condição de direito
subjetivo do trabalhador no âmbito do Seguro Social fomentado pelos
Institutos de Aposentadorias e Pensões. (MARTINS, 2008, p. 42)
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 relacionou o
direito à saúde nos mesmos moldes que a anterior (1934). Já em 1946 foram
evidenciadas várias ações com o objetivo de ampliar a proteção à saúde, foi aí
que surgiu o Ministério da Saúde em 1950 (MARTINS, 2008).
Com a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1967 se
manteve os mesmo direitos e garantias individuais anteriores, mas o direito à
saúde foi pouco apreciado por causa da situação política da época. Mas, a
situação muda radicalmente com a Constituição Federal de 1988, batizada
como a Constituição cidadã. Após 40 anos da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, nossa constituição faz referência expressa ao direito à
saúde (SCHWARTZ; GLOECKNER, 2003).
Dessa forma, além de estabelecer o direito à saúde como um direito
social em seu art. 6º, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
no Capítulo II do Titulo VIII, quando se refere a Seguridade Social, destaca
uma seção destinada a Saúde, onde em seu art. 196 estabelece o seguinte:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
(BRASIL, 2010a).
32
Como bem elucida Marlon Alberto Weichert:
O direito à saúde – e o dever do Estado de provê-lo – é tratado em
diversos dispositivos constitucionais. Tem-se não só a proteção
implícita à saúde, quando se assegura o direito fundamental à vida,
como a sua expressa contemplação como direito social. (2004, p.
137)
Mariana Filchtiner Figueiredo (2007) entende que a CRFB/88, ao
colocar os termos “recuperação”, “redução do risco de doença” e “promoção”,
estaria relacionando ao conceito de saúde colocado pela Organização Mundial
da Saúde (OMS), onde o Estado deve realizar ações curativas, de proteção e
referentes à busca pela qualidade de vida, respectivamente.
A CRFB de 1988 expressa claramente em seu art. 197 que as ações
e serviços de saúde são considerados de relevância pública, artigo este que
passamos a transcrever:
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde,
cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser
feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa
física ou jurídica de direito privado. (BRASIL, 2010a).
Quando se relaciona um serviço como de relevância pública deve-se
perceber a existência de uma importância adicional a esse serviço. Dessa
forma o administrador público deve privilegiar esse serviço, como, por exemplo,
na destinação de recursos. O serviço de relevância pública deve ser
privilegiado no âmbito do Poder Público (WEICHERT, 2004).
Para
André
Ramos
Tavares
(2008)
a
Constituição
esteve
extremamente atenta à necessidade de presença do Poder Público nas ações
e serviços de saúde, a ponto de estabelecer em seu artigo 200, uma série de
atuações que se fazem necessárias nessa área.
Vale lembrar que a garantia do direito á saúde deve ser efetivado
pelas ações e prestações do Estado através de um sistema único,
hierarquizado e descentralizado, abrangendo todas as unidades da Federação,
como bem estabelece o art. 198, caput da CRFB/88 (BRASIL, 2010a).
Trata-se do Sistema Único de Saúde, o SUS, devendo ele se
submeter ao principio do atendimento integral, não podendo este principio ser
confundido com o principio do acesso universal. Trata-se de dois princípios
norteadores do atendimento público, mas uma vez que o acesso universal
33
garante a prestação dos serviços à toda população, o principio do atendimento
integral:
[...] refere-se ao próprio serviço, que, no caso deve abranger todas
as necessidades do ser humano relacionadas à saúde. Portanto, não
só todos têm direito à saúde como esta deve ser prestada de
maneira completa, sem exclusões de doenças ou patologias, por
dificuldades técnicas ou financeiras do Poder Público. Não é
permitido a este esquivar-se da prestação de saúde em todos os
setores. (TAVARES, 2008. p. 787)
Assim, cumpre-nos observar que o direito à saúde deve estar ligado
há muitas outras ações e serviços que prestadas de forma positiva através do
Estado garantam seu efetivo cumprimento no real significado de proporcionar à
todos o bem estar físico, psíquico e social. (DALLARI, 2004)
Por fim, por ser um estudo ligado a garantia da saúde em referência
aos casos de câncer de pele, passaremos a estudá-lo, dedicando o capítulo
seguinte
a
especificar
suas
características,
causas
de
incidência
e
principalmente as formas de prevenção dessa neoplasia que se faz tão
presente na população nos dias atuais.
34
3. Câncer de pele: conseqüências e formas de prevenção
3.1. Câncer: conceito.
O corpo é composto por células consideradas a unidade básica da
vida, pois somente ela tem a capacidade de manter vida e de transmiti-la
(MELLO, 2007).
As células surgem a partir de outras preexistentes, chamada de
célula primordial, formada no momento da fecundação, ou seja, do zigoto, que
por várias divisões vai formando células semelhantes chamadas de célulastronco ou embrionárias. Essas, por suas vez, passam por um processo de
diferenciação que as tornam possuidores de formas e funções específicas,
formando diferentes tipos de tecidos (ADOLFO; CROZETTA; LAGO, 2006).
As células são formadas por três partes: a membrana celular, o
citoplasma e o núcleo. A membrana celular é a camada externa que reveste a
célula; o citoplasma se trata do corpo celular, onde nele se depositam todas as
organelas celulares; o núcleo é a parte central da célula, onde contêm os
cromossomos, que armazenam o material genético, através do ácido
desoxirribonucléico (DNA), e “é através do DNA que os cromossomos passam
as informações para o funcionamento das células”. (INSTITUTO NACIONAL
DO CÂNCER, 2010a)
Segundo Steven R. Bolsover:
Na essência, qualquer célula, é simplesmente um compartimento com
um interior aquoso que está separado do ambiente externo por uma
membrana de superfície (a membrana plasmática), a qual evita que
ocorra o livre fluxo de moléculas entre a parte externa e interna da
mesma.
[...]
Podemos imaginar o conjunto de compartimentos celulares como
uma fábrica dedicada à manutenção do bem-estar da célula. (2005, p.
14)
Assim, através dos vários organismos existentes dentro dela, cada
qual com sua função, é que o corpo humano se desenvolve, e uma
característica importante das células é sua capacidade de reprodução, visando
um plano corporal altamente funcional; e sua forma mais simples de
reprodução envolve a divisão de uma célula, que podemos chamar de “mãe”,
35
em duas outras células, chamadas “células filhas”. A essa divisão
denominamos mitose (BOLSOVER, 2005).
Ainda
torna-se
pertinente
fazer
referência
a
uma
estrutura
extremamente dinâmica e necessária para a vida da célula, a matriz
extracelular. Ela é composta por uma substância de aspecto gelatinoso,
formada por líquidos, oriundo do plasma sanguíneo, de proteínas e fibras. Essa
matriz extracelular é formada por certas células chamadas de fibroblastos que
envolvem a estrutura celular, permitindo assim, o contato entre elas (ADOLFO;
CROZETTA; LAGO, 2006).
Depois de passadas pelo processo de diferenciação, as células
apresentam
estruturas
e
formas
variadas,
geralmente
associadas
a
especializações funcionais que adquirem, formando os tecidos (MELLO, 2007).
Em geral, as superfícies externas e internas dos órgãos são
revestidas pelo tecido epitelial, chamado de epitélio ou tecido de revestimento
(trata-se este, do tecido que interessa ao nosso estudo). Mas, podemos
também citar a existência do tecido epitelial glandular ou de secreção, que é
originado do próprio epitélio e que formará as glândulas (ADOLFO;
CROZETTA; LAGO, 2006).
A pele é formada a partir do tecido epitelial de revestimento,
classificando-o como sendo estratificado ou pluriestratificado, por ser formado
através de várias camadas de células sobre a membrana basal10 (ADOLFO;
CROZETTA; LAGO, 2006).
Importante destacar, que as células possuem um grande potencial de
divisão, só que sob condições normais elas não podem avançar em taxas
elevadas pela limitada quantidade de nutrientes, sendo assim, o controle
existente na divisão celular evita o crescimento excessivo do número de
células, e assegura que as que forem danificadas ou que tenham problemas,
sejam substituídas por outras (BOLSOVER, 2005).
Dessa forma, a anormalidade que fundamenta a origem de um
câncer, está na contínua proliferação desregrada das células. Elas crescem e
se dividem de maneira descontrolada, não obedecendo aos sinais que
controlam o comportamento celular normal. O câncer pode resultar da divisão
10
Membrana basal se localiza logo abaixo do epitélio, que realiza a nutrição do tecido epitelial,
já que este é um tecido avascularizado, ou seja, sem vasos sanguíneos entre suas células
(ADOLFO; CROZETTA; LAGO, 2006).
36
anormal de qualquer tipo de célula, por isso a existência de diferentes cânceres
(COOPER; HAUSMAN, 2007).
A Associação Brasileira do Câncer explica o desenvolvimento de um
tumor da seguinte maneira:
Todos os cânceres se iniciam na célula, a menor unidade estrutural
básica dos seres vivos. O organismo humano é composto por vários
tipos de células, que crescem e se dividem de modo controlado e
ordenado, garantindo o seu bom funcionamento. Uma vez que são
responsáveis pela formação, crescimento e regeneração dos tecidos
saudáveis do corpo, quando ficam velhas ou danificadas, as células
morrem e são substituídas por novas. Mas é possível que esse
processo natural sofra erros.
O material genético (DNA) de uma célula pode sofrer alterações ou
ser danificado, desenvolvendo mutações que afetam o crescimento
normal das estruturas celulares e consequentemente a sua divisão.
Com seus mecanismos de controle da divisão inoperantes, as células
passam a se multiplicar independentemente das necessidades do
organismo.
Por meio de sucessivas divisões, as células acabam formando um
agrupamento de estruturas celulares irregulares que recebe o nome
de tumor. Diante dessa perda de controle intrínseca da multiplicação
celular, só resta ao organismo tentar identificar e destruir essas
estruturas anormais por intermédio do Sistema Imunológico que, por
vezes impotente, não consegue conter a evolução da doença (2010).
Dessa forma, denominamos como câncer, o crescimento anormal de
tecidos, em que a multiplicação de células ocorre de maneira infinita, sem
obedecer às leis de coordenação do organismo, e invadindo o mesmo
(AZULAY; AZULAY, 1999).
Segundo Steve R. Bolsover (2005), a perda da regulação celular está
ligada a lesões celulares, ou seja, a primeiro passo no início do processo de
um tumor, é tido como o resultado de uma alteração genética que leva a
proliferação anormal das células.
Mutações em duas grandes classes de genes estão envolvidos no
estabelecimento do câncer: os proto-oncogenes e os genes
supressores tumorais. Os proto-oncogenes são ativados, originando
os oncogenes, por mutações que causam a ativação excessiva da
promoção do crescimento. Tanto o aumento da expressão gênica
como a síntese de um produto hiperativo terá esse resultado. Os
genes supressores tumorais normalmente limitam o crescimento;
então, a sua lesão permite um crescimento inadequado.
(BOLSOVER, 2005, p. 933)
37
As substâncias que causam o câncer são chamadas de carcinógenos,
e tendo em vista que o desenvolvimento de uma malignidade trata-se de um
processo complexo de múltiplos passos, muitos fatores podem influenciar para
que um câncer se desenvolva. Muitos agentes, incluindo radiação, produtos
químicos e vírus estão sendo indicados como indutores de cânceres
(COOPER; HAUSMAN, 2007).
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA, 2010a):
As causas de câncer são variadas, podendo ser externas ou internas
ao organismo, estando ambas inter-relacionadas. As causas externas
relacionam-se ao meio ambiente e aos hábitos ou costumes próprios
de um ambiente social e cultural. As causas internas são, na maioria
das vezes, geneticamente pré-determinadas, estão ligadas à
capacidade do organismo de se defender das agressões externas.
Esses fatores causais podem interagir de várias formas, aumentando
a probabilidade de transformações malignas nas células normais.
De todos os casos, 80% a 90% dos cânceres estão associados a
fatores ambientais. Alguns deles são bem conhecidos: o cigarro pode
causar câncer de pulmão, a exposição excessiva ao sol pode causar
câncer de pele, e alguns vírus podem causar leucemia. Outros estão
em estudo, como alguns componentes dos alimentos que ingerimos,
e muitos são ainda completamente desconhecidos.
O envelhecimento traz mudanças nas células que aumentam a sua
suscetibilidade à transformação maligna. Isso, somado ao fato de as
células das pessoas idosas terem sido expostas por mais tempo aos
diferentes fatores de risco para câncer, explica em parte o porquê de
o câncer ser mais freqüente nesses indivíduos.Os fatores de risco
ambientais de câncer são denominados cancerígenos ou
carcinógenos. Esses fatores atuam alterando a estrutura genética
(DNA) das células.
O surgimento do câncer depende da intensidade e duração da
exposição das células aos agentes causadores de câncer. Por
exemplo, o risco de uma pessoa desenvolver câncer de pulmão é
diretamente proporcional ao número de cigarros fumados por dia e ao
número de anos que ela vem fumando.
Dessa forma, conforme Blot (2005) podemos numerar alguns fatores
que aumentam a probabilidade da incidência do câncer: 1- Tabaco: O fumo
está intimamente ligado a incidência do câncer de pulmão. Essa associação foi
feita pela primeira vez no ano de 1950, quando observações clínicas
constataram que pacientes com câncer de pulmão eram fumantes. 2- Álcool:
As bebidas alcoólicas foram associadas aos cânceres de fígado, reto e de
mama. Um grande estudo realizado nos Estados Unidos verificou que o risco
de câncer aumentava progressivamente com o aumento da ingestão de álcool
entre os não fumantes como entre os fumantes. 3- Riscos Ocupacionais: As
exposições ocupacionais foram identificadas como causa de câncer há muito
38
tempo. No ambiente de trabalho são reconhecidas 20 substâncias de risco, ao
menos, associadas ao câncer. Podemos citar como exemplo o arsênio
inorgânico, o benzeno, o radônio e seus derivados. 4- Poluição ambiental:
foram identificados carcinógenos na água e no ar, mas tem sido difícil
quantificar os efeitos dessa poluição, inclusive pela incerteza quanto à
quantidade e às características da exposição recebidas pelos indivíduos. 5Agentes medicinais: Muitos dos compostos medicinais tiverem associação com
a incidência de câncer. Mas, vale ressaltar que algumas medicações podem
apresentar efeitos benéficos, como é o caso da aspirina e outras drogas
antiinflamatórias estão associadas com uma menos taxa de incidência de
câncer gastrointestinal. 6- Radiação: A radiação ionizante pode induzir câncer
em humanos, como também em animais. A radiação ultravioleta da exposição
ao sol é a causa dominante de carcinomas e melanomas cutâneos. 7- Dieta e
Nutrição: Existem fortes evidências de que os hábitos alimentares podem
influenciar o risco de câncer. Estudos revelam que alho, cebola e outros
vegetais inibem o risco de câncer no estômago. 8- Agentes infecciosos: Alguns
agentes virais foram associados com o câncer humano, um exemplo é o vírus
da Hepatite B (HBV), causador dos tumores de fígado. 9- Suscetibilidade
genética: O histórico de câncer familiar está associado com um maior risco de
se desenvolver um câncer. “Os efeitos mais acentuados são vistos para o
câncer de pele, com os tumores raramente aparecendo nas pessoas que
herdaram a cor escura da pigmentação da pele”. (BLOT, 2005, p. 1296)
Mas, o organismo humano dispõe de defesas naturais, capazes de
agir como inibidores e interruptores do processo de proliferação de um câncer.
Isso se faz através do sistema imunológico, como também pela capacidade de
reparação do DNA danificado por agentes cancerígenos, e ainda a ação de
enzimas capazes de eliminar substâncias cancerígenas. Isso explicaria, por
exemplo, o porquê de nem todos os fumantes desenvolverem câncer de
pulmão (INCA, 2010a).
O medo dos tumores, e o sofrimento causado por um câncer e seu
tratamento, se associaram para tornar a prevenção uma alta prioridade nas
clínicas médicas e na saúde pública (OMENN, 2005).
A detecção precoce de um câncer vem a ser um fator determinante
no diagnóstico e tratamento do mesmo (COOPER; HAUSMAN, 2007).
39
3.2. O câncer de pele
A pele que se expôs à radiação solar cumulativamente durante anos,
passa por algumas alterações morfológicas (HABIF, 2002).
Dessas
alterações
morfológicas,
podem
surgir
dermatoses
denominadas pré-cancerosas, que evoluindo se tornam um verdadeiro câncer
cutâneo (AZULAY; AZULAY, 1999).
Sendo assim, para a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), o
“câncer da pele é o crescimento anormal e descontrolado das células que
compõem a pele. Estas células se dispõem formando camadas e, dependendo
da camada afetada, teremos os diferentes tipos de câncer” (2010a).
Os cânceres de pele vêm atingindo grande parte da população de
forma mais freqüente e com proporções epidêmicas, desde a metade do século
XX (SAMPAIO; RIVITTI, 2001).
O principal fator para o desenvolvimento de um câncer cutâneo e o
envelhecimento da pele, seria a radiação ultravioleta que está presente nas
cabines de bronzeamento artificial e nos raios solares (SOCIEDADE
BRASILEIRA DE DERMATOLOGIA, 2010a).
Podemos dividir os tipos de câncer em melanoma (MM), e tumores
não-melanoma (incluindo aqui os dois tipos mais comuns que são o carcinoma
basocelular – CBC – e o carcinoma espinocelular – CEC). “As taxas de
morbidade para ambos os grupos é significativa e tem aumentado nas últimas
décadas” (SAMPAIO; RIVITTI, 2001, p. 987).
3.2.1. Cânceres não-melanoma
Segunda dados publicados pelo Instituto Nacional do Câncer
(2010b), o câncer de pele não-melanoma é o que possui maior incidência no
Brasil, para ambos os sexos, e sua letalidade é considerada baixa, mas quando
diagnosticada tardiamente pode causar lesões e ulcerações sérias. Sendo
identificado logo no início, as chances de cura são elevadas.
A estimativa para o Brasil é de 53.410 novos casos de cânceres nãomelanomas entre os homens, e 60.440 entre as mulheres. A maior incidência
40
se encontra na Região Sul do país tanto para homens, quanto para mulheres
(INTITUTO NACIONAL DO CÂNCER, 2010b).
De
forma
global,
as
taxas
de
câncer
não-melanoma
vem
aumentando. A exposição solar, o aumento da expectativa de vida, e a
destruição da camada de ozônio estão intimamente ligadas com o aumento na
incidência desse tipo de câncer. O que antes se detectava mais nos pacientes
idosos, vem sendo encontrado cada vez mais em pessoas jovens, entre 30 e
40 anos (SCHUCHTER, 2005).
Esse câncer possue dois tipos de maior incidência. São os
carcinomas basocelulares, considerado o mais freqüente, atingindo 70% dos
casos, e os espinocelulares, segundo tipo mais comum e que pode se
disseminar por meio de gânglios e provocar metástase (SOCIEDADE
BRASILEIRA DE DERMATOLOGIA, 2010a).
3.2.1.1. Carcinoma Basocelular
É considerado “o tipo mais benigno, pois sua malignidade é local”.
Apresenta como característica, feridas que sangram com facilidade, formando
secreções e crostas, não cicatrizando. A maior incidência está na faixa de
idade de 40 anos, ocorrendo, nos 2/3 superiores da face (nariz, testa,
pálpebras, bochecha) (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DERMATOLOGIA,
2010a).
O carcinoma basocelular é a neoplasia mais comum, sendo
localmente destrutivo, de crescimento lento e permanente (HABIF, 2002, p.
362).
Esse
tipo
de
carcinoma
consiste
em
placas
eritematosas
descamativas, e pode ser confundido com dermatoses inflamatórias benignas,
especialmente o eczema numular e a psoríase, podendo se apresentar
também como um nódulo perolado (CHILLER et al., 2006).
Segundo Thomas P. Habif,
O carcinoma basocelular pode ocorrer em qualquer idade, mas é
mais comum após os 40 anos. A maior incidência ocorre em pessoas
com tipos de pele clara; é menos comum em asiáticos e raro em
negros. A exposição cumulativa ao sol e à radioterapia são fatores
de risco importantes. Os tumores ocorrem mais comumente na face,
41
no couro cabeludo, nas orelhas e no pescoço; menos
frequentemente nas áreas expostas ao sol do tronco e nas
extremidades; raramente ocorrem no dorso das mãos (2002, p. 362).
Quando não tratado, o carcinoma basocelular persiste e aumenta,
invadindo e destruindo estruturas que o circundam, persistindo, em geral, sob a
cicatriz, quando a detecção é retardada. Em pacientes que desenvolveram um
carcinoma basocelular, o risco anual de desenvolver outro, quando não foi
tratado, é de 5 a 8%, e em 5 anos estima-se em 40% o risco de ter novamente
a doença (HABIF, 2002; CHILLER et al., 2006).
Apesar de possuir uma baixa taxa de mortalidade, o carcinoma basocelular pode resultar numa morbidade significativa, uma vez que o crescimento
local pode ser invasivo, com um potencial de desfiguração e destruição da
pele, osso e cartilagem (SCHUCHTER, 2005).
Dentro da evolução habitualmente muito lenta, a lesão estende-se
pouco a pouco, ulcera-se ligeiramente, cicatriza-se; volta a ulcerar e
a reparar-se, estendendo-se cada vez mais, alcançando extensão
igual ou maior que 10 centímetros. A borda, parte ativa ou de
crescimento, é um pouco elevada, perlácea, sendo o contorno
frequentemente irregular. Há casos em que a lesão assume caráter
intensamente destrutivo comprometendo o plano cartilaginoso e
ósseo, com o que metade ou todo o nariz pode ser destruído e
também o globo ocular (BECHELLI; CURBAN, 1978, p. 418).
O índice de mortalidade desse tipo de carcinoma é baixo e tem
diminuído, provavelmente devido ao melhor conhecimento médico dessas
neoplasias, e os métodos utilizados para tratamento (SAMPAIO; RIVITTI,
2001).
Se for tratado de forma adequada, os carcinomas basocelulares
apresentam um percentual de 90% de cura dos casos (SAMPAIO; RIVITTI,
2001).
Os
basicamente
tratamentos
a
mais
utilizados
eletrodessecação
e
para
curetagem,
o
CBC
compreendem
excisão,
criocirurgia,
radioterapia, terapia a laser, etc. O tratamento escolhido dependerá das
características do tumor, a idade do paciente e seu estado de saúde, suas
preferências, dentre outros fatores a serem analisados pelo especialista
(CHILLER et al., 2006).
42
Quanto mais precoce for o tratamento, mais favorável será o
resultado de melhora, como expõe Luís Marino Bechelli e Guilherme V.
Curban:
Os carcinomas baso-celulares crescem lentamente, durante anos,
para adquirir diâmetro de um ou mais centímetros. Podem manter-se
estacionários por longo tempo. A metástase seria excepcional,
ocorrendo muitos anos após o aparecimento do tumor primitivo. O
prognóstico é favorável e também quanto ao desenvolvimento local
do tumor. Entretanto, há carcinomas baso-celulares destrutivos,
tenebrantes e prognóstico é reservado mas em geral, tanto mais
favorável quanto mais precoce o tratamento. (1978, p. 419)
Diversos são os métodos de tratamento que apresentam resultados
satisfatórios, mas após a cura é necessário uma vigilância semestral durante
um ou dois anos, pois, embora remota, há possibilidade de se ter o
aparecimento de um CBC novamente (BECHELLI; CURBAN, 1978).
3.2.1.2. Carcinoma espinocelular
O carcinoma espinocelular é de caráter mais invasivo e, pode causar
metástase com mais freqüência. Tem origem, geralmente, em lesões
preexistentes, como por exemplo queratoses solares, leucoplasias ou cicatrizes
de queimaduras. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO CÂNCER, 2010)
No mesmo sentido, Luís Marino Bechelli e Guilherme V. Curban
descrevem da seguinte forma:
Menos freqüente que o carcinoma baso-celular (cerca de 15 a 20%
dos cânceres cutâneos), lesa pele e mucosas, possui caráter mais
maligno por dar metástase e evoluir com maior rapidez, levando à
morte, em poucos anos, quando não tratado. Surge em pele
aparentemente sã ou, o que é freqüente, em lesões de ceratose
senil, leucoplasia e radiodermite, cicatriz de queimadura e de lupo
vulgar. (1978, p. 420-421)
Esse tipo de câncer é mais comum em pessoas de pele clara, e
incidem com maior freqüência com o avançar da idade. A média para o início
do carcinoma espinocelular é de 60 anos (OTTO, 2002).
De acordo com a Associação Brasileira do Câncer, o carcinoma
espinocelular:
Pode ser reconhecido por alguns sinais, tais como uma pequena
placa vermelha com descamação na superfície ou assemelhar-se a
43
uma verruga ou pinta saliente. Costuma incidir em adultos com mais
de 50 anos. As localizações mais comuns são: lábio inferior, orelhas,
face, pescoço, braços, dorsos das mãos, mucosa bucal e genitália
externa.
(2010)
O CEC costuma aparecer na pele lesada pela exposição solar, e
todos os fatores mencionados para o CBC também estão associados ao
carcinoma espinocelular (OTTO, 2002).
O carcinoma espinocelular pode apresentar ainda, ulceração,
coceira, dor e sangramento. Quando não tratado pode causar destruição local,
e ao contrário do carcinoma basocelular implica no risco de apresentar
metástase (SCHUCHTER, 2005).
O tratamento pode ser realizado através de cirurgia ou radioterapia.
A escolha do método dependerá de alguns fatores como a rapidez de
crescimento, localização, metástase e duração do carcinoma (BECHELLI;
CURAN, 1978).
Para Bernard Pierquin e François Baillet (1981) os carcinomas
espinocelulares aparecidos sobre queimaduras ou radiodermatites podem obter
êxito em seu tratamento se forem tratados quer por cirurgia, quer por
radioterapia, podendo obter igual êxito.
3.2.2 Melanoma
O Melanoma11 cutâneo se origina nos melanócitos, e é considerado o
câncer de pele mais agressivo (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO CÂNCER,
2010).
Na pele os melanócitos produzem, através dos melanossomas, a
melanina que é um pigmento escuro capaz de filtrar a radiação ultravioleta.
Sendo assim, as pessoas que vivem em regiões mais ensolaradas, possuem
uma produção de melanina maior. Cumpre ressaltar, que a quantidade de
melanócitos não varia muito de acordo com a raça, o que difere é a quantidade
de pigmentos produzidos por cada raça (MARSILLAC; ROCHA, 1980).
11
O termo Melanoma, já consagrado apesar de imperfeito, reúne todo o grupo de tumores
malignos oriundos do melanócito, célula responsável pela produção de melanina. A adição do
adjetivo maligno nos parece desnecessária, como nos linfomas, já que não mais falamos em
melanomas (ou linfomas) benignos. (MARSILLAC; ROCHA, 1980, p. 244)
44
Os casos de melanoma vêm aumentando no mundo, nas ultimas
décadas. Têm-se como causador principal, da incidência desse tipo de câncer,
a maior exposição ao sol, principalmente no inicio da vida. O melanoma é
considerado o principal causador de mortes por cânceres cutâneos, e, a idade
média de diagnóstico está por volta dos 50 anos, sendo praticamente uma
doença restrita à etnia branca (SCHUCHTER, 2005).
O Instituto Nacional do Câncer (2010b) estima que no ano de 2010,
no Brasil, serão 2.960 novos casos entre os homens, e 2.970 entre as
mulheres.
O melanoma vem sendo uma matéria de grande preocupação para
os cancerologistas e para os outros especialistas com o decorrer do tempo. Ele
desperta atenção por sua agressividade, se desenvolvendo a partir de lesões
que não são levadas a sério (MARSILLAC; ROCHA, 1980).
Ao lado dos cânceres cutâneos, os melanomas malignos merecem
ser individualizados em razão de sua freqüente localização cutânea.
É provável que tenham origem nervosa. Mesmo ao nível da pele, seu
prognóstico é temível, tanto por sua evolução local como por sua
temível tendência à difusão metástica. (PIERQUIN; BAILLET, 1981,
p. 82)
O melanoma tem se tornado cada vez mais comum, mas ele é
potencialmente curável com a detecção e o tratamento precoces. Os sinais
iniciais do melanoma se baseiam no aparecimento de uma lesão pigmentada
com a modificação do seu formato, cor ou superfície. A presença de coceira,
dor e ardência devem aumentar a suspeita, mesmo não possuindo uma relação
direta entre melanoma e desconforto local. Com sangramento e ulceração, é
sinal da existência de um melanoma mais avançado. O ABCD para
identificação de um melanoma é: Assimetria, Bordas irregulares, variação de
Cor, e Diâmetro superior a 6mm (HABIF, 2002; SCHUCHTER, 2005).
A taxa de mortalidade do melanoma tem aumentado a uma
velocidade maior do que qualquer outro câncer, o que era considerado tumor
raro no passado, hoje já não o é mais (SAMPAIO; RIVITTI, 2001).
Podemos colocar como sendo os sintomas principais relativos à
lesão primitiva do melanoma: o crescimento, a alteração de coloração e o
sangramento:
O crescimento (ou alteração de forma) é característico; ou pelo
aparecimento de uma lesão pigmentada que progride ou pela
45
alteração de um nevo preexistente. Esse crescimento progressivo
pode ser no sentido horizontal (fase de crescimento superficial) ou
vertical, formando o nódulo. As alterações de cor, em geral, são
caracterizadas pelo escurecimento intenso, chegando à cor negra
característica do melanoma típico, comparado à tinta nanquim ou à
geléia de uva. A falta de cor (hipopigmentação) aparece nos casos
de melanoma amelanócito ou nos casos de regressão espontânea,
onde o local outrora ocupado pela lesão se substitui por mancha
plana hipopigmentada. O sangramento é freqüente no melanoma
nodular, mormente após trauma. Em geral é discreto e cessa com
facilidade. Repete-se até com pequenos atritos, como o ato de vestirse. (MARSILLAC; ROCHA, 1980, p. 247)
Ainda, segundo Bernard Pierquin e François Baillet, a detecção
ocorre da seguinte maneira:
Trata-se, habitualmente de uma pinta (ou nevo) sem pêlo que se
modifica espontaneamente ou sob o efeito (aparente) de um
traumatismo. Esta pinta se modifica: ela aumenta de volume e se
torna sensível; ela é circundada por uma auréola eritematosa; ela
sangra ao ser arranhada; ela pode muito precocemente ser
acompanhada de uma adenopatia satélite dura, arredondada, mais
ou menos fixada. Não é raro, todavia, que um melanossarcoma
apareça sobre uma pele aparentemente sã. Sem dúvida, um nevo
pigmentar pode ser a sede de um surto inflamatório banal: donde há
necessidade de um exame clínico muito cuidadoso e do parecer de
um dermatologista ou de um cancerologista. (1981, p. 82)
Podemos dividir o melanoma maligno cutâneo em 4 tipos principais,
que diferem entre si no modo de início, evolução, prognóstico e incidência. “Os
dois mais comuns são o melanoma de disseminação superficial e o melanoma
nodular” (LEVER, 1991, p. 715).
O melanoma nodular é mais invasivo e tem um pior prognóstico do
que o melanoma de disseminação superficial, mostrando desde o começo uma
disseminação vertical. Localiza-se com maior freqüência no tronco, na cabeça
e no pescoço, podendo ocorrer em qualquer faixa etária, porém é mais comum
acima dos 40 anos de idade (LEVER, 1991; ALMEIDA, 2006).
O melanoma de disseminação superficial responde por 70 a 80% dos
casos de todos os melanomas, sendo dessa forma o subtipo mais comum.
Geralmente ele é detectado em pele caucasiana (branca), sendo observado
com maior freqüência na região do tronco e nas extremidades (HABIF, 2002;
ALMEIDA, 2006; CHILLER et al., 2006).
Por ser dotado de grande malignidade, independente se for de
disseminação superficial ou nodular, o melanoma frequentemente produz
46
metástases, podendo se propagar em extensão, e muito rapidamente em
profundidade, atingindo planos musculares e mais tarde podendo ganhar a
rede sanguínea, chegando a órgão como fígado, cérebro, pulmões e outras
áreas do tegumento (BECHELLI; CURBAN, 1978).
Dessa forma, precioso se torna o estudo dos fatores que influenciam
no aparecimento do câncer de pele. Já vimos no item 2.1 vários tipos de
carcinógenos que auxiliam para incidência de um câncer, mas, para os tumores
cutâneos nos parece indiscutível que o fator que traz mais influência no
aparecimento dessa doença é a exposição aos raios ultravioletas, ou seja, a
exposição inadequada e sem proteção ao sol (OTTO, 2002).
3.3. Fatores que influenciam na incidência do câncer de pele
Apesar de não se saber as causas intrínsecas do surgimento de um
câncer, através de fontes clínicas e experimentais, podemos saber que existem
alguns fatores carcinogênicos de diferentes naturezas, sejam elas físicas,
químicas ou biológicas (fatores já estudados no tópico 2.1 deste capítulo)
(AZULAY; AZULAY, 1999).
Pode-se considerar como principal carcinógeno para a pele os raios
ultravioletas (RUV), agindo de duas formas. A primeira seria, gerando dímeros
de timina, ou seja, seria a fase de iniciação12. “A segunda estaria relacionada à
imunodepressão que causa ao depletar células de Langerhans da epiderme e
estimular o aparecimento de clones de linfócitos supressores (promoção13),
facilitando assim, o crescimento tumoral14” (AZULAY; AZULAY, 1999, p. 320).
Segundo Isaias Raw et al.:
A associação entre a exposição à luz e a incidência de tumores da
pele foi descrita no início deste século, mas só em 1928 foi
demonstrado experimentalmente que radiações ultravioletas
induziam câncer.
12
Iniciação: é o primeiro estágio da indução ao câncer. Ocorrerá quando determinado agente
for capaz de gerar alterações permanentes no genoma da célula e de sua progênie. Ex.:
ultravioleta (UV) (AZULAY; AZULAY, 1999, p.320).
13
Promoção: deverá ocorrer após a iniciação e o agente deverá ser aplicado repetidas vezes,
causando alterações reversíveis como inflamação, irritação, hiperplasia. Ex.: UV (AZULAY;
AZULAY, 1999, p.320).
14
Carcinógeno completo: seria o agente capaz de iniciar e promover tumor. Ex.: RUV (AZULAY;
AZULAY, 1999, p.320).
47
Os efeitos das radiações são cumulativos e calcula-se que uma
pessoa de 65 anos tenha recebido ao longo dos anos (nos Estados
Unidos) 16 rad (unidade de radiação que representa 100 ergs de
energia dissipados por grama de tecido). Deste, 12 constituem a
radioatividade natural existente no meio ambiente, e os restantes são
produzidos pelo homem (1990, p. 11).
O efeito cancerígeno da radiação solar sobre a pele ocorre de
maneira cumulativa, isto é, vai-se processando progressivamente com a idade,
de modo que o fato justifica, pelo menos em parte, a maior freqüência de
epiteliomas nas ultimas décadas da vida. É importante ressaltar, que os raios
ultravioletas do tipo B (UVB) são mais carcinógenos do que os do tipo A (UVA)
(AZULAY; AZULAY, 1999).
A UVB é o agente carcinogênico mais importante, causando
alterações no DNA e outros componentes celulares, alterando o
sistema imune e reagindo com agentes químicos fotoativos
exógenos. A depleção da camada de ozônio, principalmente as
custas dos fluoroclorocarbonos produzidos pelo homem, tem sido
aventada como uma das acusas do aumento da incidência desses
cânceres (SAMPAIO; RIVITTI, 2001. p. 988).
A exposição solar, seria o fator mais importante para o surgimento de
um carcinoma basocelular (CBC). Esse tipo de tumor, surge nas áreas mais
expostas ao sol, sendo comuns em trabalhadores rurais, marinheiros e outros
que precisam ter esse tipo de exposição em virtude da atividade laboral, como
também nos idosos, por terem tido no seu tempo de vida uma exposição a
radiação solar de forma cumulativa. Mas, temos outros fatores que merecem
menção, como é o caso da exposição a substâncias químicas (alcatrão,
arsênico, etc), fatores genéticos como pessoas com pele clara e cabelos
louros, além do histórico de queimaduras profundas, que aumentam o risco de
aparecimento do CBC (OTTO, 2002; SAMPAIO; RIVITTI, 2001).
O aparecimento de um carcinoma espinocelular (CEC) também está
ligado a exposição cumulativa à radiação solar sem a proteção adequada,
como também existe relação com o tabagismo, exposição a substâncias
químicas como arsênio e alcatrão, e alterações na imunidade (SOCIEDADE
BRASILEIRA DE DERMATOLOGIA, 2010a).
A incidência de um câncer não-malanoma aumenta com a
proximidade da linha do Equador, onde a radiação solar ocorre de forma mais
intensa. Indivíduos de pele clara, que nunca bronzeiam e sempre queimam
quando expostos ao sol, de olhos claros, cabelos ruivos ou louros, são os mais
48
predispostos ao desenvolvimento de um câncer cutâneo não melanoma, seja
ele um carcinoma basocelular (CBC), ou um carcinoma espinocelular (CEC)
(SAMPAIO; RIVITTI, 2001).
A melanina é um aspecto importante na proteção da pele, “tanto que
os povos de origem celta têm mais tumores de pele que os asiáticos,
hispânicos e negros”. Os negros que desenvolvem cânceres cutâneos, teriam
suas causas mais relacionadas com condições inflamatórias da pele, como por
exemplo cicatrizes de queimaduras ou traumas e úlceras crônicas, do que a
própria exposição solar, e nesse caso os tumores mais comuns seriam os
carcinomas espinocelulares (SAMPAIO; RIVITTI, 2001).
É importante ressaltar que a pessoa que já teve um tumor nãomelanoma, possui 40% de chance de adquirir um novo carcinoma dentro de
um curto período de tempo, estimado próximo dos 5 anos (CHILLER et al.,
2006).
Para o surgimento do melanoma a exposição solar desempenha um
papel importante na sua formação, uma vez que são as queimaduras e bolhas
formadas a partir da exposição solar intensa que possuem maior relação com o
surgimento desse tipo de carcinoma cutâneo (ALMEIDA, 2006).
Como também ocorre para os casos de câncer não-melanoma, a
maior incidência do melanoma maligno (MM) se encontra nas regiões próximas
ao Equador, sendo as pessoas de pele branca as mais afetadas, e as de pele
negra com raros casos (SAMPAIO; RIVITTI, 2001).
Pessoas com pele clara, cabelos claros dobram o risco de ter um
melanoma. Quando há um histórico familiar (principalmente parentes de 1º e 2º
graus), existe um maior risco genético de desenvolver MM. Presença de nevos
atípicos também se tornam um fator para o desenvolvimento da doença. Devese ter cuidado com queimaduras solares com bolhas, ou desconfortáveis, que
duram mais de 48 horas, elas são consideradas um fator de risco para o
desenvolvimento de um melanoma (HABIF, 2002; OTTO, 2002).
A Associação Brasileira do Câncer (2010) associa como fatores de
risco para o desenvolvimento de um melanoma, a sensibilidade ao sol, a pele
clara, se expor de forma excessiva ao sol, ter um histórico de câncer de pele,
história familiar de melanoma, a existência de um nevo congênito (pinta
49
escura), lesões cutâneas crônicas e nevo displásico (lesão escura da pele, com
alterações celulares pré-cancerosas).
Além de causar o câncer de pele, a exposição prolongada da pele
ao sol e de forma cumulativa pode causar o envelhecimento cutâneo, por isso é
importante se utilizar dos meios de prevenção a esse efeito causado pelas
radiações ultravioletas (AZULAY; AZULAY, 1999).
3.4. Formas de prevenção ao câncer de pele
A incidência dos raios ultravioletas sobre a Terra está cada vez mais
agressiva, dessa forma, todas as pessoas devem estar atentas aos cuidados
que são necessários quando se submetem à exposição solar (SOCIEDADE
BRASILEIRA DE DERMATOLOGIA, 2010a).
A proteção da exposição solar não está relacionada apenas a
“secura” que os raios ultravioletas proporcionam à pele, mas principalmente
para impedir ou reduzir a ação nociva deles (FONSECA, 2000).
A Sociedade Brasileira de Dermatologia recomenda o uso de
chapéus, camisetas e protetor solar para proteção da pele, além de se evitar os
horários entre as 10h e 16h (durante o horário de verão) para se expor ao sol
(SOCIEDADE BRASILEIRA DE DERMATOLOGIA, 2010a).
Quando se fala em prevenção ao câncer de pele, não é mencionado
qual o meio mais eficaz para garantir a proteção contra os agentes que
influenciam na incidência de tal doença, mas a recomendação de se reduzir o
tempo de exposição ao sol é imperante, além da recomendação do uso de
fotoprotetores, também conhecidos por filtros solares, com fator de proteção 15
ou superior (SCHUCHTER, 2005; OTTO, 2005; ALMEIDA, 2006).
Cumpre destacar que, a melanina é um elemento protetor natural,
dessa forma a epiderme muito pigmentada, ou que possui a capacidade de se
pigmentar rapidamente, estará naturalmente protegida, necessitando de
produtos com menos fator de proteção, mas isso não quer dizer que os
cuidados devem ser diminuídos (BARATA, 1994).
Em consonância com grande parte dos autores, Shirley E. Otto
assim ressalta:
50
Os métodos de prevenção do câncer de pele não-melanoma e do
melanoma maligno são semelhantes. Evitar exposição intensa ao sol
e usar vestuário de proteção e filtro solar são importantes. As
crianças também devem ser protegidas de queimaduras, pois há risco
maior de melanoma em pessoas que sofreram queimaduras solares
traumáticas quando crianças (2002, p. 264).
Foi por causa da consciência adquirida da relação existente entre a
exposição aos raios ultravioletas e os sinais de envelhecimento, incluindo rugas
e
despigmentação,
que
se
desencadeou
um
maior
interesse
pelos
fotoprotetores (DRAELOS, 2005).
Os filtros solares são considerados produtos eficazes na proteção do
câncer de pele, por bloquearem primariamente os raios ultravioletas (UV), que
são considerados os agentes principais dos tumores cutâneos (SCHUCHTER,
2005).
Eles são divididos em dois grupos, os bloqueadores solares
químicos, e os bloqueadores solares físicos. Os químicos possuem moléculas
que absorvem a energia da luz radiante, enquanto que os físicos colocam uma
cobertura na pele que reflete a luz. As roupas com proteção solar podem agir
como filtro solar físico (DRAELOS, 1999).
Segundo Zoe Diana Draelos:
Os componentes fotoprotetores ativos contidos nos filtros solares
químicos são definidos como absorventes, refletores ou dispersores
de radiação no espectro de UV, em comprimentos de onda entre
290-400nm. Os componentes ativos dos filtros solares químicos
(também chamados solúveis ou orgânicos) previnem queimadura
solar pela absorção da radiação UV como fótons de energia luminosa
que são transformados em radiação inofensiva de comprimento longo
e então reemitida como calor (2005, p. 153).
Já com relação aos filtros solares físicos, têm-se o seguinte:
Substâncias filtradoras solares físicas são fórmulas opacas contendo
matéria em partícula que é capaz de refletir e dispersar energia da
luz. As únicas substâncias filtradoras solares que podem bloquear
completamente UVB, UVA e comprimentos de onda de luz
infravermelha visível são bloqueadores solares físicos. A melhor
proteção UVA, todavia,é conseguida pela combinação de uma
substância física filtradora de sol com uma substância UVA filtradora
de sol de amplo espectro (DRAELOS, 1999, p. 250).
A Sociedade Brasileira de Dermatologia (2010a) ressalta que 75%
da radiação ultravioleta se recebe nos 20 primeiros anos de vida, mas sua
manifestação só ocorre com o tempo, sendo por volta dos 40 anos que surgem
lesões, por isso é importante proteger as crianças e incentivar os jovens a se
cuidarem.
51
Muitos dermatologistas recomendam a utilização de filtros solares
com um FPS de 15 ou mais para obtenção de uma proteção solar adequada.
Essa recomendação também é seguida pela Associação Brasileira do Câncer,
indicando que seja utilizado FPS no mínimo de 15, e, pessoas com pele, olhos
ou cabelos claros, utilizem FPS 30 ou superior (DRAELOS, 1999; OTTO, 2002;
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO CÂNCER, 2010).
Ainda segundo Zoe Diana Draelos:
A eficácia de um filtro solar é influenciada por fatores ambientais,
incluindo umidade e atividade. Como a natação e os esportes que
provocam sudorese são atividades mais comuns no calor, durante o
dia e em ambientes abertos, a capacidade do filtro solar de manter
suas propriedades sob condições úmidas é crítica. “Resistência à
água” é definida como a manutenção do FPS do rótulo do produto
após 40 minutos de imersão na água em uma piscina de água
fresca,piscina com águas agitadas ou banheira, consistindo em
períodos de 20 minutos de atividade moderada separados por
períodos de 20 minutos de descanso e concluído com secagem ao ar
livre sem uso de toalha. Para ser considerado “muito resistente à
água” o filtro solar deve manter seu FPS durante um teste
ergométrico incluindo 80 minutos de atividade moderada na água
(2005, p. 156).
Por essa explicação, é que se recomenda a aplicação do Protetor
Solar na pele, cerca de 15 a 30 minutos antes da exposição ao sol, e que seja
reaplicado de 2 em 2 horas, ou então, sempre que sair da água da piscina ou
do mar, ou então quando for praticado atividades que causem transpiração de
maneira intensa (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO CÂNCER, 2010).
Por fim, importante ressaltar que, a prevenção, detecção precoce e a
identificação do tipo de câncer cutâneo são a chave para o não aparecimento
do câncer cutâneo, a melhora e sobrevida do paciente, respectivamente
(SCHUCHTER, 2005).
A atuação do poder público, com ações que visem a prevenção do
câncer de pele, são também importantes e necessárias, para que haja uma
maior conscientização da população sobre as conseqüências dessa espécie de
neoplasia, e também se proporcione a saúde e o bem-estar de todos. Dessa
forma, passaremos a estudar as políticas públicas realizadas pelo Estado, em
especial as voltadas à saúde, ressaltando a possibilidade de se incluir no rol
das políticas públicas em saúde, o fornecimento do protetor solar como forma
de prevenção e combate ao câncer de pele.
52
4. A possibilidade de inclusão do fornecimento do protetor solar no rol
das políticas públicas em saúde de prevenção ao câncer de pele: o
projeto de Lei 3.730/2004
4.1 Conceito e classificação de políticas públicas
Atualmente existem diferentes abordagens, teorizações, vertentes
analíticas que procuram dar significação aos processos de formação e gestão
das políticas públicas (TREVISAN; BELLEN, 2008).
Mas, para iniciar, podemos destacar como simples e breve conceito
de políticas públicas, o conjunto de medidas praticadas pelo Estado para
efetividade dos direitos fundamentais, ou seja, é a atuação do Estado na vida
social. Hoje, vê-se como inegável o papel promocional do Estado na
materialização de uma ordem social mais justa, já que encontramos políticas
públicas nas áreas da saúde, educação, moradia, lazer, entre outras (FREIRE
JUNIOR, 2005).
Segundo Américo Bedê Freire Junior:
[...] em regra, as políticas públicas são os meios necessários para a
efetivação dos direitos fundamentais, uma vez que pouco vale o mero
reconhecimento formal de direitos se eles não vêm acompanhados de
instrumentos para efetivá-los (2005, p. 48).
Nesse sentido, as políticas públicas estão ligadas com a utilização
de instrumentos estatais de intervenção na economia e na vida privada, de
acordo com as limitações impostas pela Constituição, com o objetivo de
assegurar
as
condições
necessárias
para
o
desenvolvimento
social,
demandando de uma combinação entre vontade política e conhecimento
técnico (APPIO, 2005).
Para Pedro Demo (2005), as políticas sociais, que aqui entendemos
também como políticas públicas, podem ser contextualizadas na visão do
Estado, como propostas planejadas de enfrentamento das desigualdades
sociais.
Fazendo uma relação histórica, podemos perceber que não se
realizou a construção de sociedades propriamente iguais, mas talvez
toleráveis, como por exemplo, na democracia. As sociedades democráticas
podem ser tidas como imperfeitas, mas apresentam como vantagem uma
53
convivência marcada por regras capazes de reduzir as desigualdades e a
discriminação social (DEMO, 2005).
Deve se compreender as políticas públicas como produtos históricos
das relações estabelecidas entre a sociedade e o Estado. No auge do
capitalismo, relatos da época descrevem a invasão das cidades por miseráveis
que
perambulavam
pelas
estradas,
transformando-as
em
centros
de
banditismo e criminalidade. A proteção social nesse momento histórico é
rompida, deixando os pobres à própria sorte (PAIM, 2002).
A questão social adquiriu grande intensidade após a crise
econômica de 1929, uma vez que o desenvolvimento do capitalismo
determinou novas relações entre o capital e o trabalho, e entre estes com o
Estado, se fazendo um resgate do papel mediador civilizador do Estado, ou
seja, o exercício dos poderes políticos de interferência nas relações sociais.
Dessa forma, o Estado tomou para si a responsabilidade pela formulação e
execução de políticas econômicas e sociais, visto que as políticas públicas
envolvem conflitos de interesses entre as classes sociais (CUNHA; CUNHA,
2002).
Nas palavras de Eduardo Appio:
[...] somente a partir do processo de reconstrução do capitalismo,
dentro do período histórico que coincide com a adoção do
capitalismo, dentro do período histórico que coincide com a adoção
do chamado “New Deal” se pode falar em uma verdadeira intervenção
estatal planejada na economia – acompanhada de forte inversão de
recursos do Estado em serviços sociais. [...] o Estado intervencionista
não é uma concessão do capital, mas a única forma de a sociedade
capitalista se preservar, necessariamente mediante empenho na
promoção da diminuição das desigualdades socioeconômicas (2005,
p. 144).
As demandas por novas políticas públicas surgem pela existência de
problemas advindos do conjunto de atores sociais que necessitam a inclusão
deles na agenda governamental (MATTOS, 2007).
Para Amélia Cohn:
[...] nas sociedades capitalistas modernas as políticas sociais
assumiram uma dupla função: a par regular a relação entre capital e
trabalho, definindo os limites de ação de cada uma dessas categorias
sociais fundamentais da sociedade na busca de seus ganhos e de
suas conquistas, garantir à população em geral um patamar mínimo
de condições de vida e de reprodução social, sempre definido esse
patamar segundo convenções sociais contratadas socialmente.
54
Nesse sentido, as políticas sociais surgem como políticas que
compensam de certo modo as desigualdades sociais geradas pelo
processo de acumulação capitalista, vale dizer, pelo mercado (2008,
p. 229-230).
Foi o chamado Estado de Bem Estar Social (Welfare State) que
representou um exemplo histórico de intervenção estatal pelas políticas
públicas. Assim, é impossível deixar de reconhecer a presença do Estado na
vida social (PAIM, 2002; DEMO, 2005).
Segundo Pedro Demo:
Embora nem toda política social seja e deva ser estatal, é impossível
deixar de reconhecer a presença avassaladora do Estado em nossa
sociedade. Discutir essa problemática é essencial, até porque, em
termos de bem-estar social, sempre se supõe que o agente principal
seja o Estado, pelo menos aos olhos do welfare state (2005, p. 43).
Em muitos setores, a atuação do Estado significou a possibilidade
de investimentos em estruturas básicas alavancadoras do processo produtivo
industrial, ou seja, a prestação de serviços sociais criou condições básicas de
desenvolvimento econômico. O Estado reclamou para si a ação positiva de
alterar as condições materiais de seus cidadãos para se garantir uma
igualdade real de oportunidades, através da atuação da Administração Pública
(APPIO, 2005).
O Estado é o administrador central de bem-estar, ele é o
responsável pelo processo de distribuição de renda e prestação dos serviços
básicos, e foi o desenvolvimento econômico que proporcionou condições para
o financiamento do Estado de bem-estar. Sendo assim, o objetivo central das
políticas públicas seriam o conjunto de ações que garanta o acesso de todos
aos direitos sociais básicos (SALOMÃO, 1991).
A importância do Estado está no seu caráter público, pois toda
sociedade necessita dele, por ser agente relevante de assistências e serviços
públicos, na quantidade e na qualidade convenientes, de acordo com cada
sociedade (DEMO, 2005).
Na concepção de Ruben Araújo de Mattos:
[...] concebemos as políticas como respostas ou tentativas de
respostas dadas pelo governo a certos problemas públicos. As
diversas tentativas governamentais de regular ou intervir sobre certos
problemas podem ser reconhecidas e analisadas. Ou seja, em um
55
certo momento, é possível identificar quais são os problemas e
questões tomados a sério pelos que atuam no governo, problemas e
questões que suscitam políticas (2007, p. 50).
Nesse contexto de políticas públicas, podemos dividi-la em quatro
formatos. O primeiro seria as políticas distributivas, que desconsideram a
questão dos recursos limitados, e acabam gerando efeitos mais individuais
devido ao privilégio que concedem a certos grupos sociais ou região, em
detrimento de outro. A segunda divisão trata-se das políticas regulatórias, são
mais visíveis ao público envolvendo uma certa burocracia, políticos e grupos de
interesse. O terceiro formato vem das políticas redistributivas, atingindo um
maior numero de pessoas, são políticas sociais mais universais, que podem
trazer uma perda para alguns, e um ganho à outros. O quarto se refere às
políticas constitutivas, que são as que lidam com o procedimento (SOUZA,
2006).
Dessa forma, por todo o exposto até agora, podemos muito bem
definir o papel das políticas públicas através das palavras de Celina Souza:
Pode-se, então, resumir política pública como o campo do
conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em
ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando
necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações
(variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se
no estágio em que os governos democráticos traduzem seus
propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que
produzirão resultados ou mudanças no mundo real (2006, p. 26).
No Brasil, a análise das políticas públicas foi impulsionada a partir da
década de 80 pela transição democrática. Podemos destacar como três, os
motivos que marcaram o início dessa transição. O primeiro foi que durante a
década de 70 as discussões se limitavam à preocupação dos impactos
redistributivos das ações governamentais, então as questões centrais desse
arranjo institucional estavam ligadas com a descentralização, participação,
transparência, e a relação público-privado nas políticas. Em segundo, com o
fim do regime autoritário, a perplexidade e o desencantamento com relação ao
Estado levaram a um maior interesse sobre a efetividade das ações públicas.
Já em terceiro, e ultimo lugar, a internacionalização da idéia de reforma do
Estado, nas décadas de 80 a 90, provocou uma expansão dos estudos de
políticas públicas (TREVISAN; BELLEN, 2008).
56
A CRFB/88 adotou o principio da participação popular na elaboração
das políticas públicas de saúde, assistência social, educação, direitos da
criança e do adolescente, com o intuito de possibilitar que a sociedade
compartilhe com o Estado a definição de prioridades e a elaboração delas,
exercendo assim a cidadania. Essa participação popular ocorre através dos
Conselhos, que são classificados em três tipos: Conselhos de programas;
Conselhos temáticos; e Conselhos setoriais15. No Brasil, a implementação dos
conselhos surgiu do esforço de mobilização social e dos debates que
precederam a CRFB de 1988 (MARTINS, 2008).
O Estado sempre terá sua ação voltada para a satisfação do bem
público, no sentido da necessidade geral da sociedade. Assim, é reconhecido
pela Constituição brasileira que todo individuo brasileiro tem igual direito com
relação aos demais de acesso aos serviços destinados a contentar suas
necessidades de saúde, educação, assistência social, entre outros, sendo a
responsabilidade exclusiva do Estado no dever de prestá-lo (COHN, 2008).
Fazendo referência às políticas públicas voltadas a saúde, que é o
foco central do presente estudo, temos a garantia de acesso aos serviços
públicos de saúde por todos os brasileiros, desde os serviços de medicina
preventiva até os da curativa (SALOMÃO, 1991).
As políticas públicas voltadas para área da saúde devem ter como
público alvo toda a população, independente da condição social, uma vez que
a saúde é direito de todos, independente de classe, gênero, raça. (COHN,
2008).
As políticas públicas com relação a saúde no Brasil, foram
constituídas no início do século passado, quase que exclusivamente por se
tentar trazer respostas a certas doenças que surgiam como ameaças de
epidemia. Esse fato foi importante na construção da legitimidade social para
intervenções do Estado na saúde. Desde então, muitas doenças são
15
Os conselhos de programas estão vinculados a operacionalização de ações governamentais
específicas, como por exemplo a distribuição de alimentos. Já, os conselhos temáticos
possuem formatos muito variados, com a participação de representante da sociedade civil
assumindo responsabilidade públicas. No caso de conselhos setoriais, estes estão voltados
para a formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas presentes nas três
esferas da federação. Podemos citar como exemplo de conselhos: Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Previdência
Social (CNPS), cada um com é regido pelas leis que os instituíram (MARTINS, 2008).
57
consideradas
problemas
públicos,
com
políticas
publicas
específicas
(MATTOS, 2007).
Além da questão de se buscar respostas para enfrentamento das
doenças surgidas, as políticas voltadas para área da saúde aparecem também
no âmbito trabalhista, de assistência aos trabalhadores e seus familiares,
aparece aqui a oferta de serviços assistenciais à saúde. Nesse aspecto, estaria
caracterizado, mais como uma política trabalhista do que como políticas
públicas em saúde, mas foi a partir daí, juntamente com as políticas de
assistência às doenças, que surgiu um novo tema de configuração de sistemas
de saúde (MATTOS, 2007).
Em um contexto de mudanças econômicas, políticas e ideológicas,
se tentou a implantação de políticas públicas de saúde, cujo discurso estava
vinculado de forma parcial ao projeto da reforma sanitária. Mas, as propostas
apresentadas centraram-se apenas ao financiamento e gestão do sistema de
serviços de saúde.
Os modelos assistenciais tornaram-se objeto de
preocupação uma vez que se destacava a desigualdade de acesso, a
inadequação dos serviços frente à necessidade, a qualidade insatisfatória e a
ausência de integralidade (PAIM, 2002).
Dessa forma, surge um modelo descentralizado combinado com
ordenação das redes de saúde, culminando com o surgimento do Sistema
Único de Saúde, consagrado pela CRFB de 1988, que passaremos a estudar a
seguir (WEICHERT, 2004).
4.2. O sistema único de saúde (SUS): conceito, características e políticas
públicas para a saúde brasileira
O surgimento gradativo do Sistema Único de Saúde pode ser
considerado como uma das reformas sociais mais importantes já feitas no
Brasil, na ultima década do século XX e início deste século (SERRA, 2008).
A política voltada à saúde, prestada como um serviço público
abrangente, teve início somente na década de 60, em virtude da
industrialização e da concentração da população nas cidades. Mas, o sistema
que apresentamos hoje, com acesso gratuito e universal, foi instituído a partir
58
da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 (WEICHERT, 2004;
SERRA, 2008).
Antes do advento da CRFB/88, houve o surgimento do seguro social
no Brasil no ano de 1923, em que ficou instituído um sistema de Caixas de
Aposentadoria e Pensão (CAP) destinado aos trabalhadores ferroviários,
marítimos
e
estivadores.
Além
dos
serviços
prestados
de
natureza
previdenciária, tinha-se também assistência médica e o fornecimento de
medicamentos, mas, cumpre ressaltar que tais serviços beneficiavam apenas
aos segurados das CAPs (MERCADANTE et al., 2002).
O Sistema do Caps acabou sendo substituído pelo Instituto de
Aposentadoria e Pensão (IAP), agregando conjuntos de trabalhadores de
determinados ofícios. Mas as disparidades normativas existentes entre os IAPs
contribuiu para o surgimento de um sistema de previdência unificado e com
menos desigualdade, originando assim a Lei Orgânica da Previdência Social
(LOPS – Lei nº 3807/60) que uniformizou as regras, mas manteve a
organização institucional existente (MERCADANTE et al., 2002).
Com o surgimento da ditadura militar em 1964, houve a implantação
de um serviço público de assistência à saúde, ou seja, o Instituto Nacional de
Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS), considerado uma autarquia
federal com o objetivo de oferecer atendimento médico através do serviço
público direto, ou da esfera privada por meio de contrato com a administração
pública, sem haver distinção pela complexidade do caso. Mas, por ser uma
autarquia vinculada a previdência social, não tinha como característica a
universalidade no atendimento (WEICHERT, 2004).
Podemos expressar o Sistema de Saúde que se implantou no Brasil
da época, da seguinte maneira:
O Sistema Nacional de Saúde implantado no Brasil no período militar
caracterizou-se pelo predomínio financeiro das instituições
previdenciárias e pela hegemonia de uma burocracia técnica que
atuava no sentido da mercantilização crescente da saúde. A lógica
centralista dominante nesse período, com a conseqüente supressão
do debate sobre alternativas políticas no seio da sociedade,
permitiram que o governo militar implantasse reformas institucionais
que afetaram profundamente a saúde pública e a medicina
previdenciária. Com a unificação dos Institutos de Aposentadoria e
Pensões (IAPs) no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS),
em 1966, concentraram-se todas as contribuições previdenciárias, ao
mesmo tempo em que o novo órgão passou a gerir as
aposentadorias, as pensões e a assistência médica de todos os
59
trabalhadores formais, embora excluísse dos benefícios os
trabalhadores rurais e uma gama de trabalhadores urbanos informais
(ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005, p. 60-61).
Foi em 1975 que se institucionalizou oficialmente o Sistema Nacional
de Saúde no Brasil, através da Lei nº 6.229/75, que conceituou o serviço
público de saúde, como um complexo de serviços, seja do setor público ou
privado, com suas ações voltadas ao interesse da saúde, estando organizado e
disciplinado de acordo com a lei, e abrangendo atividades que envolvessem a
promoção, proteção e a recuperação da saúde (MERCADANTE et al., 2002).
No início da década de 1980, com a crise econômica da época,
houveram movimentos cada vez mais fortes para contestar o sistema de saúde
existente, que assegurava saúde apenas aos contribuintes da Previdência
Social. A população começa a lutar pela democratização do país (ESCOREL;
NASCIMENTO; EDLER, 2005; NATALINI, 2008).
As propostas alternativas ao modelo oficial de atenção à saúde
caracterizavam-se pelo apelo à democratização do sistema, com
participação popular, a universalização dos serviços, a defesa do
caráter público do sistema de saúde e a descentralização. Ao mesmo
tempo, o agravamento da crise da Previdência Social, em 1981,
associada à decisão do governo de manter o ministro Jair Soares no
cargo, resultou no lançamento do chamado “pacote da previdência”.
Este pacote previa o aumento das alíquotas de contribuição, a
diminuição
dos
benefícios
dos
aposentados,
além,
e
fundamentalmente, de “uma certa intervenção na área da assistência
médica da Previdência Social, considerada ‘gastadora’ e parcialmente
responsável pelo déficit”. Foi nesse contexto que teve origem o
Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária
(Conasp) (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005, p. 73).
Nessa mesma época se desenvolvia o Movimento da Reforma
Sanitária Brasileira, que tinham como propostas a construção de uma nova
política de saúde, considerando a descentralização, universalização e
unificação como elementos essenciais para reforma desse setor (MARTINS,
2008).
A
partir
de
1983
foi
se
desenvolvendo
um
modelo
de
descentralização e ordenação das redes de saúde pública, onde através de
convênios a União começou a repassar aos Estados e Municípios parcelas de
suas atribuições. Posteriormente, em 1987, criou-se o Sistema Único
Descentralizado de Saúde – SUDS, que antecipou o advento do SUS
60
consagrado pela Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988
(WEICHERT, 2004).
A CRFB/88 além de reconhecer a saúde como um direito de todos,
conferiu ao Estado a responsabilidade de organizar as ações e serviços
públicos que fossem capazes de reduzir os riscos à saúde, bem como garantir
o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, buscando a promoção,
proteção e recuperação da saúde (AITH, 2007).
Nas palavras de Fernando Aith:
O Sistema Único de Saúde – SUS – é a instituição mais importante
do Direito Sanitário. Podemos conceituá-lo como a instituição jurídica
criada pela Constituição Federal para organizar as ações e serviços
públicos de saúde no Brasil (2007, p. 340).
A criação do SUS vinha vinculada à oferta de serviços de qualidade,
adequados às necessidades da população, independente do poder aquisitivo
de cada um, com o objetivo de promover a saúde, priorizando as ações
preventivas, e a divulgação de informações relevantes à população, para que
esta conheça seus direitos e riscos à saúde (MARTINS, 2008).
Dessa forma, podemos vislumbrar o Sistema Único de Saúde
normatizado constitucionalmente, nos seguintes termos:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único,
organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventiva, sem prejuízo dos serviços assistências;
III – participação da comunidade (BRASIL, 2010a).
No mesmo sentido do texto constitucional, no ano de 1990 foram
editadas duas leis ordinárias federais, que formaram normas gerais referente
ao SUS. Estamos nos referindo a Lei nº 8.080/90 e a Lei nº 8.142/90, que
juntas compõe a Lei Orgânica da Saúde (WEICHERT, 2004).
A Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990, dispõe sobre as
condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, como também
regulamenta a organização e funcionamento dos serviços correspondentes. Ela
dispõe sobre as ações de saúde de todo território nacional, como também
61
estabelece as diretrizes para o gerenciamento e descentralização dos serviços
de saúde (ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA, 2008; BRASIL, 2010b).
Já a Lei 8.142 de 28 de dezembro de 1990, regulamenta a
participação da sociedade na gestão do SUS, como também, sobre as
transferências de recursos na área da saúde. Esta lei, dispõe sobre o
funcionamento das instâncias colegiadas na área da saúde, e a participação
social nas esferas de governo, uma vez que o funcionamento do SUS ocorre
de forma descentralizada, pelos entes da federação (ASSOCIAÇÃO PAULISTA
DE MEDICINA, 2008; BRASIL, 2010c).
Assim, o Sistema Único de Saúde atua de maneira descentralizada,
sendo de competência dos três entes federais (União, Estado e Município) a
responsabilidade da prestação dos seus serviços. A União atuará através do
Ministério da Saúde que é o grande responsável pela estratégia nacional do
SUS, com seu planejamento, controle, avaliação e auditoria. No âmbito
Estadual, teremos a atuação deste através da Secretaria de Estado, estando
encarregada de planejar, programar e organizar uma rede regionalizada e
hierarquizada de serviços, devendo acompanhar seu funcionamento, bem
como controlar e avaliar. Na esfera Municipal, compete à Secretaria Municipal
a gestão e execução dos serviços de saúde. O poder Municipal também poderá
celebrar contratos e convênios, como também controlar, avaliar e fiscalizar as
atividades da iniciativa privada (MERCADANTE et al., 2002).
Desta forma, se torna parte integrante ao Sistema Único de Saúde,
os centros e posto de saúde, hospitais, incluindo os universitários, laboratórios,
hemocentros (bancos de sangue), além de fundações e institutos de pesquisa,
garantindo a todos os indivíduos o direitos a consultas, exames, internações e
tratamentos nas unidades vinculadas ao SUS, podendo ser públicas ou
privadas, que contratadas pelo gestor público desenvolvem os serviços
gratuitamente (MARTINS, 2008).
São princípios basilares do SUS, a universalidade, a igualdade, a
gratuidade, a descentralização, a integralidade de assistência, e a participação
social. A universalidade consiste na dimensão de que os serviços públicos
devem ser destinados a toda a população, sejam elas ações preventivas ou
curativas, o acesso ao serviço deve ser garantido à todos. A igualdade veda a
discriminação na prestação dos serviços de saúde, deve ser assegurado a
62
obediência à igualdade, uma vez que se trata também de um preceito
constitucional. O principio da gratuidade, já implícito no principio da
universalidade, apesar de não haver expressa previsão dele, não se vislumbra
a possibilidade do Estado social brasileiro cobrar por tais serviços estatais de
saúde, prestados à população. Já o principio da descentralização está previsto
no inciso I do artigo 198 da CRFB/88, como uma das diretrizes do SUS. A
descentralização do SUS transfere a execução das ações e serviços públicos
para os entes locais, que estão mais próximos da população, possuindo uma
melhor condição de avaliar as necessidades locais e desenvolver projetos
eficazes de prevenção e tratamento. O principio da integralidade proporciona
ao cidadão a oferta de serviços integrais à saúde, qualquer que seja a
complexidade da doença, ou seja, tem-se direito ao tratamento de qualquer
que seja a patologia, mesmo sendo de alta complexidade e custo. A
participação social é considerada um dos pilares do SUS, visto tratar-se de um
instrumento da democracia participativa, garantindo espaço à sociedade para
que participe diretamente na formulação, implementação, gestão e controle da
política pública de saúde (WEICHERT, 2004).
Destacamos aqui, que o principio da participação social encontrou
efetivação através da Lei nº 8.142/90, onde se estabeleceu duas formas de se
garantir a participação da sociedade na gestão e controle do SUS. A primeira é
através das Conferências, onde se reúnem representantes da sociedade, do
governo, dos profissionais da saúde, prestadores de serviços, parlamentares e
outros mais, com o objetivo de avaliar a situação da saúde e propor políticas a
serem desenvolvidas na área, bem como diretrizes para os quatro ano que se
seguem tendo em vista que essas conferências devem ocorre de quatro em
quatro anos. A segunda forma está nos Conselho de Saúde, que são órgãos de
controle do SUS pela sociedade. Esses conselhos permitem que a sociedade
possa interferir na gestão da saúde, com o propósito de defender os interesses
da
coletividade,
tratando-se
de
um
órgão
colegiado,
composto
por
representantes do governo, profissionais da saúde, prestadores de serviço e
usuários (MARTINS, 2008).
Os objetivos do SUS, estabelecidos na CRFB/88, são a redução do
risco de doenças e de outros agravos à saúde, como também o acesso
universal e igualitário aos serviços para promoção, proteção e recuperação da
63
saúde da população. Já a lei nº 8.080/90 foi mais específica, colocando como
objetivos a identificação e divulgação dos fatores que condicionam e
determinam a saúde, a formulação de políticas de saúde para promover, na
área econômica e social a garantia da saúde pelo Estado; formulação e
execução de políticas que visem a redução do riscos de doenças, além de
estabelecer condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e
serviços destinado à saúde, com a realização integrada das ações assistências
e das atividades preventivas (AITH, 2007).
Cumpre ressaltar que quando nos referimos as ações de prevenção
e promoção de saúde, não estamos nos valendo da mesma idéia, uma vez que
as ações preventivas estão voltadas a evitar a ocorrência de um problema
específico, já a promoção da saúde é mais ampla, pois não se destina a uma
determinada doença, e sim para incrementar a saúde e o bem-estar (PAIM,
1999).
O atendimento integral pelo SUS se faz de duas maneiras, através
das atividades assistenciais e preventivas. As assistenciais se configuram
diante de um sofrimento manifesto, enquanto que as preventivas se fazem
antecipando o sofrimento. A CRFB de 1988 colocou como prioridade o
desenvolvimento das atividades preventivas, mas sem haver prejuízo das que
prestam assistência. Dessa forma, deve o poder público se esforçar ao máximo
em exercer atividades preventivas de saúde, mas claro, como já foi exposto,
não se deve dar margem ao detrimento das políticas de atendimento
assistenciais (MATTOS, 2009).
Mas para Luiz Antonio Nunes, as políticas públicas na área da saúde
devem ser realizadas através de três tipos de ações:
As estratégias de intervenção da vigilância da saúde resultam da
combinação de três tipos de ações:
1 – Promoção de Saúde, definida pela Organização Pan-Americana
de Saúde (OPAS) como sendo a somatória das ações da população,
dos serviços de saúde, das autoridades sanitárias e de outros setores
sociais e produtivos, dirigida para o desenvolvimento de melhores
condições de saúde individual e coletiva.
2 – Prevenção das doenças e dos Acidentes, organizada como a
forma de encarar e estruturar intervenções que procuram antecipar-se
a esses eventos, atuando sobre problemas específicos ou sobre um
grupo deles, de modo a alcançar pessoas ou grupos em risco de
adoecer ou se acidentar. Dentre as ações individuais estão as
imunizações, o controle pré-natal, a educação para a saúde –
orientada para mudança de hábitos e de condutas pessoais – e o
64
diagnóstico precoce de algumas doenças crônicas. No nível das
intervenções preventivas gerais estão o controle da emissão de
poluentes, a fluoretação da água e o controle sanitário dos alimentos.
3 – Atenção Curativa – Destinada para a cura ou para o cuidado dos
doentes, para o prolongamento da vida, para a diminuição das dores
e para a reabilitação das seqüelas. A atenção curativa, com certeza a
ação mais conhecida e executada nos diferentes municípios, deve ser
provida de forma adequada e oportuna e seguramente muito contribui
para a melhoria na qualidade de vida dos munícipes (2008, p.
152-153).
Dessa forma, não basta apenas assegurar acesso universal e
igualitário, da população, aos serviços de saúde. O Estado deve formalizar
práticas que estejam fortemente voltadas para alcançar respostas ao
sofrimento das pessoas, ou então evitá-lo. Esse é o desafio de todas as
políticas que se voltem especificamente para as práticas de transformação
(MATTOS, 2009).
4.3. Políticas públicas para prevenção e combate do câncer de pele: o
projeto de lei nº 3.730/2004
A cada ano que passa notamos a importância que existe na
proteção e nos cuidados com a pele em relação à exposição solar. Sabemos
que nem sempre o aspecto saudável que o bronzeamento proporciona é
verdadeiro, pois das exposições solares podem surgir eritemas, edemas, dor,
envelhecimento precoce e câncer de pele. Mas, esses riscos podem ser
diminuídos tomando algumas medidas, como a utilização de chapéus, óculos
escuros, evitar a exposição ao sol em horários inadequados, e principalmente,
sempre se utilizar dos filtros solares (SOUZA, 2004a).
A Sociedade Brasileira de Dermatologia realiza todos os anos
campanhas voltadas à prevenção do câncer de pele, com o objetivo de
conscientizar a população dos riscos que essa doença proporciona à saúde do
individuo. É através da distribuição de folhetos, e informações prestadas por
especialistas que se concretiza tal campanha (INCA, 2010c).
Têm-se que a radiação solar é a principal causadora dos casos de
câncer de pele, para melhor entender sua atuação, é importante expor sua
composição e seus efeitos. Sendo assim, ela é composta por raios UVA, UVB,
65
UVC, luz visível e luz infravermelha. Os raios UVA, estão presentes na
radiação ultravioleta, e possuem grau de penetração alta, alcançando a
camada basal e o tecido conjuntivo; pode provocar a pigmentação direta,
fotoenvelhecimento e bronzeamento de curta duração. Já o UVB, também se
encontra presente na radiação ultravioleta, possui grau médio de penetração, e
atinge a epiderme e parcialmente a derme; provoca envelhecimento cutâneo,
câncer de pele, pigmentação indireta, eritema e queimaduras. O UVC está
presente na radiação ultravioleta, mas seu grau de penetração não atinge a
superfície da terra por ser absorvido pela camada de ozônio. A luz visível
possue alto grau de penetração, bem como a luz infravermelha (BEZERRA;
REBELLO, 1996).
Pesquisas revelam que o uso de fotoprotetores, além de serem
medidas de comportamento simples, revelam grande impacto na prevenção ao
câncer de pele (GONTIJO; PUGLIESI; ARAÚJO, 2009).
Podemos
dividir
os
protetores
solares
em
dois
tipos,
os
bloqueadores físicos e, os absorvedores químicos ou filtros. Os bloqueadores
físicos agem refletindo ou dispersando a radiação ultravioleta, por formarem um
filme sobre a pele. Já os absorvedores químicos ou filtros atuam absorvendo a
radiação ultravioleta, tornando-a menos prejudicial (BEZERRA; REBELLO,
1996).
A indicação existente é de que se deve utilizar o filtro solar
diariamente, pois a exposição ao sol no dia a dia também provoca danos
cumulativos a pele. Deve-se aplicar o fotoprotetor de 20 a 30 minutos antes de
se expor ao sol, esse é o tempo necessário para que se forme um filme
protetor homogêneo e que produza o efeito necessário. O produto deve ser
reaplicado a cada 1 (uma) ou 2 (duas) horas, uma vez que a transpiração,
vento, contato com roupas e toalhas podem desfazer o filme protetor,
diminuindo assim sua proteção. É necessário também que se evite a exposição
solar entre as 10 e 16 horas. A utilização de acessórios adicionais, como
chapéus, óculos escuros, viseiras, guarda-sol, também se revelam importantes
(SOUZA, 2004b).
A tabela que se apresenta a seguir revela o período permitido de
exposição ao sol, de acordo com o tipo de pele, sem que o indivíduo sofra
maiores riscos.
66
Sem proteção
FPS 3
FPS 5
FPS 8
FPS 15
FPS 20
FPS 30
Pele Clara
Pele Morena Pele Morena
Pele Negra
10 min.
30 min.
50 min.
1 h 20 min.
2 h 30 min.
3 h 20 min.
5h
Clara
15 min.
45 min.
1 h 15 min.
2h
3 h 45 min.
5h
7 h 30 min.
25 min.
1 h 15 min.
2 h 05 min.
3 h 20 min.
6 h 15 min.
8 h 20 min.
12 h 30 min.
20 min.
1h
1 h 40 min.
2 h 40 min.
5h
6 h 40 min.
10 h
(Fonte: SOUZA, 2004b, p. 71)
Os fatores de proteção dos filtros solares são medidos em FPS, ou
seja, fator de proteção solar; e o valor que se atribui a ele, significa o número
de vezes que o tempo de exposição solar poderá ser aumentado, com base no
período previsto sem utilização de proteção. Podemos mencionar como
exemplo, uma pessoa de pele clara que pode permanecer durante 10 minutos
exposta ao sol sem proteção solar. Caso ela venha utilizar um filtro solar com
FPS 15, seu período de exposição irá se multiplicar por 15, aumentando seu
tempo de exposição para 150 minutos (GONTIJO, PUGLIESI; ARAÚJO, 2009).
Dessa forma, é que a 11ª Campanha promovida pela Sociedade
Brasileira de Dermatologia, realizada em dezembro de 2009, teve como
objetivo atingir um numero maior de pessoas, em comparação a campanha
realizada no ano de 2008. Para isso foram realizados em média 43.800
atendimentos, com médicos de plantão em postos de saúde, hospitais, tendas
montadas para a ocasião. Na campanha, os pacientes que apresentaram
manchas foram encaminhados para um diagnostico mais preciso, e os que
tiveram o diagnóstico de câncer de pele confirmado, puderam obter o
tratamento de forma gratuita (INCA, 2010c).
No ano de 2009 houve uma inovação perante as outras campanhas
realizadas, foi o “Tour” da prevenção, em que um caminhão especializado
percorreu cerca de 10.000 quilômetros nos meses de mais calor, por cidades
litorâneas, contando com dois consultórios e com equipes voluntárias de
especialistas, para realização de diagnósticos e o fornecimento de orientação
com relação aos riscos da exposição solar excessiva e a necessidade de se
utilizar a devida proteção contra os raios UV (SOCIEDADE BRASILEIRA DE
DERMATOLOGIA, 2010b).
67
Para estudos sobre a prevenção do câncer, temos também no
Instituto Nacional do Câncer o “Programa de Epidemiologia e Vigilância do
Câncer e seus Fatores de Risco”. É através desse programa, que o INCA
aprimora juntamente com as Secretarias de Saúde “a capacidade local de
análise das informações sobre a incidência e mortalidade por câncer visando
ao conhecimento detalhado do quadro epidemiológico da doença no Brasil e de
seus fatores de risco” (INCA, 2010d).
Cumpre destacar aqui que, o Instituto Nacional do Câncer possui
vinculo direto com o Ministério da Saúde, sendo parte integrante do Sistema
Único de Saúde (SUS), e sua assistência inclui tratamentos e cirurgias, bem
como ações e planejamentos estratégicos voltados ao câncer. O Inca tem
como missão:
Manter a liderança nacional na vigilância, detecção, tratamento,
controle e prevenção do câncer, assim como a pesquisa e educação
associadas. Ser uma referência internacional na América Latina para
elaborar a Estratégia Mundial de Controle do Câncer da Organização
Mundial da Saúde (OMS). Fortalecer o trabalho do governo no
controle e prevenção do câncer em todos os níveis, e assim melhorar
a qualidade de vida e o bem-estar dos brasileiros (INCA, 2010e).
Luiz Antonio Santini Rodrigues da Silva, diretor geral do Instituto
Nacional do Câncer do Brasil, relata em uma das publicações produzidas pelo
próprio instituto que uma das prioridades do país é o controle e prevenção do
câncer:
Enquanto ainda há muito a fazer, a saúde da população brasileira
está melhorando muito com o controle de doenças infecciosas,
fornecimento de água limpa, cuidados gerais com alimentação,
educação primária, ampliação do Sistema Único de Saúde e
estratégias de ação nos cuidados com a alimentação e nutrição.
Nesta segunda década do século XXI, a nova prioridade nacional
do Brasil é o controle e a prevenção de doenças crônicas,
incluindo o câncer. (sem grifo no original) Este resumo de ações, os
relatórios dos quais ele se originou e as evidências nas quais ele é
baseado, apontam para a necessidade de uma ação coletiva em favor
da saúde pública (apud INCA, 2010e).
O INCA atua, em especial nos casos relativos a câncer de pele,
através de campanhas e projetos para prevenção. No ano de 2007 o Instituto
promoveu o 2º Congresso Internacional de Controle do Câncer. O evento
ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, e contou com a presença de mais de 500
especialistas do mundo. Nesse Congresso houve a apresentação do projeto,
68
surgido no Estado de Santa Catarina, que propõe coberturas especiais para
proteção contra os raios ultravioletas em locais públicos, como praças, escolas,
calçadas movimentadas, além de sugerir a diminuição dos impostos e dos
preços dos protetores solares, para que uma maior parcela da população tenha
acesso a eles, além da criação de um “disque-dermatologia” (INCA, 2010f).
O Ministério da Saúde também, no ano de 2005, instituiu a Política
Nacional de Atenção Oncológica. Essa política pretende adequar a prevenção
e o tratamento do câncer de acordo com as necessidades de cada região do
País. Em específico ao câncer de pele, temos a colaboração de médicos e
especialistas com ações educativas de prevenção, que são consideradas de
grande importância, uma vez que alertam para os riscos da exposição aos
raios ultravioletas de forma inadequada (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
A estimativa que o Ministério da Saúde tem hoje, é que o Sistema
Único de Saúde investe mais de R$ 1 bilhão por ano com os tratamentos de
pacientes com câncer, incluindo também o câncer de pele. Por isso que para o
Ministério a promoção da saúde é uma das bases para reorganizar o
atendimento à saúde da população. O que se pretende é dar condições para
que todos tenham condições de vida mais saudáveis e por mais tempo,
garantindo o acesso à informação, e que haja estímulos para mudança de
hábitos (TEMPORÃO, 2008).
Além de políticas nacionais, podemos destacar algumas políticas
regionais, destinadas à prevenção ao câncer de pele, como é o caso do Estado
de São Paulo, onde a Secretaria de Saúde do Estado, no ano de 2005,
preocupada com o grande índice de casos de câncer de pele que surgiam no
Estado, realizou uma campanha (em parceria com Sociedade Brasileira de
Dermatologia Regional São Paulo) de conscientização e distribuição gratuita do
protetor solar à população. A Secretaria produziu protetor solar em grande
escala, com a qualidade garantida pela Fundação para o Remédio Popular
(FURP), órgão ligado ao Governo do Estado de São Paulo, sendo que cada
paciente pode receber 3 frascos. Tal campanha foi de grande importância, pois
pode atingir uma parcela da população que não tem condições financeiras de
adquirir o protetor solar pelo alto custo que ele possui (DERMATOLOGIA
ONLINE, 2010).
69
Podemos destacar um outro exemplo ocorrido no Estado de Santa
Catarina, em que a partir do dia 01 de junho de 2010, irá haver a diminuição na
incidência do ICMS sobre a venda dos protetores solares, possibilitando assim
a redução do valor do produto, para que a população de baixa renda também
tenha acesso a ele, pois segundo o INCA, o estado lidera a incidência de
câncer de pele, proporcionalmente ao numero de habitantes (SOCIEDADE
BRASILEIRA DE DERMATOLOGIA, 2010c).
Além das políticas apresentadas, temos como perspectiva, para a
esfera federal, a possibilidade de formação de uma política pública para
prevenção do câncer de pele através do Projeto de Lei n. 3.730/2004 (BRASIL,
2010d).
Mencionado projeto, foi apresentado à Câmara dos Debutados pelo
Deputado Lobbe Neto, filiado ao partido do PSDB do Estado de São Paulo
(BRASIL, 2010d).
O projeto consiste na previsão de o Ministério da Saúde, através do
Sistema Único de Saúde – SUS, distribuir gratuitamente à população,
protetores solares com FPS 12 (BRASIL, 2010d).
Em sua justificativa, o Deputado Lobbe Neto, se utiliza de
argumentos convincentes para fundamentar a propositura de tal projeto,
mencionando que essa proposição possibilitará o controle de doenças de pele,
uma vez que existem constatações graves nos centros urbanos e rurais por
causa da exposição solar (BRASIL, 2010d).
O fato de os protetores solares serem vendidos a preços altos, não
sendo possível sua aquisição por grande parcela da população, também é um
argumento utilizado, uma vez que vivemos em uma sociedade desigual, e a
maior parte atingida vem da classe dos trabalhadores rurais, carteiros e
catadores (BRASIL, 2010d).
Dessa forma, estaríamos diante de uma política pública prestada
pelo Estado Brasileiro à toda a população, obedecendo aos princípios do SUS
de universalidade e gratuidade, com a utilização de uma política de caráter
preventivo, ou seja, é a distribuição do protetor solar de forma gratuita, visando
um maior incentivo de se instaurar ações comportamentais por cada individuo,
objetivando a prevenção de uma doença que vem crescendo a números
alarmantes, que é o câncer de pele (BRASIL, 2010d).
70
O projeto de Lei foi proposto no ano de 2004, teve algumas
emendas ao texto original, mas ainda não teve sua votação encerrada na
Câmara dos Deputados (BRASIL, 2010d).
Por fim, cumpre ressaltar, que o projeto de Lei estabelece a
distribuição do protetor solar com FPS 12, mas como já estudado, a
recomendação dos especialistas é a utilização de um fotoprotetor com FPS 15,
no mínimo. Dessa forma, verificamos uma falha na propositura de tal projeto,
mas que mesmo assim não deixa de representar um avanço e uma grande
importância na caminhada pela busca de ver os índices do câncer de pele
baixarem a cada ano em nosso país.
71
5. CONCLUSÃO
Com a promulgação da Constituição da Republica Federativa do
Brasil de 1988, tivemos consagrados alguns direitos e garantias, considerados
fundamentais. Pode se verificar que a saúde se inclui nesses direitos e
garantias, sendo instituída pela CRFB/88 como um direito social, em que o
Estado o aplicará através de suas políticas públicas.
Antes mesmo de serem considerados como fundamentais, alguns
direitos positivados na Constituição, possuem sua natureza de direitos
humanos, reconhecidos e protegidos internacionalmente, devendo aos Estados
a busca de sua proteção.
A saúde, que teve sua conceituação definida pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) como sendo o estado de mais completo bem-estar
físico, mental e social, e não apenas a ausência de enfermidade, tem sua
proteção ligada a garantia dos Direitos Humanos, e principalmente possui
intima ligação com a Dignidade da Pessoa Humana, que é um dos princípios
que fundamenta a República Federativa do Brasil.
Como Direito Fundamental, a saúde foi posta, pela CRFB/88, no rol
dos direitos sociais, devendo o Estado intervir de forma a garantir esse direito
não apenas com políticas de assistência médica, mas com políticas de
prevenção e promoção da saúde da população. Assim, o direito à saúde é
abrangente, devendo estar ligado a muitas ações e serviços prestados de
forma positiva pelo Estado para sua efetivação.
Com o objetivo de estudar a prevenção do câncer de pele, pudemos
perceber que trata-se de uma neoplasia séria, e que se não tratada de maneira
adequada, possui conseqüências de grande proporção, podendo não causar
apenas danos estéticos, mas sim danos profundos que colocam em risco a
vida do paciente.
Note-se que as formas de prevenção da doença, para maioria dos
casos, são simples, e que tratam apenas de uma maior conscientização da
população, e mudanças nos hábitos comportamentais.
A utilização do protetor solar diariamente se mostrou como uma
medida eficaz para tanto, uma vez que trata-se de um composto que em
72
contato com a pele forma uma camada protetora que absorve ou reflete os
raios ultravioletas, impedindo assim a ação danosa deles sobre a pele.
Para tanto, verificou-se a importância das políticas públicas nessa
área, objetivando a prevenção do câncer de pele.
A implantação do Sistema Único de Saúde de forma unificada, se
deu através de movimentos sociais, que visualizavam a importância de uma
mudança significativa na área da saúde, e foi com o advento da CRFB/88, que
além de consagrar a saúde como Direito Fundamental, instituiu um sistema de
saúde, organizado e que fosse capaz de suprir as necessidade da população
com ações preventivas e de assistência médica.
Hoje, é através do Sistema Único de Saúde (SUS), que podemos
notar as ações do Estado voltados a finalidade de prevenção. Uma vez que, é
o Instituto Nacional do Câncer e o Ministério da Saúde os responsáveis pelas
ações de maior importância no âmbito da prevenção do câncer de pele.
Muitas são as campanhas de prevenção ao câncer de pele hoje,
uma vez que é uma doença de grande preocupação nacional. Além de ações e
projetos no âmbito federal, notamos que de maneira regional os Estados
também vem se preocupando com a situação da saúde da população. Como
mencionado na pesquisa, alguns realizam de forma regionalizada suas
campanhas junto à população, procurando desenvolver atendimentos gratuitos,
e fornecer informações através de especialistas para que as pessoas tenham
acesso ao conhecimento das formas eficazes para se prevenir a doença, e
poderem ter uma melhor qualidade de vida.
Nesse contexto é que se verificou na iniciativa do Deputado Lobbe
Neto, ao propor o projeto de Lei nº 3.730/2004, uma forma muito importante de
se instaurar uma política pública em saúde visando a prevenção de uma
doença que vem crescendo a cada ano, e que através de uma iniciativa do
Estado, pode trazer mudanças de comportamento por parte da população,
principalmente aqueles que possuem fatores de maior risco para adquirirem tal
doença.
É através do projeto de lei, que se objetiva a distribuição, de forma
gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de protetores solares a toda
população, para, se não garantir, ao menos objetivar o controle nos índices de
73
aumento do câncer de pele, e assim efetivar um Direito Fundamental tão
importante, como é a Saúde.
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81
ANEXO
PROJETO DE LEI N.º 3.730, DE 2004
(Do Sr. Lobbe Neto)
Dispõe sobre a obrigatoriedade de
distribuição gratuita de protetor solar,
pelo Sistema Único de Saúde –
SUS.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1.º O Ministério da Saúde através do Sistema Único de Saúde - SUS,
distribuirá gratuitamente à população o protetor solar - FPS. Parágrafo único O protetor solar a ser distribuído gratuitamente pela rede pública de saúde será
do tipo filtro solar com fator 12 - FPS 12.
Art. 2.º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
A nossa proposição possibilita o controle das doenças de peles, a
partir da constatação da grave situação verificada nos grandes centros urbanos
e rurais à por causa da exposição à luz solar.
Atualmente, os trabalhadores adquirem câncer de pele. A grande
maioria das pessoas que desenvolvem essa doença, não são os que ficam na
praia ou clube para tomar um bronze e sim trabalhadores rurais, carteiros e
catadores de papel, ect.
Ocorre que é de conhecimento geral que os bloqueadores custam
muito caro para os padrões salariais dos brasileiros. Nas farmácias temos
desconto em remédios e não nos protetores solares, por serem considerados
supérfluos.
Três mil casos de câncer de pele em um dia
A 5ª Campanha Nacional de Prevenção ao Câncer de Pele da
Sociedade Brasileira de Dermatologia, realizada em 22 de novembro de 2003,
atendeu 37.853 pessoas. Destas, mais de 3 mil apresentavam lesões de
câncer de pele (8,2% dos atendidos). A forma mais grave e perigosa de câncer
de pele, o melanoma, estava presente em 190 pessoas.
A campanha ocorre em todo o Brasil, quando dermatologistas
atendem gratuitamente à população, em busca de sinais da doença e oferecem
aconselhamento sobre a forma correta de se expor ao sol.
82
Pesquisa mostrou que 69% das pessoas não se protegem
De acordo com a pesquisa realizada durante os atendimentos,
quase 70% das pessoas não usam qualquer tipo de proteção quando se
expõem ao sol. Entre os homens, este índice chega a 75%. O percentual de
mulheres que não se protegem também é elevado: 62%.
Dentre os principais efeitos maléficos da exposição descuidada ao
sol, o câncer de pele é o mais temido, pois pode, inclusive levar o paciente ao
óbito, principalmente nos casos de melanoma. Outros efeitos que vão surgir
com o passar do tempo são o envelhecimento precoce, surgimento de
manchas, rugas e perda da elasticidade.
Diagnóstico precoce é o ideal
As pessoas tendem a ter medo de ouvir o diagnóstico de que estão
com câncer e muitas vezes demoram a procurar um dermatologista para
examinar uma lesão suspeita. Este é um erro, pois o câncer de pele, quando
diagnosticado precocemente, tem chances de cura que podem chegar a 100%.
No caso do melanoma, o diagnóstico precoce é vital, pois ele pode
atingir a corrente sanguínea e se disseminar para outros órgãos, como pulmão,
cérebro e coração. Se a lesão for removida antes disso, o paciente fica curado,
daí a importância de se procurar o médico para uma consulta em casos de
lesões suspeitas.
A tentação de se obter o bronzeado, especialmente durante esta
época do ano, atrapalha a prevenção da doença, pois as pessoas querem
ganhar a cor do verão nos primeiros dias de sol e acabam se queimando
demais. Quanto mais queimaduras durante a vida, maior o risco de surgimento
do câncer no futuro.
O bronzeado pode ser obtido de forma mais segura
O bronzeado, associado por muitos a uma aparência mais saudável,
pode ser obtido de forma mais segura e gradual, evitando as queimaduras e
descascados que acabam deixando a pele com aspecto manchado e feio. Além
disso, o vermelho pimentão já saiu de moda há muito tempo e não é sinal de
saúde, mas de risco para a saúde .(fonte: Sociedade Brasileira de
Dermatologia)
No Estado de São Paulo, a Fundação do Remédio Popular - FURP,
atendendo a solicitação da Secretaria de Estado da Saúde, a qual a Fundação
está vinculada, vem fabricando e distribuindo o protetor solar do tipo FPS 12, a
demanda originou-se, no Conselho Estadual de Saúde, através da
representação dos usuários, a pedido da Associação Brasileira dos Pacientes
de Lupus Eritematoso. O produto, Filtro Solar com fator 12, foi desenvolvido
pela área de Desenvolvimento Farmacotécnico da FURP em parcerias com o
Departamento de Dermatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo e a Sociedade Brasileira de Dermatologia.
83
As parcerias foram efetivadas de forma voluntária. A Secretaria de
Estado da Saúde disponibiliza o Protetor solar, dentro das atividades
desenvolvidas junto aos pacientes com Lupus Eritematoso nas unidades
especializadas. A distribuição é gratuita. Cabe ressaltar que medidas similares
são adotadas em outros países desenvolvidos, sempre com o objetivo de
proteger a saúde das pessoas em seus diversos aspectos.
Contamos com o apoio dos nobres pares na apreciação do presente
projeto de lei, que poderá contribuir com a preservação da saúde do cidadãos.
Sala das Sessões, de junho de 2.004.
Deputado Lobbe Neto
Vice-Líder do PSDB
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