EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL: NOVOS DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO NO BRASIL Fernanda Oliveira Fernandes1 José Heleno Ferreira2 RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar reflexões acerca da educação integral no Brasil, tema que vem sendo muito debatido atualmente e constitui-se como um dos desafios da educação escolar pública na contemporaneidade. Foram utilizados como referências bibliográficas os textos de Nosella (2005), Oliveira (2009) e Vóvio (2004), bem como depoimentos de profissionais e usuários da educação pública de Divinópolis-MG, possibilitando fazer uma análise de suas idéias e relacioná-las com o tema em questão. PALAVRAS-CHAVE: educação pública, período integral, desafios, inovação INTRODUÇÃO “Se a educação sozinha não pode tranformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda”. (Paulo Freire) A educação em tempo integral já se constituiu como uma realidade em algumas unidades educacionais públicas brasileiras e caracteriza-se pela ampliação da carga horária dos alunos na escola. Através da vivência por meio do estágio extracurricular com o Programa Mais Educação, em uma escola da rede municipal de ensino de Divinópolis, apresenta-se, neste trabalho, uma reflexão sobre as características, desafios e contribuições desse novo modelo de educação que é o ensino em tempo integral. O Programa Mais Educação é uma iniciativa do governo federal como estratégia de promover a educação integral no Brasil. Tem como objetivo desenvolver atividades sócio-educativas no contraturno escolar, na perspectiva de ampliar tempos, espaços, número de atores envolvidos no processo e 1 2 Graduanda em Pedagogia pelo Instituto Superior de Educação de Divinópolis - ISED Professor do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação de Divinópolis - ISED oportunidades educativas em benefício da melhoria da qualidade da educação dos alunos brasileiros. A reflexão aqui apresentada é feita a partir de depoimentos de profissionais e usuários da educação escolar pública de Divinópolis, buscando o embasamento teórico em cadernos do Ministério da Educação (MEC) e autores como Nosella (2005), Oliveira (2009) e Vóvio (2004). DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBN/1996, a Educação Integral é o aumento progressivo da jornada escolar na direção do regime de tempo integral, valorizando as iniciativas educacionais extraescolares e a vinculação entre o trabalho escolar e a vida em sociedade. A proposta de se implantar uma política de Educação Integral partiu da análise dos baixos índices da educação básica. Surgiu, pois, da necessidade de melhorar a qualidade da educação, reduzindo o fracasso escolar e proporcionando às crianças e jovens novas possibilidades de se desenvolverem. É um novo desafio para a educação pública brasileira, levando em consideração que vivenciam-se tempos de mudanças. Além disso, há que se considerar a complexidade da vida social contemporânea e as muitas e diferentes crises – de diferentes características – que perpassam a educação em nível nacional. Sendo assim, a possibilidade de se desenvolver este projeto nas escolas públicas encontra algumas limitações que dificultam o processo. Mas aos poucos a realidade da educação pública no Brasil começa a mudar. Muitas escolas brasileiras já oferecem a opção do período integral, um alívio para os pais, que cada vez mais precisam trabalhar o dia todo e não conseguem dar o suporte que os filhos precisam para serem bem sucedidos nos estudos. Acredita-se que os alunos, passando mais tempo na escola, têm a possibilidade de receber um apoio pedagógico, orientação educacional e usufruir de toda a estrutura da escola. Com a modernidade, a rotina familiar mudou. Em muitas famílias os adultos trabalham o dia todo e é difícil ter um lugar para deixar as crianças. Com o período integral, as crianças estão seguras na escola, aprendendo novas coisas, expandindo seus conhecimentos, melhorando o rendimento escolar, o que contribui para aumentar a qualidade de vida. Dentro da escola, os alunos estão livres da criminalidade das ruas. A Educação Integral constitui ação estratégica para garantir proteção e desenvolvimento integral às crianças e aos adolescentes que vivem na contemporaneidade marcada por intensas transformações: no acesso e na produção de conhecimentos, nas relações sociais entre diferentes gerações e culturas, nas formas de comunicação, na maior exposição aos efeitos das mudanças em nível local, regional e internacional. (MEC, 2009, p.18). Segundo Paolo Nosella (2005), a sociedade pós-industrial e virtual se fundamenta em um novo tipo de educação que integre o trabalho e o tempo livre. As escolas são chamadas a atender as exigências de uma formação geral, interligando formação básica e formação profissional. O autor diz que atualmente espera-se que a escola, além de preparar o aluno para assimilar as rápidas e variadas informações do mundo globalizado, deve também, prepará-lo para que tenha capacidade de utilizar esse conhecimento de forma criativa. Sendo assim, para conseguir atender a todas essas expectativas, o tempo da jornada escolar dos alunos precisa ser ampliado, são muitas as tarefas que a escola assume na sociedade atual e consequentemente é necessário um tempo maior para realizá-las. A autora Dalila Andrade de Oliveira (2009) faz uma crítica às políticas que concentram tarefas e sobrecarregam os professores. A autora afirma que as reformas educacionais latino-americanas iniciadas na década de 1990 colocaram os professores no centro das discussões, em geral os educadores são considerados os principais responsáveis pelo desempenho da educação. Essa nova regulação educativa trouxe repercussões na organização e gestão escolar e consequentemente no trabalho do professor. A escola assumiu uma variedade de funções e, assim, houve um aumento de atividades e responsabilidades para os professores. No entanto, tais transformações não vieram acompanhadas de melhorias nas condições de trabalho docente, tais como investimentos na remuneração e adequações necessárias. Por isso, os educadores encontram-se frustrados pela intensificação e precarização do seu trabalho. Deles, são exigidas muitas competências que, às vezes, estão para além de sua formação. Uma proposta de educação em tempo integral precisa ser bem estruturada e organizada, caso contrário, corre o risco de representar mais uma sobrecarga de trabalho para os profissionais docentes. Trabalhar com a educação integral exige dos professores envolvimento, organização, preparação para enfrentar os desafios e disposição de toda a equipe escolar. Os professores têm o dever de orientar os alunos, mas nem sempre conseguem dar uma explicação individual para cada um, pois as salas de aula geralmente estão cheias e fica difícil atender separadamente a todos. O período integral pode contribuir no sentido de ajudar o professor nesse atendimento, no horário fora da aula regular, uma pessoa devidamente preparada pode ajudar aqueles alunos que possuem mais dificuldades na aprendizagem e os alunos poderiam assim, sanar suas dúvidas e obter melhores resultados. Em uma entrevista3 realizada com mães de alunos da rede municipal de ensino de Divinópolis (de uma unidade escolar que não oferece educação em tempo integral), as mesmas relatam que não estão satisfeitas com o ensino da escola em que atualmente seus filhos estão matriculados. Afirmam que os professores e gestores deveriam propor melhorias, apresentando projetos incentivadores aos alunos. A análise destes depoimentos permite-nos dizer que a educação integral talvez pudesse suprir as necessidades dessas mães, pois, elas apontam que os professores muitas vezes passam deveres de casa difíceis e que elas não sabem como orientar os filhos. Dizem também dos trabalhos e pesquisas solicitados pela escola, argumentando que não conseguem ajudar no desenvolvimento dos 3 Entrevista realizada pelas alunas do 4º período do curso de Pedagogia do ISED, com o objetivo de investigar o que os usuários e/ou profissionais de escolas públicas acham sobre a unidade escolar com a qual se relacionam. mesmos e, muitas vezes, não têm condições de levar o filho à biblioteca e não possuem acesso à internet. Consequentemente, os filhos não têm condições de atender à demanda escolar no que diz respeito às tarefas extraclasse. Conclui-se que o período integral poderia ser uma forma de solucionar ou pelo menos amenizar o problema dessas mães, pois o aluno ficando mais tempo na escola poderia fazer os deveres com a ajuda de um orientador e estudar para as pesquisas na biblioteca da escola ou acessando a internet nas salas de computação. Em Divinópolis, a implantação do Programa Mais Educação na Rede Municipal de Educação como proposta de Educação Integral, é uma iniciativa do Governo Federal que teve início em 2010. Contemplou três escolas que apresentaram baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). As escolas inseridas neste Programa possuem uma clientela pertencente às camadas populares, expostas a situações de vulnerabilidade e risco social. As atividades que podem ser realizadas no programa buscam contribuir com o desenvolvimento pleno do educando, contemplando necessidades culturais e de entretenimento, atividades esportivas, cursos extracurriculares como balé, natação, música, xadrez, futebol, vôlei, além de atividades relacionadas ao letramento em Língua Portuguesa e Matemática. Mas para que tudo isso possa acontecer é necessário que haja profissionais especializados que possam atender aos alunos. “A Educação Integral exige mais do que compromissos: impõe também e principalmente o projeto pedagógico, formação de seus agentes, infraestrutura e meios para sua implantação”. (MEC, 2009, p. 5) A proposta pedagógica do Programa Mais Educação é desenvolver as potencialidades dos alunos, oferecendo-lhes condições de construir diferentes saberes que vão além do currículo escolar, promovendo um diálogo entre saberes escolares e comunitários. O programa busca desenvolver oficinas com atividades diversificadas, que contribuem para a formação integral do aluno, oferecendo conhecimentos necessários para a formação acadêmica e profissional. Percebe-se estreita correlação entre a proposta e o análise apresentada por Nosella acerca da sociedade pós-industrial (2005, p. 254), “a sociedade atual repropõe para a escola o clássico paradigma da totalidade”. Ou seja, a escola tem a função de dar aos alunos os ensinamentos de que eles necessitam para viver e trabalhar neste mundo de evolução, bem como orientá-los para a vida. É cobrada da educação escolar a tarefa de formar cidadãos competentes para uma sociedade e um mercado cada vez mais exigentes. A educação abrange diversas atividades sociais que ocorrem em muitos espaços, na escola e para além dela. No entanto, é atribuída à escola toda a responsabilidade formativa dos cidadãos, especialmente das crianças e jovens. Sem dúvida, cabe à escola a sistematização do conhecimento universalizado, mas o sucesso de seu trabalho em muito pode enriquecerse ao ampliarem-se as trocas com outras instâncias sociais. (MEC, 2009 p.15). A coordenadora do Programa Mais Educação em uma dessas escolas, Kênia Iara Rodrigues Batista4 afirma que: “O desafio da implantação do Programa em nossa escola foi muito grande, principalmente devido ao fato do espaço físico, pois até o presente momento não foram feitas as melhorias necessárias em nosso espaço”. Mas, ressalta também que aos poucos foi percebendo a grande contribuição que a Educação Integral vem oferecendo. “Precisamos crescer muito, melhorar em muitos aspectos, mas, ganhamos muito com a presença desse Programa na escola”, afirma a coordenadora. A implantação do programa de educação integral não é muito simples, é um processo demorado e que muitas vezes não consegue atender a demanda de alunos, considerando que não há vagas para que todos os alunos sejam inseridos. Além disso, a estrutura física das escolas precisa ser modificada e ampliada para conseguir realizar as atividades propostas. Trata-se, pois, de um desafio a ser enfrentado no âmbito das políticas públicas. A implementação do Programa Mais Educação (ou outros programas similares) exige uma análise acurada acerca do ambiente escolar, além do compromisso de fazer as devidas modificações para que se possa realizar um trabalho pedagógico de qualidade. Investigar se de fato houve melhoria no rendimento dos alunos com este programa também é importante 4 Kênia Iara Rodrigues Batista é graduada em estudos sociais e geografia, com pós-graduação em Geografia do Brasil, atualmente é coordenadora do Programa Mais Educação na Escola Municipal Dr. Sebastião Gomes Guimarães, localizada no bairro Maria Helena, Divinópolis-MG. no sentido de possibilitar um redirecionamento de ações e/ou ampliação da oferta do programa na rede, com base em dados reais sobre sua eficácia. CONSIDERAÇÕES FINAIS A educação é um fator fundamental para se melhorar a sociedade em que vivemos, portanto fazem-se necessários investimentos públicos nesse campo. O Programa de Educação Integral é uma inovação que contribui para que seja oferecido um ensino de qualidade, com o objetivo de oferecer às crianças e jovens das escolas públicas mais contato com a arte, o conhecimento e a cultura. Assim, aprendendo cada vez mais, esses alunos têm a oportunidade de se tornarem pessoas melhores e mais capacitadas para enfrentar a vida, sendo cidadãos competentes. Mas para que esta proposta funcione com eficiência é preciso a implantação do programa seja acompanhada de investimentos na infraestrutura das escolas, na formação e remuneração dos profissionais da educação. Mas, ainda que sejam apontados dificuldades e pontos de estrangulamento encontrados durante o processo de atuação, através do estágio extracurricular junto ao Programa Mais Educação, percebe-se que apesar dos desafios, há muitos pontos positivos na Educação Integral, visto que melhora o rendimento escolar, supre as necessidades extracurriculares dos alunos, tranqüiliza os familiares quanto ao cotidiano das crianças e adolescentes, favorece um melhor aproveitamento do tempo ocioso e contribui para a formação de cidadãos melhores, pois a educação desempenha um papel significativo e imprescindível na formação humana. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Programa Mais Educação, Educação Integral: Texto referência para o debate nacional - Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2009. BRASIL. Programa Mais Educação: gestão intersetorial no território – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2009. BRASIL. Rede de saberes Mais Educação: Pressupostos para Projetos Pedagógicos de Educação Integral – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2009. NOSELLA, Paolo. A educação e o mundo do trabalho: a sociedade industrial à sociedade pós-industrial. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Camara (Orgs.). Histórias e Memórias da Educação no Brasil. Vol. III – Século XX. 2 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. p. 242-256. OLIVEIRA, Dalila Andrade. Profissão docente e gestão democrática da educação. Extraclasse – Revista de Trabalho e Educação / Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais. n. 2, vol. 1. jan. 2009. Belo Horizonte, 2009. p. 210-217. VÓVIO, Cláudia Lemos. Educação: um direito de todos. In: BEOZZO, José Oscar (Org.). Educar para a justiça, a solidariedade e a paz. São Paulo: Paulus, CESEP, 2004. p. 31-50.