Lisandra Quintanilha

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE TURISMO E HOSPITALIDADE
CURSO DE TURISMO
LISANDRA MACHADO QUINTANILHA
O RIO DE JANEIRO DA FICÇÃO MACHADIANA: UM PASSEIO TURÍSTICOLITERÁRIO COM O MESTRE PELO CENTRO DA CIDADE MARAVILHOSA
NITERÓI
2014
2
LISANDRA MACHADO QUINTANILHA
O RIO DE JANEIRO DA FICÇÃO MACHADIANA: UM PASSEIO TURÍSTICOLITERÁRIO COM O MESTRE PELO CENTRO DA CIDADE MARAVILHOSA
Trabalho
de
Conclusão
de
Curso
apresentado ao curso de graduação em
Turismo
da
Universidade
Federal
Fluminense, como requisito final de
avaliação para a obtenção do grau de
Bacharel em Turismo.
Orientadora: Prof.ª
Carvalho e Silva.
Dra. Erly Maria
Coorientador: Prof. Dr. Adonai Teles.
NITERÓI
2014
de
3
O RIO DE JANEIRO DA FICÇÃO MACHADIANA: UM PASSEIO TURÍSTICOLITERÁRIO COM O MESTRE PELO CENTRO DA CIDADE MARAVILHOSA
Por
Lisandra Machado Quintanilha
Trabalho
de
Conclusão
de
Curso
apresentado ao curso de graduação em
Turismo
da
Universidade
Federal
Fluminense, como requisito final de
avaliação para a obtenção do grau de
Bacharel em Turismo.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Prof.ª Dra.. Erly Maria de Carvalho e Silva – Orientadora – UFF.
_____________________________________________________
Prof. Dr. Adonai Teles – Departamento UFF.
_____________________________________________________
Prof. Dr. Ari Fonseca Filho – Convidado.
Niterói, 24 de novembro de 2014.
4
A Vovó Tide, que apesar de pouco tempo
juntas, me mostrou como uma mulher
forte e corajosa deve ser.
5
AGRADECIMENTOS
À minha família, que sempre incentivou minhas leituras e escritas: minha vó
Aurélia e tia Wanda, mas em especial meus pais Angela e Edson, pelo suporte
incondicional em todos os momentos, sempre me fazendo crer em meu potencial.
A pessoas especiais cujas presenças tornaram-se indispensáveis em minha
vida: Patrick, pelo constante empenho em ver-me feliz, e Sonia e Armando, pelo
carinho e preocupação de sempre.
À minha orientadora Profª. Erly e ao meu coorientador Prof. Adonai, pelo
grande incentivo e entusiasmo que demonstraram, pela dedicação ao meu tema,
disponibilidade concedida e sugestões valiosas.
Aos amigos e companheiros de trabalhos na jornada universitária, que a
tornaram mais fácil e prazerosa, em especial: Anne Louise, Fabiane, Higor e
Tatiana.
Ao Sr. Marco André, turismólogo e atual gestor do Circuito Guimarães Rosa,
pela grande cordialidade e tempo despendido em ajudar-me com a entrevista
concedida.
6
Aponto-lhe o melhor dos mestres, o estudo; e a melhor das disciplinas, o trabalho.
Estudo, trabalho e talento são a tríplice arma com que se conquista o triunfo.
Machado de Assis
7
RESUMO
Machado de Assis é o escritor carioca que melhor soube captar a essência do
Rio de Janeiro, por meio de histórias e personagens que, embora retratassem a
cidade de sua época, representam questões sociais ainda muito atuais. O Rio
antigo, imortalizado por Capitu, Brás Cubas, Rubião e tantos outros personagens, é
símbolo de uma época que hoje só existe nos livros e na imaginação popular, mas
que se traduz nas ruas que ainda conservam os ares do passado no centro da
cidade. O Rio de Janeiro é ainda pouco explorado pelo turismo literário, apesar do
potencial que possui. Com a criação de roteiros que estimulem turistas e moradores
locais a conhecer a cidade utilizando uma abordagem que mistura realidade à
ficção,
envolta
em uma
atmosfera
de
nostalgia, é
possível despertar a
conscientização da população e do governo para a valorização do patrimônio
carioca. Sendo assim, o objetivo geral deste trabalho é propor um roteiro turístico
para o centro da cidade do Rio de Janeiro com base nas obras de Machado de
Assis. É nesse contexto que surge ―Caminhando com Machado‖, visando ser uma
ferramenta para o incentivo ao turismo literário. A possibilidade de se aliar a
tecnologia à utilização do roteiro permite uma abordagem dinâmica, atrativa e
independente, sendo
uma
alternativa
à
tradicional excursão em grupo. A
metodologia utilizada consiste em uma pesquisa bibliográfica e documental. Por
meio de um levantamento de nove obras, foram identificados os locais mais
relevantes a serem incluídos no itinerário, seja pela quantidade de menções feitas
pelo escritor, ou por sua importância em determinada obra. De forma a viabilizar
uma visão geral da época que permeou as criações de Machado e inseri-la no
roteiro turístico criado, contextualizamos certos aspectos da História como política,
economia, cultura, educação, religião e costumes do Brasil e do Rio de Janeiro,
além da literatura da época.
Palavras-chave: Turismo literário. Roteiro. Machado de Assis. História. Literatura
brasileira.
8
ABSTRACT
Machado de Assis is the carioca writer who best knew how to capture the
essence of Rio de Janeiro through his stories and characters that even though
picturing the city of his time, still represent very current social issues. The old Rio,
immortalized by Capitu, Brás Cubas, Rubião and so many other characters, is a
symbol of a time that nowadays exists only in books and in popular imagination, but
that still can be represented by the streets which preserve the air of the past in the
city center. Rio de Janeiro is still not very much explored by literary tourism despite
its potential. By creating itineraries that encourage tourists and locals to get to know
the city through an approach that combines reality and fiction, surrounded by an
atmosphere of nostalgia, it is possible to raise public and government‘s awareness
about the value of the carioca patrimony. Therefore, the general objective of this
work is to suggest a touristic itinerary to Rio de Janeiro city center based on
Machado de Assis‘ works of fiction. It is in this context that the itinerary "Caminhando
com Machado" (―Walking with Machado‖) intends to be a tool to encourage literary
tourism. The possibility of combining technology to the itinerary enables a dynamic,
attractive and independent approach, being an alternative to the traditional group
tour. The methodology employed consists of a bibliographic and documental
research. After collecting information on nine works, the most important places to be
included in the itinerary were identified on the basis of either the number of
references made by the writer or their importance in a certain work. In order to
facilitate an overview of the time that surrounded the creations of Machado and insert
it into the touristic itinerary created, we contextualized certain aspects of History such
as politics, economy, culture, education, religion and customs of Brazil and Rio de
Janeiro, alongside literature of the era.
Keywords: Literary tourism. Itinerary. Machado de Assis. History. Brazilian literature.
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Mapa do Circuito Guimarães Rosa ................................................ 27
Figura 2 - Mapa do Quarteirão Jorge Amado ................................................. 31
Figura 3 - Machado de Assis e Carolina ......................................................... 95
Figura 4 - Lugares por obra ........................................................................... 115
Figura 5 - Obras por lugar ............................................................................. 117
Figura 6 - Mapa ―Caminhando com Machado‖ .............................................. 119
Figura 7 – Quadro de identificação dos pontos secundários do mapa........... 120
Figura 8 - Mapa ―Caminhando com Machado‖ ampliado .............................. 121
Figura 9 - Quadro de identificação dos pontos do roteiro............................. 122
Figura 10 - Descrição da Rua de Matacavalos no roteiro ―Caminhando com
Machado‖........................................................................................................ 123
Figura 11 - Modelo de QR code para ―Caminhando com Machado‖. ............ 124
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
1. TURISMO LITERÁRIO ......................................................................................... 16
1.1 PAISAGENS LITERÁRIAS E LUGARES LITERÁRIOS ...................................... 17
1.2 O LEITOR-TURISTA E O TURISTA-LEITOR ........................................................ 20
1.3 TURISMO E LITERATURA: CONTEXTO INTERNACIONAL ............................. 21
1.3.1 Eça de Queiroz e Lisboa .................................................................................. 22
1.4 TURISMO E LITERATURA: CONTEXTO NACIONAL ......................................... 25
1.4.1 Guimarães Rosa e o sertão de Minas Gerais ............................................. 25
1.4.2 Jorge Amado e Ilhéus....................................................................................... 30
1.4.3 Machado de Assis e o Rio de Janeiro .......................................................... 34
2. A HISTÓRIA E A LITERATURA NA ÉPOCA DE MACHADO ................................ 40
2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA: UM PANORAMA BRASILEIRO............. 41
2.1.1 O Segundo Reinado .......................................................................................... 41
2.1.1.1 Política e economia ....................................................................................... 45
2.1.1.2 Educação .......................................................................................................... 52
2.1.1.3 Cultura e sociedade....................................................................................... 54
2.1.2 A República Velha ............................................................................................. 57
2.2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA: UM PANORAMA CARIOCA .................. 63
2.2.1 Morre Machado de Assis e renasce o Rio de Janeiro: a Belle Époque
brasileira ........................................................................................................................ 65
2.3.1 Romantismo x Realismo e as obras de Machado .................................... 71
3. O RIO DE MACHADO DE ASSIS ................................................................................. 78
3.1 MONTANDO O CENÁRIO ........................................................................................ 79
3.1.1 Modo de vida e cotidiano ................................................................................ 79
3.1.2 Entretenimento ................................................................................................... 81
3.1.3 Religião................................................................................................................. 90
11
3.1.4 Moda...................................................................................................................... 92
3.1.5 Alimentação ........................................................................................................ 96
3.1.6 Meios de Transportes....................................................................................... 98
3.2 RUAS DO CENTRO DO RIO MACHADIANO ..................................................... 101
3.2.1 Rua da Quitanda .............................................................................................. 102
3.2.2 Rua de Matacavalos (Rua Riachuelo) ........................................................ 103
3.2.3 Rua Direita (Rua Primeiro de Março).......................................................... 104
3.2.4 Rua do Ouvidor ................................................................................................ 105
3.2.5 Rua dos Inválidos ............................................................................................ 106
3.2.6 Rua dos Ourives (Rua Miguel Couto)......................................................... 107
3.2.7 Rua São José .................................................................................................... 108
3.2.8 Campo da Aclamação (Praça da República) ............................................ 109
3.2.9 Largo São Francisco de Paula ..................................................................... 109
3.2.10 Passeio Público ............................................................................................. 110
3.2.11 Rocio Grande/ Praça da Constituição (Praça Tiradentes) ................. 111
4. SEGUINDO OS PASSOS DO MESTRE: UM ROTEIRO PARA DESVENDAR O
RIO DE MACHADO DE ASSIS ........................................................................................ 112
4.1 LEVANTAMENTO DAS OBRAS DE MACHADO DE ASSIS ............................ 113
4.2 CAMINHANDO COM MACHADO.......................................................................... 117
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 127
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 130
APÊNDICE A – ENTREVISTA POR E-MAIL COM MARCO ANDRÉ O. MARTINS
MALAQUIAS. ...................................................................................................................... 137
12
INTRODUÇÃO
Carvalho (2009) aponta que os estudos realizados na área do turismo literário
ainda são escassos, sendo grande parte proveniente da área da Cultura e da
Literatura, mas não do Turismo. Confirmando a constatação da autora citada,
observamos que a cartilha ―Turismo Cultural: orientações básicas‖, lançada pelo
Ministério do Turismo em 2010, em uma série de cartilhas que buscam segmentar a
atividade turística, reconhece e define apenas os seguintes tipos de Turismo
Cultural: Turismo Cívico, Religioso, Místico e Esotérico, Étnico, Ferroviário,
Cinematográfico, Arqueológico, Gastronômico e Enoturismo. Na apresentação das
cartilhas, encontramos:
O comportamento do consumidor de turismo vem mudando e, com isso,
surgem novas motivações de viagens e expectativas que precisam ser
atendidas. Em um mundo globalizado, onde se diferenciar adquire
importância a cada dia, os turistas exigem, cada vez mais, roteiros turísticos
que se adaptem às suas necessidades, sua situação pessoal, seus desejos
e preferências.
O Ministério do Turismo reconhece essas tendências de consumo como
oportunidades de valorizar a diversidade e as particularidades do Brasil. Por
isso, propõe a segmentação como uma estratégia para estruturação e
comercialização de destinos e roteiros turísticos brasileiros. Assim, para que
a segmentação do turismo seja efetiva, é necessário conhecer
profundamente as características do destino: a oferta (atrativos,
infraestrutura, serviços e produtos turísticos) e a demanda (as
especificidades dos grupos de turistas que já o visitam ou que virão a visitálo). Ou seja, quem entende melhor os desejos da demanda e promove a
qualificação ou aperfeiçoamento de seus destinos e roteiros com base
nesse perfil, terá mais facilidade de inserção, posicionamento ou
reposicionamento no mercado. (BRASIL, 2010, [s.p.]).
Apesar de reconhecer a necessidade de valorizar as particularidades do
potencial turístico brasileiro, o documento não reconhece o turismo literário como um
tipo de turismo cultural. A cartilha apenas menciona a literatura como uma das bases
desse tipo de turismo, assim como a pintura, escultura, dança, teatro, folclore,
artesanato, gastronomia, entre outros. Os eventos literários aparecem na cartilha
apenas como atividades que podem ser agregadas ao patrimônio material, trazendo
uma possibilidade de vivência das culturas locais, assim como festivais e exposições
temáticas, eventos musicais, brincadeiras lúdicas, entre outros. (BRASIL, 2010).
13
Reconhecendo a insuficiência de estudos vindos da área de Turismo e o
grande potencial da cidade do Rio de Janeiro para o turismo literário ainda pouco
explorado, pretendemos incentivá-lo por meio de um roteiro turístico, elaborado com
base nas obras daquele que acreditamos ser o escritor que melhor representa a
cidade: Machado de Assis.
Ao longo de seus 69 anos de idade, Machado pouco saiu do estado do Rio de
Janeiro e jamais saiu do Brasil. Suas obras mencionam localidades como Petrópolis,
Nova Friburgo e Itaguaí, mas apenas a cidade do Rio mereceu papel de destaque
em suas histórias: as ruas do Rio antigo são testemunhas de amores, celebrações e
fatos históricos, mas também de desilusões e atrocidades desumanas. A vida
cotidiana dos cariocas do século XIX também é retratada pelo escritor, que não
deixa escapar costumes, crenças e diversões, montando um verdadeiro panorama
da sociedade de sua época.
Pensando em transportar o universo machadiano para a realidade do leitor
atual, de forma a atrair uma nova demanda turística para a cidade, criamos
―Caminhando com Machado‖, um roteiro voltado para turistas e cariocas.
Para Lucas (2003, apud MENEZES, 2008), quando os moradores locais
percebem o valor dado pelos turistas ao que vão visitar, seja por aspectos ligados a
tradição ou a paisagem, passam a olhar de maneira diferente o que normalmente
lhes passaria despercebido: os moradores desenvolvem orgulho pelo patrimônio e
buscam preservá-lo para as gerações futuras. Esse fenômeno é o que ocorre com
os cariocas de uma forma geral, que se orgulham em ―morar em um lugar onde o
mundo passa as férias‖. O que uma grande parte dos cariocas ainda não sabe é que
há mais motivos para se orgulhar de sua cidade do que imagina. Nesse contexto,
―Caminhando com Machado‖ representa uma possibilidade de redescoberta do
patrimônio carioca e incentivo a literatura nacional.
Para a realização deste trabalho formulamos o seguinte problema: Como as
obras de Machado de Assis podem contribuir na elaboração de um roteiro turístico
para a cidade do Rio de Janeiro?
Sendo assim, o objetivo geral desta pesquisa é propor um roteiro para o
centro do Rio com base nas obras de Machado. Seus objetivos específicos
destinam-se a identificar, por meio de uma análise da ficção machadiana, seus
14
cenários e contexto histórico, que locais do centro da cidade podem ser inclusos no
itinerário.
A pesquisa de natureza qualitativa consta de revisão bibliográfica para
fundamentação teórica, baseada em livros, artigos, teses e dissertações, além de
uma pesquisa documental para construção do corpus de análise, constituído pelas
obras de Machado de Assis. O corpus empírico compreende a identificação nos
romances machadianos, dos locais que deveriam constar de um roteiro, por meio de
um levantamento feito em planilha do programa Microsoft Excel, contabilizando a
quantidade de citações feitas por Machado de Assis a pontos da cidade do Rio de
Janeiro.
Conscientes da amplitude do tema deste trabalho, optamos por dividi-lo em
quatro partes, objetivando ao fim caracterizar o Rio de Janeiro de Machado de Assis
e ilustra-lo com o roteiro elaborado.
O primeiro capítulo dedica-se ao turismo literário, pois, antes de tudo, faz-se
necessário discutirmos alguns conceitos relacionados à prática. Para mostrar a
forma como esse tipo de turismo funciona no mundo e em algumas partes do Brasil,
escolhemos Eça de Queiroz como exemplo internacional, Guimarães Rosa e Jorge
Amado na esfera nacional, e introduzimos a relação de Machado de Assis com o Rio
de Janeiro.
O segundo capítulo busca contextualizar a história do Brasil e do Rio de
Janeiro na época de Machado, e a literatura. Para isso, abordamos em especial o
Segundo Reinado e algumas de suas particularidades na política, economia,
educação, cultura e sociedade. Para construir o panorama carioca, buscamos focar
o Rio que viu Machado nascer e morrer, já que mais detalhes foram dados no
capítulo 3. Já a contextualização literária buscou inserir a genialidade de Machado
no contexto dos movimentos do Romantismo e Realismo, abordando também as
diferenças entre a primeira e a segunda fase do escritor.
No terceiro capítulo, ―O Rio de Machado de Assis‖, buscamos desvendar mais
detalhes do universo machadiano, desta vez concentrando-nos exclusivamente na
cidade do Rio e seu cotidiano, formas de entretenimento, religião, moda,
alimentação e meios de transporte. Finalmente, abordamos a história e a
15
importância das principais ruas do centro da cidade que aparecem nas obras
machadianas e que fazem parte do roteiro proposto.
No último capítulo apresentamos o roteiro ―Caminhando com Machado‖,
elaborado com base em um levantamento de nove obras feito pela autora. Ao fim,
apresentamos também algumas sugestões de operação do roteiro, de forma a tornalo mais democrático e atingir os objetivos almejados neste trabalho.
16
1. TURISMO LITERÁRIO
A literatura é uma das grandes responsáveis pela construção de imagens,
cenários, e consequentemente da identidade cultural de uma localidade: por meio de
descrições, relatos ou representações de simples objetos, vestuário da época,
paisagens ou comportamentos sociais, um autor é capaz de transportar o leitor
através do tempo e do espaço, em uma viagem cujo único veículo necessário é a
imaginação. O autor também se torna formador de opiniões, na medida que expõe
seu olhar crítico e pessoal sobre questões culturais, sociais, geográficas e políticas,
emprestando seu ponto de vista particular à obra e moldando as características da
localidade a seu gosto. Para Weir (2003, p. 119 apud HENRIQUES; QUINTEIRO,
2011, p. 606): ―[...] as experiências/vivências do turista não assentam no espaço
como ele é, mas sim como foi visto e recriado por um determinado autor ou
personagem‖. Para Queiroz (2010), tudo depende da experiência subjetiva do
escritor, da linguagem usada, da seleção de temas e características exaltadas, além
da carga metafórica ou simbólica na ligação dos cenários com os personagens.
Um destino que tenha sido retratado em uma obra literária pode apropriar-se
deste fenômeno para atrair visitantes, desenvolvendo ou intensificando seu potencial
turístico, ao direcionar sua oferta (infraestrutura turística, atrativos, serviços e
produtos) para essa demanda que busca praticar o Turismo Literário. Magadán
(2012, apud PLEGUEZUELOS, [s.a.]) define o Turismo Literário como um tipo de
turismo cultural que se desenvolve em lugares relacionados com os acontecimentos
dos textos de ficção ou com a vida dos autores. Isto poderia incluir seguir a rota de
um personagem de ficção de um romance, visitar os cenários em que se ambienta
uma história ou percorrer os lugares vinculados à biografia de um romancista.
Complementarmente, para Mendes, o Turismo Literário:
[...] privilegia os lugares e os eventos dos textos ficcionados, bem como a
vida dos seus autores e tem como palco a promoção de locais onde há uma
ligação directa [sic.] entre a sua produção literária e artística e os turistas
que as visitam. (2007, p. 87).
17
Podemos observar que Magadán (2012, apud PLEGUEZUELOS, [s.a.])
classifica o Turismo Literário, em termos de tipologia, como uma modalidade do
Turismo Cultural. Ambas as autoras, Magadán e Mendes, destacam que não só a
ficção (histórias, personagens e situações criadas) é uma condição para a
ocorrência do Turismo Literário, mas também a própria realidade da vida pessoal e
profissional do escritor. Xicatto (2008) cita ainda as feiras, festivais e salões literários
como mais uma das vertentes deste tipo de turismo. Como se depreende, essa
modalidade é rica em perspectivas, especialmente quando se detém nos cenários
descritos.
1.1 PAISAGENS LITERÁRIAS E LUGARES LITERÁRIOS
Mendes (2007) compara o Turismo Literário ao Turismo Artístico em geral, já
que ambos encontram-se no Turismo Cultural e tratam do campo do conhecimento
humano (intercultural), relacionando-se à criação de obras que evocam a vivência e
a interpretação sensorial, emocional e intelectual da vida das comunidades. Para
Mendes (2007), ―[...] a Literatura é a Arte que se manifesta pela palavra‖ (2007, p.
89) e sendo a Literatura uma manifestação artística, pode criar novas formas de se
perceber a realidade.
Pimentel (2012) aponta que na ficção literária, quando se constrói uma
representação social da realidade, o mundo nos passa a ser como bem o
concebemos, sentimos e avaliamos. Graças à ficção literária também descobrimos
as formas de ver e sentir a realidade de outro tempo, resgatando a forma como
possivelmente as pessoas agiam e pensavam, além dos seus temores, ânsias e
expectativas. De acordo com Pimentel (2012), tanto a literatura que trata de um
passado remoto quanto a que projeta a narrativa para o futuro são testemunhos do
seu tempo, com o que concordamos, pois é por meio da maneira de pensar, do
vocabulário usado e das ideias e suposições expostas que um escritor deixa
registradas as marcas culturais da sua geração.
A percepção da realidade é individual e subjetiva, variando de leitor a leitor e
dependendo do grau de veracidade que o autor concede à obra, além da maneira
18
com que narra suas percepções, ao tentar ser imparcial ou não. Por exemplo, a
representação de uma paisagem feita por um escritor e a percepção do leitor acerca
da mesma paisagem podem ser divergentes. Para Queiroz (2010), a paisagem pode
ser apreendida subjetivamente pelas pessoas, uma vez que quando textos literários
descrevem uma paisagem e desenvolvem sua narrativa em torno de um espaço
geográfico, temos o conceito de paisagem literária. Para Alves:
As palavras que constroem as paisagens literárias são pois um modo de
conferir sentido ao mundo e uma manifestação da memória colectiva [sic.] e
da identidade de um povo; são, em suma, uma forma de compreensão da
sua história e da sua inscrição no mundo. (2012, p. 36)
Queiroz (2010) enfatiza que a paisagem literária estabelece uma relação de
verossimilhança com a realidade dos lugares, que pode provocar no leitor um
sentimento de identificação territorial e uma ilusão de conhecimento, a partir do
momento em que ele absorve a descrição do espaço e da geografia feita pelo
escritor, aspectos esses corroborados por Olivier Rolin ao afirmar:
[...] os escritores contribuem muito para nos enganar e para errarmos dentro
e acerca das cidades. Lemos um desses livros cujo objecto [sic.] é a cidade
e depois, ao desembarcarmos um dia pela primeira vez, constatamos que
nada mudou desde que lá nunca estivemos. (2001, p. 27, apud QUEIROZ,
2010, p. 1-2).
Podemos dizer que o leitor acaba se sentindo parte do cenário e do enredo,
idealizando a cidade com suas construções, sua gente local e seus costumes, ao
mergulhar em uma obra que trata de uma realidade a quilômetros ou até séculos de
distância da dele; sente-se nostálgico de um passado que sequer teve a
oportunidade de vivenciar.
Para Urry (1990, apud MENDES, 2007, p. 32), vivemos em uma sociedade
que tende à nostalgia, que se manifesta também em uma atração nostálgica pelo
patrimônio cultural. Para Rodrigues (2001), o patrimônio é parte integrante da
memória social. Esta, que é uma forma de se recompor a relação entre o presente e
19
o passado, é portadora de historicidade e reflete a valorização que a sociedade
atribui ao passado:
Feito de fantasias, parecendo sempre melhor que o presente, ele [o
passado] aflora idealizado, porque reconstruído por nós que já não somos o
que éramos e, movidos pela nostalgia, queremos que ele nos traga de volta
as sensações já vividas. (RODRIGUES, 2001, p. 18).
O que as cidades são e o conhecimento que se tem delas, alicerçam-se na
memória – ―[...] processo através do qual o homem pode não só repetir as suas
experiências passadas, mas também reconstruir essa experiência‖ (CASSIRER,
1972 apud HENRIQUES; QUINTEIRO, 2011, p. 602). A literatura, por sua vez,
(re)constrói essa memória, o que conduz à valorização de diversos elementos
integrantes da cidade: os tangíveis, como monumentos, lugares, edifícios e objetos
materiais; e os intangíveis, como histórias, sentimentos, costumes e atmosferas
(HENRIQUES; QUINTEIRO, 2011)
Herbert (1996), remetendo-se a diversos autores1, discorre sobre lugares
literários e artísticos (literary and artistic places), definindo-os primeiramente como
lugares que atraem pessoas interessadas na vida pessoal de escritores e artistas.
Uma segunda definição aponta que esses lugares não só se conectam com a vida
do escritor ou artista, mas também com suas obras. O referido autor também diz que
há uma fusão entre o ―real‖ e o ―imaginado‖, o que confere um significado especial a
esses lugares. Um lugar literário ou artístico pode ser considerado como um lugar ao
qual as pessoas atribuem um significado, e é justo o valor desse significado para
elas que as atrai ao local. Herbert (1996) também aponta que em alguns casos, a
ida a um lugar literário pode ser comparada à visita a uma residência anterior ou
algum outro local de intensa experiência pessoal que provoca lembranças no
visitante. Outros locais, segundo Herbert (1996), já seriam suficientemente atrativos
por si só, independentemente da presença de conexões literárias ou artísticas, seja
por possuir um produto turístico suficientemente forte, ou por fazer parte de uma
configuração mais ampla, como um produto turístico mais amplo, por exemplo.
1
Dentre os quais: Marsh (1993), Pocock (1987), Pocock (1992), Daniels and Rycroft (1993),
Cosgrove and Domosh (1993) e Squire (1993).
20
1.2 O LEITOR-TURISTA E O TURISTA-LEITOR
Ao visitar locais cenários das obras de determinado escritor ou locais por
onde passou, o leitor-turista ou turista-leitor sai da sua realidade para vivenciar in
loco o cotidiano de outrem e de outrora. É importante salientar que as expressões
―leitor-turista‖ e ―turista-leitor‖ são aqui utilizadas em termos de motivação de viagem:
―leitor-turista‖ designa aquele cuja principal ou única motivação da viagem se dá
após ter visto a localidade retratada em alguma obra e ter seu interesse despertado
em visitá-la; sendo assim, trata-se de um leitor transformando-se em turista. Já o
―turista-leitor‖ é aquele cujas razões diversas o levaram a viajar, sua principal
motivação não é praticar turismo literário, mas já que aprecia determinada obra ou
autor relacionados à localidade que está visitando, aproveita a oportunidade para
conhecer determinados atrativos ligados ao assunto. Complementarmente, Simões
(2002) utiliza o fator deslocamento como referencial para explicar os dois termos:
analisando o caso de Jorge Amado e sua relação com Ilhéus, Simões (2002) define
o ―leitor-turista‖ como aquele que independentemente de onde esteja fisicamente,
consegue ―visitar‖ a cidade por meio das páginas dos livros. Este se torna um
―turista-leitor‖ após o seu efetivo deslocamento para Ilhéus. Segundo Simões:
Passando de leitor a turista, o tornado turista-leitor desloca-se em busca de
reconhecer a região das páginas de Jorge Amado. Se o fluxo turístico da
cidade de Ilhéus cresce devido à ação da obra sobre o leitor – que, como eu
disse, depois de realizar ―viagens‖ através do livro é movido a visitar o local
palco da ficção – esse mesmo fluxo turístico aumenta quando a
repercussão e aceitação da obra amadiana torna-se alvo de maior atenção
nacional e internacional. Dessa forma, a obra do escritor grapiúna tem
trazido às terras dos ―frutos de ouro‖ um turista-leitor ávido por re-conhecer
a Gabriela, o Vesúvio, o Bataclan... Provar o fruto do cacau, o bolinho da
Gabriela. Sentar na praça da catedral, ou andar nas ruas estreitas da cidade
por onde passavam Malvina e Gerusa. Ansioso por ―ler‖ a cidade como
texto cultural. (2002, [s. p.]).
Nessa citação Simões (2002) retrata de maneira verossímil a familiaridade do
turista-leitor com os personagens da obra, que saem das páginas para serem
pessoas reais e povoar um espaço geográfico configurado pela imaginação do leitor.
21
1.3 TURISMO E LITERATURA: CONTEXTO INTERNACIONAL
Países como Inglaterra e Espanha, por exemplo, conseguem captar melhor a
demanda de leitores-turistas e turistas-leitores por possuírem mais infraestrutura
turística voltada ao assunto: criam atrativos que conseguem aguçar a curiosidade do
turista e estimular o consumo, contribuindo ainda mais para movimentar a economia
local. Londres, por exemplo, além de possuir o Sherlock Holmes Museum,
ambientado no endereço onde supostamente vive o personagem – 221b, na Baker
Street, e o Sherlock Holmes Pub, conta com diversas agências de turismo que
oferecem tours para quem quer seguir os passos do detetive. Além disso, a
Inglaterra explora também outros autores clássicos como Shakespeare, Jane
Austen, Emily e Charlotte Brontë, além de outros contemporâneos como J.K.
Rowling. Já na Espanha, Miguel de Cervantes ainda hoje atrai leitores de ―Dom
Quixote‖.
Em Portugal, podemos destacar Eça de Queiroz2, por sua importância na
literatura portuguesa e consequentemente no turismo, especialmente na cidade de
Lisboa, pela forte influência que exerceu sobre escritores brasileiros, além do fato de
sua contemporaneidade com Machado de Assis e também por conta da polêmica
travada entre os dois escritores, quando da crítica feita por Machado, sob o
pseudônimo de Eleazar, ao romance ―O Primo Basílio‖, acusando Eça de aderir às
novas modas do naturalismo de Émile Zola (BUENO, 2012). No prefácio do livro ―O
Crime do Padre Amaro‖, intitulado ―Idealismo e Realidade‖ Eça responde a
Machado, dizendo-se adepto dessa ―nova moda‖ que em Portugal e no Brasil passa
a ser chamada de ―Realismo‖. Polêmicas à parte, o próprio Machado acabou se
rendendo e esse novo estilo literário, na segunda parte de sua obra.
2
Não há consenso na grafia do sobrenome de Eça, pois devido ao acordo ortográfico vigente a partir
de 1945, a forma original Queiroz passou a ser grafada Queirós. Acompanhando a Fundação Eça de
Queiroz, que grafa o sobrenome com ―z‖, utilizamos essa grafia no presente trabalho.
22
1.3.1 Eça de Queiroz e Lisboa
José Maria Eça de Queiroz nasceu em 25 de novembro de 1845, em Póvoa
do Varzim, Portugal, e faleceu aos 54 anos em 16 de agosto de 1900, em Paris. Em
1866 forma-se pela Faculdade de Direito de Coimbra e vai morar em Lisboa,
iniciando a publicação de folhetins no jornal ―Gazeta de Portugal‖. Em 1869 viaja
para Palestina, Síria e Egito, onde assiste à inauguração do Canal de Suez e publica
no ―Diário de Notícias‖ os relatos de sua viagem no ano seguinte. Em 1873 viaja
pelo Canadá, Estados Unidos e América Central. Dois anos depois publica ―O Crime
do Padre Amaro‖. Em 1878 publica ―O Primo Basílio‖ e inicia sua colaboração com
um jornal do Rio de Janeiro, ―Gazeta de Notícias‖. Dez anos depois é eleito cônsul
em Paris e publica ―Os Maias‖ (FUNDAÇÃO EÇA DE QUEIROZ, 2014).
Apesar das viagens internacionais que fez e que influenciaram sua obra, Eça
nunca veio ao Brasil, mas viu sua vida ligada ao país de várias formas: começando
por suas origens, já que seu pai era brasileiro. Além disso, Rosa e Mateus, um casal
de negros que sua família trouxe do Brasil, lhe inseriram um pouco, quando
pequeno, na cultura brasileira, cantando-lhe canções e contando histórias do sertão.
Eça também travou amizade com brasileiros como Paulo Prado, Magalhães de
Azeredo, Domício da Gama, Eduardo Prado, o barão de Rio Branco e Olavo Bilac.
Mais tarde publicou a crônica ―O brasileiro‖, que apareceu no periódico ―As Farpas‖
(fundado por ele) que caracterizava o brasileiro comicamente, ridicularizando-o, o
que ofendeu a muitos (FUNDAÇÃO EÇA DE QUEIROZ, 2014).
Para Queiroz (2010), Eça foi um retratista da cidade de Lisboa sem igual,
tendo muitas de suas obras servido para demonstrar como os escritores contribuem
para manter a memória histórica dos locais. Carvalho (2009) aponta que Eça
conseguiu retratar o panorama cultural da época de forma completa e expressiva, e
por meio da leitura é como se quase pudéssemos visualizar a sociedade portuguesa
do fim do século XIX.
Portugal, devido a sua posição geográfica, absorvia tardiamente as mudanças
que ocorriam na Europa, e por isso, Eça começa a combater o imobilismo cultural,
buscando uma mudança política, social, ideológica e estética no país. Por isso, foi
contra o Romantismo, corrente literária vigente na época de seu surgimento como
23
escritor. Eça foi criticado pelos seguidores da linha romântica e considerado um
escândalo pela orientação para mudança que demonstrava em seus primeiros
folhetins publicados. O folhetim já era um gênero corrente na Europa, porém, ainda
novidade em Portugal, violava todas as normas literárias utilizadas até então no país
(PINHO; PINHO, 2004).
De acordo com as autoras supracitadas, algumas cidades e regiões
portuguesas tiveram um papel marcante na vida e obra do escritor: Coimbra, por
exemplo, viu Eça formar-se em Direito e iniciar sua trajetória literária. Évora foi onde
o escritor dirigiu o jornal ―Distrito de Évora‖. No Porto, Eça se casa na quinta de
Santo
Ovídio, hoje
inexistente. Outras
localidades
foram importantes
para
caracterizar os tipos psicológicos impressos na obra do escritor: Leiria (―O Crime do
Padre Amaro‖) e Viana do Castelo (―A Relíquia‖), a Freguesia de Santa Cruz do
Douro (―As cidades e as Serras‖), entre outros. Já Lisboa concentra os enredos de
alguns dos romances mais conhecidos: ―Os Maias‖, ―O Primo Basílio‖, ―Alves e
Companhia‖, ―A Capital‖ e a ―Tragédia da Rua das Flores‖.
De acordo com Carvalho (2009), Sintra, localizada no distrito de Lisboa e
classificada como Patrimônio da Humanidade na categoria de Paisagem Cultural
pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO), está presente em toda a obra de Eça de Queiroz, seja como palco da
ação dos personagens (como ocorre em ―Os Maias‖, ―O Primo Basílio‖, ―A Tragédia
da Rua das Flores‖, ―Correspondência de Fradique Mendes‖ e ―Alves e Companhia‖)
ou textualmente (―O Crime do Padre Amaro‖, ―A Ilustre Casa de Ramires‖, ―A
Capital‖, ―O Conde de Abranhos‖, ―A Relíquia‖, ―O Mistério da Estrada de Sintra‖ e
―As Farpas‖). Ainda de acordo com Carvalho (2009), Sintra é mostrada como um
local de eleição das classes ociosas, da realeza, da aristocracia e da burguesia de
Lisboa em diversas obras. Rodil (2000, apud CARVALHO, 2009, p. 47) aponta que a
vila de Sintra é também retratada como um ―ninho de amores‖, local de romance e
jogos amorosos, aparecendo também como um espaço de reconciliação e retiro
espiritual ao longo da obra de Eça, o que podemos observar em ―Os maias‖:
Chegavam às primeiras casas de Sintra, havia já verduras na estrada, e
batia−lhes no rosto o primeiro sopro forte e fresco da serra. [...] Com a paz
das grandes sombras, envolvia−os pouco a pouco uma lenta e embaladora
24
sussurração de ramagens e como o difuso e vago murmúrio de águas
correntes. Os muros estavam cobertos de heras e de musgos [...]. Aqui e
além, nos ramos mais sombrios, pássaros chilreavam de leve; e naquele
simples bocado de estrada, todo salpicado de manchas do sol, sentia−se já,
sem se ver, a religiosa solenidade dos espessos arvoredos, a frescura
distante das nascentes vivas, a tristeza que cai das penedias e o repouso
fidalgo das quintas de Verão... (QUEIROZ, 1888, p. 346)
Carvalho (2009) observa que há diversos roteiros queirosianos em Portugal,
como na cidade do Porto, Vila do Conde, Póvoa do Varzim, Leiria, Coimbra e
Lisboa, além de Tormes, onde se localiza a Fundação Eça de Queiroz.
O ―Roteiro Queirosiano em Sintra‖, por exemplo, é de responsabilidade da
Divisão do Patrimônio Histórico-Cultural do Departamento de Cultura e Turismo da
Câmara Municipal de Sintra, possuindo como objetivo divulgar a história e o
patrimônio de Sintra, bem como a obra de Eça de Queiroz, além de aprofundar o
interesse de alunos pela leitura de ―Os Maias‖. Possui como público-alvo, além dos
alunos e professores de Português do Ensino Secundário, as associações culturais
(como a Associação de Amigos dos Castelos e a UNESCO). É gratuito e pode ser
realizado por agendamento prévio. (CARVALHO, 2009)
Carvalho (2009) aponta que o roteiro está relacionado com ―Os Maias‖. São
mencionados ou visitados os seguintes pontos durante o percurso: Hotel Vítor, Hotel
Nunes (hoje Hotel Tivoli Sintra), Hotel Lawrence, Palácio de Seteais, além do centro
histórico de Sintra e uma cascata, onde o personagem Alencar teria aparecido pela
primeira vez. Na medida em que os locais são visitados, os guias citam trechos da
obra, aludindo aos momentos em que os lugares são mencionados no enredo, além
de acrescentar detalhes históricos sobre eles.
No entender de Carvalho (2009) para que esse roteiro seja turístico-literário e
não somente educacional, algumas adaptações teriam de ser feitas de modo a
proporcionar mais
experiências e atividades lúdicas para o turista, como
dramatizações, passeios a cavalo, entre outros. Porém, ressaltamos que a própria
experiência turística já é lúdica e educacional em si, tornando-se, na verdade, mais
diferenciada e marcante ao adicionarmos os elementos mencionados por Carvalho
(2009).
25
De modo a demonstrar como o turismo literário vem sendo praticado no
Brasil, adiante selecionamos alguns escritores e discutimos a forma como
impactaram a literatura nacional, escolhendo circuitos que os homenageiam.
1.4 TURISMO E LITERATURA: CONTEXTO NACIONAL
O Brasil possui um grande potencial para o turismo literário, mas ainda é
pouco explorado e os estudos sobre o tema são escassos. Dentre alguns dos
escritores responsáveis por atrair a demanda de turistas que busca seguir os passos
de seus escritores e personagens favoritos, destacamos Jorge Amado (1912 –
2001), grande símbolo do Modernismo brasileiro, que consagrou a cidade de Ilhéus,
e Guimarães Rosa (1908 – 1967), que retratou o sertão de Minas Gerais em
diversas obras, como ―Grande Sertão: Veredas‖.
1.4.1 Guimarães Rosa e o sertão de Minas Gerais
João
Guimarães Rosa era contista, novelista, romancista, médico e
diplomata. Nasceu em 27 de junho de 1908, em Cordisburgo, Minas Gerais, vindo a
falecer aos 59 anos, em 19 de novembro de 1967, na cidade do Rio de Janeiro. Em
1929 fez sua estreia literária, ao publicar o conto ―O mistério de Highmore Hall‖ na
revista ―O Cruzeiro‖. Em 1930, formou-se pela Faculdade de Medicina da
Universidade de Minas Gerais. Segundo artigo publicado em Circuito Guimarães
Rosa (2014), em 1938, é nomeado Cônsul Adjunto em Hamburgo e vai para a
Europa, onde, durante a Segunda Guerra Mundial, protegeu e facilitou a fuga de
judeus, concedendo vistos em seus passaportes de forma a facilitar sua fuga para o
Brasil. Em 1952, junto com um grupo de vaqueiros, realiza uma viagem de dez dias
pelo sertão, cujo objetivo era levar uma boiada de uma fazenda em Três Marias até
outra em Araçaí. Durante a viagem, Guimarães fazia anotações sobre a fauna, a
flora e a gente sertaneja, com seus costumes, crenças, linguagens, superstições,
26
canções, etc., o que teria ajudado o escritor a criar o cenário, as histórias e os
personagens em sua obra de maior sucesso, ―Grande Sertão: Veredas‖, em 1956.
De acordo com informações obtidas em Academia Brasileira de Letras (2014), em
1963, Guimarães Rosa é eleito o terceiro ocupante da Cadeira 2 na Academia
Brasileira de Letras, vindo a ocupá-la apenas três dias antes de sua morte.
Como uma forma de homenagear o escritor que se tornou a expressão da
identidade cultural de um povo que simboliza Minas Gerais, e ao mesmo tempo
objetivando explorar o Turismo Cultural, foi criado o Circuito Turístico Guimarães
Rosa - CGR (Figura 1). Destinado às pessoas que querem conhecer, sentir e
explorar a vida simples e a cultura singular do sertão, o circuito abrange os
municípios de Araçaí, Buritizeiro, Corinto, Curvelo, Inimutaba, Morro da Garça,
Pirapora, Presidente Juscelino e Santo Hipólito, além da Basílica de São Geraldo,
em Curvelo.
27
Figura 1: Mapa do Circuito Guimarães Rosa.
Fonte: Circuito Guimarães Rosa, 2014.
De acordo com Circuito Guimarães Rosa (2014), o CGR foi criado legalmente
em 05 de dezembro de 2003 e certificado pela Secretaria de Estado de Turismo de
Minas Gerais em 11 de fevereiro de 2005, sendo sua sede inicial no município de
Morro da Garça. Hoje o circuito é gerido pelo turismólogo Marco André O. Martins
Malaquias e sua sede encontra-se em Curvelo, devido à sua localização geográfica
28
central e sua capacidade de gerar mais fluxo de visitantes, atendendo à necessidade
da organização do circuito de possuir um espaço maior 3.
O Circuito Guimarães Rosa (CGR) oferece roteiros que levam os viajantes
aos lugares reais onde se passam as estórias de João Guimarães Rosa e
que definem o ―sertão roseano‖. O ―sertão roseano‖, além de ser uma
experiência literária, é uma viagem ao coração do Brasil, muito distante do
turismo convencional.
[...] Para conduzir os viajantes a esse mundo da ficção, o CGR conta com
guias especiais que conhecem a geografía [sic.] roseana e que levam os
viajantes às belezas da flora e da fauna, do Cerrado que ainda existe no
sertão, e tudo isso ouvindo os Contadores de Estórias do CGR narrando as
estórias de Guimarães Rosa, nos próprios cenários onde elas se passam.
[...] Os viajantes do CGR encontram nos 13 municípios, além dos cenários
da obra, em vias de sinalização, festas religiosas com suas capelas
enfeitadas, procissão, violeiros, Café Sertanejo, barraquinha e forró e a
deliciosa culinária sertaneja. E sempre encontrarão uma Lojinha com o
4
artesanato local e artesanato ―roseano‖ .
Como observamos pelo trecho acima, o Circuito Turístico Guimarães Rosa
começou então incorporando 13 municípios: Três Marias, Várzeas da Palma,
Felixlândia, Lassance, Cordisburgo, Araçaí, Buritizeiro, Corinto, Curvelo, Inimutaba,
Morro da Garça, Pirapora e Presidente Juscelino. Com uma melhor estruturação do
programa, Três Marias e Felixlândia juntaram-se no ―Circuito Lago de Três Marias‖ e
Lassance e Várzea da Palma, no ―Circuito Serra do Cabral‖, deixando, portanto, de
fazer parte do CGR, já que por lei não é permitido que um município faça parte de
mais de um circuito. Cordisburgo, então, optou por fazer parte do ―Circuito das
Grutas‖ e também deixou o programa. Posteriormente, entraram Santo Hipólito e a
Basílica de São Geraldo, em Curvelo 5.
De acordo com Circuito Turístico Guimarães Rosa (2014), Cordisburgo, a
pequena cidade onde nasceu o escritor, também contribui para o circuito com o
Museu Casa Guimarães Rosa e os Contadores de Estórias Miguilim, que narram
3
Informações obtidas em entrevista por e-mail com Marco André O. Martins Malaquias, turismólogo e
atual gestor do CGR, em 1 Abr. 2014.
4
5
Folheto de divulgação do circuito encontrado em Bezerra; Heidemann (2006, p. 10).
Informações obtidas em entrevista por e-mail com Marco André O. Martins Malaquias, turismólogo e
atual gestor do CGR, em 1 de abril de 2014.
29
trechos das obras de Guimarães nos locais originais onde foram ambientadas.
Cordisburgo é considerada o Município de Honra do CGR. Curvelo e Pirapora são
as cidades com melhor infraestrutura de hospedagem e alimentação, enquanto que
Morro da Garça, Araçaí, Inimutaba, Presidente Juscelino e Buritizeiro possuem
ainda pequenos e simples meios de hospedagem e restaurantes, mas se destacam
justamente pela sua singeleza e hospitalidade acolhedora. No próprio site oficial
(CIRCUITO GUIMARÃES ROSA, 2014) admite-se que estas últimas estão ainda se
esforçando para se organizar e desenvolver sua infraestrutura turística.
O Circuito não atua como gestor de atrativos ou como agência receptiva, mas
fornece assistência aos municípios que querem desenvolver suas potencialidades e
colocá-las no mercado. Portanto, o acesso pode se dar por meio de operadores
locais ou ser promovido pelos próprios municípios integrantes através de eventos.
Atualmente, a entidade encontra-se em um processo de estruturação de um Centro
Regional de Apoio ao Turista, com o objetivo de facilitar o acesso do visitante às
informações. Dentre
as
maiores
dificuldades
enfrentadas
está
a falta de
conhecimento e sensibilização dos principais atores do processo: o poder público
municipal, a iniciativa privada e a comunidade, o que acaba prejudicando o
seguimento do que prega a definição do Programa de Regionalização do Turismo.
6
Em ―Grande Sertão: Veredas‖, obra de maior visibilidade de Guimarães, nos
sentimos seduzidos pela linguagem, que facilmente transmite as emoções dos
personagens e aproxima-os a nós, além dos elementos típicos do cerrado presentes
na
narração, compondo
um cenário
que
geograficamente, culturalmente e
politicamente permeia o imaginário humano, vindo a confirmar ou desmistificar as
impressões que temos da região. É como se, por meio do cenário, dos diálogos e
das expressões peculiares utilizadas pelos personagens, fizéssemos parte da trama
como observadores:
Mas mor o infernal a gente também media. Digo. A igual, igualmente. As
chuvas já estavam esquecidas, e o miolo mal do sertão residia ali, era um
sol em vazios. A gente progredia dumas poucas braças, e calcava o
reafundo do areião – areia que escapulia, sem firmeza, puxando os cascos
dos cavalos para trás. Depois, se repraçava um entranço de vice-versa,
com espinhos e restolho de graviá, de áspera raça, verde-preto cor de
cobra. Caminho não se havendo. Daí, trasla um duro chão rosado ou
cinzento, gretoso e escabro – no desentender aquilo os cavalos
arupanavam. Diadorim – sempre em prumo a cabeça – o sorriso dele me
6
Idem.
30
dobrava o ansiar. Como que falasse: ―Hê, valentes somos, corruscubas,
sobre ninguém – que vamos padecer e morrer por aqui...‖ (ROSA, 1956, p.
62).
Para Walnice Nogueira Galvão7, ao lermos ―Grande Sertão: Veredas‖, temos
a impressão de que estamos vendo apenas um sertão, mas na verdade é um sertão
múltiplo, que pode ser analisado por três pontos de vista: geográfico, mítico e
metafísico. O sertão geográfico é aquele retratado como uma região de matas e
florestas, campos, com riachos e pastagens. O mítico é uma comparação feita pela
entrevistada entre os conflitos dos jagunços entre si e as histórias medievais como
as do Rei Carlos Magno e do Rei Arthur. Já o terceiro sertão, o metafísico, é a visão
do sertão religioso, como uma arena de batalha entre Deus e o Diabo. A
entrevistada salienta que esta é uma divisão feita em termos de análise da obra, já
que os três sertões, na verdade, entrelaçam-se em um só.
Bezerra e Heidemann (2006) fazem uma reflexão sobre o motivo pelo qual
talvez tantos visitantes sintam-se atraídos por uma área tão remota quanto o sertão
mineiro. São designados pelos autores citados como forasteiros, sertanejos, que
possuem o sertão dentro de si. ―É gente que tem saudade do que nunca viveu e
uma sede de um mundo primordial não corrompido, onde ainda há o que fazer.‖
(BEZERRA; HEIDEMANN, 2006, p. 11).
A seguir, abordamos a relação de outro importante escritor com a cidade
retratada em suas obras: Jorge Amado e a cidade de Ilhéus, na Bahia.
1.4.2 Jorge Amado e Ilhéus
Jorge Amado nasceu em 10 de agosto de 1912, no município de Itabuna, sul
da Bahia e faleceu em Salvador, em 6 de agosto de 2001, aos 88 anos. Era filho de
um fazendeiro de cacau e com um ano de idade passou a viver em Ilhéus. Com 19
anos publica seu primeiro romance: ―O País do Carnaval‖. Em 1935, formou-se pela
Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro. Jorge Amado era militante
7
Informações obtidas em entrevista concedida ao site Folha de S. Paulo. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/podcasts/ult10065u415724.shtml> Acesso em: 12 mar. 2014.
31
comunista e foi obrigado a exilar-se na Argentina e no Uruguai entre 1941 e 1942.
Em 1945 foi o deputado federal mais votado no Estado de São Paulo, tendo sido o
autor da lei que assegura o direito à liberdade de culto religioso (ainda em vigor). Em
1961 foi eleito para a cadeira de número 23, da Academia Brasileira de Letras, cujo
patrono fora José de Alencar e o primeiro ocupante Machado de Assis. A obra de
Jorge Amado foi traduzida para 49 idiomas e inúmeras vezes adaptada para cinema,
televisão e teatro, e lhe rendeu vários prêmios nacionais e internacionais. Dentre
suas obras mais famosas, figuram ―Cacau‖ (1933), ―Capitães de Areia‖ (1937), ―São
Jorge dos Ilhéus‖ (1944), ―Gabriela, Cravo e Canela‖ (1953), ―Dona Flor e seus dois
maridos‖ (1966), ―Tenda dos Milagres‖ (1969) e ―Tieta do Agreste‖ (1977)
(FUNDAÇÃO CASA DE JORGE AMADO, 2014).
A Ilhéus de Jorge Amado, assim como o sertão de Minas, também ganhou um
circuito turístico, chamado Quarteirão Jorge Amado (QJA), conforme ilustrado na
figura 2:
Figura 2: Mapa do Quarteirão Jorge Amado.
Fonte: Revista Urutágua, 2014.
Como explicitam Carneiro et al. (2011), o QJA foi criado pela Secretaria de
Turismo (SETUR) e pela Fundação Cultural de Ilhéus (FUNDACI) na década de 90 e
subdividido em circuito Cravo e circuito Canela, em uma referência à sua obra de
maior sucesso ―Gabriela, Cravo e Canela‖. O Circuito Cravo inclui a Catedral de São
Sebastião, o Bar Vesúvio, o Teatro Municipal, a Casa de Cultura Jorge Amado, a
32
Associação Comercial de Ilhéus, a Estátua de Sapho, o Palácio Paranaguá, a Igreja
Museu São Jorge, a Casa do Coronel Misael Tavares e a Casa de Tonico Bastos. Já
o Circuito Canela, é composto pelo Ilhéos Hotel e Restaurante do Coronel, antigo
Porto de Ilhéus, Bataclan, Restaurante Velhos Marinheiros, Cristo Redentor e
Outeiro de São Sebastião. (MENEZES, 2003, apud CARNEIRO et al., 2011) A
SETUR e a FUNDACI delimitaram a área no centro da cidade, selecionaram os
prédios e monumentos de acordo com a sua importância histórica e ligação com a
obra amadiana, e elaboraram folhetos com informações sobre cada patrimônio.
(MENEZES, 2008)
Ilhéus é um dos destinos turísticos da região sul da Bahia mais procurados
devido ao seu patrimônio natural e cultural. Quanto às potencialidades naturais,
podemos destacar a variedade da vegetação da Mata Atlântica, áreas de
manguezais, praias, cachoeiras e lagoas. Como riquezas culturais, temos elementos
ligados à história das Capitanias Hereditárias, da produção do cacau e também a
Literatura, que faz Ilhéus ser conhecida como a ―Terra de Jorge Amado‖, Terra da
Gabriela‖ ou ―Terra dos Coronéis do Cacau‖. (MENEZES, 2008)
―Gabriela, Cravo e Canela‖ é a principal obra amadiana responsável por atrair
turistas brasileiros e estrangeiros à Ilhéus, segundo Simões (2002). Para a referida
autora, o turista é exigente em suas expectativas: espera encontrar uma cidade
pacata, foge dos shopping centers e busca a pracinha, o centro da cidade, uma
paisagem peculiar que ele não encontra nas metrópoles. Ele se surpreende quando
não encontra mais cavalos nas ruas, coronéis com seus chapéus de aba larga,
burros levando cacau para o porto, moças nas janelas, o Bataclan cheio de
mulheres, entre outros elementos.
[...] a cidade esplendia em vitrines coloridas e variadas, multiplicavam-se as
lojas e os armazéns, os mascates só apareciam nas feiras, andavam pelo
interior. Bares, cabarés, cinemas, colégios.
[...] No entanto ainda se misturavam em suas ruas esse impetuoso
progresso, esse futuro de grandezas, com os restos dos tempos da
conquista da terra, de um próximo passado de lutas e bandidos. Ainda as
tropas de burros, conduzindo cacau para os armazéns dos exportadores,
invadiam o centro comercial, misturando-se aos caminhões que começavam
a fazer-lhes frente. Passavam ainda muitos homens calçados de botas,
exibindo revólveres, estouravam ainda facilmente arruaças nas ruas de
canto, jagunços conhecidos arrotavam valentias nos botequins baratos, de
quando em vez um assassinato era cometido em plena rua. Cruzavam
33
essas figuras, nas ruas calçadas e limpas, com exportadores prósperos,
vestidos com elegância por alfaiates vindos da Bahia, com incontáveis
caixeiros-viajantes ruidosos e cordiais, sabendo sempre as últimas
anedotas, com os médicos, advogados, dentistas, agrônomos, engenheiros,
chegados a cada navio. Mesmo muitos fazendeiros andavam sem botas e
sem armas, um ar pacífico, construindo boas casas de moradia, vivendo
parte de seu tempo na cidade, botando os filhos no colégio de Enoch ou
enviando-os para os ginásios da Bahia, as esposas indo às fazendas
apenas pelas férias, gastando sedas e sapatos de taco alto, freqüentando
as festas do Progresso. (AMADO, 1958, p. 24-25)
Menezes (2008) aponta que em sua ficção, Amado ambienta seus
personagens, inspirados em ilheenses e seu modo de vida, em meio a fatos
históricos e desenrola os acontecimentos de seu enredo pelas ruas, praças, igrejas,
e outros locais característicos de Ilhéus. Segundo a autora mencionada, neste caso,
a ―literatura é alimentada pela história‖ (MENEZES, 2008 p. 11).
Simões indica de que forma acontecimentos históricos nos envolvem na obra
de Jorge Amado:
Puderam os leitores acompanhar as injustiças sociais, a prepotência dos
coronéis, a servidão dos trabalhadores rurais, em Cacau, em 1932; a
conquista feudal (Terras do Sem-Fim, 1942), a conquista imperialista dos
exportadores (São Jorge dos Ilhéus, 1944), a demonstração da força
política (Grabiela [sic.], Cravo e Canela, 1958).
[...] Depois, acompanhou a formação dessa civilização grapiúna já por outra
ótica, que foca a identidade, reconhece sergipanos, negros e turcos como
elementos formadores dessa cultura. Mostra como as c lasses menos
aquinhoadas contribuíram e enriqueceram o panorama cultural local.
Conhecem a história contada por outro viés. (2002, [s. p.]).
Sendo assim, a cidade acaba se tornando imortalizada pelas mãos do
escritor, que à sua maneira, retratou o cotidiano de uma época e acabou por
fortalecer a identidade cultural da localidade até os dias atuais. O surgimento e
manutenção do QJA vêm a confirmar isso, servindo também como meio de
amplificação da geração de renda e empregos.
Segundo Carneiro et al. (2011), alguns patrimônios do Quarteirão Jorge
Amado foram restaurados e/ou reformados por meio do Projeto Básico e Executivo
de requalificação urbana do centro histórico de Ilhéus, aprovado em 25 de abril de
34
20078, mas ainda há fatores que necessitam ser melhorados, como a falta de
integração entre os elementos atuantes no QJA. Ainda de acordo com os referidos
autores, a ausência de um calendário de atividades ou meios de comunicação que
efetivamente informem o turista e o morador sobre as atividades realizadas é uma
reclamação das agências de viagens que sentem dificuldades em vender os
atrativos. Já para Menezes (2008), a população local precisa contribuir mais com a
preservação do patrimônio histórico com o qual está lidando, e tentar entender o seu
valor para a cidade. Parte da população não sabe localizar o Quarteirão e tampouco
conhece as histórias de Jorge Amado, ficando por conta dos guias o fornecimento
das informações ao turista.
Tanto Guimarães Rosa quanto Jorge Amado, abordados neste trabalho,
souberam retratar Minas Gerais e Bahia, respectivamente, de forma singular,
inserindo os leitores em seus universos, envolvendo-os e apaixonando-os.
O Rio de Janeiro, por sua vez9, se viu representado com esmero e
originalidade nas palavras de um dos maiores romancistas brasileiros; um dos
fundadores da Academia Brasileira de Letras e o seu primeiro presidente; jornalista,
contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo, mas antes de tudo, um carioca, e
apaixonado por sua cidade: Machado de Assis.
1.4.3 Machado de Assis e o Rio de Janeiro
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, em 21 de junho
de 1839, e morreu em 29 de setembro de 1908 (mesmo ano do nascimento de
Guimarães Rosa). De acordo com Piza (2008), nascido no Morro do Livramento,
Machado era neto de escravos libertos e filho de uma costureira açoriana com um
8
Segundo Carneiro et al. (2011), esta informação foi obtida em uma entrevista concedida por um
representante da Prefeitura Municipal de Ilhéus no ano de 2009.
9
A cidade do Rio já foi explorada em passeios turístico-literários como ―O Rio de Clarice‖, existente
há sete anos em uma iniciativa do projeto Caminhos da Arte, que homenageia a escritora Clarice
Lispector. Machado de Assis também inspira esse tipo de passeio: a iniciativa mais recente e de
maior visibilidade é o passeio oferecido pelo projeto ―O Rio de Machado‖, em 2014, organizado pelo
Museu de Arte do Rio (MAR).
35
pintor, que sabiam ler e escrever (algo raro entre famílias tão humildes na época).
Nunca viajou ao exterior, tendo tampouco conhecido muitas localidades fora do
estado do Rio. Fischer (2011) observa que Petrópolis, Vassouras e Barbacena (no
estado de Minas Gerais) foram as únicas cidades visitadas pelo escritor.
Machado de Assis, por puro talento e mérito próprio, alcançou a vida tranquila
e confortável que tanto desejava. De menino pobre do Morro do Livramento a um
dos maiores escritores de sua época, reconhecido ainda em vida, chegou ao alto
escalão do serviço público e se tornou o primeiro presidente da Academia Brasileira
de Letras em 1896. Contornou várias espécies de preconceito, já que era mulato,
gago, epiléptico e de origem pobre. Fez amizades e conquistou importantes
conexões
no
mundo
literário
que
lhe
renderam excelentes
oportunidades.
Apaixonou-se e casou-se com uma mulher mais velha, que dizia ser o amor de sua
vida.
Para Fischer (2011):
Machado foi um elegante. De tudo que dele se sabe, nunca usou
expedientes escusos para encontrar seu lugar na sociedade brasileira ou na
literatura de seu país. Não teve padrinhos a quem pudesse recorrer para
conseguir favores ou subir posições sociais; não praticou as mesquinharias
tão comuns no mundo artístico como plataforma para firmar-se na opinião
pública. Tudo leva a crer que se trata realmente de um raro caso de cidadão
brasileiro que veio muito de baixo e subiu por méritos próprios, sendo
simultaneamente um artista de grande poder crítico (FISCHER, 2011, p.
17).
Piza (2008) observa que não se sabe muito sobre a infância de Machadinho
(como era chamado), nem ao menos se chegou a frequentar alguma escola. O
padre Silveira Sarmento, da Capela de São João Batista, na Quinta da Boa Vista,
teria instruído o menino. Ele também teria frequentado a Igreja da Lampadosa, perto
da Praça da Constituição, e ali exercido a função de coroinha. Machado já
demonstrava dominar o idioma francês antes dos 20 anos, mas as informações de
como isso ocorreu são divergentes, já que, de acordo com Piza (2008), o escritor
pode ter aprendido na padaria da viúva Gallot, na rua São Luiz Gonzaga, por
intermédio do forneiro, a pedido de sua então madrasta (a mãe de Machado faleceu
antes que ele completasse 10 anos). Alguns meses após o novo casamento de seu
36
pai, Machado resolve deixar o morro e tentar a vida no centro da cidade. Para Piza
(2008), toda a ficção de Machado traz os vestígios do universo de peças, óperas,
folhetins e sociedades literárias que o Rio imperial ofereceu ao escritor, quando
ainda adolescente deixou sua casa.
Em 1854, Machado conhece Francisco de Paula Brito, dono de uma tipografia
onde começa a trabalhar, e é neste ano que publica seus primeiros poemas. Sua
estreia é em um tabloide chamado ―Periódico dos Pobres‖ com o poema ―Soneto‖,
que ainda não possui qualidades suficientes para se igualar às de escritores
consagrados da época. A convivência com Paula Brito trouxe importantes conexões
a Machado, como Caetano Filgueiras, Casimiro de Abreu, José Joaquim Macedo,
Gonçalves Dias, Quintino Bocaiúva, Joaquim Manuel de Macedo e Francisco
Otaviano, todos escritores e intelectuais renomados (PIZA, 2008).
Fischer (2011) aponta que, apesar de ter iniciado sua carreira como jornalista,
poeta e dramaturgo, principalmente nos anos 1860, uma década depois acaba
deixando o drama e o jornalismo para concentrar suas atenções na crítica e na
prosa narrativa. A partir dos anos 80, praticamente abandona a poesia e a crítica
para dedicar-se mais à narrativa, em romances e contos, e a crônicas. Sendo assim,
de acordo com Machado de Assis (2014), em 1859, Machado passa a escrever
regularmente para a revista ―O Espelho‖, fazendo crítica teatral. Em 1860 entra
como redator para ―O Diário do Rio de Janeiro‖, onde permanece até 1867, ano em
que começa a escrever para ―A Semana Ilustrada‖, permanecendo nesta até 1875. É
também em 1867 que é nomeado ajudante do diretor de publicação do ―Diário
Oficial‖, cargo que exerce até 1874. Finalmente, em 1872 publica seu primeiro
romance ―Ressurreição‖.
Na política, em 1889, marca presença como diretor da Diretoria de Comércio
da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
Em 1898 é posto em disponibilidade em virtude da reforma no Ministério da Viação.
Volta ao Ministério, como secretário do Ministro Severino Vieira. Em 1902 é
nomeado diretor-geral de Contabilidade do Ministério da Indústria, Viação e Obras
Públicas (MACHADO DE ASSIS, 2014). Ao longo de todo esse período, Machado
continua publicando e colaborando para diversos periódicos e revistas, escrevendo
contos e romances que abordaremos posteriormente de forma mais detalhada.
37
Machado possuía uma personalidade complexa: era admirador de Dom Pedro
II, mas criticava o Segundo Reinado. Era monarquista, mas liberal e abolicionista.
Nos assuntos morais, era conservador. Como escritor, começou como romântico,
depois admirou o realismo, mas diante dos excessos do naturalismo, passou a
apontar as limitações das escolas literárias (PIZA, 2008). Tinha dúvidas sobre os
rumos da sociedade brasileira e sempre ironizou a noção de ―progresso‖, pois
mudanças culturais e arquitetônicas não lhe significavam avanço social: em suas
obras, a cidade do Rio ilustra ―[...] a construção do cenário do progresso da
mudança, mas igualam-no à barbárie travestida de civilização‖ (BORGES-TEIXEIRA,
2011, p. 81). Sua visão de mundo também se modifica com o passar do tempo, de
acordo com Fischer (2011), pois o liberalismo acentuado que demonstrava na
juventude transformou-se em desilusão e ceticismo, motivo de sua ironia fina e sutil.
Machado foi um grande espectador da vida cultural e intelectual da cidade do
Rio de Janeiro, usufruindo de várias opções de entretenimento que a Corte tinha a
oferecer. Segundo Piza (2008), desde jovem, Machado passava muitas tardes lendo
no Real Gabinete Português de Leitura, na Rua Luís de Camões. Frequentava o
Teatro Lírico (na Rua da Guarda Velha, atualmente Rua Treze de Maio), o Alcazar
Lírico (na Rua da Vala, atual Rua Uruguaiana), e o Teatro Ginásio Dramático (na
antiga Rua São Francisco de Paula, atual Rua Ramalho Ortigão). O Clube
Fluminense, na esquina da Praça da Constituição (atual Praça Tiradentes) com a
Rua do Conde (atual Rua Visconde do Rio Branco) segundo Machado (2007), era o
local que Machado costumava tomar chá, dançar, jogar xadrez e recitar. Ainda
segundo Machado (2007), na década de 60 saraus literários também eram diversão
para o escritor, à noite, já que Machado gostava de ouvir música e recitar suas
poesias, apesar de sua timidez. Piza (2008) aponta que, àquela altura, Machado
vivia uma vida sem luxo, mas confortável: já usufruía de boa reputação como poeta
e cronista, frequentava a ópera, encontrava amigos em jantares no Hotel Europa,
em geral acompanhados de atrizes portuguesas e cantoras francesas. Jantava com
os amigos Bernardo Guimarães (futuro autor de ―A Escrava Isaura‖) e Pedro Luís em
um restaurante da Rua dos Latoeiros (atual Rua Gonçalves Dias). Nesta mesma rua,
segundo O Globo (2014), frequentava também a Confeitaria Colombo, fundada em
1894. O escritor gostava também de visitar a Livraria Garnier, na Rua do Ouvidor,
hábito que conservou até quando seus problemas de saúde lhe permitiram.
38
Sofrendo de asma, inflamação crônica na retina e o agravamento de suas
crises de epilepsia, Machado de Assis morre em 1908, em sua casa na Rua do
Cosme Velho, número 18, onde residia desde 1883. Era lá que vivia recluso,
adoentado, escrevendo cartas e livros, melancolicamente, desde a morte de sua
esposa Carolina, em 1904 (PIZA, 2008). Hoje, a casa não existe mais e em seu
lugar há um edifício residencial com uma pequena placa comemorativa informando a
época em que o escritor residiu ali (SECRETARIA DO PATRIMÔNIO CULTURAL,
2014). O ―Bruxo do Cosme Velho‖ – ― ‗bruxo‘ pela inventividade, por aquela espécie
de feitiço que se encontra na obra dos grandes artistas‖ (FISCHER, 2011, p.18) – já
não era mais o mesmo de outrora: ―[...] já não se sentia daquele mundo, daquele Rio
de Janeiro, daqueles tempos novos de república moderna e reformismo urbano‖
(PIZA, 2008, p. 24).
Machado sentia-se deprimido por ver escapar-lhe o Rio que lhe serviu de
palco para a vida e para suas obras, mas o fato é que nenhum escritor de seu tempo
soube captar tão bem a essência de um emaranhado de fatos históricos, avanços e
retrocessos de uma sociedade, que ocorreram em pouco espaço de tempo em uma
cidade tão complexa, dividida entre o passado e o futuro.
Para Borges-Teixeira as crônicas de Machado:
[...] revelam aos seus contemporâneos o que só o flâneur [uma espécie de
narrador-andarilho, que escreve a cidade que percorre] em suas
perambulações pela cidade podia captar, e ultrapassando o tempo deixa
como legado uma fonte riquíssima sobre aspectos da vida social da Belle
Époque carioca (BORGES TEIXEIRA, 2011, p. 84).
De acordo com Borges-Teixeira (2011), as obras de Machado representam
um divisor de águas, pois marcam o início da modernidade literária. Para ela, o Rio é
uma espécie de ―cidade subterrânea‖ em suas obras: a cidade em sua essência não
se mostra na superfície da história, demandando um esforço do leitor em ir além da
aparência do texto, buscando não o que é dito, mas o que é sugerido nas
entrelinhas pelas metáforas de Machado, para só assim conseguir desvendar a
cidade escrita por ele.
Borges-Teixeira (2011) observa, ainda:
39
A cidade textual lida/escrita por Machado de Assis é construída
literariamente com elegância, inteligência e espirituosidade. A arte suprema
de dissimulação, o jogo de esquivas e despistamento de seus narradores,
demonstram que Machado de Assis localizava as questões mais graves da
vida nacional, com precisão absoluta, por detrás do discurso elegante e dos
artifícios da sedução oratória. Machado explicita sua crítica não
confrontando a elite ou escrevendo invectivas contra ela, como Lima
Barreto, mas lhe dando voz (BORGES-TEIXE IRA, 2011, p. 75).
A cidade retratada por Machado em tantas obras ainda sobrevive, com as
modificações inexoráveis que o tempo traz, mas sem perder o encanto e as
referências. À semelhança do Circuito Guimarães Rosa e do Quarteirão Jorge
Amado, o Rio machadiano precisa ser preservado, conhecido e admirado. Daí, a
importância da constituição de um roteiro turístico baseado em suas obras, objeto de
nosso estudo.
40
2. A HISTÓRIA E A LITERATURA NA ÉPOCA DE MACHADO
Todos os leitores da obra machadiana reconhecem a forte identificação que
Machado de Assis possui com a cidade do Rio de Janeiro, em especial a região
central, utilizando seus mais variados aspectos físicos e culturais como cenário para
suas histórias, já que a cidade também foi cenário para sua própria vida. Ao longo
de sua obra, o escritor não poupa críticas à sociedade e à política da época, mas
também não esconde suas predileções e não deixa de manifestar seu saudosismo
ao constatar tristemente o quanto a sua querida cidade se transformou com o passar
dos anos.
Dessa forma, antes de abordarmos a relação entre a vida e a obra do escritor
com a cidade do Rio, faz-se necessário entendermos em que contexto o escritor que
conhecemos foi se formando, quais acontecimentos esculpiram seu pensamento e
influenciaram suas obras, além de conhecermos um pouco mais a sociedade
brasileira do século XIX, suas características culturais e políticas.
Primeiramente, apresentaremos um panorama histórico brasileiro da época
em que viveu Machado, desde a Regência até a República. Pretendemos aqui
conferir um foco maior ao Segundo Reinado, já que Machado acompanhou-o do
início ao fim, com notória simpatia ao regime (apreciava o sistema semiparlamentarista então adotado), mas sem deixar de apontar as mazelas do regime e
de seus políticos.
Posteriormente, mostraremos um panorama histórico-carioca, caracterizando
a cidade e todas as suas facetas, de modo a visualizarmos o Rio tal como era
vivenciado por Machado e descrito em suas histórias.
Finalmente, faremos uma contextualização literária de forma a entender quais
movimentos predominaram naquela época e o porquê, analisando ainda a inserção
do escritor nessa conjuntura.
41
2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA: UM PANORAMA BRASILEIRO
Ao longo dos seus 69 anos de vida (21 de junho de 1839 – 29 de setembro de
1908), Machado de Assis presenciou mudanças determinantes no Brasil e no
mundo, acompanhando importantes transformações políticas, avanços tecnológicos,
reformas urbanas e mudanças de comportamento da sociedade. Segundo Piza
(2008), Machado viu o país se tornar nação: viu a consolidação da unidade nacional,
viu sua cidade sair do estágio de pouco mais do que uma vila rural para uma capital
urbanizada e com uma agenda considerável de eventos e espetáculos. Também viu
surgir no Brasil a primeira estrada de ferro em 1858, o telégrafo em 1872, o bonde
em 1868, a luz elétrica em 1887, o bonde elétrico em 1892, o telefone em 1893 e o
automóvel em 1906.
O Brasil que viu Machado nascer era monarquista, independente de Portugal
há pouco menos de duas décadas e via chegar ao fim o período Regencial (1831 –
1840), uma conturbada época marcada por grande instabilidade política, revoltas e
rebeliões, como a Balaiada (1838 – 1841), a Cabanagem (1835 – 1840) e a
Revolução Farroupilha (1835 – 1845).
Em 1840, o Golpe da Maioridade transferiu o poder para o jovem Dom Pedro
II, na época com 14 anos, na esperança de que a figura do Imperador e a
centralização do poder em suas mãos restabelecessem a confiança popular e
assegurassem a unidade do vasto território brasileiro, dando início ao período
conhecido como Segundo Reinado (1840 – 1889).
2.1.1 O Segundo Reinado
— São jóias viúvas, como eu, Capitu.
— Quando é que botou estas?
— Foi pelas festas da Coroação.
— Oh! conte-me as festas da Coroação!
Sabia já o que os pais lhe haviam dito, mas naturalmente tinha para si que
eles pouco mais conheceriam do que o que se passou nas ruas. Queria a
notícia das tribunas da Capela Imperial e dos salões dos bailes. Nascera
42
muito depois daquelas festas célebres. Ouvindo falar várias vezes da
Maioridade, teimou um dia em saber o que fora este acontecimento;
disseram-lhe, e achou que o Imperador fizera muito bem em querer subir ao
trono aos quinze anos. (ASSIS, 1899, p.63)
O Golpe da Maioridade, apesar de dado pelas elites e para as elites, já era
ansiado pelo povo mesmo com a pouca idade do Imperador e os interesses políticos
envolvidos. Só o ritual de coroação já atraiu uma multidão encantada com a
grandiosidade do espetáculo e deslumbrou o público, apesar do ―caráter postiço da
encenação‖ (SCHWARCZ, 1998, p. 117).
Schwarcz (1998) aponta que Dom Pedro II foi o primeiro príncipe a nascer em
território brasileiro, e por isso era o símbolo da consolidação da independência do
país, que, nas mãos de um monarca brasileiro, estava agora livre dos abusos de um
monarca autoritário e vinculado ao Estado português. Era também símbolo de um
futuro promissor, retratado em diversas pinturas e desenhos que cuidavam de
mostrar um príncipe centrado, sério e responsável, para desvinculá-lo da imagem de
aventureiro deixada pelo pai. ―Segundo os relatos, [...] d. Pedro [segundo] era a
encarnação de um monarca europeu sacralizado e afastado da ‗mundanidade‘.‖
(SCHWARCZ, 1998, p. 94). Lembrando que, no Brasil, a religião e a realeza
estavam constantemente interligadas.
Em ―Esaú e Jacó‖, o narrador nos conta um episódio ocorrido em uma loja na
Rua da Carioca, onde os gêmeos Paulo e Pedro (aquele com pretensões
republicanas e o segundo defensor da monarquia) pechincham por quadros de
figuras históricas famosas. Pedro adquire um Luís XVI e Paulo tenta adquirir um
Robespierre pelo mesmo preço, mas o vendedor lhe informa que este sai mais caro,
o que irrita Pedro: ―— Então o senhor vende mais barato um rei, e um rei mártir?‖
(ASSIS, 1904, p.77). O lojista, então, tenta vender aos meninos outros quadros,
dentre eles o de D. Pedro I:
[...] Pedro recusou por não ter dinheiro disponível, e Paulo disse que não
daria um vintém pela "cara de traidores". Antes não dissesse nada! O lojista,
tão depressa lhe ouviu a resposta como despiu as formas obsequiosas,
vestiu outras indignadas, e bradou que sim, senhor, que o moço tinha razão.
— Tem muita razão. Foi um traidor, mau filho, mau irmão, mau tudo. Fez
todo o mal que pôde a este mundo; e no Inferno, onde está, se a religião
43
não mente, deve ainda fazer mal ao Diabo. Este moço falou há pouco em
rei mártir, — continuou mostrando-lhes um retrato de D. Miguel de
Bragança, meio perfil, sobrecasaca, mão ao peito, — este é que foi um
verdadeiro mártir daquele, que lhe roubou o trono, que não era seu, para
dá-lo a quem não pertencia; e foi morrer à míngua o meu pobre rei e
senhor, dizem que na Alemanha, ou não sei onde. Ah! malhados! Ah! filhos
do Diabo! Os senhores não podem imaginar o que era aquela canalha de
liberais. Liberais! Liberais do alheio! (ASSIS, 1904, p.78)
Para Schwarcz (1998), o império de D. Pedro II se destacou por reforçar a
imagem do monarca para representar a pátria, criar ícones nacionais, como hinos,
medalhas, emblemas, monumentos, brasões, e reforçar o nacionalismo. Utilizou-se
de festas, rituais, imagens e representações simbólicas para criar uma imagem
civilizacional, que se opunha a das repúblicas americanas, tão associadas à
anarquia, assemelhando-se assim à imagem europeia. Em todos esses símbolos,
fica evidente o diálogo entre o estilo europeu e elementos nacionais.
Vale ressaltar como característica desse governo a grande popularidade do
imperador. Segundo Reis (1996, apud SCHWARCZ, 1998, p. 17), ela também se
estendia até os negros cariocas, que possuíam uma mentalidade monarquista
baseada em suas concepções africanas. Piza (2008) afirma que em 2 de dezembro
de 1855,
data em que o imperador comemorou 30 anos, Machado de Assis
escreveu um poema em seu louvor:
Nesse trono, Senhor, que foi erguido
Por um povo já livre, e sustentado
Por ti, que alimentando as leis, o estado,
Hás na História teu Nome engrandecido!
Nesse trono, Senhor, onde esculpido
Tem à destra do Eterno um nome amado,
Vês nascer este dia abrilhantado
Sorrindo a ti, Monarca esclarecido.
Eu te saúdo neste dia imenso!
Da Clemência, Justiça e sã Verdade,
10
Queimando às piras perfumoso incenso.
Em ―Dom Casmurro‖, obra de 1899, Machado novamente nos mostra o
prestígio e a influência do monarca a partir de uma situação corriqueira na corte.
Com José Dias no ônibus, vê passar o Imperador, e a corte, por um momento, para
10
Segundo Piza (2008), este poema intitulado ―Soneto a S. M. o Imperador, o Senhor D. Pedro II‖ foi
originalmente publicado em ―A Marmota Fluminense‖ em 1855.
44
em respeito. Bentinho, que pensava várias formas de fazer com que sua mãe
desistisse da promessa de lhe tornar padre, imagina uma situação entre ela e D.
Pedro II, em que diante do significado da presença do monarca, até mesmo uma
promessa religiosa seria facilmente esquecida. A reação de admiração e inveja do
povo que observa a cena também figura na imaginação do menino:
Em caminho, encontramos o Imperador, que vinha da Escola de Medicina.
O ônibus em que íamos parou, como todos os veículos; os passageiros
desceram à rua e tiraram o chapéu, até que o coche imperial passasse.
Quando tornei ao meu lugar, trazia uma idéia fantástica, a idéia de ir ter com
o Imperador, contar-lhe tudo e pedir-lhe a intervenção. Não confiaria esta
idéia a Capitu. "Sua Majestade pedindo, mamãe cede", pensei comigo.
Vi então o Imperador escutando-me, refletindo e acabando por dizer que
sim, que iria falar a minha mãe; eu beijava-lhe a mão, com lágrimas. E logo
me achei em casa, à esperar, até que ouvi os batedores e o piquete de
cavalaria; é o Imperador! é o Imperador! toda a gente chegava às janelas
para vê-lo passar, mas não passava, o coche parava à nossa porta, o
Imperador apeava-se e entrava. Grande alvoroço na vizinhança: "O
Imperador entrou em casa de D. Glória! Que será? Que não será?" A nossa
família saía a recebê-lo; minha mãe era a primeira que lhe beijava a mão.
Então o Imperador, todo risonho, sem entrar na sala ou entrando, — não me
lembra bem, os sonhos são muita vez confusos, — pedia a minha mãe que
me não fizesse padre, — e ela, lisonjeada e obediente, prometia que não.
[...] Então o Imperador dava outra vez a mão a beijar, e saía, acompanhado
de todos nós, a rua cheia de gente, as janelas atopetadas, um silêncio de
assombro; o Imperador entrava no coche, inclinava-se e fazia um gesto de
adeus, dizendo ainda: "A medicina, a nossa Escola." E o coche partia entre
invejas e agradecimentos. (ASSIS, 1899, p.56-57).
O Imperador se revelaria um estadista cada vez mais popular a partir da
década de 50, como assevera Schwarcz (1998), preocupando-se em criar uma
identidade e uma memória para o país, visando alcançar, desta forma, uma
autonomia cultural para o Brasil por meio do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro
(IHGB).
Destacamos a seguir as características mais relevantes do governo de Dom
Pedro II, de forma a visualizarmos e elucidarmos a política, a economia, a educação,
a cultura e a sociedade do período.
45
2.1.1.1 Política e economia
Dentre as paixões de Dom Pedro II podemos citar as línguas, a astronomia, a
geologia e as artes, mas nunca a política. O Imperador não escondia o quanto a
considerava entediante: tendo presidido 506 sessões no IHGB, por exemplo,
participava na Câmara só no início e no final do ano para abrir e fechar os trabalhos
(SCHWARCZ, 1998).
De acordo com Schwarcz (1998), a maior parte das decisões da política
nacional era tomada pelos poderes Executivo e Legislativo: O Conselho de Estado
encontrava-se no topo da elite do império e seus cargos eram vitalícios. Os ministros
representavam o poder Executivo e eram nomeados pelo presidente do Conselho.
Os senadores eram escolhidos pelo Imperador por meio de listas com os nomes dos
indicados por eleição popular e o cargo também era vitalício. Em um degrau mais
baixo na hierarquia e em maior número, encontravam-se os deputados, cujos
critérios de eleição eram bem menos rígidos.
Em meio a essa elite política, como observa Schwarcz (1998), o jovem
imperador da década de 1850 é apenas uma figura, uma ―marionete‖. Porém, com o
tempo e com o Poder Moderador nas mãos, o monarca vai deixando de ser apenas
uma imagem e começa a governar de fato, contando com uma elite dividida em dois
partidos,
o
Conservador
e
o
Liberal
(chamados
Saquaremas
e
Luzias,
respectivamente), que viviam em constante disputa, mas que possuíam tantas
semelhanças que suas diferenças eram imperceptíveis. Machado de Assis comenta
esta característica em seu conto ―A Teoria do Medalhão‖, parte do livro ―Papéis
Avulsos‖:
[...] Nem política. Toda a questão é não infringir as regras e obrigações
capitais. Podes pertencer a qualquer partido, liberal ou conservador,
republicano ou ultramontano, com a cláusula única de não ligar nenhuma
idéia especial a esses vocábulos [...]. (ASSIS, 1882, p. 52).
Em ―Esaú e Jacó‖, vemos novamente os quanto Liberais e Conservadores
confundem-se, em um diálogo entre Pedro e Flora:
46
— Titia disse lá em casa que D. Cláudia lhe contara em segredo (não diga
nada) que seu pai vai ser nomeado presidente de província.
— Não sei nada disso, mas não creio, porque papai é conservador.
— D. Cláudia disse a titia que ele é liberal, quase radical. Parece que a
presidência é certa; ela pediu segredo, e titia, quando nos contou, também
pediu segredo. Eu também lhe peço que não diga nada, mas é verdade.
— Verdade como? Papai não vai com liberais; o senhor não sabe como
papai é conservador. Se ele defende os liberais é porque é tolerante.
(ASSIS, 1904, p.147).
Externamente, o governo de Dom Pedro II era visto com desconfiança: de um
lado, as demais repúblicas americanas não entendiam a opção pela manutenção da
monarquia. Do
outro, os países europeus repudiavam a ainda recorrente
comercialização de escravos. Podemos dizer que a coexistência do regime
escravista com os hábitos europeus presentes na corte foi a grande contradição do
Império (SCHWARCZ, 1998).
Na economia, a expansão da produção cafeeira e de sua exportação foi
significativa, de maneira que, de acordo com Fausto (2002), empregos e novos
mecanismos de crédito foram criados, portos foram aparelhados e transportes
revolucionados, fazendo com que o Império ganhasse o apoio de comerciantes e
grandes proprietários rurais, dentre os quais se achavam os barões do café
fluminenses.
Foi durante o Segundo Reinado que grandes iniciativas de construção de
ferrovias foram tomadas, devido à necessidade de melhores meios de se transportar
as mercadorias de exportação. Sendo assim, em 1854 foi inaugurada a primeira
estrada de ferro do Brasil, que ligava o Rio de Janeiro a Petrópolis, e mais tarde, em
1875, a Estrada de Ferro Dom Pedro II, ligando o Rio a São Paulo.
O Império foi marcado por várias rebeliões provinciais. O sistema escravista
predominou por quase todo o governo e era amplamente defendido pelos grupos
dominantes da sociedade, mas condenado pela Inglaterra, cuja pressão sobre o
governo brasileiro fez com que, aos poucos, o tráfico fosse extinto, desaparecendo a
partir da Lei Eusébio de Queirós, em 1850. Aliás, esse foi o ano que, segundo
Fausto (2002), várias medidas tentaram mudar a fisionomia do país com o objetivo
de encaminhá-lo para o que se acreditava ser a modernidade. Uma delas foi a Lei
de Terras, que de certa forma proibindo imigrantes de se tornarem proprietários de
47
terra, tinha como objetivo encontrar uma alternativa à mão de obra escrava
substituindo-a pela estrangeira. Em 1871 é aprovada a Lei do Ventre Livre, que
tornava livres os filhos dos escravos nascidos após a sua promulgação. A partir daí,
a campanha abolicionista ganha força por meio dos jornais e propagandas e apoio
de figuras da elite como Joaquim Nabuco (amigo de Machado de Assis), além de
pessoas negras ou mestiças e de origem pobre como José do Patrocínio, André
Rebouças e Luís Gama. Em 1885, surge a Lei dos Sexagenários, libertando os
escravos que atingissem 65 anos de idade. Finalmente, em 1888, é assinada a Lei
Áurea, abolindo a escravidão. Fausto (2002) aponta que a partir de 1871 o governo
não media esforços para incentivar a imigração, principalmente de italianos, para as
fazendas de café paulistas: nos últimos anos do Império, o número que era de 6.500
pessoas em 1885, passou para 91.826 em 1888, de maneira que a falta da mão de
obra escrava após a abolição não foi um problema naquele contexto.
O tema da escravidão esteve presente em muitas obras de Machado de
Assis. Alguns críticos o consideram um escritor que negou suas origens sociais e
evitou abordar o assunto de forma crítica, mantendo-se omisso quanto à abolição da
escravidão. Porém, levando-se em conta a maneira característica de Machado de
narrar os mais variados fatos cotidianos de seu tempo, percebemos que, na
verdade, sua forma sutil em abordar assuntos graves, tornando-os simples e triviais,
nada mais é do que uma maneira de criticá-los: é por meio da banalização da
narração de terríveis acontecimentos sociais, que ele consegue chamar a atenção
do leitor para o quão absurda é a pouca importância dada pela própria sociedade ao
fato em questão.
O conto ―Mariana‖ de 1871 traz a história de uma escrava que se apaixonoupor seu senhor. Coutinho narra os fatos a um grupo de amigos e salienta que
Mariana, apesar de sua condição social, era muito bem tratada por todos da casa:
— Chamava-se Mariana, continuou ele alguns minutos depois, e era uma
gentil mulatinha nascida e criada como filha da casa, e recebendo de minha
mãe os mesmos afagos que ela dispensava às outras filhas. Não se
sentava à mesa, nem vinha à sala em ocasião de visitas, eis a diferença; no
mais era como se fosse pessoa livre, e até minhas irmãs tinham certa
afeição fraternal. Mariana possuía a inteligência da sua situação, e não
abusava dos cuidados com que era tratada. Compreendia bem que na
48
situação em que se achava só lhe restava pagar com muito reconhecimento
a bondade de sua senhora. (ASSIS, 1871, [s.p])
O fim de Mariana é trágico: sabendo ser proibido o amor que sente, após fugir
diversas vezes, acaba por suicidar-se. Coutinho parece profundamente abalado com
a situação da moça, mas ao terminar de contar sua história, o leitor tem uma
surpresa:
Coutinho concluiu assim a sua narração, que foi ouvida com
todos nós. Mas daí a pouco saíamos pela Rua do Ouvidor fora,
os pés das damas que desciam dos carros, e fazendo a esse
reflexões mais ou menos engraçadas e oportunas. Duas horas
tinha-nos restituído a mocidade. (ASSIS, 1871, [s.p.])
tristeza por
examinando
respeito mil
de conversa
É com o intuito de chocar o leitor que Machado põe frivolidade à atitude de
Coutinho e seus amigos, perante a tragédia que acabara de ser contada. Embora o
sofrimento da escrava tenha sido grande e seu fim irreversível, a situação não traz
aos rapazes nada além de um passageiro compadecimento, que se esvai
rapidamente diante de futilidades.
Ana Lúcia M. de Oliveira explica que a crítica de Machado vai mais a fundo no
conto ―Mariana‖: o afeto dispensado pela família à escrava camufla a escravidão e
mascara a relação opressora entre servos e senhores. Na realidade, o bom
tratamento dado à moça é apenas piedade, mas ainda não respeita sua condição de
ser humano11.
No impactante conto ―Pai contra mãe‖, publicado em 1906 no livro ―Relíquias
de Casa Velha‖, Cândido ganha a vida capturando escravos fugidos e recebendo as
recompensas. Porém, com o aumento do número de praticantes do ―negócio‖, não
consegue mais encontrar os escravos como antes e fica atolado em dívidas e com
um filho que acabara de nascer. Ao sair uma noite, após ter decidido abandonar o
bebê, encontra uma escrava que havia visto em um anúncio. Esta lhe implora que
não a leve de volta ao seu senhor, pois está grávida. A moça luta com todas as
11
As informações contidas neste parágrafo foram obtidas pela autora no seminário ―Letra Mestiça‖ do
projeto ―Rio de Machado‖ em 01/10/2014 no Museu de Arte do Rio.
49
forças para libertar-se, mas Cândido usa de violência e não se compadece. Ao
chegar à casa de seu senhor, após muito sofrimento e dor, a escrava aborta.
Cândido recebe seu dinheiro e desiste de abandonar seu filho. Sem dar a menor
importância à cena presenciada, retorna para casa e conta o ocorrido:
Tia Mônica, ouvida a explicação, perdoou a volta do pequeno, uma vez que
trazia os cem mil-réis. Disse, é verdade, algumas palavras duras contra a
escrava, por causa do aborto, além da fuga. Cândido Neves, beijando o
filho, entre lágrimas, verdadeiras, abençoava a fuga e não se lhe dava do
aborto.
— Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração. (ASSIS, 1906, p.20)
Ana Lúcia M. de Oliveira novamente explica a crítica de Machado contida no
conto: o direito a vida só pertence a pessoas livres.12
Já na obra ―Quincas Borba‖, Gledson argumenta que a ―[...] escravidão é um
importante elemento causal de mudança‖ (1986, p. 70-71, apud CHALHOUB, 2003,
p.31) e que Machado teve dificuldades em exprimir sua interpretação histórica do
período nesse romance. Segundo Gledson (1986 apud CHALHOUB, 2003), a
abolição ―não ocorreu através dos próprios escravos, que não podem, assim,
representá-la‖ (1986, p. 70-71, apud CHALHOUB, 2003, p. 31), mas também não
cabia dizer que o processo foi uma simples expressão dos interesses dos que
propuseram a emancipação gradual. A maneira encontrada por Machado para
registrar a importância da escravidão na obra foi os conflitos internos vivenciados
por Rubião e sua alienação mental. O autor citado acrescenta ainda que o
personagem parece exprimir o ―inconsciente coletivo‖ da sociedade da época
(GLEDSON, 1986, p. 81, apud CHALHOUB, 2003, p. 31).
Em ―Esaú e Jacó‖, os irmãos Pedro e Paulo, que durante o romance
frequentemente discordam sobre política, refletem a opinião popular da época sendo
também a favor da abolição:
12
Idem.
50
Não esqueça dizer que, em 1888, uma questão grave e gravíssima os fez
concordar também, ainda que por diversa razão. A data explica o fato: foi a
emancipação dos escravos. Estavam então longe um do outro, mas a
opinião uniu-os.
A diferença única entre eles dizia respeito à significação da reforma, que
para Pedro era um ato de justiça, e para Paulo era o início da revolução. Ele
mesmo o disse, concluindo um discurso em São Paulo, no dia 20 de maio:
"A abolição é a aurora da liberdade; esperemos o sol; emancipado o preto,
resta emancipar o branco" (ASSIS, 1904, p.105).
O Conselheiro Aires no romance ―Memorial de Aires‖ nos narra como
presenciou o dia da abolição:
Enfim, lei. Nunca fui, nem o cargo me consentia ser propagandista da
abolição, mas confesso que senti grande prazer quando soube da votação
final do Senado e da sanção da Regente. Estava na Rua do Ouvidor, onde
a agitação era grande e a alegria geral.
Um conhecido meu, homem de imprensa, achando-me ali, ofereceu-me
lugar no seu carro, que estava na Rua Nova, e ia enfileirar no cortejo
organizado para rodear o paço da cidade, e fazer ovação à Regente. Estive
quase, quase a aceitar, tal era o meu atordoamento, mas os meus hábitos
quietos, os costumes diplomáticos, a própria índole e a idade me retiveram
melhor que as rédeas do cocheiro aos cavalos do carro, e recusei. Recusei
com pena. Deixei-os ir, a ele e aos outros, que se juntaram e partiram da
Rua Primeiro de Março. Disseram-me depois que os manifestantes erguiamse nos carros, que iam abertos, e faziam grandes aclamações, em frente ao
paço, onde estavam também todos os ministros. [...] (ASSIS, 1908, p. 38)
Como alerta Fausto (2002), enquanto as propostas abolicionistas davam os
primeiros passos, eclodia a Guerra do Paraguai em 1864, pois Brasil, Argentina e
Uruguai, com o apoio da Inglaterra, se uniram em um conflito armado que culminou
com a ruína do Paraguai em 1870. De acordo com Schwarcz (1998), a vitória do
Brasil e o fato de Dom Pedro II ter participado ativamente da guerra, trouxe ainda
mais popularidade à imagem do Imperador. Porém, a guerra não seria tão curta
quanto se imaginava e os gastos foram enormes, causando um déficit na economia.
Dom Pedro II acabou obcecado pela captura de Solano López, e recusava-se a
encerrar o conflito até que ele fosse morto. Além disso, o exército brasileiro ganhou
força com a guerra culminando no destaque de figuras que mais tarde viriam a se
tornar cruciais no processo de queda do Império e transição para a República:
51
Deodoro e Floriano. No mesmo ano surgiu o republicanismo, que foi ganhando força
com a criação de partidos republicanos (FAUSTO, 2002).
Cronista de seu tempo, Machado não se furtou em abordar a Guerra do
Paraguai, em seus contos, romances ou poemas. Segundo Grinberg et al. (2005), o
escritor apoiava a atuação brasileira. Em 1865, escreveu o poema ―A cólera do
império‖, saudando a liberdade ainda que conseguida sob a égide da batalha:
Se o Império é fogo,
Também é luz: abrasa, mas clara.
Onde levar a flama da justiça,
Deixa um raio de nova liberdade.
Não lhe basta escrever uma vitória,
Lá onde a tirania oprime um povo;
Outra, tão grande, lhe desperta os brios;
Vença uma vez no campo, outra nas almas;
Quebra as duas algemas que roxeiam
Pulsos de escravos. Faça-os homens.
GRINBERG et al., 2005, p. 46)
(ASSIS,
1865
[s.p.],
apud
No romance ―Iaiá Garcia‖, Valéria pretende mandar seu filho Jorge para lutar
na Guerra do Paraguai com o intuito de fazê-lo esquecer-se de uma paixão não
aprovada por ela, mesmo ante o risco de sua morte:
— Sr. Luís Garcia — disse a viúva —, esta guerra do Paraguai é longa e
ninguém sabe quando acabará. Vieram notícias hoje?
— Não me consta.
— As de ontem não me animaram nada — continuou a viúva depois de um
instante. — Não creio na paz que o López veio propor. Tenho medo que isto
acabe mal.
— Pode ser, mas não dependendo de nós...
— Por que não? Eu creio que é chegado o momento de fazerem todas as
mães um grande esforço e darem exemplos de valor, que não serão
perdidos. Pela minha parte trabalho com o meu Jorge para que vá alistar-se
como voluntário; podemos arranjar-lhe um posto de alferes ou tenente;
voltará major ou coronel.
[...]
— Bem; mas vejamos outra consideração. Se ele morrer?
[...]
— Pensei na morte — disse Valéria daí a pouco —, e, na verdade, antes a
obscuridade de meu filho que um desastre... Mas repeli essa idéia. A
52
consideração superior de que lhe falei deve vencer qualquer outra. (ASSIS,
1878, p.59-61).
Assim, o patriotismo serve de subterfúgio para resolver um drama familiar,
cuja solução era tida como difícil e emaranhada.
No conto ―Fulano‖, já em sua segunda fase, mais cético e descrente do
império, Machado ironiza o patriotismo exaltado da época. O narrador diz, sobre o
personagem principal, Fulano Beltrão:
[...] Não falo do baile que ele deu para celebrar a vitória de Riachuelo,
porque era um baile planeado antes de chegar a notícia da batalha, e ele
não fez mais do que atribuir-lhe um motivo mais alto do que a simples
recreação da família, meter o retrato do almirante Barroso no meio de um
troféu de armas navais e bandeiras no salão de honra, em frente ao retrato
do Imperador, e fazer, à ceia, alguns brindes patrióticos, como tudo consta
nos jornais de 1865 (ASSIS, 1884, p.103).
Por meio do personagem Fulano Beltrão, Machado retrata as ações daqueles
homens, que almejando se tornarem figuras públicas, não hesitam em fazer uso de
situações que apenas aparentemente se revestem de nacionalismo, quando o
verdadeiro objetivo é colocar suas figuras em evidência.
Outro aspecto relevante do Brasil imperial a ser mencionado é o tratamento
dado pelo governo à educação e a forma como a população era incluída ou não no
processo educacional, o que será discutido a seguir.
2.1.1.2 Educação
Sabemos que Dom Pedro II possuía um apreço pelas artes e ciências e,
portanto, investia significativamente no estímulo a essas áreas do conhecimento. De
acordo com Schwarcz (1998), ele financiava o estudo de médicos brasileiros e
apoiava o hospício da corte. Também distribuía prêmios, medalhas, bolsas de
estudo no exterior e financiamentos aos artistas de maior destaque da Academia
Imperial de
Belas-Artes. Patrocinava projetos de pesquisa de documentos
53
relacionados à história do Brasil, financiando também cientistas, geólogos,
naturalistas,
advogados,
agrônomos,
arquitetos,
engenheiros,
farmacêuticos,
professores, entre outros, em seus trabalhos. Em 1857, cria a Imperial Academia de
Música e a Ópera Nacional e em 1876 funda a Escola de Minas de Ouro Preto,
voltada ao estudo da mineralogia e geologia. Em referência à famosa frase ―O
Estado sou eu‖ de Luís XIV, Dom Pedro II afirma: ―A ciência sou eu‖.
O IHGB, criado em 1838, congregava a elite econômica e literária carioca.
Posteriormente, passa a abrigar os românticos brasileiros e Dom Pedro II torna-se
seu assíduo frequentador. É na década de 50 que o instituto se afirma como um
centro de estudos que incentiva e estimula a vida intelectual, quando o imperador
assume uma postura mais ativa tentando formar uma geração de intelectuais e
artistas. Para
isso também investe na Academia Imperial de Belas-Artes
(SCHWARCZ, 1998).
Ainda segundo Schwarcz (1998), o monarca pretendia alcançar todo o
império por meio da cultura. Porém, a maior parte dos investimentos do governo era
voltada à educação superior e pouco foi feito pela educação secundári a, menos
ainda pela primária. A falta de instrução era a realidade da maior parte do país: de
acordo com o recenseamento de 1872, apenas 16% da população era alfabetizada,
sendo que na população escrava, o índice de analfabetismo alcançava 99,9%.
Schwarcz (1998) aponta ainda que na corte a situação era diferente: 50% da
população era alfabetizada, fazendo com que a corte se tornasse uma irradiadora de
tendências e costumes de higiene, etiqueta, modo de vestir, regras de linguagem e
modas literárias. Tudo isso era ditado por uma ―[...] elite, que, no Brasil, imaginava
viver na Europa, ainda que cercada de escravos‖ (SCHWARCZ, 1998, p. 243).
Algumas instituições de ensino secundário recebiam mais investimentos por
parte do Imperador. Dentre elas estavam a Academia Imperial de Belas-Artes: o
Imperial Observatório, o Museu Nacional, o Arquivo Público, a Biblioteca
Nacional, o Laboratório do Estado, o Jardim Botânico e, finalmente, o Colégio
Pedro II, que, elevado à condição de Imperial Colégio Pedro II, em 1838 é
reinaugurado e recebe os primeiros alunos. Logo se tornaria um modelo, ―[...]
uma espécie de ‗símbolo de civilidade‘, de um lado, e de pertencimento a uma
elite, de outro‖ (SCHWARCZ, 1998, p. 235). O imperador voltava suas
54
atenções e direcionava seus investimentos para o colégio que chamava de
seu, mas por outro lado, o ensino primário, apesar de obrigatório, continuava
insuficiente, com suas poucas escolas concentradas na corte.
No Rio de Janeiro na época, era comum encontrar anúncios em jornais
de professores oferecendo seus serviços. Segundo Del Priore:
[...] professores de todo o tipo ofereciam seus serviços: de professores
régios que ensinavam ―as primeiras letras, a contar e o catecismo‖ em suas
próprias residências a estrangeiros, em sua maior parte, recém-chegados,
que ensinavam a dançar, a tocar piano, a falar inglês ou francês, a recitar
poesias. Entre eles, muitas mulheres. (DEL PRIORE, 2013, [s.p.])
A seguir, abordaremos o padrão ideal de comportamento adotado pela elite, e
a preocupação do Império em criar uma identidade brasileira, apesar de ao mesmo
tempo tentar impor ao país uma réplica dos costumes vigentes no continente
europeu.
2.1.1.3 Cultura e sociedade
―[...] d. Pedro II compactuou com uma cultura que, ao mesmo tempo que se
europeizou com sua presença, tornou-se mestiça, negra e indígena no convívio, por
certo desigual, de tantas culturas.‖ (SCHWARCZ, 1998, p. 14). A miscigenação que
já existia no país naquela época contribuiu para a construção de uma identidade
nacional. Os índios, por exemplo, que no passado foram dizimados pelos
portugueses, eram agora utilizados como símbolo da monarquia em quadros,
esculturas e títulos, por exemplo, em uma estratégia que visava não só criar uma
memória e fixar uma cultura genuinamente brasileira, como de certa forma se redimir
pelo passado sangrento.
A elegância europeia da corte, portanto, vivia cercada pela escravidão e
costumes africanos, além do mau cheiro nas ruas e o comércio ainda pequeno.
55
Porém, ―[...] a sociedade carioca experimentava as maravilhas da convivência social
e fazia dos trópicos o último grito da moda parisiense‖ (SCHWARCZ, 1998, p. 161).
A corte ditava as tendências e os costumes sociais que vinham da Europa e
adaptavam-nos à realidade do Rio de Janeiro.
Como informa Schwarcz (1998) uma importante característica distintiva das
elites na época eram os títulos de nobreza – duque, marquês, conde, visconde e
barão – concedidos pelo imperador por serviços prestados ao Estado, que se
expandiram durante este império. Esses não eram hereditários, e eram em sua
maior parte concedidos aos homens ou às viúvas de homens importantes. As
esposas dos nobres agraciados com títulos, porém, acabavam usufruindo também
de sua distinção social, já que eram chamadas pelo título dos maridos. Machado de
Assis exemplifica essa situação em seu romance ―Esaú e Jacó‖:
[...] Pedro e Paulo, espantados, estavam ao canto, de pé. O pai, quando
pôde falar, disse-lhes:
— Venham beijar a mão da senhora baronesa de Santos.
Não entenderam logo. Natividade não sabia que fizesse; dava a mão aos
filhos, ao marido, e tornava ao jornal para ler e reler que no despacho
imperial da véspera o Sr. Agostinho José dos Santos fora agraciado com o
título de Barão dos Santos. (ASSIS, 1904 p. 70-71)
Uma passagem divertida, do mesmo romance, é o diálogo entre o
Conselheiro Aires e Flora. Esta pede que o Conselheiro tente dissuadir seu pai da
decisão de sair da corte, mas este responde que não podia fazer nada:
— Pode muito, todos atendem aos seus conselhos.
— Mas eu não dou conselhos a ninguém, acudiu Aires. Conselheiro é um
título que o imperador me conferiu, por achar que o merecia, mas não
obriga a dar conselhos; a ele mesmo só lhos darei se mos pedir (ASSIS,
1904, p.151-152).
Vale lembrar que o próprio Machado de Assis foi agraciado pelo Imperador:
foi-lhe concedida a Ordem da Rosa, no grau de cavaleiro, por sua fidelidade e
serviços prestados ao país, em 1867. Segundo História Militar e Militaria no Brasil
56
(2014), nos anos finais do império esta Ordem era conferida a senhores que
libertavam seus escravos. Isso fez com que milhares de negros fossem libertos para
se conseguir a insígnia, o que foi explorado pelo imperador a fim de desestimular a
escravidão. De acordo com Grinberg et al. (2005), uma das provas de dedicação de
Machado ao imperador que teria levado a essa premiação foi uma cantata composta
por ele em sua homenagem, que foi entoada por um coro na associação Arcádia
Fluminense, assim que o monarca e sua esposa entraram no recinto, em 1865, em
uma festa dada para recepciona-lo pelo retorno de uma viagem a Uruguaiana, no sul
do Brasil. Segundo Piza (2008), 21 anos depois de ter recebido o grau de cavaleiro,
Machado foi promovido a oficial da Ordem da Rosa, pela princesa Isabel.
Podemos dizer que a corte tentava cada vez mais afrancesar-se. Em ―Dom
Casmurro‖, após presenciar o tombo de uma senhora ao lado de Bentinho, José
Dias comenta:
— Este gosto de imitar as francesas da Rua do Ouvidor — dizia-me José
Dias andando e comentando a queda — é evidentemente um erro. As
nossas moças devem andar como sempre andaram, com seu vagar e
paciência, e não este tique-tique afrancesado... (ASSIS, 1899, p.103)
A elite adotava regras de etiqueta e civilidade de maneira a imitar os
costumes europeus, destacando-se principalmente da figura rústica do homem do
campo, com suas condutas e posturas. Com isso, guias estabelecendo regras de
sociabilidade se tornaram cada vez mais populares: eles possuíam as indicações
minuciosas de como agir em situações sociais e lugares públicos como igrejas,
batizados e casamentos, festas e enterros, entre amigos, em viagens, e etc.
Também para se escrever cartas, bilhetes e convites, ou até mesmo caminhar na
rua de forma adequada é necessário conhecer as regras de etiqueta. Em uma
realidade em que a nobreza havia sido recentemente formada em um império
escravocrata, os manuais de civilização foram bem recebidos, já que ajudavam a
amenizar o caráter recente e improvisado do regime. A elite, por sua vez, acaba
obviamente se utilizando desse tipo de literatura como um reforço à desigualdade
social (SCHWARCZ, 1998).
57
A etiqueta dita que é preciso saber controlar as conversas, espirros, coçar a
cabeça, maneira de olhar, entre outros. O cumprimento, o cortejo e também as
visitas, que deveriam ocorrer por algum motivo especial, são também regulados. As
regras de comportamento variam também de acordo com o sexo, pois a homens é
recomendável que possuam a fala inteligente e a mulher uma atitude modesta e
silenciosa. Aos homens sugere-se não beber mais que três copos de vinho e às
mulheres que não bebam, pelo menos até os 40 anos. Em viagens, os homens
devem possuir um livro, papel e tinteiro para escrever, mas as mulheres devem
contentar-se com algum trabalho manual (HORACE, 1829 apud SCHWARCZ, 1998).
Mais adiante abordaremos de forma mais específica a vida social do século
XIX, na cidade do Rio de Janeiro. A seguir, sintetizamos os aspectos mais
importantes ocorridos nos primeiros 20 anos de república que Machado de Assis
pôde acompanhar, parte de um período que ficou conhecido como ―A República
Velha‖.
2.1.2 A República Velha
Já em 1889, figuras como Rui Barbosa, Benjamim Constant, Aristides Lobo e
Quintino Bocaiúva reuniram-se com Marechal Deodoro para convencê-lo a liderar
um movimento contra o regime monárquico, o que ocorreu em 15 de novembro de
1889, quando marchou com sua tropa para o Ministério da Guerra. Não se sabe se
naquele dia Deodoro proclamou a República ou se apenas considerou derrubado o
Ministério, mas no dia seguinte a Monarquia caiu (FAUSTO, 2002).
Em ―Esaú e Jacó‖, o narrador conta como o Conselheiro Aires presenciou
aquele dia histórico:
Quando Aires saiu do Passeio Público, suspeitava alguma coisa, e seguiu
até o Largo da Carioca. Poucas palavras e sumidas, gente parada, caras
espantadas, vultos que arrepiavam caminho, mas nenhuma notícia clara
nem completa. Na Rua do Ouvidor, soube que os militares tinham feito uma
revolução, ouviu descrições da marcha e das pessoas, e notícias
desencontradas. Voltou ao largo, onde três tílburis o disputaram; ele entrou
no que lhe ficou mais à mão, e mandou tocar para o Catete. Não perguntou
58
nada ao cocheiro; este é que lhe disse tudo e o resto. Falou de uma
revolução, de dois ministros mortos, um foragido, os demais presos. O
imperador, capturado em Petrópolis, vinha descendo a serra. [...]
Chegavam justamente à porta de Aires; este mandou parar o veículo, pagou
pela tabela e desceu. Subindo a escada, ia naturalmente pensando nos
acontecimentos possíveis. No alto achou o criado que sabia tudo, e lhe
perguntou se era certo...
— O que é que não é certo, José? É mais que certo.
— Que mataram três ministros?
— Não; há só um ferido.
— Eu ouvi que mais gente também, falaram em dez mortos...
[...]
Como é que, tendo ouvido falar da morte de dois e três ministros, Aires
afirmou apenas o ferimento de um, ao retificar a notícia do criado? [...]
Qualquer que fosse a causa, a versão do ferimento era a única verdadeira.
Pouco depois passava pela Rua do Catete a padiola que levava um
ministro, ferido. Sabendo que os outros estavam vivos e sãos e o imperador
era esperado de Petrópolis, não acreditou na mudança de regime que
ouvira ao cocheiro de tílburi e ao criado José. Reduziu tudo a um
movimento que ia acabar com a simples mudança de pessoal (ASSIS,
1904, p.172-174).
Conta-nos a História que muita gente ficou em dúvida do que de fato estava
ocorrendo, devido ao caráter ―discreto‖ e pouco popular do golpe, o que podemos
ver refletido nos pensamentos do personagem Paulo, no mesmo romance:
— Como diabo é que eles fizeram isto, sem que ninguém desse pela coisa?
Refletia Paulo. Podia ter sido mais turbulento. Conspiração houve, decerto,
mas uma barricada não faria mal. Seja como for, venceu-se a campanha. O
que é preciso é não deixar esfriar o ferro, batê-lo sempre, e renová-lo.
Deodoro é uma bela figura. Dizem que a entrada do marechal no quartel, e
a saída, puxando os batalhões, foram esplêndidas. Talvez fáceis demais; é
que o regímen estava podre e caiu por si... (ASSIS, 1904, p.191).
Muitas pessoas, assim como o próprio Machado de Assis, pensavam que a
alteração do regime nada mais era do que apenas uma ―mudança de fachada‖.
Podemos perceber isso recorrendo mais uma vez a ―Esaú e Jacó‖, na divertida
situação criada por Machado, onde, Custódio, dono de uma confeitaria que havia
mandado confeccionar uma nova tabuleta para a fachada de sua loja antes da
mudança de regime, acha-se agora em um dilema:
59
— Mas o que é que há? perguntou Aires.
— A república está proclamada.
— Já há governo?
— Penso que já; mas diga-me V. Excia.: ouviu alguém acusar-me jamais de
atacar o governo? Ninguém. Entretanto... Uma fatalidade! Venha em meu
socorro, Excelentíssimo. Ajude-me a sair deste embaraço. A tabuleta está
pronta, o nome todo pintado. — "Confeitaria do Império", a tinta é viva e
bonita. O pintor teima em que lhe pague o trabalho, para então fazer outro.
Eu, se a obra não estivesse acabada, mudava de título, por mais que me
custasse, mas hei de perder o dinheiro que gastei? V.Excia. crê que, se
ficar "Império", venham quebrar-me as vidraças?
— Isso não sei.
— Realmente, não há motivo; é o nome da casa, nome de trinta anos,
ninguém a conhece de outro modo.
— Mas pode pôr "Confeitaria da República"...
— Lembrou-me isso, em caminho, mas também me lembrou que, se daqui a
um ou dois meses, houver nova reviravolta, fico no ponto em que estou
hoje, e perco outra vez o dinheiro. (ASSIS, 1904, p.178-179)
Aires, então, sugere que Custódio modifique para ―Confeitaria do Governo‖,
pois serve aos dois regimes, ao que este lhe responde:
— Não digo que não, e, a não ser a despesa perdida... Há, porém, uma
razão contra. V. Excia. sabe que nenhum governo deixa de ter oposição. As
oposições, quando descerem à rua, podem implicar comigo, imaginar que
as desafio, e quebrarem-me a tabuleta; entretanto, o que eu procuro é o
respeito de todos (ASSIS, 1904, p.179).
Após mais algumas sugestões, Aires aponta que ―Confeitaria do Custódio‖ é a
melhor e mais neutra opção, apesar dos gastos. E acrescenta: ―[...] mas as
revoluções trazem sempre despesas‖ (ASSIS, 1904, p.181).
No mesmo romance vemos o que cada um dos gêmeos, tão politicamente
divergentes, esperava da Monarquia e da República:
Paulo viu-se à testa de uma república, em que o antigo e o moderno, o
futuro e o passado se mesclassem, uma Roma nova, uma Convenção
Nacional, a República Francesa e os Estados Unidos da América.
60
Pedro, à sua parte, construía a meio caminho como um palácio para a
representação nacional, outro para o imperador, e via-se a si mesmo
ministro e presidente do conselho. Falava, dominava o tumulto e as
opiniões, arrancava um voto à Câmara dos Deputados ou então expedia um
decreto de dissolução. (ASSIS, 1904, p.103).
Mais tarde, Paulo ―[...] ainda se declarou capaz de derrubar a monarquia com
dez homens, e Pedro de extirpar o gérmen republicano com um decreto‖ (ASSIS,
1904, p.124).
Em outra passagem acompanhamos as reações dos gêmeos à República:
[...] Paulo referia os sucessos amorosamente. Conversara com alguns
correligionários e soube do que se passara à noite e de manhã, a marcha e
a reunião dos batalhões no campo, as palavras de Ouro Preto ao Marechal
Floriano, a resposta deste, a aclamação da República.
[...]
Certamente, o moço Pedro quis dizer alguma frase de piedade
relativamente ao regímen imperial e às pessoas de Bragança, mas a mãe
quase que não tirava os olhos dele, como impondo ou pedindo silêncio.
Demais, ele não cria nada mudado; a despeito de decretos e proclamações,
Pedro imaginava que tudo podia ficar como dantes, alterado apenas o
pessoal do governo. Custa pouco, dizia ele baixinho à mãe, ao deixarem a
mesa; é só o imperador falar ao Deodoro. (ASSIS, 1904, p.186-187)
Ao acordarem no dia seguinte à proclamação, Paulo temia alguma notícia de
traição, e Pedro esperava encontrar alguma notícia de restauração do governo e um
decreto imperial de anistia. ―Nem traição nem decreto. A esperança e o receio
fugiram deste mundo.‖ (ASSIS, 1904, p.193). No fim do romance, os gêmeos se
reconciliam: ambos passam a aceitar o regime republicano, mas Paulo se
decepciona com a República e luta para transformá-la. Já Pedro se conforma, e
permanece conservador.
Schwarcz (1998) aponta que, com a proclamação do novo regime, o
Imperador e sua família são expulsos do território brasileiro e a eles também fica
proibido possuir imóveis no país. Com isso, embarcam de volta para Portugal. A
partir daí inicia-se um grande esforço por apagar os vestígios da monarquia e seus
símbolos, imagens e títulos, substituindo-os por novos com motivos republicanos.
61
A Machado de Assis isso não poderia passar despercebido. Em 1892, em ―A
Semana‖, publicada na ―Gazeta de Notícias‖ entre 1892 e 1900, ele vai expondo sua
opinião de forma bem humorada sobre alguns desses fatos. Vejamos o que escreve
acerca da tentativa do governo de tornar Tiradentes o novo herói nacional, 100 anos
após sua morte:
Esse Tiradentes se não toma cuidado em si acaba inimigo público. Pessoa
cujo nome ignoro escreveu essa semana algumas linhas a fim de retificar a
opinião sobre o grande mártir da inconfidência [...] Não será possível
imaginar que, se não fosse a indiscrição de Tiradentes, que causou o seu
suplício, e o dos outros, teria realidade o projeto? Daqui a espião da polícia
é um passo [...] Mas ainda restará alguma coisa ao alferes; pode-se-lhe
expedir a patente de capitão honorário [...] Antes isso que nada. (1982,
[s.p.], apud SCHWARCZ, 1998, p. 706).
A respeito da mudança de títulos, Machado ironiza:
[...] Tudo pede certa elevação. Conheci dois velhos estimáveis, vizinhos,
que esses tinham todos os dias a sua festa artística. Um era cavaleiro da
Ordem da Rosa, por serviço em relação à Guerra do Paraguai; o outro tinha
o posto de tenente da guarda nacional da reserva, a que prestava bons
serviços. Jogavam xadrez, e dormiam no intervalo das jogadas.
Despertavam-se um ao outro desta maneira: ―Caro major! — Pronto,
comendador!‖ Variavam às vezes: — ―Caro comendador!‖ — ―Aí vou major‖.
Tudo pede certa elevação. (1982, [s.p.], apud SCHWARCZ, 1998, p. 709)
Sobre a substituição do termo ―corte‖ por ―capital federal‖, registra:
Há uma vaga na deputação da Capital Federal [...] Eu digo Capital Federal
que é um simples modo de qualificar esta cidade, sem nome próprio, pela
razão de ser a designação adotada constitucionalmente. Antes do dia 15 de
Novembro dizia-se Corte, não sendo verdadeiramente corte senão o paço
do imperador e o respectivo pessoal; mas tinha o seu nome de Rio de
Janeiro, que não é bonito nem exato, mas era um nome, Guanabara,
carioca, só eram usados em poesia [...] A única esperança que podemos ter
é que se faça a capital nova; segue-se naturalmente a devolução de nosso
nome antigo ou decretação de outro (ASSIS, 1982, [s.p.], apud
SCHWARCZ, 1998, p. 709-710).
62
De acordo com Croce (2013), a transição do regime escravista para o
trabalho livre de 1888 a 1889 fez com que uma nova política econômica de caráter
expansionista fosse posta em prática, com uma grande concessão de crédito.
Acabou formando-se uma bolha econômica no Rio de Janeiro. A especulação
iniciada no fim do Império estourou nos primeiros anos da República, em 1891,
gerando uma crise conhecida como Encilhamento, que perdurou por uma década e
atingiu severamente o mercado brasileiro, fazendo com que poucas instituições
financeiras sobrevivessem após 1900. Em ―Esaú e Jacó‖, Machado critica:
A capital oferecia ainda aos recém-chegados um espetáculo magnífico.
Vivia-se dos restos daquele deslumbramento e agitação, epopéia de ouro
da cidade e do mundo, porque a impressão total é que o mundo inteiro era
assim mesmo. Certo, não lhe esqueceste o nome, encilhamento, a grande
quadra das empresas e companhias de toda espécie. Quem não viu aquilo
não viu nada. Cascatas de idéias, de invenções, de concessões rolavam
todos os dias, sonoras e vistosas para se fazerem contos de réis, centenas
de contos, milhares, milhares de milhares, milhares de milhares de milhares
de contos de réis. Todos os papéis, aliás ações, saíam frescos e eternos do
prelo. Eram estradas de ferro, bancos, fábricas, minas, estaleiros,
navegação, edificação, exportação, importação, ensaques, empréstimos,
todas as uniões, todas as regiões, tudo o que esses nomes comportam e
mais o que esqueceram. Tudo andava nas ruas e praças, com estatutos,
organizadores e listas. Letras grandes enchiam as folhas públicas, os títulos
sucediam-se, sem que se repetissem, raro morria, e só morria o que era
frouxo, mas a princípio nada era frouxo. Cada ação trazia a vida intensa e
liberal, alguma vez imortal, que se multiplicava daquela outra vida com que
a alma acolhe as religiões novas. Nasciam as ações a preço alto, mais
numerosas que as antigas crias da escravidão, e com dividendos infinitos.
(ASSIS, 1904, p.205-206).
Fausto (2002) observa que com a República e a chefia de Marechal Deodoro
da Fonseca no governo provisório, o Brasil aproxima-se dos ideais dos Estados
Unidos, afastando-se da Inglaterra, que não aceitou muito bem a mudança de
regime.
Em 1891, é promulgada a primeira Constituição da República, inspirada no
modelo norte-americano e consagrando a República Federativa liberal. Ela
estabeleceu o sistema presidencialista de governo, fixando o voto direto e universal,
suprimindo o censo econômico. Os poderes Executivo (antes exercido pelo
Imperador e agora por um presidente), Legislativo e o Judiciário foram também
estabelecidos, e a Igreja e o Estado passaram a ser instituições separadas,
63
deixando de haver uma religião oficial no Brasil. É neste mesmo ano que Marechal
Deodoro renuncia, dando vez ao vice Marechal Floriano Peixoto de assumir a
presidência.
Em 1893, estourou uma guerra civil entre os adeptos do positivismo e os
liberais no Rio Grande do Sul, conhecida como Revolução Federalista, que deixou
milhares de mortos. Nesse mesmo ano, na Bahia, começou a se formar uma
povoação conhecida como Arraial de Canudos. Seu líder era Antônio Conselheiro,
cuja pregação atraiu milhares de sertanejos e começou a incomodar o governo, que
enviou expedições armadas para acabar com os revoltosos, culminando com o
arrasamento do arraial em 1897 em uma expedição que contou com oito mil homens
(FAUSTO, 2002).
O sucessor de Marechal Deodoro seria Prudente de Morais, em 1894, o
primeiro político civil a assumir o cargo. Logo depois viria Campos Sales (1898 –
1902), dando início à política do café com leite. Rodrigues Alves governa de 1902 a
1906, sucedido por Afonso Pena de 1906 a 1909.
Assim, o Brasil que presenciou o falecimento de Machado de Assis passava
pela fase da República Velha, marcada por um intenso conflito de interesses, no
qual em um primeiro momento, os militares estão em evidência. Destacam-se os
positivistas, a favor de um governo centralizado, contra os liberais, e depois a
tentativa de tomada do poder pelas oligarquias, competindo entre si principalmente
Minas e São Paulo (política café com leite). O fantasma do regime Imperial ainda
assombrava o novo sistema, que temia tentativas de trazê-lo de volta. As fraudes
eleitorais eram comuns desde a época do Império, e a política continuava a não ser
praticada pela grande massa da população.
2.2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA: UM PANORAMA CARIOCA
O Rio de Janeiro de 1839, ano em que Machado nasceu, tinha cerca de 200
mil habitantes. Não contava com iluminação elétrica, que se fazia no geral por
lampiões de azeite de peixe, nem com um sistema de saneamento, sendo escravos
chamados de ―tigres‖ os responsáveis por conduzir os dejetos em cubas de madeira
64
sobre a cabeça ou então em carros abertos, o que trazia mau cheiro à cidade. Os
ônibus que começaram a ser instalados naquele ano, eram na verdade carroças
cobertas, de oito ou dez lugares, puxados por um animal. Na época, ainda não havia
telégrafo nem muitos jornais estrangeiros. O sarampo, a varíola, a peste bubônica e
a tuberculose eram doenças recorrentes, e a expectativa de vida média era de 34
anos. Já a mortalidade infantil, de quase 300 por 1000 nascidos. As poucas ruas
eram estreitas e a maioria das pessoas mais abastadas vivia em chácaras ou
quintas (PIZA, 2008). A população era em sua maior parte analfabeta e grande parte
composta por negros africanos. De acordo com Schwarcz (1998), em 1849 havia no
Rio um número de 110 mil escravos para 250 mil habitantes13.
Para Piza (2008), a vinda da família Real em 1808 foi fundamental para o
progresso da cidade. Era importante manter o padrão de vida que a corte estava
acostumada, já que cerca de 15 mil nobres passaram a morar no Rio. Sendo assim,
os portos foram abertos ao comércio internacional, o Banco do Brasil foi fundado e a
cidade ganhou a Biblioteca Nacional, a Imprensa Régia e o Teatro São Pedro de
Alcântara. Pouco a pouco, os jornais se multiplicaram, assim como os teatros.
Piza (2008) aponta que, ainda no ano em que Machado nasceu, uma febre
cultural se iniciava: os folhetins, os tabloides de variedades que traziam romances
em capítulos, crônicas teatrais e musicais, poemas entre outros: ―[...] as primeiras
vocações literárias de um país que começava a se tornar nação‖ (PIZA, 2008, p.50).
Segundo Piza (2008), quando Machado contava 14 anos, em 25 de março de
1854, foi à inauguração da iluminação a gás na Rua do Ouvidor e adjacências, que
acabou não funcionando como esperado, pela grande demanda de carvão. O
episódio acabou gerando a expressão sarcástica ―O gás virou lamparina‖ na época,
contada pelo próprio Machado em uma crônica de 1893. Explica o escritor que a
expressão se aplica ―[...] aos amores expirantes, às belezas murchas, a todas as
coisas decaídas‖.
Em 1850, uma epidemia de febre amarela assolou o Rio, levando milhares de
pessoas à morte. (SCHWARCZ, 1998). O fato foi retratado em ―Memórias Póstumas
de Brás Cubas‖, quando Nhã-loló, uma pretendente de Brás, morre aos 19 anos de
idade pela doença:
13
L. F. de ALENCASTRO, op. cit., p. 515.
65
Ficam sabendo que morreu; acrescentarei que foi por ocasião da primeira
entrada da febre amarela. Não digo mais nada, a não ser que a acompanhei
até o último jazigo, e me despedi triste, mas sem lágrimas. Concluí que
talvez não a amasse deveras. Vejam agora a que excessos pode levar uma
inadvertência; doeu-me um pouco a cegueira da epidemia que, matando à
direita e à esquerda, levou também uma jovem dama, que tinha de ser
minha mulher; não cheguei a entender a necessidade da epidemia, menos
ainda daquela morte (ASSIS,1881, p. 168).
Schwarcz (1998) aponta outras mudanças importantes ocorridas na corte: o
calçamento com paralelepípedo em 1853, a rede de esgoto em 1862, o
abastecimento domiciliar de água em 1874 e os bondes puxados a burro em 1859.
Além disso, Alencastro (1980, apud SCHWARCZ, 1998) conta que em 1849 havia
na cidade 110 mil escravos para cada 250 mil habitantes. Tudo isso foi vivenciado
por Machado em sua juventude.
Abreu (2010) afirma que a cidade do Rio passou por ―surtos‖ de
industrialização na metade do século XIX. Porém, este era um processo
extremamente dependente do setor agrário e também encontrava entraves devido a
inexistência
recrutamento
de
de
fontes
força
regulares
de
de
trabalho
produção
qualificada,
de
energia, dificuldade
concorrência
de
de
produtos
estrangeiros, dependência de mão de obra escrava em alguns setores, que agora
encontrava-se em extinção, e por fim, pelos constantes surtos de febre amarela que
atacavam os quarteirões operários da cidade.
2.2.1 Morre Machado de Assis e renasce o Rio de Janeiro: a Belle Époque
brasileira
A cidade Machadiana ia aos poucos se descaracterizando. Já na década de
90, Machado escrevia diversos textos expressando seu saudosismo e demonstrando
descontentamento
com
as
mudanças,
que
em sua
opinião, não
traziam
necessariamente o progresso. Benchimol (1995 apud WEID, 1996) afirma que a
cidade já atingia 811.444 habitantes no ano de 1906, sendo a única cidade do Brasil
66
com mais de 500 mil habitantes. São Paulo e Salvador, as outras principais cidades
na época, possuíam cerca de 200 mil. Piza (2008) informa que com o declínio da
nobreza, grandes propriedades em bairros tradicionais como Tijuca, Andaraí e
Laranjeiras, começavam a ser loteadas ou convertidas em hotéis e hospitais. A
cidade agora se expandia para a zona sul, e ao mesmo tempo, surgiam as ―cabeças
de porco‖, os cortiços, evidenciando uma cidade despreparada para o crescimento
descontrolado.
Abreu (2010) observa que com o esgotamento do sistema escravista, a
grande entrada de imigrantes estrangeiros agravou o problema do fluxo populacional
da cidade, inchando ainda mais os cortiços. Além disso, como já mencionado, as
epidemias de febre amarela assolavam a cidade periodicamente.
Sendo assim, tendo a França como referência cultural, o Rio passou por uma
série de transformações urbanísticas no século XIX, na tentativa de introduzir a
modernidade na cultura e na paisagem, além de resolver questões sanitárias
emergenciais. Esse momento ficou conhecido como a ―Belle Époque brasileira‖.
Milagre Junior e Fernandes (2013) afirmam que apesar do Rio de Janeiro ser
a capital mais desenvolvida do Brasil, sofria as consequências de um crescimento
sem planejamento: a cidade fora fundada em um morro (o do Castelo, derrubado em
função da reforma urbana em 1921) e cresceu ao redor do cais. Needell (1993, apud
MILAGRE JUNIOR; FERNANDES, 2013) ressalta que a irregularidade do Rio
prejudicou seu crescimento, já que seus morros, charcos e lagoas deixavam pouco
espaço para sua expansão.
Carvalho (1987, apud MILAGRE JUNIOR e FERNANDES, 2013) explica que
além das consequências da abolição do regime escravista, como a imigração, o
êxodo rural e o aumento da mão de obra livre, há também um grande desequilíbrio
entre sexos, já que a maioria da população é masculina e solteira, e há uma baixa
de famílias regularizadas, levando a cidade a uma ―crise moral‖. Por fim, há uma
grande quantidade de pessoas sem ocupação, conhecidas como desempregados,
vadios ou ociosos. A população do Rio:
[...] poderia ser comparada às classes perigosas ou potencialmente
perigosas de que se falava na primeira metade do século XIX. Eram
67
ladrões, prostitutas, malandros, desertores do Exército, da Marinha e dos
navios estrangeiros, ciganos, ambulantes, trapeiros, criados, serventes de
repartições públicas, ratoeiros, recebedores de bondes, engraxates,
carroceiros, floristas, bicheiros, jogadores, receptores, pivetes (a palavra já
existia). E, é claro, a figura tipicamente carioca do capoeira, cuja fama já se
espalhara por todo o país e cujo número foi calculado em torno de 20 mil às
vésperas da República. Morando, agindo e trabalhando, na maior parte, nas
ruas centrais da Cidade Velha, tais pessoas eram as que mais
compareciam nas estatísticas criminais da época, especialmente as
referentes às contravenções do tipo desordem, vadiagem, embriaguez,
jogo. (CARVALHO, 1987, p. 17-18 apud MILAGRE JUNIOR e
FERNANDES, 2013, p. 26).
Em seu livro ―Cidade Febril‖ Chalhoub (1996) afirma que as classes pobres
eram vistas como perigosas:
[...] os pobres passaram a representar perigo de contágio no sentido literal
mesmo. Os intelectuais-médicos grassavam nessa época como miasmas na
putrefação, ou como economistas em tempo de inflação: analisavam a
realidade, faziam seus diagnósticos, prescreviam a cura, e estavam sempre
inabalavelmente convencidos de que só a sua receita poderia salvar o
paciente. E houve então o diagnóstico de que os hábitos de moralidade dos
pobres eram nocivos à sociedade, e isto porque as habit ações coletivas
seriam focos de irradiação de epidemias, além de, naturalmente, terrenos
férteis para a propagação de vícios de todos os tipos. (CHALHOUB, 1996,
p. 29).
Milagre Júnior e Fernandes (2013) resumem o panorama do Rio de Janeiro
da época:
[...] relevo acidentado dificultando a edificação de residências, construções
que não acompanhavam a demanda de habitantes, insalubridade da capital,
doenças contagiosas, varíola, tuberculose, febre amarela, dificuldade de
abastecimentos alimentares e outros gêneros, desemprego crônico,
carência de moradias, fome, baixos salários, misérias, entre outros
problemas. (MILAGRE JUNIOR; FERNANDES, 2013, p.26).
Ainda de acordo com os autores Milagre Júnior e Fernandes (2013), para
reverter essa situação, o governo procurou promulgar leis em repressão à
ociosidade, estabelecer prisões com pena de trabalho, ensino profissional, reformas
higienistas e vacinas compulsórias.
68
Em 1904, a população carioca se revoltou contra uma campanha de
vacinação obrigatória contra a varíola, em um episódio que ficou conhecido como a
Revolta da Vacina, pois, além da insensibilidade do governo (que impôs de forma
violenta uma campanha a um povo que ignorava o funcionamento de uma vacina e
seus efeitos), o descontentamento da população já era grande pela reforma urbana
que pôs abaixo cortiços, desalojando milhares de pessoas.
Contudo, Needell (1993 apud MILAGRE JUNIOR; FERNANDES, 2013, p.2627) chama atenção para o fato que a vergonha do Brasil não era ―[...] simplesmente
a insalubridade e ineficiência colonial da Cidade Velha, elas eram os símbolos de
uma cultura que os cariocas europeizados queriam esquecer‖.
Machado de Assis, que tanto criticara o afrancesamento dos costumes
cariocas e que tantas mudanças presenciara ao longo de sua vida, veria agora, em
seus últimos anos de existência, mais uma tentativa de europeização da cidade.
O prefeito Pereira Passos, de 1902 a 1906, pavimentou ruas, construiu
calçadas, abriu o Túnel do Leme, que liga Copacabana à Cidade Velha, iniciou a
Avenida Atlântica, melhorou mercados e instalações portuárias e embelezou praças,
como a Quinze de Novembro, Onze de Junho e Tiradentes (MILAGRE JUNIOR;
FERNANDES, 2013, p. 29). O prefeito também reformou ruas como a Rua do Catete
e Rua da Carioca, aterrou as praias do Flamengo e de Botafogo, iniciou a
construção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, construiu a Avenida Beira-Mar e a
Avenida Central (atual Avenida Rio Branco). Em uma notícia de 1906, intitulada ―O
Rio de Janeiro no século XX‖ lemos:
O Rio de Janeiro fez uma rápida viagem no tempo para chegar ao século
XX. E a nova cara da cidade surge graças a dois inimigos públicos que se
transformaram em heróis. O odiado Oswaldo Cruz é agora reverenciado
como o exterminador das moléstias tropicais. Pereira Passos, comandante
do turbulento ―bota-abaixo‖, merece a admiração geral.
O carioca se orgulha de viver na ―cidade mais linda do mundo‖. Os
estrangeiros podem descer sem sustos no porto novo, andar pela bela
Avenida do Mangue, ou contemplar as praias calçadas da Avenida BeiraMar. Mas o grande cartão-postal da cidade é a Avenida Central. Com quase
2 quilômetros de comprimento e 33 metros de largura, a avenida custou 46
772 contos de réis, contando despesas de demolição, à Prefeitura carioca.
O mundo elegante esqueceu a Rua do Ouvidor. Todo o comércio de
primeira linha de concentra nos prédios imponentes da nova avenida. E seu
traçado, com calçamento de macadame, parece ideal para um engenho
cada vez mais presente nas ruas, o automóvel.
69
Se o Rio se converte em ―uma metrópole brasileira que mais parecia um
14
pedaço da Europa‖ [...].
Pereira Passos também inaugurou o que seria o futuro palácio Monroe, onde
ocorreu a Exposição Nacional em comemoração ao centenário da abertura dos
portos, em 1908, ano da morte de Machado. A exposição objetivava realçar as
qualidades brasileiras para chamar a atenção de países estrangeiros.
De acordo com Fialho Junior e Pinheiro (2006), em nome da higiene e da
beleza, a prefeitura também baniu atividades rurais do centro da cidade, como
estábulos, criadouros e hortas, além de reprimir o que considerou maus hábitos,
como urinar e cuspir nas ruas, acender fogueiras e soltar fogos de artifício, pipas e
balões. Também foi contra festas populares, sagradas e profanas como o carnaval,
o batuque, a serenata, cultos afro-brasileiros e bumba-meu-boi.
A intenção era transformar o Rio em uma ―Paris tropical‖, cortando o que
existia de mais vergonhoso na aparência e nos hábitos cariocas para ―civilizar‖ a
população. Dessa forma, apesar do grande progresso obtido com as reformas
sanitárias e as melhorias arquitetônicas, a cidade perdeu grande parte das suas
características coloniais. Como explicam Fialho Junior e Pinheiro (2006), é nesse
contexto que o Rio passa de ―Capital da morte‖ a ―Cidade Maravilhosa‖, ainda que o
preço a ser pago pela população fosse caro: de acordo com Leeds ([s.a.], p. 190,
apud ABREU, 2010, p. 63), para a abertura da Avenida Central foram demolidas
―duas ou três mil casas, muitas com famílias numerosas‖. Além disso, grande parte
dessa população foi forçada a morar com outras famílias, pagar aluguéis altos, ou a
mudar-se para os subúrbios, pois como aponta Abreu (2010), as habitações
populares construídas pelo Estado para abrigar a população foram pouquíssimas.
Abreu (2010) analisa o período como sendo exemplo de contradições do
espaço, que, ao serem resolvidas, acabam gerando outras: os morros da cidade, até
então pouco habitados, como o da Providência São Carlos e Santo Antônio passam
a ser rapidamente ocupados, dando origem às favelas.
O autor Noronha Santos resume o período nas seguintes palavras:
14
Segundo Fialho Junior e Pinheiro (2006), trecho retirado de ―100 Anos de República: um retrato
ilustrado da história do Brasil‖ Vol. II p. 12. São Paulo, Editora Nova Cultural Ltda., 1989.
70
[...] ia perdendo pouco a pouco, o aspecto pictoresco e inconfundível de
grande villa portuguesa. Modificara a feia e pesada edificação colonial e
banira archaicas usanças commerciaes. Abandonara para sempre a
indumentária desataviada, como que num gesto de repulsa de senhora de
alta distincção. Queria ser nova e bonita, com automóveis a aguçarem-lhe a
ânsia de vida farta e confortável (ABREU, 2010, p. 63).
Pouco antes de sua morte em 1908, Machado de Assis amargurava as
transformações que observava no Rio de Janeiro, melancolicamente. Em uma carta
a Magalhães de Azeredo, comenta: ―O Rio mudou muito, até de costumes [...]. Há
mais senhoras a passeio; há um corso em Botafogo às quartas-feiras.‖ E acrescenta
―Não repare na nota fúnebre que corre por esta carta; é música do crepúsculo e da
solidão‖
15
.
Machado, que já não se sentia parte daqueles tempos de ―modernidade‖ e via
tristemente sua cidade se transformar, morre deixando um Rio que se preparava
para o tardio e tão necessitado ―progresso‖, que traria inúmeras inovações
tecnológicas e culturais, mas que jamais se esqueceu de seu passado. Caminhando
no centro do Rio hoje, Machado constataria que ambos passado e futuro convivem
lado a lado, nas tantas ruas que exalam história e exaltam a memória desta que foi a
única cidade do mundo fora da Europa a abrigar um império europeu, e que viu a
república chegar tardiamente, trazendo novos ares, um novo século e uma nova
gente.
2.3 CONTEXTUALIZAÇÃO LITERÁRIA
De forma a frisar a importância de Machado de Assis no cenário literário
nacional, iremos situá-lo no contexto dos movimentos em que se insere: o
Romantismo e o Realismo, abordando brevemente as principais características da
obra Machadiana.
15
Trechos encontrados em Piza (2008).
71
2.3.1 Romantismo x Realismo e as obras de Machado
O
Romantismo
surgiu
em
meados
do
século
XVIII, trazendo
uma
transformação estética e poética que rompia com as características do movimento
neoclassicista. As novas tendências representavam o inconformismo em relação ao
intelectualismo, ao absolutismo, ao convencionalismo clássico, ao esgotamento das
formas e temas até então dominantes. Era preciso despertar a imaginação, o
sentimento, a emoção e a sensibilidade (COUTINHO, 2008).
Coutinho (2008) afirma que é por meio do Romantismo que os escritores
exprimem a sua apreensão do real, e não a realidade em si. O romântico é exaltado,
emocional, apaixonado, relativista e busca satisfação na natureza, no regional,
pitoresco, selvagem, procurando escapar do mundo real para um passado remoto
ou para lugares distantes ou fantasiosos.
É dessa necessidade de evasão que
também se originam a melancolia e o pessimismo que geram temas de morte,
desolação, túmulos, gosto por orgias e o ―mal do século‖.
No Brasil, o movimento romântico chegou mais tarde, e teve seu apogeu no
século XIX. De acordo com Coutinho (2008), em razão de sua característica
relativista, o movimento se adaptou a situação local do país, manifestando-se na
exaltação do passado e das peculiaridades nacionais. Assumiu, assim, um estilo
particular, com traços próprios misturados aos elementos gerais do movimento na
Europa. Ainda sim, possui importância, já que foi a ele que deveu o país a sua
independência literária, conquistando liberdade de pensamento e de expressão.
Segundo Coutinho (2008), o período entre 1800 e 1850 significa um grande
avanço na literatura brasileira:
[...] passando-se das penumbras de uma situação indefinida, mista de
neoclassicismo decadente, iluminismo revolucionário e exaltação nativista,
para uma manifestação artística, em que se reúne uma plêiade de altos
espíritos de poetas e prosadores, consolidando, em uma palavra, a
literatura brasileira, na autonomia de sua tonalidade nacional e de suas
formas e temas, e na autoconsciência técnica e crítica dessa autonomia.
(COUTINHO, 2008, p.10)
72
É nesse momento que se sobressai José de Alencar, ―o patriarca da literatura
brasileira‖ nas palavras de Coutinho (2008), pois incitou a renovação literária que
culminou na criação da ficção brasileira. Alencar defendeu os temas brasileiros,
sobretudo indígenas, e acreditava que a literatura deveria ser a expressão da
nacionalidade, salientando a necessidade de adaptação dos moldes estrangeiros ao
ambiente brasileiro, e os direitos de uma linguagem brasileira, colocando a natureza
e a paisagem física e social do país como elementos obrigatórios do Romantismo
(COUTINHO, 2008).
Coutinho (2008) alerta que, paralelamente à revolução literária do movimento
romântico, há diversas circunstâncias sociais e políticas que acompanharam o
processo de independência em 1822: A ascensão da burguesia por meio da
atividade comercial e das profissões liberais, intelectuais e políticas, e também o ―[...]
processo de qualificação social do mestiço graças, como mostrou Gilberto Freyre, às
cartas de branquidade que o enriquecimento, o casamento e o talento literário e
político concediam [...]‖ (COUTINHO, 2008, p.11) O autor pontua ainda que com a
presença da corte portuguesa e a Independência, o momento é de prosperidade e
progresso, o que só faz aumentar, mesmo em tempos de crises como na época da
Regência (1831-1840). ―Particularmente, o progresso cultural é tal que dificilmente
se poderá apontar época de maior significação na história da cultura brasileira‖.
(COUTINHO, 2008, p.11)
Além de sede do governo, o Rio de Janeiro tornou-se agora a capital literária
com o desencadeamento da imprensa literária e política por todo o país. Para
Coutinho (2008), a agitação intelectual ocorrida após a Independência foi
responsável pela criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB, além
do interesse pelas ciências naturais, química, mineralogia e medicina.
Sendo assim, Coutinho (2008) situa temporalmente o movimento no Brasil,
afirmando que entre as datas de 1808 e 1836 temos o ―Pré-romantismo‖; de 1836 a
1860 temos o Romantismo propriamente dito, sendo seu apogeu entre 1846 e 1856.
Depois de 1860, há um período de transição para o Realismo e o Parnasianismo.
O romantismo é dividido por Coutinho (2008) em quatro grupos. O primeiro,
correspondente ao início do movimento, possui ainda resíduos classicistas, mas ao
mesmo tempo busca uma nova estética. É caracterizado pela poesia religiosa,
73
nacionalismo,
lusofobia,
e
uma
influência
inglesa
e
francesa.
Dentre
os
representantes deste grupo estão Manuel de Araújo Porto Alegre, Gonçalves de
Magalhães e Martins Pena.
No segundo grupo predominam a descrição da natureza, a idealização do
selvagem, o indianismo e o nacionalismo brasileiro. O selvagem é tido como símbolo
do espírito e da civilização nacionais em luta contra a influência portuguesa. Faziam
parte desse grupo Paula Brito, Joaquim Manuel de Macedo, Gonçalves Dias,
Bernardo Guimarães e José de Alencar, entre outros (COUTINHO, 2008).
O terceiro grupo é marcado pelo individualismo e subjetivismo, dúvida,
desilusão e negativismo boêmio, representando o "mal do século". Compreendia,
entre outros, os escritores Laurindo Rabelo, Luís Gama, Álvares de Azevedo,
Quintino Bocaiúva, Casimiro de Abreu e Fagundes Varela (COUTINHO, 2008).
Finalmente, o quarto grupo caracteriza o Romantismo liberal e social, com
temática político-social e nacionalista, abordando o abolicionismo e a Guerra do
Paraguai. A poesia possuía um lirismo amoroso e cheio de metáforas, sendo
batizada como poesia ―condoreira‖. Este foi o período do Romantismo de transição
para a forma realista, pois a ficção se esgota no sentimentalismo e no sertanismo e
a poesia é conduzida ao Parnasianismo, com a grande preocupação formal dos
escritores. Dentre os representantes deste período estão Franklin Távora, José do
Patrocínio, Pedro Américo, Visconde de Taunay, Castro Alves, Pedro de Calasans,
Melo Morais Filho e por fim, Machado de Assis (COUTINHO, 2008).
Carvalho (1929) aponta:
Duas tendências, todavia, dominaram durante o período romântico: a
sertanista campesina ou indianista de Alencar, e a anedótica, descrita ou
realista de Machado. Dentro delas se moveu o romance nacional, oscilando
entre a selva e a cidade, entre o índio, o caboclo, o matuto e o burguês das
classes remediadas, o comerciante, o empregado subalterno e o militar.
Ainda não conhecíamos, até então, nem a dúvida irônica de Dom Casmurro,
nem os paradoxos amorais de Brás Cubas (p. 293 apud COUTINHO, 2008,
p.31).
Mesmo admitindo José de Alencar como a figura mais importante do
Romantismo brasileiro, ao enaltecer suas qualidades, Coutinho (2008) admite
74
também a maestria de Machado em suas escritas. O autor citado define Alencar
como um ―romancista senhor do seu ofício, dono de uma técnica que não fôra antes
revelada e, mesmo depois, só seria ultrapassada por Machado de Assis‖
(COUTINHO, 2008, p.241).
Sobre a fase romântica de Machado, Coutinho (2008) afirma que, até o ano
de 1878, notamos o espírito romântico nas descrições das personagens e na
atmosfera geral de sentimentalismo do escritor. Porém, Machado seguiu um ―[...]
caminho próprio, no sentido de uma arte pessoal, realista, em que as soluções
técnicas e formais obedecem às inspirações de seu gênio e de sua visão estética‖
(COUTINHO, 2008, p. 271). As obras do escritor até este período, como Contos
Fluminenses (1870), Ressurreição (1872), Histórias da Meia Noite (1873), A Mão e a
Luva (1874), Helena (1876) e laiá Garcia (1878) ―[...] traem o escritor que, na sua
própria expressão, havia bebido o leite romântico‖ (COUTINHO, 2008, p.271)16.
Machado teve sua fase indianista no livro ―Americanas‖, publicado em 1875.
Coutinho (1999) chama atenção para o fato que já há traços de poesia parnasiana
nesta obra de Machado, assim como na de outros autores da época, mas ainda ―é
inútil querer apanhar um sólido fio condutor nessa fase de transição. A falta de
unidade estilística, vício, romântico, interfere a cada momento‖ (COUTINHO, 2008,
p.208).
A fase em que a produção crítica de Machado se sobressaiu, no entender de
Coutinho (2008), foi entre 1858 a 1879. Seus ensaios sobre Castro Alves, Fagundes
Varela e José de Alencar seriam o que de mais alto já se produziu a crítica brasileira
na opinião de Coutinho (2008), que ainda observa que, apesar de suas raízes,
Machado não foi um crítico tipicamente romântico, tendo superado as limitações e
características de qualquer escola ou movimento, formando uma doutrina estética
própria que incorporava elementos de todas as escolas, graças ao seu gênio
literário.
O Realismo surgiu em oposição ao Romantismo, trazendo a objetividade no
lugar da subjetividade, a razão ao invés da emoção e como temática, questões
16
Coutinho (2008) se refere à afirmação do próprio Machado: "Gente que mamou leite romântico,
pode meter o dente no rosbife naturalista; mas em lhe cheirando a têta gótica e oriental, deixa o
melhor pedaço de carne para correr à bebida da infância" (ASSIS, 1910, p. 49 apud COUTINHO,
2008, p.29). Publicada em ―A Semana‖ em 25 de dezembro de 1892.
75
sociais. Bosi (1994) aponta como principais autores do período, abrangendo também
naturalistas e parnasianos: Raul Pompéia, Aluísio Azevedo, Coelho Neto, Olavo
Bilac, Sílvio Romero, Araripe Jr., Rui Barbosa e Machado de Assis.
Segundo Bosi (1994), a partir de 1870 a literatura brasileira experimenta uma
temática mais voltada para a questão abolicionista e para a República. O
Romantismo, repleto de idealizações e exacerbação de sentimento, vai cedendo a
um processo de crítica da literatura ―realista‖. A prosa de ficção ganhou mais
sobriedade e uma tendência a sentimentos amargurados e fatalismo. Bosi (1994)
ressalta a mentalidade realista nos romances e contos de Machado da maturidade:
Um permanente alerta para que nada de piegas, nada de enfático, nada de
idealizante se pusesse entre o criador e as criaturas. O manejo do
distanciamento abre-se nas Memórias Póstumas que, pela riqueza de
técnicas experimentadas, ficou sendo uma espécie de breviário das
possibilidades narrativas do seu novo modo de conhecer o mundo (BOSI,
1994, p. 180).
Apesar de considerado um escritor realista, Bosi (1994) observa que
Machado repelia o Realismo. Machado teria afirmado ―A realidade é boa, o Realismo
é que não presta para nada‖17, já que uma ficção não deve mostrar a realidade e sim
a representá-la, fazendo uma apropriação dela. Nas palavras de Krause (2009), isso
ocorre ―[...] se ele [Realismo] sobrepõe à vida um ideal estático com o qual a vida
mesma não concorda. Explica-se desse modo o pessimismo intrínseco ao realismo,
como reconhecem os próprios manuais didáticos‖ (KRAUSE, 2009, [s.p.]). Machado
explica: ―A arte não é ‗a reprodução exata das coisas, dos homens e dos fatos‘, e
‗dado que seja a realidade pura, a ficção poética não podia admiti-Ia, sem restrição‘.‖
18
.
Fischer (2011) informa que é a partir dos 15 anos de idade de Machado que
seus textos aparecem. Primeiro poemas, depois crítica literária e teatral. Suas
poesias não trazem novidade para a época, mas as crônicas e ensaios mostram um
jovem intelectual e impetuoso, com vontade de consertar o mundo: quer um teatro
17
Citação retirada de COUTINHO (2008), p.327.
18
Idem.
76
mais sério, o jornal como meio de educação do leitor, uma literatura envolvida com a
vida do povo de seu país e de seu tempo.
O entusiasmo da juventude foi aos poucos amenizando, dando lugar a um
escritor mais maduro, cético e carregado de ironia. Sabemos que a segunda fase
literária de Machado de Assis caracteriza seu momento considerado como o mais
genial. Pertencem à segunda fase os romances: Memórias Póstumas de Brás Cubas
(1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e
Memorial de Aires (1908).
Roberto Schwarz (1990, apud CAVALLINI, 2005) sintetiza a diferença entre a
primeira e a segunda fase literária de Machado: os romances da primeira são
dotados de conformismo social e moral, além de uma reflexão sobre a relação
paternalista de dominação. Já os de segunda fase seriam marcados pela
―‗reintegração abundante do temário liberal e moderno, das doutrinas sociais,
científicas, da vida política, da nova civilização material‘ que servirá para mascarar a
continuidade das mesmas relações paternalistas‖ (SCHWARZ, 1990, p. 66, apud
CAVALLINI, 2005, [s.p.]).
Schwarz19 simplifica, explicando que na primeira fase, Machado escreve sob
o ―ângulo de baixo‖, ou seja, sob o ponto de vista das camadas inferiores da
sociedade. Em sua segunda fase, passa a escrever sob o ―ângulo de cima‖ de forma
a examinar os ―de baixo‖, mudando, assim, seu ângulo narrativo para a classe
superior. De acordo com o autor, é justamente a atitude desagradável desta classe
para com os mais pobres que permite a Machado captar melhor a relação de
dominação existente. É esta característica que o torna um romancista com uma
visão mais realista do país, e, portanto, quebra com o que era produzido até então:
uma realidade idealizada, repleta de aspectos positivos. Schwarz afirma que
―Memórias Póstumas de Brás Cubas‖, por sua grandeza literária, marcou o início
dessa segunda fase.
Já Bosi (2004) situa a fase de juventude literária de Machado entre 1860 e
1866 (entre seus 21 e 27 anos) e procura explicar as possíveis causas para o
amadurecimento do escritor. Segundo Bosi (2004), Jean-Michel Massa aponta que
19
Em entrevista para o programa ―Obra Aberta‖ da TV Cultura e Arte, exibida em 2002. Fonte:
https://www.youtube.com/watch?v=m5y1Tc5sK N8 Acesso em 24 de set. de 2014.
77
certos fatores na ascensão social de Machado teriam amortecido sua paixão política
da juventude: o ingresso no funcionalismo, o desligamento da militância do ―Diário
do Rio‖, o recebimento da Ordem da Rosa (tudo em 1867) e seu casamento com
Carolina (em 1869). O referido autor acrescenta ainda a hipótese de que o
agnosticismo religioso e a desilusão política tenham prenunciado o marcante
ceticismo que viria a caracterizar a segunda fase do escritor.
78
3. O RIO DE MACHADO DE ASSIS
Machado não só desenha a cidade do Rio fisicamente, mostrando suas ruas,
comércio, diversão e o cotidiano do carioca, mas também a caracteriza
psicologicamente, refletindo em seus personagens as mazelas de uma sociedade
urbana, que via o progresso chegar, mas não avançava em termos de valores
morais. O escritor ainda consegue ilustrar acontecimentos históricos, quase que
dando seu próprio testemunho sobre a ocasião e exprimindo sua opinião, por meio
de seus personagens.
Como
observa
Adriana
Carvalho
Silva 20 sobre
―Dom Casmurro‖, a
organização do espaço geográfico feita por Machado não é explícita, pois muitas
vezes há uma ausência de referências espaciais. Há sim referenciais subentendidos,
em meio a metáforas e intertextualidade. A escolha dos bairros, para a autora citada,
também se faz como uma estratégia para mostrar onde se concentra cada classe
social. Botafogo, por exemplo, aparece como um local para a classe emergente em
―Esaú e Jacó‖, enquanto que outros lugares são mostrados como mais ―distantes‖,
como a região da Tijuca, em ―Dom casmurro‖, aparecendo como local da lua de mel
de Bentinho e Capitu.
Do ponto de vista psicológico e social, a abordagem da hierarquia racial e do
patriarcalismo, como uma crítica a relação ―dominante-dominado‖, o hábito de se
tirar vantagem sobre pessoas vulneráveis, o interesse, o ciúme, a superficialidade,
dentre tantas outras características da sociedade urbana, estão presentes nos
romances machadianos, assim como preciosas referências a hábitos, lugares e
pessoas que nos possibilitam remontar o passado, que já não parece tão distante
por meio de suas palavras.
20
As informações contidas neste parágrafo foram obtidas pela autora no seminário ―Cartografias de
Machado: cidade e literatura, ontem e hoje‖ do projeto ―Rio de Machado‖ em 02/10/2014 no Museu de
Arte do Rio.
79
3.1 MONTANDO O CENÁRIO
Buscamos aqui condensar as principais características do Rio de Janeiro do
século XIX, de forma a inserir o universo machadiano no contexto. O objetivo é
facilitar a reconstrução do passado, entendendo suas peculiaridades e sua evolução,
de maneira a complementar o roteiro sugerido no próximo capítulo.
Portanto, é contextualizando o modo de vida, as formas de entretenimento,
religião, moda, alimentação e meio de transportes da corte, que abriremos caminho
para visualizar as ruas e os locais machadianos de forma mais detalhada e
completa. Sendo assim, examinaremos como Machado de Assis enxergava o Rio
através dos olhos de seus personagens.
3.1.1 Modo de vida e cotidiano
No Rio imperial, segundo conta Carvalho (1990), as chácaras eram as opções
de moradia das famílias mais abastadas, assim como a chácara do Livramento, que
segundo Piza (2008), foi onde trabalharam os avós e os pais de Machado de A ssis,
e ocupava uma grande área dentro do que hoje chamamos de centro histórico da
cidade, indo desde a baía até o alto do morro do Livramento. Com o
desenvolvimento do transporte ferroviário, a classe média passou a habitar perto das
ferrovias, restando aos pobres morar no centro da cidade, mais próximo dos seus
locais de trabalho (CARVALHO, 1990).
O comércio começava a crescer na corte. Thomas Ewbank, um viajante norteamericano que viveu no Rio de Janeiro em 1846, conta em seu livro ―Vida no Brasil‖
que era possível deparar-se com um grande número de escravos nas ruas,
vendendo toda sorte de produtos:
Escravos de ambos os sexos apregoam suas mercadorias em todas as
ruas. Verduras, flora, frutos, raízes comestíveis, ovos, todos os demais
produtos rurais, bolos, tortas, roscas, doces, presunto etc. passam
80
continuamente pelas portas das casas. Se o cozinheiro precisa de uma
caçarola, logo se ouve o pregão de um vendedor de artigos de metal. Uma
talha d'agua se quebra e meia hora depois se aproxima o vendedor de
moringas (...). Se diante de sua porta ainda não passaram caixas contendo
artigos de cutelaria, pegas de vidro, porcelana e prata, aparecerão sem
demora (...). Sapatos, bonés enfeitados, jóias de fantasia, livros infantis,
novelas para jovens e obras de devoção para os devotos. "A arte de dançar"
para os desajeitados. "Escola de bem vestir" para os moços, "Manual de
polidez" para os rústicos, ―O oráculo das senhoritas", "A linguagem das
flores", "Santas Relíquias", "Milagres dos Santos" e um "Sermão em honra
de Baco" - tais coisas e milhares de outras são diariamente apregoadas
pelas ruas (EWBANK, 1973, p.99 apud BENCHIMOL, 1992, p. 31).
Em ―Dom Casmurro‖, o personagem Bentinho conta um episódio ocorrido na
infância durante uma conversa com Capitu, que vem a ilustrar o narrado por
Ewbank:
Tínhamos chegado à janela; um preto, que, desde algum tempo, vinha
apregoando cocadas, parou em frente e perguntou:
— Sinhazinha, qué cocada hoje?
— Não — respondeu Capitu.
— Cocadinha tá boa.
— Vá-se embora — replicou ela sem rispidez.
— Dê cá! — disse eu descendo o braço para receber duas.
Comprei-as, mas tive de as comer sozinho; Capitu recusou. Vi que, em meio
da crise, eu conservava um canto para as cocadas, que tanto pode ser
perfeição como imperfeição, mas o momento não é para definições tais;
fiquemos em que a minha amiga, apesar de equilibrada e lúcida, não quis
saber de doce, e gostava muito de doce. Ao contrário, o pregão que o preto
foi cantando, o pregão das velhas tardes, tão sabido do bairro e da nossa
infância:
Chora, menina, chora,
Chora, porque não tem
Vintém,
a modo que lhe deixara uma impressão aborrecida. Da toada não era; ela a
sabia de cor e de longe, usava repeti-la nos nossos jogos da puerícia, rindo,
saltando, trocando os papéis comigo, ora vendendo, ora comprando um
doce ausente. Creio que a letra, destinada a picar a vaidade das crianças,
foi que a enojou agora, porque logo depois me disse:
— Se eu fosse rica, você fugia, metia-se no paquete e ia para a Europa.
(ASSIS, 1899, p.43)
81
A rotina a ser cumprida para educação dos filhos, estipulada por Dom Pedro II
era: ―Levantar-se às 6h; assistir à missa; almoço às 8h; ler e estudar; jantar às 14h;
preparar lições; passear às 17h30min; cear às 21h; recolher-se às 21h30‖
(FISCHER, 2011, p. 28). Lembrando que ―almoço‖ é o que hoje chamamos de café
da manhã, ―jantar‖ representa o atual ―almoço‖ e a ―ceia‖, o ―jantar‖ de hoje em dia
(FISCHER, 2011).
Moraes (2008) relata que desde 1875, quando foi morar com Carolina na Rua
das Laranjeiras, número 4, e, a partir de 1883, quando se mudaram para a Rua
Cosme Velho, 18, Machado de Assis acordava antes das 6 horas da manhã. Depois
da refeição, Carolina e Machado se sentavam de mãos dadas para apreciar a vista
para a rua e para o jardim. Depois, o escritor ia para seu gabinete para ler obras da
literatura estrangeira e nacional, mas também para escrever folhetins. Às 10 horas,
pontualmente, saía para tomar o bonde para a repartição, onde trabalhava como
funcionário público. Terminado o seu expediente, às 16 horas, tomava outro bonde
para Rua do Ouvidor, para encontrar os amigos na Livraria Garnier e nos gabinetes
de leituras. Depois, Machado se dirigia a um dos jornais em que prestava serviço e
entregava um folhetim ao editor chefe para ser publicado na semana seguinte. De
volta a sua casa, jantava e levava Carolina para passear, também, na Rua do
Ouvidor ou para fazer visitas formais a outras mulheres ―respeitáveis‖. Após o
cumprimento dessa formalidade, à noite, voltavam para casa, onde Machado, com o
auxílio de um lampião, voltava às suas leituras e seus escritos até o sono chegar.
Às vezes, o casal também assistia a uma ópera ou peça de teatro à noite.
A seguir, apontamos as principais formas de diversão caseira e noturna,
descritas ou sugeridas nas obras de Machado.
3.1.2 Entretenimento
Como informa Carvalho (1990), como as distrações eram poucas, os passeios
pela cidade eram frequentes, mas a maior manifestação social da época eram as
visitas:
82
Não eram curtas e discretas, instalavam-se os amigos, para ‗passar o dia‘
ou ‗passar a noite‘. Eram, de preferência, depois do jantar, isto é, depois
das cinco; as conversas se prolongavam até as nove ou dez horas, à hora
do chá, servido com torradas e pão-de-ló, tarecos e broinhas, roscas de
barão, ‗esquecidos‘, ‗sequilhos‘ e ‗divinos‘. (CARVALHO, 1990, p. 88).
No dia a dia da elite não podia faltar leitura, música e jogos como o whist,
pôquer e voltarete (todos com baralhos), além do gamão, damas e xadrez. Em
―Memorial de Aires‖, Machado registra o aparecimento do pôquer:
Obrigado pela palavra a ir passar a noite com o corretor Miranda, lá fui hoje.
Veio mais gordo da Europa, onde só esteve alguns meses; é o mesmo
impetuoso de sempre, mas bom sujeito e excelente marido. Nada novo, a
não ser um jogo, parece que inventado nos Estados Unidos e que ele
aprendeu a bordo. No meu tempo não se conhecia. Chama-se pok er; eu
trouxe o whist, que ainda jogo, e peguei no meu velho voltarete. Parece que
o pok er vai derrubar tudo. Na casa do Miranda até a senhora deste jogou.
(ASSIS, 1908, p.40).
O voltarete é um dos jogos mais mencionados por Machado. O personagem
Santos, em ―Esaú e Jacó‖ sempre organizava partidas:
[...] chegaram dois habituados do jogo, e com eles Batista, que estava na
saleta próxima, Santos foi ao recreio de todas as noites. Um daqueles era o
velho Plácido, doutor em espiritismo; o segundo era um corretor da praça,
chamado Lopes, que amava as cartas pelas cartas, e sentia menos perder
dinheiro que partidas. Lá se foram ao voltarete, enquanto Aires ficava no
salão, a ouvir a um canto as damas [...] (ASSIS, 1904, p.92)
Mais tarde, no mesmo romance, o Conselheiro Aires comenta com Natividade
sobre Santos: ―Baronesa, a senhora exige respostas definitivas, mas diga-me o que
é que há definitivo neste mundo, a não ser o voltarete de seu marido?‖ (ASSIS,
1904, p.108).
As danças também faziam parte da diversão e da interação social: Fischer
(2011) explica que a quadrilha, que fazia sucesso nos salões das famílias de boa
posição, era ―[...] uma dança coletiva, com evoluções previamente estabelecidas‖
(FISCHER, 2011, p. 33) enquanto que a valsa, grande sucesso no Brasil do século
83
XIX, possui ―[...] evoluções elegantes, mas seu andamento é vivo e o par dança
enlaçado, o que a torna mais sensual que a quadrilha‖ (FISCHER, 2011, p. 33).
Em um baile no romance ―Ressurreição‖, o personagem Félix convida Lívia
para valsar. Podemos perceber também que Machado aproveita para criticar
duramente a chegada da modernidade:
— Vi-a valsar quando entrei, disse Félix, e afirmo que poucas pessoas
valsarão tão bem. Creia na sinceridade do elogio, porque eu não os faço
nunca.
A moça aceitou este cumprimento com ingênua satisfação.
— Gosto muito da valsa, disse ela. Não admira; é a primeira dança do
mundo.
— Pelo menos é a única dança em que há poesia, acrescentou Félix. A
quadrilha tem certa rigidez geométrica; a valsa tem todo o abandono da
imaginação.
— Justamente! exclamou Lívia, como se Félix lhe tivesse reunido em
poucas palavras todas as suas idéias a respeito daquele assunto.
— Demais, continuou o doutor, animado pelo entusiasmo da viúva, a
quadrilha francesa é a negação da dança, como o vestuário moderno é a
negação da graça, e ambos são filhos deste século, que é a negação de
tudo (ASSIS, 1872, p.27).
Além dos meios de diversão mais ―caseiros‖, as pessoas agora saíam mais e
buscavam os prazeres que só a corte carioca tinha a oferecer. Machado de Assis
viveu tudo isso em sua juventude. Em um texto para o jornal ―A República‖ em 1896,
ele relembra com saudade:
A vida externa era festiva, intensa e variada. Tinham acabado as revoluções
políticas. Crescia o luxo, abundava o dinheiro, nasciam melhoramentos.
Tudo bailes e teatros. Um cronista de 1853 (se não vos fiais em mim) dizia
haver 365 bailes por ano. Outro de 1854 escreve que do princípio ao fim do
ano toda a gente ia ao espetáculo. Salões particulares à porfia. Além deles,
muitas sociedades coreográficas, com os seus títulos bucólicos ou
mitológicos, a Campestre, a Sílfide, a Vestal, e outras muitas chamavam a
gente moça às danças, que eram todas peregrinas, algumas recentes. A
alta classe tinha o Cassino Fluminense. Tal era o amor ao baile que os
médicos organizaram uma associação particular deles, o que chamaram
Cassino dos Médicos. Hoje, se dançam, dançam avulsos.
A Ópera Italiana tinha desde muito os seus anais; no decênio anterior, mais
de uma cantora entontecera a nossa população maviosa e entusiasta; agora
desfilava uma série de artistas mais ou menos célebres, a Stoltz, a
Tamberlick , o Mirate, a Charton, a La-Grua. O próprio teatro dramático
84
mesclava nos seus espetáculos o canto e a dança, árias e duos, um passo
a três, um passo a quatro, não raro um bailado inteiro. Já havia corridas de
cavalos, um clube apenas, que chamava a flor da cidade. As corridas
começavam às dez horas da manhã e findavam à uma da tarde. Ia-se a
elas por elas mesmas. A Europa mandava para cá as suas modas, as suas
artes e os seus clowns. Traquitanas e velhas seges cediam o passo ao
coupé e os cavalos do Cabo entravam como triunfadores. Modinhas e
serestas brasileiras iam de par com árias italianas. As festas eclesiásticas
eram numerosas e esplêndidas; na igreja e na rua, a devoção geral e
21
sincera, as romarias e patuscadas infinitas.
A corte fervia, frequentando cassino, clube, teatros e bailes, e seguindo a
moda parisiense:
Longe do mundo isolado do campo, na corte carioca dos anos 60, os
horários passam a ser pautados por festas, rituais e passeios. Uma roupa
para cada ocasião, passeios na Rua do Ouvidor, encontros nas confeitarias,
desfiles nos teatros, etiqueta nos jantares: era a nova agenda de atividades
que cercava as elites, sobretudo da província do Rio de Janeiro
(SCHWARCZ, 1998, p. 318).
Os bailes, como dito por Machado, estavam agora em seu apogeu. Iniciados
na época de D. João VI, não só favoreciam a interação social, como também
política, por meio de discussões e debates entre partidos. Joaquim Nabuco, por
exemplo, reunia em seu palácio Saquaremas e Luzias para bailes, recepções e
partidas. Já os literatos preferiam reunir-se em confeitarias, cafés e teatros.
(SCHWARCZ, 1998).
O mais imponente e importante baile ocorrido na monarquia foi o baile da Ilha
Fiscal, em 188922. Organizado com requinte sob pretexto de homenagear aos
oficiais do navio Almirante Cochrane da Marinha do Chile e foi o primeiro baile
oficialmente
promovido
pelo
império.
Também
acabou
sendo
um
dos
acontecimentos que marcaram o fim da Monarquia Constitucional Parlamentarista e
Proclamação da República. Foram distribuídos mais de três mil convites, excluindo-
21
22
Trecho retirado de Piza (2008).
Baile da Ilha Fiscal. Disponível em: http://www.riodejaneiroaqui.com/portugues/ilha -fiscal-baile.html.
Acesso em 4 set. 2014.
85
se as Forças Armadas, para uma noite em que toda elegância e luxo seriam
ostentados, por mais que fosse apenas para mascarar a decadência.
Ainda de acordo com Schwarcz (1998), o povo, porém, como sempre
afastado dos acontecimentos da elite, se divertia de forma diferente do lado de fora:
uma banda da polícia com farda de gala tocava no largo da Praça, logo em frente à
Ilha.
Natividade, Santos, os gêmeos Pedro e Paulo, Flora e seus pais foram
convidados ao baile, em ―Esaú e Jacó‖:
Foi uma bela idéia do governo, leitor. Dentro e fora, do mar e de terra, era
como um sonho veneziano; toda aquela sociedade viveu algumas horas
suntuosas, novas para uns, saudosas para outros, e de futuro para todos
[...]
A novidade da festa, a vizinhança do mar, os navios perdidos na sombra, a
cidade defronte com os seus lampiões de gás, embaixo e em cima, na praia
e nos outeiros, eis aí aspectos novos que a encantaram [Flora] durante
aquelas horas rápidas. (ASSIS, 1904, p.136).
D. Cláudia, mãe de Flora, também via o baile como uma oportunidade para
seu marido:
Para ela, o baile da ilha era um fato político, era o baile do ministério, uma
festa liberal, que podia abrir ao marido as portas de alguma presidência.
Via-se já com a família imperial. Ouvia a princesa:
— Como vai, D. Cláudia?
— Perfeitamente bem, Sereníssima senhora.
E Batista conversaria com o imperador, a um canto, diante dos olhos
invejosos que tentariam ouvir o diálogo, à força de os fitarem de longe.
(ASSIS, 1904, p.133)
O teatro, por sua vez, também fazia parte da rotina da vida da corte. Mais que
um tipo de entretenimento, era também uma ocasião social, um lugar para ―se ver e
ser visto‖. Era um evento na vida das famílias:
86
Duas horas antes de começar o espetáculo, saía a família de casa. Na
frente iam os fâmulos. Um levava a ceia e o clássico moringue de dois
bicos. Outro carregava a criança. Outro as cadeiras. Todos aboletavam-se
no vasto camarote, que transformava-se subitamente em uma espécie de
barraca de campanha. Os meninos acomodavam-se na frente e deitavam
logo os bicos das botinas de cordovão para fora das grandes... O drama, a
comédia ou ópera lírica eram ouvidos por entre os choros de crianças e
―psiu‖ da platéia.(FRANÇA JÚNIOR, [s.a.], [s.p.], apud CARVALHO, 1990, p.
88)
Tradutor, crítico e escritor de peças de teatro, Machado de Assis
constantemente esboça suas preferências por meio de seus personagens. Em
―Memórias Póstumas de Brás Cubas‖, na casa de Virgília, Brás ouve de uma
visitante:
[...] Pois olhe, ontem admirou-me não o ver no teatro. A Candiani esteve
deliciosa. Que mulher! Gosta da Candiani? É natural. Os senhores são
todos os mesmos. O barão dizia ontem, no camarote, que uma só italiana
vale por cinco brasileiras. Que desaforo! e desaforo de velho, que é pior.
(ASSIS, 1881, p. 108).
Mais tarde, ao apresentar-nos o personagem Damasceno, Brás salienta:
[...] Gostava muito de teatro; logo que chegou foi ao Teatro de São Pedro,
onde viu um drama soberbo, a Maria Joana, e uma comédia muito
interessante, Kettly, ou a volta à Suíça. Também gostara muito da Deperini,
na Safo, ou na Ana Bolena, não se lembrava bem. Mas a Candiani! sim,
senhor, era papa-fina (ASSIS, 1881, p.138).
Segundo Teatros do Centro Histórico do Rio de Janeiro (2014), o Teatro
Ginásio Dramático, fundado em 1855, apresentou os primeiros dramas da escola
realista. O Teatro Lírico Fluminense (no Campo da Aclamação, hoje Praça da
República), também era um dos principais do Rio imperial e é descrito por Carvalho
(1990) como ―vasto, arejado, mas pobre‖ (CARVALHO, 1990, p. 89), tendo recebido
grandes artistas estrangeiros como Rosina Stoltz, Dejean, Laborde, Ristori,
Thalberg, Tamberlick e Gottschalk.
87
Segundo Scheffel (2011), na visão de Machado de Assis, o Teatro Lírico 23
possuía um ingresso mais caro e era frequentado por um público mais seleto se
compararmos ao do Teatro São Pedro de Alcântara (hoje Teatro João Caetano),
onde se apresentavam dramas e comédias. O escritor ironiza, na ―Gazeta de
Notícias‖: ―Nem todos terão treze mil réis para dar por uma cadeira do Teatro Lírico.
Eu tenho cinco, faltam-me oito. Podia ir ao Teatro de São Pedro, onde a cadeira
custa menos; mas eu só entendo italiano cantado, e a Duse-Checchi não canta‖
(ASSIS, 1885 apud SCHEFFEL, 2011, p.185). Carvalho (1990) menciona os
concertos de Patti e Sarrasate como alguns dos mais relevantes no Teatro São
Pedro de Alcântara. Scheffel (2011) informa que, para Machado de Assis, havia em
sua época uma preferência do público pelas óperas cantadas em italiano, além de
um certo desinteresse pelo teatro dramático, havendo também poucos espetáculos
nacionais. Antes disso, de acordo com Carvalho (1990), entre 1840 e 1870, nota-se
um movimento de ―nativismo‖ crescente na produção literária e dramática no Rio de
Janeiro:
O teatro nacional de Martins Pena, de Pinheiro Guimarães, de Macedo de
Alencar, e de França Júnior, é o espelho da vida social carioca. Em peças
como ―O Demônio Familiar‖, ―Mãe‖, ―Moça Rica‖, por exemplo, é o papel
social da escravidão, com seus moleques intrigantes e suas mulatas
malvadas que os autores apresentavam ao público carioca (CARVALHO,
1990, p. 89).
É o Teatro Lírico que mais aparece nas obras de Machado. Em ―A Mão e a
Luva‖, o narrador comenta:
A Corte divertia-se, apesar dos recentes estragos do cólera — bailava-se,
cantava-se, passeava-se, ia-se ao teatro. O Cassino abria os seus salões,
como os abria o Clube, como os abria o Congresso, todos três fluminenses
23
Não confundir com o Teatro Lírico Fluminense. Segundo Teatros do Centro Histórico do Rio de
Janeiro (2014), O Teatro Lírico (ou Theatro Lyrico) localizava-se na Rua da Guarda Velha, 10, atual
Rua Treze de Maio, e foi fundado em 1890. Antes disso, chamou-se Teatro Dom Pedro II (Theatro
Dom Pedro II) em 1871 e depois Teatro Imperial Dom Pedro II (Theatro Imperial Dom Pedro II) em
1875. Já o Teatro Lírico Fluminense (ou Lyrico Fluminense), fundado em 1874, localizava-se no
Campo da Aclamação, entre a Rua dos Ciganos (hoje, Constituição) e a Rua do Hospício (hoje,
Buenos Aires). Em 1872, chamava-se Provisório, pelo caráter de sua construção.
88
no nome e na alma. Eram os tempos homéricos do teatro lírico, a quadra
memorável daquelas lutas e rivalidades renovadas em cada semestre,
talvez por um excesso de ardor e entusiasmo, que o tempo diminuiu, ou
transferiu, — Deus lhe perdoe, — a coisas de menor tomo. (ASSIS, 1874, p.
7)
Outra forma de diversão dos cariocas eram as festas populares. Schwarcz
(1998) conta que foi a partir de 1855 que o carnaval chegou às ruas com carros
alegóricos do Congresso das Sumidades Carnavalescas
24
. Era considerado uma
festa mais elitista, fazendo parte do ―projeto civilizatório‖ da corte, que pretendia
iguala-lo às festas de Veneza. Sendo assim, era ―uma brincadeira mais organizada,
intelectualizada e comandada do alto dos carros ou dos salões das grandes
sociedades‖ (CUNHA, 1997, [s.p.], apud SCHWARCZ, 1998, p. 427), diferentemente
do entrudo, considerado anárquico e individualista.
Segundo Schwarcz (1998), o entrudo veio trazido de Portugal bem antes do
carnaval e possuía como característica a habilidade de unir diferentes classes
sociais, idades e sexos, que se esqueciam, momentaneamente, de suas diferenças
para entrar no jogo. Fletcher (1941, apud SCHWARCZ, 1998) descreve como era o
ritual, que se estendia por 3 dias antes da Quaresma:
Não era com chuva de confeitos, que as pessoas se saudavam nos dias do
entrudo, mas com chuveiros de laranjas e ovos, ou antes com bolas de cera
feitas com a forma de laranjas e ovos, cheia de água. Esses artigos são
preparados antes em grandes quantidades, e expostos à venda nas lojas e
nas ruas. A casca era forte bastante para permitir que fosse lançada a
grande distância, mas, no momento do choque, fazia-se em pedaços,
espalhando água por onde caísse. Diferentemente de qualquer brincadeira
análoga de bolas de neve, nos países frios, esse jogo não se limitava às
crianças ou às ruas, mas era feito na alta-roda, tanto quanto na classe
inferior, fora e dentro de casa. O consenso geral parecia permitir que cada
um se divertisse à vontade, molhando o próximo, quer quando uma visita
entrava em casa, quer quando o transeunte passava pela rua. De fato, todo
aquele que saísse nesses dias experimentava uma ducha, e, achava melhor
levar consigo um guarda-chuva; pois no entusiasmo da brincadeira, as
bolas de cera logo se consumiam, e, seguiam-se-lhes as seringas de
24
Segundo Costa (2001), o Congresso das Sumidades Carnavalescas foi o primeiro clube surgido no
Rio de Janeiro, que desfilou com 80 sócios em 1855 – entre eles José de Alencar. Segundo Costa
(2001), Melo Morais Filho em seu livro ―Festas e tradições populares do B rasil‖ conta que o desfile
contou com a presença da família imperial e teve como abertura uma banda vestida com uniformes
dos cossacos da Ucrânia. O sucesso foi grande e o assunto virou manchete de muitos jornais à
época.
89
brinquedo, bacias, tigelas e, às vezes mesmo, baldes de água, que eram
usados sem piedade, até que ambos os partidos ficassem totalmente
ensopados [...]. (FLETCHER, 1941, p. 164-165 apud SCHWARCZ, 1998,
p.425).
Apesar da proibição do entrudo em 1854, como destaca Schwarcz (1998),
este continua a ser praticado. Até 1870 eram constantes as reclamações contra o
comportamento do público que se reunia para assistir o entrudo, e em plena década
de 80 o carnaval ainda convivia nas ruas com a prática. Benchimol (1992) conta de
uma proibição ocorrida na gestão de Pereira Passos, em 1903, a quem continuasse
a praticar o entrudo, fixando multas e penas de dois a oito dias de prisão aos que
não pudessem pagar. Os agentes da prefeitura tinham ordem de inutilizar as
―laranjas‖ encontradas nas ruas e prender aqueles que atirassem qualquer líquido
sobre os transeuntes ou sobre as pessoas nas janelas de suas casas (SCHWARCZ,
1998). Machado de Assis, em crônica para ―A Semana‖ em 1893, por meio do
personagem que sonha ter morrido, relembra:
Os meus patrícios iam ter um bom carnaval, — velha festa, que está a fazer
quarenta anos, se já os não fez. Nasceu um pouco por decreto, para dar
cabo do entrudo, costume velho, datado da colônia e vindo da metrópole.
Não pensem os rapazes de vinte e dous anos que o entrudo era alguma
cousa semelhante às tentativas de ressurreição, empreendidas c om
bisnagas. Eram tinas d'água, postas na rua ou nos corredores, dentro das
quais metiam à força um cidadão todo, — chapéu, dignidade e botas. Eram
seringas de lata; eram limões de cera. Davam-se batalhas porfiadas de
casa a casa, entre a rua e as janelas, não contando as bacias d'água
despejadas a traição.
[...]
Cheguei a lembrar-me, apesar de ir caminho do céu, dos episódios de amor
que vinham com o entrudo. O limão de cera, que de longe podia escalavrar
um olho, tinha um ofício mais próximo e inteiramente secreto. Servia a
molhar o peito das moças; era esmigalhado nele pela mão do próprio
namorado, maciamente, amorosamente, interminavelmente...
Um dia veio, não Malesherbes, mas o carnaval, e deu à arte da loucura uma
nova feição. A alta roda acudiu de pronto; organizaram-se sociedades, cujos
nomes e gestos ainda esta semana foram lembrados por um colaborador da
Gazeta. Toda a fina flor da capital entrou na dança. Os personagens
históricos e os vestuários pitorescos, um doge, um mosqueteiro, Carlos V,
tudo ressurgia às mãos dos alfaiates, diante de figurinos, à força de
dinheiro. Pegou o custo das sociedades, as que morriam eram substituídas,
com vária sorte, mas igual animação.
Naturalmente, o sufrágio universal que penetra em todas as instituições
deste século, alargou as proporções do carnaval, e as sociedades
multiplicaram-se, com os homens. O gosto carnavalesco invadiu todos os
90
espíritos, todos os bolsos, todas as ruas. Evohé! Bacchus est roi! Dizia um
coro de não sei que peça do Alcazar Lírico, — outra instituição velha, mas
velha e morta. Ficou o coro, com esta simples emenda: Evohé! Momus est
roi! (ASSIS, 1893, [s.p.]).
A influência da religião nos costumes sociais, por meio dos personagens
Machadianos, será abordada a seguir.
3.1.3 Religião
A religião, como já dissemos, confundia-se constantemente com a realeza, e
sendo o Brasil um país oficialmente católico naquela época, a sociedade era
extremamente regida por costumes religiosos. Del Priore (2013) aponta que cabia à
Igreja mediar a passagem do tempo:
Às seis horas, era o Angelus. As doze, anunciava-se que o demônio andava
à solta. Melhor rezar... As dezoito, eram as Ave-Marias nas esquinas, frente
aos oratórios, caso se estivesse na rua. Tantos toques para um enterro,
outros tantos para um nascimento, X para meninos, Y para meninas, etc. Ao
peditório em altos brados dos mendigos, se juntava aquele dos irmãos de
confrarias, com bandejas de esmolas e imagens de santos à mão, numa
cacofonia sem fim (DEL PRIORE, 2013, p. 160).
As missas eram eventos sociais aonde se ia não só para rezar, mas também
para ver e ser visto. Além disso, havia um extenso calendário de feriados e festas
religiosas. ―Dom Casmurro‖ é um romance que nos mostra, por meio da promessa
feita por D. Glória de tornar seu filho um padre, o impacto da religião nas famílias da
corte:
[...] Entretanto, ia-me afeiçoando à idéia da igreja; brincos de criança, livros
devotos, imagens de santos, conversações de casa, tudo convergia para o
altar. Quando íamos à missa, dizia-me sempre que era para aprender a ser
padre, e que reparasse no padre, não tirasse os olhos do padre. Em casa,
brincava de missa, — um tanto às escondidas, porque minha mãe dizia que
missa não era coisa de brincadeira. Arranjávamos um altar, Capitu e eu. Ela
91
servia de sacristão, e alterávamos o ritual, no sentido de dividirmos a hóstia
entre nós; a hóstia era sempre um doce (ASSIS, 1899, p.29-30).
As procissões, de acordo com Schwarcz (1998), eram comuns desde a época
colonial e mantiveram-se assim durante o império. Seidler (1835) aponta:
Tais procissões festivas estão na ordem do dia, e quase diariamente são
vistas a serpear com suas variegadas cores pelas ruas principais do Rio.
Vão precedidas por música militar, a tocar, e nas festas mais importantes,
como por exemplo, de Coração de Jesus ou de Nossa Senhora de
Conceição, tomam parte os principais funcionários do estado, com as
pesadas estátuas da Madonna, em tamanho natural e crucifixos — quanto
mais coloridos e mais pesados, melhor (apud SCHWARCZ, 1998, p. 48).
Ainda em ―Dom Casmurro‖, Bentinho nos narra um episódio que exemplifica a
intervenção da igreja no cotidiano da população. O ocorrido se dá logo após a
passagem do imperador, quando Bentinho e José Dias ainda estão no ônibus:
— Parece que vai sair o Santíssimo, disse alguém no ônibus. Ouço um sino;
é, creio que é em Santo Antônio dos Pobres. Pare, Sr. recebedor!
O recebedor das passagens puxou a correia que ia ter ao braço do
cocheiro, o ônibus parou, e o homem desceu. José Dias deu duas voltas
rápidas à cabeça, pegou-me no braço e fez-me descer consigo. Iríamos
também acompanhar o Santíssimo. Efetivamente, o sino chamava os fiéis
àquele serviço da última hora. Já havia algumas pessoas na sacristia. [...]
Quando o sacristão começou a distribuir as opas, entrou um sujeito
esbaforido; era o meu vizinho Pádua, que também ia acompanhar o
Santíssimo. [...] Pádua solicitava ao sacristão uma das varas do pálio. José
Dias pediu uma para si.
— Há só uma disponível, disse o sacristão.
[...] O sacristão achou meio de conciliar a rivalidade, tomando a si obter de
um dos outros seguradores do pálio que cedesse a vara ao Pádua,
conhecido na paróquia, como José Dias. Assim fez; mas José Dias
transtornou ainda esta combinação. Não, uma vez que tínhamos outra vara
disponível, pedia-a para mim, "jovem seminarista", a quem esta distinção
cabia mais diretamente. [...]
Pela minha parte, quis ceder-lhe a vara; lembrou-me que ele costumava
acompanhar o Santíssimo Sacramento aos moribundos, levando uma tocha,
mas que a última vez conseguira uma vara do pálio. A distinção especial do
pálio vinha de cobrir o vigário e o sacramento; para tocha qualquer pessoa
servia. [...]
Opas enfiadas, tochas distribuídas e acesas, padre e cibório prontos, o
sacristão de hissope e campainha nas mãos, saiu o préstito à rua. Quando
92
me vi com uma das varas, passando pelos fiéis, que se ajoelhavam, fiquei
comovido. [...] Com pouco, senti-me me cansado; os braços caíam-me,
felizmente a casa era perto, na Rua do Senado.
A enferma era uma senhora viúva, tísica, tinha uma filha de quinze ou
dezesseis anos, que estava chorando à porta do quarto. [...] O vigário
confessou a doente, deu-lhe a comunhão e os santos óleos.
[...] Era o momento da saída. Peguei da minha vara; e, como já conhecia a
distância, e agora voltávamos para a igreja, o que fazia a distância menor,
— o peso da vara era muito pequeno. Demais, o sol cá fora, a animação da
rua, os rapazes da minha idade que me fitavam cheios de inveja, as devotas
que chegavam às janelas ou entravam nos corredores e se ajoelhavam à
nossa passagem, tudo me enchia a alma de lepidez nova (ASSIS, 1899,
p.58-60).
Adiante, veremos como a influência europeia modificou as vestimentas
femininas e masculinas na época do Segundo Reinado na corte carioca.
3.1.4 Moda
Além das missas aos domingos e dias santificados, festas religiosas,
procissões ou cerimônias oficiais, as pessoas agora saíam mais de casa, tanto para
jantar fora quanto para fazer visitas. Essa mudança de hábitos refletiu até mesmo na
forma de vestir: para os homens, não se usava mais calções curtos, e sim calças
compridas combinadas com a cor das casacas, que variavam de acordo com a
ocasião – missas de defuntos e atos solenes, cerimônias oficiais, visitas ou apenas
um passeio pela Rua Direita (LYRA, 1977, apud SCHWARCZ, 1998, p. 91).
Como já abordado, a tendência da elite do Rio de Janeiro imperial era imitar
os costumes europeus, especialmente os franceses, de modo a demonstrar
sofisticação e civilização. As pessoas que transitam pelas ruas são ao mesmo tempo
compradores e mercadorias, pois, ao irem em busca de seu objeto de desejo,
acabam se tornando objeto de desejo de outros (BENJAMIN, 1995, apud STAUDT,
2009). Sendo assim, um passeio pelas ruas da cidade pode tornar-se uma
verdadeira ocasião social, tal qual um evento importante, pelo simples fato do papel
que assume o ato de se ―ver e ser visto‖. Para Renault (1974, apud STAUDT, 2009),
93
em 1844, o comércio do centro do Rio já contava com 19 lojas de moda, e a maioria
localizada na Rua do Ouvidor.
Fischer (2011) assinala que o século XIX traz sofisticação à vestimenta
feminina, marcando um longo período de idealização da mulher como ―delicada,
misteriosa, desejável, vestida de modo meio celestial no sentido de viver como que
fora do mundo cotidiano do trabalho‖ (FISCHER, 2011, p. 28). A vestimenta
masculina, por sua vez, caminha no sentido oposto, já que apesar da sofisticação
nos tecidos e na composição do traje, a tendência era a simplificação. Para as
mulheres, os tecidos utilizados eram organdi, musselina e tule. Para os homens, o
linho e a lã. Seda, veludo e lã eram considerados os tecidos mais nobres, enquanto
que a chita era o mais simples.
A gente não era muita, mas a igreja também não é grande, e não pude sair
logo, logo, mas devagar. Havia homens e mulheres, velhos e moços, sedas
e chitas, e provavelmente olhos feios e belos, mas eu não vi uns nem outros
(ASSIS, 1899, p. 120-121).
Machado de Assis se utiliza de detalhes da vestimenta da época para
caracterizar socialmente seus personagens. Na passagem acima, de ―Dom
Casmurro‖, evidencia-se que a igreja era lugar de pessoas de todas as classes
sociais. No mesmo romance, também temos uma descrição completa do
personagem José Dias no ano de 1857:
José Dias amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental
às idéias; não as havendo, servia a prolongar as frases. Levantou-se para ir
buscar o gamão, que estava no interior da casa. Cosi-me muito à parede, e
vi-o passar com as suas calças brancas engomadas, presilhas, rodaque e
gravata de mola. Foi dos últimos que usaram presilhas no Rio de Janeiro, e
talvez neste mundo. Trazia as calças curtas para que lhe ficassem bem
esticadas. A gravata de cetim preto, com um arco de aço por dentro,
imobilizava-lhe o pescoço; era então moda. O rodaque de chita, veste
caseira e leve, parecia nele uma casaca de cerimônia. Era magro, chupado,
com um princípio de calva; teria os seus cinqüenta e cinco anos. (ASSIS,
1899, p.19).
94
Bentinho também descreve Capitu, que como sabemos, é de origem humilde,
e isto fica explícito pela forma como se veste:
Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e
cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos
grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à m oda
do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz
reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de
alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheiravam a sabões
finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum
trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que
ela mesma dera alguns pontos (ASSIS, 1899, p. 34).
Fischer (2011) observa que as modas valiam apenas para as classes mais
abastadas, especialmente as que viviam na cidade. As classes médias urbanas, por
sua vez (caso de alguns personagens de Machado), sempre copiavam os modelos
da classe mais alta, mas com atraso de alguns anos (o que pode explicar José Dias
ser um dos últimos a ainda usarem presilhas no Rio de Janeiro). Já os escravos,
vestiam-se como possível, com roupas de tecido grosseiro com a única finalidade de
tapar o corpo. Não costumavam usar sapatos, pois era o item mais caro do vestuário
(o que talvez explica o fato de Capitu remendar os seus) e era também uma forma
de civilidade superior, exclusiva às pessoas livres e às libertas. Já o rodaque
(espécie de sobrecasaca masculina, usado por José Dias), saiu de moda em
meados do século XIX, tornando-se então uma vestimenta de gente modesta.
Fischer (2011) afirma que entre as décadas de 30 e 60, na onda de requinte
que tomou conta da moda, elementos como o espartilho voltam. As mangas dos
vestidos são grandes e usa-se a crinolina, uma armação redonda que fica por baixo
da saia. Rendas, fitas, babados e folhos são abundantes. Entre os anos 70 e 80, os
vestidos são decotados, de cintura muito apertada e com anquinhas (armações
menores atadas às costas) no lugar da crinolina. As anquinhas saem de moda no
fim do século, mas os chapéus ganham mais importância, existindo em todos os
tamanhos e variando de acordo com a hora do dia e com a ocasião.
Já os homens, entre as décadas de 30 e 60, usavam casacas, de abas longas
atrás, e a cartola, que podia ser alta ou baixa, e os antigos calções são substituídos
por calças. No fim do século, o paletó substitui a casaca e o chapéu de feltro
95
substitui a cartola. A gravata mais usada ainda era a borboleta, mas os mais
sofisticados já começavam a vestir gravatas mais semelhantes às de hoje
(FISCHER, 2011).
Figura 3: Machado de Assis e Carolina.
Fonte: Portal Ciência e Vida (2014).
A foto da figura 3 foi tirada em 1902, segundo Moraes (2008). Podemos
observar Machado, em um possível aceno com o chapéu para o homem à esquerda
da foto, e Carolina a sua frente. É possível notar alguns elementos como a cartola e
a casaca usadas por Machado, o grande chapéu de Carolina, o paletó e o chapéu
de feltro usado pelo homem à esquerda. A presença de possíveis oficiais na foto nos
faz pensar que talvez Machado e sua esposa estivessem chegando a algum evento
solene, o que explicaria a cartola, a casaca e a bengala sendo utilizadas pelo
escritor. Moraes (2008) afirma que na ocasião da foto, Machado levava a esposa
para uma visita formal a outras mulheres ―respeitáveis‖ (MORAES, 2008, p. 104).
Staudt (2009) é de opinião que a coisificação humana, causada pelo intenso
consumismo propagado pelo capitalismo que ascendia, não passa despercebida aos
olhos de Machado. A propagação da moda e do fetiche pela mercadoria também é
criticada pelo escritor, como nesta passagem retirada de ―Esaú e Jacó‖:
Mais de um rapaz consumiu o tempo em se fazer visto e atraído dela. Mais
de uma gravata, mais de uma bengala, mais de uma luneta levaram-lhe as
cores, os gestos e os vidros, sem obter outra coisa que a atenção cortês e
acaso uma palavra sem valor. (ASSIS, 1904, p. 198).
96
Podemos perceber que os meios utilizados pelos rapazes para cortejar Flora
baseiam-se em objetos que supunham conceder-lhes uma melhor impressão à
menina. Gravatas e bengalas, como observa Staudt (2009), eram objetos típicos da
elite, símbolo de elegância e nobreza. Dessa forma, Machado quer mostrar que a
mentalidade era a de que o ser humano vale aquilo que possui, uma questão, aliás,
bastante atual.
Em uma análise geral da obra de Machado de Assis não depreendemos,
especificamente, aspectos da alimentação da época, mas outros autores descrevem
sua evolução ao longo dos anos do Império.
3.1.5 Alimentação
Após a chegada da corte, o hábito de se comer com as mãos foi condenado.
Segundo Freyre:
Depois da chegada da Corte, baixelas e talheres fizeram sua entrada nos
lares mais burgueses, seguidos de vários artigos de cutelaria importados da
Inglaterra: facas de cozinha e açougue, navalhas finas para fazer a barba ―à
gentleman‖, tesouras para costura e jardim ou lancetas de cirurgião (2006,
apud DEL PRIORE, 2013).
Vitorino (2004) informa que antes da chegada da Família Real, a alimentação
da população no Rio de Janeiro era bastante limitada, pois se consumia em sua
maioria produtos nacionais. Depois, com a abertura dos portos, sob a influência da
cozinha estrangeira, os hábitos alimentares se modificaram:
[...] a alimentação toda excitante, pelo uso de condimentos como a pimenta,
foi modificada por uma outra mais simples: os guisados apimentados, antes
comumente servidos, passaram a aparecer somente como prato
intermediário e preparado com condimentos mais suaves. O uso imoderado
97
da gordura no preparo dos guisados de outros tempos foi também refreado
pelo uso cada mais constante da manteiga francesa. Não se fazia mais
tanto uso do peixe e da carne salgada, pois o primeiro foi se tornando cada
vez mais escasso e por isso cada vez mais caro, e o segundo foi sendo
substituído paulatinamente pela cada vez mais abundante carne ―verde‖
[carne fresca e não salgada] de vaca. No lugar da farinha, sucedeu-se o
pão, assim como a conserva inglesa destronou o uso de molhos picantes.
Também não eram mais freqüentes ao almoço o uso de substâncias
animais. Ainda abundantes, leite e ovos continuavam a ser usados, mas
agora acompanhados com pão e manteiga faziam parte do almoço que
passou em geral a ser uma refeição de líquidos (chá, ou café puro, ou café
com leite). Também as ceias, à noite, deixaram de ser pesadas e
abundantes, tornando-se comum a ingestão somente do chá à inglesa.
As grandes feijoadas, tão freqüentes em outro tempo, tornaram-se
raras, bem como a sua companheira inseparável: a aguardente de cana,
ingerida antes da comilança. A farinha de mandioca e o pirão foram
substituídos pelo uso do pão e do arroz cozido sem condimentos picantes; a
batata inglesa tomou o lugar da farinha seca ou do pirão.
O vinho de Lisboa e do Porto passou a aparecer ordinariamente no
jantar e em pequena dose entre os vinhos nacionais, ou nas raras ocasiões
solenes das famílias. O seu posto na mesa foi ocupado pela cerveja, que
era cada vez mais consumida. O gelo, inexistente nas décadas anteriores,
passou a ser usado nas bebidas quando principalmente no verão as altas
temperaturas castigavam a população carioca. O gelo também era utilizado
terapeuticamente, sobretudo nas afecções cerebrais (VITORINO, 2004,
[s.p.]).
Porém, Vitorino (2004) afirma que somente uma pequena parcela da
população consumia as melhores mercadorias:
E nos momentos de carestia, então, a situação piorava para a classe pobre,
restando a ela consumir mercadorias de quinta categoria, como farinhas
avariadas e carnes de segunda e terceira qualidade, porque somente essas
mercadorias lhe eram acessíveis (VITORINO, 2004, [s.p.]).
Um aspecto sempre presente nas histórias de Machado são os meios de
transporte,
públicos
ou
particulares,
constantemente
personagens. A seguir, buscamos explicar os principais.
utilizados
por
seus
98
3.1.6 Meios de Transportes
Como destaca Weid (1996), o Rio foi a primeira cidade da América do Sul a
promover um serviço de transportes coletivos sobre trilhos de ferro. Na segunda
metade do século XIX, os transportes existentes eram puxados por cavalos ou
burros, como os calèches ou os tílburis (veículos individuais ou para poucas
pessoas), as diligências ou os ônibus. Os ônibus eram inicialmente quatro carros
fechados de dois andares, puxados por quatro cavalos, levando um número maior
de passageiros, voltado para apoio ao trabalhador e para as classes menos
favorecidas. Duraram até o início dos bondes, concorrendo com as diligênci as e as
gôndolas (pequenos ônibus, com capacidade para nove passageiros). Alguns
desses transportes, além de outros, são repetidamente mencionados por Machado
de Assis no cotidiano de seus personagens.
Os tílburis são, de acordo com Fischer (2011), carros modernos, de duas
rodas e dois assentos, com capota e sem boleia, puxado por um só animal. Foi em
um tílburi, que pegou no Largo da Carioca, que o Conselheiro Aires fica sabendo
dos boatos acerca da proclamação da República em ―Esaú e Jacó‖:
Voltou ao largo, onde três tílburis o disputaram; ele entrou no que lhe ficou
mais à mão, e mandou tocar para o Catete. Não perguntou nada ao
cocheiro; este é que lhe disse tudo e o resto. Falou de uma revolução, de
dois ministros mortos, um fugido, os demais presos. O imperador, capturado
em Petrópolis, vinha descendo a serra (ASSIS, 1904, p. 172).
Já a sege seria: ―uma antiga carruagem fechada, de duas rodas e um só
assento, com a frente fechada por cortinas ou vidraça e puxada por dois cavalos‖
(FISCHER, 2011, p. 32). Brás Cubas nos mostra como era andar neste transporte
na cidade no capítulo intitulado ―Na sege‖:
[...] meti-me às pressas na sege, que me esperava no Largo de São
Francisco de Paula, e ordenei ao boleeiro que rodasse pelas ruas fora. O
boleeiro atiçou as bestas, a sege entrou a sacolejar-me, as molas gemiam,
99
as rodas sulcavam rapidamente a lama que deixara a chuva recente [...]
(ASSIS, 1881, p.81).
Fischer (2011) também define o coupé: ―antiga e pequena carruagem fechada
puxada por dois cavalos, de duas portas e geralmente dois lugares, com o cocheiro
num banco à frente‖ (FISCHER, 2011, p. 31). Em ―Esaú e Jacó‖, o narrador nos
mostra o espanto e a admiração de quem observava o casal Natividade e Santos
chegar à missa do parente falecido na Igreja de São Domingos. A carruagem, de
fato, chama mais atenção do povo do que o evento ou o falecido em si:
A gente local não falou de outra coisa naquele e nos dias seguintes.
Sacristão e vizinhos relembravam o cupê [coupé], com orgulho. Era a missa
do cupê [coupé]. As outras missas vieram vindo, todas a pé, algumas de
sapato roto, não raras descalças, capinhas velhas, morins estragados,
missas de chita, ao domingo, missas de tamancos. Tudo voltou ao costume,
mas a missa do cupê [coupé] viveu na memória por muitos meses. Afinal
não se falou mais nela; esqueceu como um baile. (ASSIS, 1904, p. 27-28)
Os bondes (ainda puxados por tração animal) foram introduzidos no Rio em
1868. De acordo com Weid (1996), estes foram veículos essenciais para a expansão
e organização do espaço urbano, permitindo o desafogo do centro, onde se
concentravam tanto os ricos quanto os pobres pela falta de transportes regulares e
rápidos. Finalmente, em 1892 é que os bondes elétricos chegaram ao Rio de
Janeiro. Sendo assim, foi com o surgimento das linhas de bondes que a feição da
cidade foi mudando pouco a pouco, com a preferência de indústrias pelas áreas
próximas às linhas e a população mais pobre migrando na mesma direção. Abreu
(2010) aponta que, com o tempo, Botafogo foi se tornando o melhor lugar da cidade
na época para se morar, já que sua concorrente São Cristóvão ganhava agora as
indústrias que buscavam proximidade com os eixos ferroviários, portos e o centro da
cidade. Além disso, a preferência das elites por locais próximos ao mar começava a
se manifestar.
Em ―Esaú e Jacó‖, Natividade encontra Aires no bonde:
100
Quando, às duas horas da tarde do dia seguinte, Natividade se meteu no
bonde, para ir a não sei que compras na Rua do Ouvidor, levava a frase
consigo. A vista da enseada não a distraiu, nem a gente que passava, nem
os incidentes da rua, nada; a frase ia diante e dentro dela, com o seu
aspecto e tom de ameaça. No Catete, alguém entrou de salto, sem fazer
parar o veículo. Adivinha que era o conselheiro; adivinha também que,
posto o pé no estribo, e vendo logo adiante a nossa amiga, caminhou para
lá rápido e aceitou a ponta do banco que ela lhe ofereceu (ASSIS, 1904, p.
107).
Apesar de o romance ter sido lançado em 1904, o ano dessa fase da
história é o de 1888. Portanto, provavelmente, o veículo em questão ainda era
puxado por animais.
Outro meio de transporte utilizado pelos personagens de Machado de Assis é
a barca, que já levava a Niterói (ou Praia Grande, como aparece em algumas obras)
e a Petrópolis. Para esta última, o embarque se fazia no Largo da Prainha, região
que hoje corresponde à região do Porto do Rio. De lá, o passageiro fazia uma
viagem de cerca de uma hora até o Porto Mauá, na cidade de Magé, e de lá tomava
um trem. Para terminar a viagem, era necessário tomar mais um veículo, de tração
animal, para subir a serra (PETRÓPOLIS ONLINE, 2014). Em ―Esaú e Jacó‖,
Natividade
tentava
convencer
seus
filhos
a
irem
para
Petrópolis
mais
frequentemente, a fim de esquecerem sua paixão por Flora. Ao contrário dos
gêmeos, seu pai sempre fazia essa viagem: ―Na barca e em Petrópolis era objeto de
conversação a diferença entre os filhos, que só iam lá uma vez por semana, e o pai,
que trazia tantos negócios às costas, e subia todas as tardes‖ (ASSIS, 1904, p. 251).
Por fim, os trens também desempenharam importante papel na evolução
urbana do Rio. Abreu (2010) afirma que, ao contrário dos bondes que penetravam
em áreas que já vinham sendo urbanizadas, os trens foram responsáveis pela rápida
formação de freguesias que eram rurais até então. A existência de linhas nos
subúrbios incentivou a ocupação do espaço intermediário entre as estações e o
centro da cidade, fazendo com que antigas olarias, curtumes, ou núcleos rurais se
tornassem vilarejos, atraindo pessoas em busca de uma moradia barata. Isso
resultou na necessidade de aumentar o número de composições e estações.
Em ―Quincas Borba‖, é no trem, vindo de Barbacena, que Rubião conhece
Sofia e seu marido Cristiano Palha na estação de Vassouras, após ter herdado uma
fortuna de Quincas Borba e resolvido morar no Rio:
101
Vieram sentar-se nos dois bancos fronteiros ao do Rubião, acomodaram as
cestinhas e embrulhos de lembranças que traziam de Vassouras, onde
tinham ido passar uma semana; abotoaram o guarda-pó, trocaram algumas
palavras, baixo.
Depois que o trem continuou a andar, foi que o Palha reparou na pessoa do
Rubião, cujo rosto, entre tanta gente carrancuda ou aborrecida, era o único
plácido e satisfeito. Cristiano foi o primeiro que travou conversa, dizendo-lhe
que as viagens de estrada de ferro cansavam muito, ao que Rubião
respondeu que sim; para quem estava acostumado à costa de burro,
acrescentou, a estrada de ferro cansava e não tinha graça; não se podia
negar, porém, que era um progresso... (ASSIS, 1891, p. 31).
Nesse trecho observamos mais uma vez a noção de progresso sendo
abordada por Machado.
As principais ruas mencionadas por Machado de Assis são listadas a seguir,
exemplificando o modo como impactaram suas obras.
3.2 RUAS DO CENTRO DO RIO MACHADIANO
Staudt (2009), analisando a importância das ruas cariocas no romance ―Esaú
e Jacó‖, aponta que além de nomeadas, as ruas são quase que tornadas
personagens fundamentais para a trama, o que sem dúvida aplica-se também a
―Dom Casmurro‖ e tantos outros contos e romances de Machado. O personagem
machadiano, como afirma Casa Nova (2001), costuma mover-se pelas ruas da
cidade do Rio, obedecendo a uma série de impulsos inconscientes, hábitos e
desejos nem sempre explicados pelo narrador.
Sendo assim, selecionamos a seguir as ruas do centro do Rio de Janeiro que
representam mais significativamente os romances e os contos de Machado, seja
pela quantidade de vezes que foram reproduzidas nas obras de uma forma geral,
seja por sua importância em determinado título. A escolha dos pontos tem como
base um levantamento de nove obras feito pela autora. São elas: Contos
Fluminenses (1870), Ressurreição (1972), A Mão e a Luva (1874), Memórias
102
Póstumas de Brás Cubas (1880), Papéis Avulsos (1882), Quincas Borba (1891),
Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908).
A partir das 425 menções a ruas, praças, parques, teatros, clubes, igrejas,
hotéis, praias, etc., encontradas pelo levantamento nas obras mencionadas,
explicado mais adiante, selecionamos as mais importantes e pertinentes ao centro
da cidade e que, por esse motivo, irão compor o roteiro sugerido no próximo
capítulo.
3.2.1 Rua da Quitanda
— Não sei, mas parece. Mamãe tem outras casas maiores que esta; diz
porém que há de morrer aqui. As outras estão alugadas. Algumas são bem
grandes, como a da Rua da Quitanda...
— Conheço essa; é bonita. (ASSIS, 1899, p.148)
No trecho acima retirado de ―Dom Casmurro‖ vemos Escobar elogiar a casa
de D. Glória na Rua da Quitanda. Essa rua começa na Rua São José e termina na
Rua São Bento. De acordo com Berger (1974), a Rua da Quitanda foi aberta no
início do século XVII, chegando a possuir cerca de 20 nomes, conforme o trecho e
de acordo com os proprietários de chãos. Um dos nomes mais antigos que possuiu
foi o de ―Rua do Açougue Velho‖, devido à instalação do talho de carne verde no
local. Após 1686, a rua passou a ter o nome que conserva até hoje, quando se
transferiu a quitanda velha ou quitanda dos pretos para as imediações da Rua da
Alfândega. Daí o motivo de a rua também ser conhecida como a ―Rua da Quitanda
dos Pretos‖. Berger (1974) conta que, curiosamente, o trecho entre as Ruas do
Ouvidor e Sete de Setembro chamou-se ―Rua Sucussarará‖. O motivo, segundo
Berger (1974), é explicado por Mello Morais como sendo pela existência de um
médico inglês, especialista em hemorróidas, que dizia para seus pacientes sobre o
resultado de um tratamento: ―O seu ... sarará‖. Após sofrer uma nova mudança de
nome em 1888, em 1892 foi restabelecida a tradicional denominação ―Rua da
Quitanda‖, mantida até hoje.
103
Gerson (2000) aponta que foi na Rua da Quitanda que, em 1826 foi fundado o
Gabinete Inglês de Leitura e um clube de amadores dramáticos, em cujo palco
improvisado Machado de Assis representou uma de suas comédias. Foi ainda nesta
rua, em 1889, no Clube Militar, se realizou a reunião de 9 de novembro, que resultou
na inesperada proclamação da República.
3.2.2 Rua de Matacavalos (Rua Riachuelo)
Agora, por que é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a
primeira amada do meu coração? Talvez porque nenhuma tinha os olhos de
ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada. Mas não é este
propriamente o resto do livro. O resto é saber se a Capitu da Praia da Glória
já estava dentro da de Matacavalos, ou se esta foi mudada naquela por
efeito de algum caso incidente. (ASSIS, 1899, p. 213).
Em ―Dom Casmurro‖, a Rua de Matacavalos foi o palco das histórias de
infância dos vizinhos Bentinho e Capitu, e onde surgiram a inocente amizade e o
amor entre os dois.
De acordo com Berger (1974), a atual Rua Riachuelo já recebeu sete
denominações, entre elas ―Rua de Matacavalos‖, nome que recebeu em 24/10/1848
devido a existência de muitos atoleiros que faziam com que os cavalos quebrassem
as pernas, tendo de ser sacrificados. A Portaria de 15/07/1865 aprovou a mudança
para o nome de ―Rua Riachuelo‖ em homenagem à vitória da esquadra brasileira no
combate naval do Riachuelo, durante a Guerra do Paraguai, sob o comando do
Almirante Barroso.
A Rua Riachuelo perdeu muito de seu chame de outrora, sendo agora usada
para escoar o trânsito para o centro da cidade. É atualmente um dos pilares da
revitalização do centro, que nesse caso, busca incentivar novos empreendimentos
imobiliários, já que a demanda pela região é grande. Outra particularidade da rua é a
existência de construções de várias épocas da história do Rio, não só da República,
mas do Segundo Reinado e até da época colonial (O GLOBO, 2014).
104
3.2.3 Rua Direita (Rua Primeiro de Março)
A notícia foi referida por ele na Rua do Ouvidor, esquina da Rua Direita. Daí
a dez minutos chegara à Rua da Quitanda. Tão depressa correu que um
quarto de hora depois era assunto de conversa na esquina da Rua dos
Ourives. Uma hora bastou para percorrer toda a extensão da nossa
principal via pública. Dali espalhou-se em toda a cidade (ASSIS, 1872, p.
70).
As notícias do casamento de Félix e Lívia em ―Ressurreição‖ correram rápido
pelas ruas da cidade, sendo ouvidas pela primeira vez na esquina com a Rua
Direita, atual Primeiro de Março. A rua hoje começa na altura da Praça XV e termina
na Ladeira de São Bento. Berger (1974) esclarece que rua é assim denominada nos
dias atuais em virtude do fim da Guerra do Paraguai em 01/03/1870, mas já foi
chamada de Rua Direita, entre outros nomes. O termo se refere a uma rua em
direção a determinado ponto, conforme a tradição na toponímia urbana de Portugal,
cujas diversas cidades conservam ainda suas ruas direitas. Por esse motivo, foi
chamada de ―Rua Direita da Misericórdia para São Bento‖, ―Rua Direita do Carmo
para São Bento‖, e assim por diante.
Gerson (2000) relata que foi na Rua Direita, na esquina da Rua de São Pedro,
que o antigo Banco do Brasil foi fundado por Dom João VI, em 1808. Também foi
nessa rua, em 1837, que surgiu o Gabinete Português de Leitura, hoje na Rua Luís
de Camões. Gerson (2000) diz que a grande fama da Rua do Ouvidor foi desfrutada
somente na segunda metade do século XIX e nos primeiros anos do século XX.
Antes disso, desde o século XVIII, a principal rua do Rio de Janeiro era a Direita.
Nas Lettres Du Brésil, confome relato de Gerson (2000), ―[...] escritas ainda
na proclamação da República, Max Leclerc dizia que ao percorrê-la tinha a
impressão de estar num pedaço de Londres sob os céus do Egito, algo à moda
oriental‖ (GERSON, 2000, p. 15). Gerson (2000) observa que a Rua Direita foi,
inclusive, uma das primeiras a serem dotadas de numeração em 1824, já que na
época, ainda designavam-se as casas pelos nomes dos proprietários e moradores.
No quarteirão entre o Largo do Paço e a Igreja da Cruz, havia um grande comércio
de boticas. No quarteirão oposto localizava-se o Cercle Du Commerce, onde se
acredita que posteriormente o italiano Luigi Bassini serviu os primeiros sorvetes do
105
Rio, em 1834. Já em 1860, foi na Rua Direita que apareceram os primeiros cartazes
de propaganda nas paredes da cidade. Eram da ―Semana Ilustrada‖, onde trabalhou
Machado de 1867 a 1875. Vale lembrar também que, em 1817, a Rua Direita foi
palco para o cortejo nupcial mais imponente visto na América Latina, por ocasião do
casamento de D. Pedro e D. Leopoldina.
3.2.4 Rua do Ouvidor
Estavam justamente na loja de chapéus, Rua do Ouvidor, sentadas, os
olhos fora e longe, quando a verdadeira matéria deste capítulo apareceu
(ASSIS, 1904, p.162).
No romance ―Esaú e Jacó‖, vemos que a personagem Flora e sua mãe
recorrem à variedade de lojas da Rua do Ouvidor para fazer compras para a viagem
que realizariam, quando Paulo, um dos irmãos apaixonados pela moça, aparece.
A Rua do Ouvidor começa na Avenida Alfred Agache e termina no Largo de
São Francisco de Paula. Segundo Berger (1974), o pequeno caminho que deu
origem a rua foi aberto em fins do século XVI, tendo recebido outras 12
denominações anteriores a atual. Em 1745, a Câmara adquiriu casas para servirem
de moradia dos ouvidores, pois havia a obrigatoriedade de fornecê-los uma espécie
de ―aposentadoria‖, isto é, uma casa mobilhada. O segundo ouvidor a morar nela foi
o mais conhecido, exercendo o cargo de 1748 a 1750, Francisco Berquó da Silva
Pereira originou a nova denominação de Rua do Ouvidor.
Segundo Gerson (2000), com a chegada de D. João VI, em 1808, nada
distinguia particularmente a Rua do Ouvidor das demais do centro da cidade. Porém,
com a abertura dos portos, ingleses e franceses estabeleceram seu comércio na
região. Os ingleses como importadores e atacadistas e os franceses também como
varejistas, especializados em sedas, chapelaria, perfumes, objetos de moda e
fantasia, joias, artigos de luxo e livros. Além dos comerciantes, vieram os modistas,
cabeleireiros, doceiros, expondo seus produtos em armações de jacarandá (as
precursoras das vitrines modernas).
106
A partir daí, Gerson (2000) comenta que a Rua do Ouvidor ganhou nova vida,
apesar da pobre iluminação de azeite de peixe, do precário calçamento de alvenaria,
poças d‘água e outros problemas. Os paralelepípedos só foram instalados em 1857,
e a iluminação a gás chegou em 1854, antes de qualquer outra rua da cidade do Rio
de Janeiro. Segundo Gerson (2000), a Rua do Ouvidor era a mais política e
jornalística rua da cidade, tendo o primeiro jornal ―Jornal do Commercio‖ sido
fundado em 1827. Era lá onde se localizava também a ―Gazeta de Notícias‖, para a
qual escrevia Machado de Assis, e diversas livrarias-editoras, como a Garnier, que
Machado visitava com frequência, Laemmert e a Francisco Alves. Diversos
estabelecimentos ficaram famosos como o vendedor de tecidos Wallerstein, a
cafeteria Loja Passos, a sorveteria Deroche, a confeitaria Castelões, as joalherias
Gôndolo & Laboriau, Mappin & Webb, a alfaiataria Raunier & Cabral e Almeida
Rabelo. Com a proclamação da República, foi pela Rua do Ouvidor que desfilaram
os republicanos, acompanhando a tropa de Deodoro. Porém, com a construção da
Avenida Rio Branco, a Rua do Ouvidor perdeu significativa importância.
3.2.5 Rua dos Inválidos
— Estará assim tão falta de brio? — perguntava ele. — Pois não se lembra
da carta que achei, mandada por ela ao tal gamenho da Rua dos Inválidos?
(ASSIS, 1891, p.109).
No trecho acima de ―Quincas Borba‖, podemos ver o ciúme de Rubião quanto
à carta enviada por Sofia a Carlos Maria, residente na Rua dos Inválidos. A Rua dos
Inválidos começa na atual Praça da República e termina na Rua Riachuelo. De
acordo com Berger (1974), já recebeu outros três nomes e foi aberta em 1791. Com
a construção de um prédio na esquina da Rua do Senado para servir de asilo aos
soldados reformados ou inválidos (Casa dos Inválidos), surgiu a denominação que
conhecemos hoje. O prédio foi mais tarde doado por Dom João VI ao seu médico
particular e depois, foi propriedade do Marquês de Valença e seus herdeiros até
1856. Houve duas tentativas de mudança do nome, em 1888 e 1899, mas nas duas,
o nome tradicional foi restabelecido.
107
3.2.6 Rua dos Ourives (Rua Miguel Couto)
Não medi as conseqüências; recorri a um derradeiro empréstimo; fui à Rua
dos Ourives, comprei a melhor jóia da cidade, três diamantes grandes
encastoados num pente de marfim; corri à casa de Marcela (ASSIS, 1881,
p.51).
Acima, podemos ver que Brás Cubas não poupou esforços para agradar a
interesseira cortesã Marcela, em ―Memórias Póstumas de Brás Cubas‖. Para tal,
dirigiu-se a Rua dos Ourives, atual Rua Miguel Couto.
A atual Rua Miguel Couto começa entre a Rua do Ouvidor e a Avenida Rio
Branco, terminando na Rua Acre. Segundo Berger (1974), a rua recebeu sete
denominações desde o fim do século XVII, quando foi aberta. Uma delas foi Rua dos
Ourives.
No período colonial, como atesta Berger (1974), se praticava muito
contrabando de ouro, apesar das medidas de fiscalização do governo. A culpa era
atribuída aos mestres e oficiais de ourives-fundidores, que foram proibidos de
permanecerem nos lugares das minas, sendo confiscados desses artistas todo o
ouro e a prata que possuíssem. Em 1753 ficou determinado pelo governo o
comparecimento dos ourives, de seis em seis meses a Intendência Geral do Ouro e
que deveriam residir e estabelecer suas oficinas na ―Rua que ia de Santa Rita ao
Parto‖, que passou a ser conhecida como Rua dos Ourives. Com a abertura da
Avenida Rio Branco em 1905, desapareceu um grande trecho da rua, ficando
dividida em duas partes. O trecho entre a Rua São José e a Sete de Setembro ficou
conhecida como Rua Rodrigo Silva, e o trecho maior continuou a ser chamada de
Rua dos Ourives, até a morte de Miguel Couto, clínico que ali tivera um consultório
médico por muitos anos.
Na rua dos Ourives se vendia todo o tipo bijuteria além da prataria de uso
doméstico: bules, bandejas entre outras alfaias. As pedras preciosas –
topázios, ametistas, esmeraldas e brilhantes, atraíam os estrangeiros.
Mestres portugueses e africanos conhecedores de todo o tipo de técnica se
108
revezavam para atender sua clientela. Os segundos não hesitavam em
burlar as Leis Suntuárias que negavam às mulheres de cor o direito de
vestir-se ou se enfeitar como as brancas, preparando-lhes as pencas de
balangandã para usar com o chamado traje de beca. Tendo em média de
vinte a cinquenta objetos, as pencas eram exibidas em dias de procissão e
festas de Irmandades negras e mulatas. Tais ourives também faziam para
as mulheres de cor, correntões de ouro, copos ou punhos filigranados e
brincos de contas de coral e das cores dos deuses homenageados. As
aquarelas de Carlos Julião, por exemplo, retratam imagens de negras
ganhadeiras portando sua joalheria ritual religiosa. (DEL PRIORE, 2013,
[s.p.])
A partir da descrição de Del Priore (2013), fica fácil imaginar porque a Rua
dos Ourives foi a escolhida de Brás para impressionar a ambiciosa Marcela com um
presente.
3.2.7 Rua São José
E seguiram lépidas para o cupê [coupé], que as esperava no espaço que
fica entre a igreja de São José e a Câmara dos Deputados. Não tinham
querido que o carro as levasse até ao princípio da ladeira, para que o
cocheiro e o lacaio não desconfiassem da consulta. Toda a gente falava
então da cabocla do Castelo, era o assunto da c idade; atribuíam-lhe um
poder infinito, uma série de milagres, sortes, achados, casamentos. (ASSIS,
1904, p. 21-22).
Foi na Rua São José que as irmãs Natividade e Perpétua tomaram a
carruagem que as levaria à cabocla do Morro do Castelo, no início do romance
―Esaú e Jacó‖. Na ocasião, ficaram sabendo que o destino reservava ―coisas futuras‖
para os gêmeos Pedro e Paulo.
A Rua São José começa na Rua da Misericórdia e termina na Avenida Treze
de Maio. De acordo com Berger (1974), a Irmandade de São José foi fundada em
1608, sendo uma das primeiras instituídas no Rio de Janeiro. A antiga ermida se
danificou com o tempo e a nova igreja foi inaugurada em 10/04/1824. Em 1850, o
nome que pertencia a um dos trechos da rua foi estendido para todo o logradouro,
passando a chamar-se Rua São José.
109
Tanto a rua quanto a igreja localizada nela são mais importantes na obra
―Esaú e Jacó‖, por ter sido lá o local de partida de Natividade e Perpétua para o
Morro do Castelo, local onde ficariam sabendo de ―coisas futuras‖ sobre os gêmeos
Pedro e Paulo.
3.2.8 Campo da Aclamação (Praça da República)
Quem se não lembra, — ou quem não ouviu falar das batalhas feridas
naquela clássica platéia do Campo da Aclamação, entre a legião casalônica
e a falange chartônica, mas, sobretudo entre esta e o regimento lagruísta?
(ASSIS, 1874, p. 7).
Explica Berger (1974) que a atual Praça da República já teve oito nomes,
entre eles Praça da Aclamação (chamado de Campo da Aclamação por Machado de
Assis). Em 1735, foi erguida a ermida de Sant‘Ana, sendo reconstruída mais tarde e
passando por uma ampliação em 1840, fazendo com que a região fosse conhecida
como Campo de Sant‘Ana. Como o local onde estava a igreja foi escolhido pelo
governo para a construção da Estrada de Ferro D. Pedro II, atual Central do Brasil, a
igreja foi demolida em 1856. Por determinação de Dom Pedro I, passou a chamar-se
Campo da Aclamação em homenagem a Independência, por ter sido o lugar onde o
monarca recebeu demonstrações de fidelidade e aprovação de seus súditos. Com a
proclamação da República, o Governo Provisório determinou a mudança para Praça
da República em 1890.
3.2.9 Largo São Francisco de Paula
Às tardes, quando uma centena delas [carruagens] se ia enfileirar no Largo
de São Francisco de Paula, à espera das pessoas, era um gosto subir a
Rua do Ouvidor, parar e contemplá-las. (ASSIS, 1904, p. 206-207).
110
No trecho acima retirado de ―Esaú e Jacó‖, é possível imaginar o Largo São
Francisco de Paula tomado por carruagens puxadas a cavalo. Situado entre as ruas
Ramalho Ortigão, Luís de Camões e Beco do Rosário, o local recebeu uma pequena
ermida de São Francisco de Paula em 1758. Porém, os irmãos da Ordem Terceira
dos Mínimos de São Francisco de Paula resolveram erguer um templo maior e mais
elegante ao lado, que foi inaugurado em 1801 (BERGER, 1974). Foi assim que a
Praça da Sé Nova passou a se chamar Largo São Francisco de Paula.
3.2.10 Passeio Público
No portão do Passeio, um mendigo estendeu-nos a mão. José Dias passou
adiante, mas eu pensei em Capitu e no seminário, tirei dois vinténs do bolso
e dei-os ao mendigo. Este beijou a moeda; eu pedi-lhe que rogasse a Deus
por mim, a fim de que eu pudesse satisfazer todos os meus desejos.
(ASSIS, 1899, p. 27).
Foi no Passeio Público que, diante da bela vista do mar que havia, Bentinho
confessou a José Dias não querer tornar-se padre, pedindo ajuda ao agregado. Ao
sair, Bentinho espera conseguir ver seu desejo realizado por meio de seu ato de
caridade.
No lugar onde hoje há o parque havia, até o fim do século XVIII, uma lagoa
chamada de Boqueirão da Ajuda. A lagoa obstruía a ligação da zona sul com o resto
da cidade e, assim como outras da época, era usada pela população para despejo
de dejetos, sendo a única do Rio a desaguar no mar. Por ocasião de epidemias
atribuídas aos miasmas da lagoa, o governo decidiu aterrá-la e transformar em um
jardim público. Esta tarefa foi dada ao Mestre Valentim, considerado o melhor
escultor da cidade na época (PASSEIO PÚBLICO, 2014).
O Passeio Público foi inaugurado em 1783, provocando o povoamento
daquela região e a abertura das atuais ruas do Passeio e das Marrecas. No fundo do
jardim, construído em estilo francês, havia um terraço com vista para a baía de
Guanabara. Ao longo do século XIX, o Passeio passou por diversas reformas,
111
incluindo a idealizada pelo paisagista Glaziou, que inseriu o estilo inglês, ao invés do
francês de Mestre Valentim (PASSEIO PÚBLICO, 2014).
3.2.11 Rocio Grande/ Praça da Constituição (Praça Tiradentes)
Vi-a pela primeira vez, no Rocio Grande, na noite das luminárias, logo que
constou a declaração da independência, uma festa de primavera, um
amanhecer da alma pública (ASSIS, 1881, p.45).
Foi na ocasião da comemoração da Independência em 1822 que Brás Cubas
viu Marcela pela primeira vez no Rocio Grande, em ―Memórias Póstumas de Brás
Cubas‖. Situada entre as ruas Sete de Setembro, da Constituição, Visconde do Rio
Branco e da Carioca, a praça já recebeu seis nomes, segundo Berger (1974), sendo
referida por Machado de Assis como Rocio Grande ou simplesmente Rocio, e Praça
da Constituição, conforme mudaram os nomes.
Em 1690, o Rocio Grande era constituído dos terrenos pantanosos da
chácara de Gonçalo Nunes. Chegou a se chamar Campo dos Ciganos, quando lá se
instalaram ciganos no fim do século XVIII, que se mudaram para o Campo de
Sant‘Ana com as obras de saneamento do Rocio. Em 1822, o Largo passa a se
chamar Praça da Constituição, em memória do juramento da constituição
portuguesa em 1821(BERGER, 1974). Finalmente, em 1822, passa a se chamar
Praça Tiradentes, em homenagem ao mártir da independência.
112
4. SEGUINDO OS PASSOS DO MESTRE: UM ROTEIRO PARA DESVENDAR O
RIO DE MACHADO DE ASSIS
Mendes (2007) afirma que é possível ler uma determinada obra com base no
imaginário coletivo que ela projeta por meio dos itinerários literários, que desenham
o perfil da região e do próprio escritor. Estes permitem ao visitante ―[...] respirar o
mesmo ser, percorrer o mesmo caminho e ver a mesma paisagem que os olhos do
escritor em tempos longínquos‖ (MENDES, 2007, p.88).
Sabemos que é este o fenômeno que ocorre nas obras de Machado de Assis:
os leitores da atualidade são conduzidos a uma ―viagem‖ através dos séculos. Para
auxiliá-los a concretizar esta ―viagem‖, elaboramos um roteiro turístico que
contempla o Centro do Rio de Janeiro.
O roteiro ―Caminhando com Machado‖ objetiva transportar o leitor-turista ou o
turista-leitor para a realidade do escritor e para a fantasia de sua ficção. Da mesma
forma, propõe uma redescoberta da região para os moradores locais que, já
acostumados à paisagem no seu cotidiano, terão agora a oportunidade de repensála e atribuir-lhe um novo significado, fazendo-os sentir uma nostalgia de um passado
que nunca viveram.
Acerca da dimensão temática dos roteiros, Bahl explica:
[...] nos roteiros deverão estar incluídos aspectos relacionados a conteúdos
históricos, geográficos, sociais, econômicos, urbanísticos, culturais [...].
Portanto, a fixação desses aspectos como objetivos a cumprir na delineação
do roteiro possibilita a apresentação de uma programação embasada e
sustentada em recursos que promovam os locais visitados, oferecendo-se
um produto turístico comercializável e atraente. (2004, p.52)
Inserindo a afirmação de Bahl (2004) no contexto do turismo literário,
tencionamos aqui atrair o turista cuja motivação é o enriquecimento cultural, por
meio de uma evasão da sua própria realidade. Caminhando pelas ruas carregadas
de historicidade e penetrando no cotidiano dos personagens e do próprio Machado,
113
o visitante pode se ver inserido na dimensão das obras machadianas, como se delas
fizesse parte.
Turisticamente, o centro do Rio de Janeiro é atualmente explorado por seu
valor histórico e cultural, com grande destaque para a vida boêmia carioca do bairro
da Lapa. Pretendemos reafirmar o valor histórico do Rio antigo, trazendo-lhe mais
visibilidade no contexto nacional e internacional, ao propor uma abordagem diferente
à atividade turística já existente: a literária. Possibilitando a visão da região através
da ótica de Machado, pretendemos despertar a conscientização dos cariocas para a
preservação do seu patrimônio histórico-cultural, e do governo, para a necessidade
de investimentos em conservação na localidade, em favor de sua memória e
utilização econômica sustentável.
Menezes (2008), ao analisar o Quarteirão Jorge Amado, utiliza-se da
definição de Nora (1993, apud MENEZES, 2008) de ―lugar de memória‖ para resumir
seu significado: a razão de ser do QJA ―é impedir o esquecimento e revestir os
lugares de sentido, tornando-os apaixonantes‖ (MENEZES, 2008, p. 3). Podemos
inserir a ideia na realidade do nosso roteiro: o objetivo de ―Caminhando com
Machado‖ é o mesmo, pois é pela disseminação da informação agregada ao
elemento lúdico da exploração do universo machadiano que um novo sentido será
dado ao patrimônio cultural do Rio antigo, justificando a importância de sua
existência e manutenção. Dessa forma, em lugar de simbolizar apenas um lugar cujo
significado foi esquecido pelo carioca que por suas ruas passa todos os dias, o Rio
antigo representará o coração da tradição, palco de muitos amores, desilusões,
celebrações e eventos memoráveis.
Os benefícios do roteiro se estendem para além da esfera turística: o diálogo
entre o Turismo e a Literatura possibilita não só transformar leitores em turistas, mas
também fazer surgir novos leitores, de todas as faixas etárias e graus de instrução.
O roteiro acaba se tornando uma nova linguagem a qual podem ser combinadas
informação, interação e tecnologia.
4.1 LEVANTAMENTO DAS OBRAS DE MACHADO DE ASSIS
114
O levantamento das obras Contos Fluminenses (1870), Ressurreição (1972),
A Mão e a Luva (1874), Memórias Póstumas de Brás Cubas (1880), Papéis Avulsos
(1882), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e
Memorial de Aires (1908), feito pela autora, registrou 425 menções a lugares dentre
ruas, praças, parques, teatros, clubes, igrejas, cemitérios, hotéis, praias, etc., não só
no centro, mas em todas as regiões da cidade do Rio de Janeiro. A escolha de duas
coletâneas de contos (―Contos Fluminenses‖ e ―Papéis Avulsos‖) em meio as nove
obras se fez para proporcionar um resultado mais diversificado, uma vez que os
romances tendem a repetir, ao longo da história, as mesmas ruas, dependendo de
sua importância para o enredo. Já nas coletâneas de contos, temos acesso a vários
enredos, o que significa uma possibilidade maior de menções a lugares diferentes.
Apesar disso, optamos por não utilizar somente os contos, e ao contrário, dar mais
destaque aos romances, já que foram mais marcantes na carreira de Machado,
responsáveis por presentear a Literatura brasileira com personagens inesquecíveis.
O levantamento foi feito por meio de buscas em obras disponibilizadas
digitalmente em Machado de Assis (2014). Utilizando a ferramenta ―Localizar‖ (Crtl +
F) do programa Adobe Reader empregado para visualizar os documentos, foi
possível encontrar as citações das palavras-chave escolhidas, tanto as mais gerais
acima mencionadas, quanto as mais específicas como ―Passeio‖, ―Rocio‖ e outras. A
escolha dessas últimas se deu pela observação de sua ocorrência, feita pela autora
durante uma leitura prévia de todas as obras estudadas. Posteriormente, os trechos
das obras que continham as citações foram transferidos para uma tabela no
programa Microsoft Excel, organizada de acordo com o nome da obra, editora,
trecho, página em que aparece a citação, personagens envolvidos, nomes antigos e
atuais dos locais mencionados, além de uma pequena descrição com informações
encontradas sobre as localidades.
Nas figuras a seguir apresentamos a sintetização dessas informações
levantadas. É importante lembrar que não estão inclusas neste levantamento
menções a termos como ―Catete‖, por exemplo, por se tratar de uma citação geral
feita ao bairro e não representar um ponto específico a ser visualizado. Porém, a
―Rua do Catete‖, assim como a ―Rua do Príncipe‖ (atual Rua Silveira Martins), no
mesmo bairro, constam entre as 425 localidades levantadas. O mesmo ocorre com
115
os demais bairros mencionados por Machado, como Engenho Novo, Catumbi,
Botafogo, Flamengo, Glória, Catete, Santa Teresa, Tijuca, Andaraí, entre outros.
Na figura 4, apresentamos os locais mais citados por obra, a quantidade de
vezes em que cada um aparece e selecionamos um trecho que o represente:
Locais mais
citados
Quantidade
Trecho
Rua de
Matacavalos
24
"O resto é saber se a Capitu da Praia da Glória já estava
dentro da de Matacavalos, ou se esta foi mudada naquela
por efeito de algum caso incidente."
7
"Os olhos bastavam ao primeiro efeito. [...] Prima Justina
escapou aos meus; eu é que não escapei ao efeito da
insinuação, e no domingo, às onze horas, corri à Rua dos
Inválidos."
Rua de
Matacavalos
7
"Naquele tempo ainda o Barão do Amazonas não tinha
salvo a independência das repúblicas platinas mediante a
vitória de Riachuelo, nome com que depois a Câmara
Municipal crismou a Rua de Mata-cavalos. Vigorava,
portanto, o nome tradicional da rua, que não queria dizer
coisa nenhuma de jeito."
Alcazar Lírico
6
"Depois de andar algum tempo pelas ruas entregue às suas
meditações, Vasconcelos entrou no Alcazar. Era um meio
de distrair-se. Ali encontraria a sociedade do costume."
6
"Entrava então no Passeio Público, e tudo me parecia dizer
a mesma coisa. — Por que não serás ministro, Cubas? —
Cubas, por que não serás ministro de Estado? Ao ouvi-lo,
uma deliciosa sensação me refrescava todo o organismo.
Entrei, fui sentar-me num banco, a remoer aquela idéia."
Hotel Pharoux
4
"Velhos do meu tempo, acaso vos lembrais desse mestre
cozinheiro do Hotel Pharoux, um sujeito que, segundo dizia
o dono da casa, havia servido nos famosos Véry e Véfour,
de Paris, e mais nos palácios do Conde Molé e do Duque de
la Rochefoucauld? Era insigne. Entrou no Rio de Janeiro
com a polca... A polca, M. Prudhon, o Tivoli, o baile dos
estrangeiros, o Cassino, eis algumas das melhores
recordações daquele tempo; mas sobretudo os acepipes do
mestre eram deliciosos."
Ressurreição
Rua do
Ouvidor
4
―Félix encontrou-a dois dias depois na Rua do Ouvidor,
fazendo compras para a viagem.‖
A Mão e a Luva
Praia de
Botafogo (ou
Botafogo)
7
"A casa de Luís Alves ficava quase no fim da praia de
Botafogo, tendo ao lado direito outra casa, muito maior e de
aparência rica."
Obra
Locais mais
citados
Quantidade
Trecho
Papéis Avulsos
Cassino
5
"Esta idéia gelou-me. Para um homem que acabou de
digerir o jantar e aguarda a hora do Cassino, a morte é o
Obra
Dom Casmurro
Rua dos
Inválidos
Contos
Fluminenses
Passeio
Público
Memórias
Póstumas de
Brás Cubas
116
Fluminense
último dos sarcasmos."
Rua do
Ouvidor
4
"Desaparecem os tempos modernos, a insurreição da
Herzegovina, a guerra dos carlistas, a Rua do Ouvidor, o
circo Chiarini. Quinze ou vinte minutos de vida antiga, e de
graça. Uma verdadeira digestão literária."
Rua do
Ouvidor
8
"Agora o mundo começa aqui no Cais da Glória ou na Rua
do Ouvidor e acaba no cemitério de São João Batista."
5
"Os mesmos sapatos de um irmão das almas, que ia a
dobrar a esquina da Rua da Misericórdia para a de São
José, pareciam rir de alegria, quando realmente gemiam de
cansaço."
9
"Enfim, casados. Venho agora da Prainha, aonde os fui
embarcar para Petrópolis. O casamento foi ao meio-dia em
ponto, na Matriz da Glória, poucas pessoas, muita
comoção."
6
"Enfim, lei. Nunca fui, nem o cargo me consentia ser
propagandista da abolição, mas confesso que senti grande
prazer quando soube da votação final do Senado e da
sanção da Regente. Estava na Rua do Ouvidor, onde a
agitação era grande e a alegria geral."
13
"Casados? amigos? Perderam-se na primeira dobra da rua,
enquanto Rubião ficou parado, recordando as palavras do
cocheiro, a rótula, o moço de bigodes, a senhora de bonito
corpo, a Rua da Harmonia... Rua da Harmonia; ela dissera
Rua da Harmonia."
9
"Camacho pusera-o em contato com muitos homens
políticos, a comissão das Alagoas com várias senhoras, os
bancos e companhias com pessoas do comércio e da praça,
os teatros com alguns freqüentadores e a Rua do Ouvidor
com toda a gente."
Esaú e Jacó
Rua de São
José
Prainha
Memorial de
Aires
Rua do
Ouvidor
Rua da
Harmonia
Quincas Borba
Rua do
Ouvidor
Figura 4: Lugares por obra
Fonte: Elaboração própria.
Observamos que das nove obras analisadas, a Rua de Matacavalos, sendo
mencionada 24 vezes na obra ―Dom Casmurro‖, é a mais citada por Machado em
termos de quantidade de citações em uma única obra. Porém, divide com a Rua do
Ouvidor o posto de campeã de citações, ao analisarmos de uma forma geral, ambas
as ruas aparecem 31 vezes em nove obras. A Rua do Ouvidor é a que mais aparece
no quadro, por ser uma das mais citadas em diferentes obras: ―Ressurreição‖,
―Papéis Avulsos‖, ―Esaú e Jacó‖, ―Memorial de Aires‖ e ―Quincas Borba‖.
Na figura 5, analisamos a quantidade de obras que menciona cada localidade
principal pelo menos uma vez:
117
Rua do Ouvidor
Rua da Quitanda
(8 obras)
(5 obras)
Passeio
Público
Campo da
Aclamação
(5 obras)
(5 obras)
Teatro Lírico
(5 obras)
Praia do
Flamengo
(5 obras)
Contos
Fluminenses
Contos
Fluminenses
Dom Casmurro
A Mão e A Luva
A Mão e a
Luva
Dom Casmurro
Dom Casmurro
Dom Casmurro
Esaú e Jacó
Dom Casmurro
Contos
Fluminenses
Esaú e Jacó
Esaú e Jacó
Memorial de Aires
Memórias
Póstumas de
Brás Cubas
Memórias
Póstumas de
Brás Cubas
Esaú e Jacó
Memorial de
Aires
Memorial de Aires
Quincas Borba
Papéis Avulsos
Papéis Avulsos
Memorial de
Aires
Memórias
Póstumas de
Brás Cubas
Memórias
Póstumas de
Brás Cubas
Ressurreição
Quincas Borba
Quincas Borba
Quincas
Borba
Quincas Borba
Papéis Avulsos
Quincas Borba
Ressurreição
Figura 5: Obras por lugar.
Fonte: Elaboração própria.
Pela observação da figura 5, percebemos que a Rua do Ouvidor é o ponto
mais importante do nosso roteiro, se levarmos em consideração que aparece em
oito obras das nove analisadas. As demais localidades estão em cinco das nove
obras.
4.2 CAMINHANDO COM MACHADO
Para escolher os pontos cruciais do roteiro, e de forma a incluir os aspectos
relacionados a conteúdos históricos, geográficos, sociais e culturais destacados por
Bahl (2004), levamos em conta alguns fatores a partir das informações dos quadros
expostos no item anterior: consideramos a importância histórica e literária de cada
uma das nove obras analisadas, a relevância de cada localidade para o enredo da
118
obra em que é citada, a sua localização na região central da cidade e por fim, a
distância geográfica entre os pontos.
Assim, os pontos indispensáveis ao ―Caminhando com Machado‖ são: a Rua
São José, a Rua Direita, a Rua da Quitanda, a Rua do Ouvidor, a Rua dos Ourives,
o Largo São Francisco de Paula, o Rocio (também chamado de Rocio Grande e
Praça da Constituição), o Campo da Aclamação, a Rua dos Inválidos, a Rua de
Matacavalos e o Passeio Público.
Nos mapas (figuras 6, 7 e 8) apresentamos o itinerário correspondente aos
pontos que escolhemos, totalizando 3,43km de caminhada executada em, no
mínimo, 45 minutos, se não houver paradas. É importante notar que foram
colocadas no mapa todas as localidades do centro da cidade do Rio que aparecem
nas obras estudadas, ainda que sem grande relevância, como a Rua das Violas, por
exemplo, que só aparece em Dom Casmurro e uma única vez. Esses pontos pouco
relevantes são assinalados como ―pontos secundários‖, e são inseridos aqui apenas
como sugestão de visitação. Alguns deles, porém, acabaram entrando no traçado do
roteiro devido a proximidade geográfica com os pontos cruciais.
Na figura 6 podemos conferir um recorte ampliado do mapa, montado a partir
do recurso ―meus mapas‖ do Google Maps:
119
A
Z
E
C
D
Y
B
F
G
O
N
H
I
J
K
Q
A2
P
R
A1
X
S
W
V
U
T
Figura 6: Mapa ―Caminhando com Machado‖.
Fonte: Google maps, 2014.
Legenda:
―Gotas‖ vermelhas – pontos cruciais do roteiro;
―Gotas‖ amarelas – pontos secundários do roteiro;
M
L
120
Círculos azuis – pontos secundários (fora do roteiro);
Círculos verdes – Moradias de Machado e outros (fora do roteiro).
Por meio desse recorte é possível notar que há pontos distantes da região
central do Rio assinalados, como o do Cosme Velho, Largo do Machado e Catete,
por exemplo. Isso se dá, pois, apesar de o roteiro basear-se no centro da cidade e
nas obras do escritor, há exceções apenas para apontar as moradias de Machado e
outros locais relacionados a sua biografia, a título de curiosidade.
As letras que aparecem no mapa (Figura 6) correspondem aos seguintes
pontos secundários:
A – Ilha Fiscal
O – Rua do Rosário
B – Igreja Nossa Senhora da Candelária
P – Seminário de São José (Biblioteca Nacional)
C – Rua dos Pescadores (Rua Visconde de
Q – Teatro Lírico (demolido – Rua Treze de
Inhaúma)
Maio)
D – Rua das Violas (Rua Teófilo Otoni)
R – Rua dos Barbonos (Rua Evaristo da Veiga)
E – Rua da Saúde (Rua Sacadura Cabral)
S – Rua dos Arcos
F – Rua de São Lourenço (Rua Visconde da
T – Casa de Machado: Rua Cosme Velho, 18
Gávea)
(Rua Cosme Velho, 174)
G – Rua da Alfândega
U – Casa de Machado: Rua das Laranjeiras, 6
(Rua Gago Coutinho, 8)
H – Rua Senhor dos Passos
V – Casa de Machado: Rua do Catete, 156 (Rua
do Catete, 228)
I – Rua da Carioca
W – Casa de Machado: Rua da Lapa, 96 (Rua
da Lapa, 242)
J – Travessa de São Francisco de Paula (Rua
X – Casa de Machado: Rua Santa Luzia, 54
Ramalho Ortigão)
(Rua Santa Luzia, 732)
K – Teatro Ginásio Dramático (demolido –
Y – Casa de Machado: Rua dos Andradas, 119
esquina da Rua Ramalho Ortigão com a Rua
(Rua dos Andradas, 147)
Sete de Setembro)
121
L – Rua da Ajuda
Z – Casa de Machado: Rua Nova do Livramento,
131 (Rua do Livramento, 211)
M – Rua de Dom Manuel
A1 – Academia Brasileira de Letras
N – Rua Gonçalves Dias
A2 – Confeitaria Colombo
Figura 7: Identificação dos pontos secundários do mapa.
Fonte: elaboração própria
Há alguns pontos que, em função do recorte da imagem tentar privilegiar as
moradias distantes de Machado, acabaram invisíveis (pontos A3 e A4), mas foram
assinalados abaixo (figura 8). Aproximando o recorte, é possível notar mais
detalhadamente as ruas do centro que fazem parte do roteiro:
Figura 8: Mapa ―Caminhando com Machado‖ ampliado.
Fonte: Google maps, 2014.
122
A3 – Paço Imperial
11 – Real Gabinete Português de Leitura
A4 – Igreja do Carmo
12 – Teatro de São Pedro de Alcântara (Teatro
João Caetano)
1 – Rua São José
13 – Rocio/Rocio Grande/Praça da Constituição
(Praça Tiradentes)
2 – Rua Direita (Rua Primeiro de Março)
14 – Rua dos Ciganos (Rua da Constituição)
3 – Rua do Carmo
15 – Campo da Aclamação (Praça da República)
4 – Rua da Quitanda
16 – Rua dos Inválidos
5 – Rua da Assembléia
17 – Rua do Senado
6 – Rua Sete de Setembro
18 – Rua de Matacavalos (Rua Riachuelo)
7 – Rua do Ouvidor
19 – Rua do Lavradio
8 – Rua dos Ourives (Rua Miguel Couto)
20 – Cassino Fluminense (Automóvel Clube do
Brasil)
9 – Rua Uruguaiana (onde ficava também o
21 – Passeio Público
Alcazar Lírico)
10 – Largo São Francisco de Paula
Figura 9: Identificação dos pontos do roteiro.
Fonte: elaboração própria.
A escolha da ferramenta ―Meus mapas‖ do Google Maps para a confecção do
roteiro se deu para facilitar seu acesso aos interessados em visualizá-lo na internet.
Por meio do endereço http://goo.gl/dvhlhE é possível navegar pelo mapa, conferir o
nome antigo e atual de cada localidade, ler uma pequena descrição de cada ponto e
visualizar uma foto que o represente na época de Machado, como no recorte abaixo
(figura 10), que mostra parte da descrição da Rua de Matacavalos:
123
Figura 10: Descrição da Rua de Matacavalos no roteiro ―Caminhando com Machado‖.
Fonte: Google maps, 2014.
De forma a aguçar a curiosidade dos cariocas e dos turistas para conhecer os
locais apontados por nós, sugerimos que a sinalização do roteiro seja feita por meio
de QR Codes implantados em algum ponto das ruas e praças escolhidas (figura
11)25. Ao deparar-se com um código, propositalmente sem muitas informações a
respeito, o transeunte pode lê-lo com seu smartphone e ser direcionado para um site
onde descobrirá que está diante de um lugar de interesse turístico, por sua
importância histórica e literária. Navegando pelo restante do site, confeccionado em
português e inglês, também será possível conferir a biografia de Machado e suas
obras.
25
O código mostrado é apenas um modelo, não possui ainda c onexão com nenhum site.
124
Figura 11: Modelo de QR code para ―Caminhando com
Machado‖.
Fonte: elaboração própria.
A exploração do roteiro e de informações por meio do código é uma
sugestão voltada ao público mais independente. Para beneficiar também os cariocas
e turistas que preferem uma abordagem mais tradicional, o roteiro também pode ser
organizado por uma agência de turismo, envolvendo grupos de aproximadamente 20
pessoas com o auxílio de um guia credenciado.
Tomando por base o primeiro passeio literário oferecido gratuitamente no
projeto ―Rio de Machado‖, realizado pelo Museu de Arte do Rio (MAR), do qual
125
participou a autora, em 04 de outubro de 2014, recomendamos que nosso roteiro
também seja ofertado pelas agências nos fins de semana para facilitar o
deslocamento de um grande número de pessoas pelas ruas geralmente abarrotadas
do centro da cidade, e que ocorra em um período aproximado de duas horas, para
que a caminhada não se torne cansativa. Porém, inspirando-nos mais uma vez no
passeio citado, que contou com uma parada de cerca de 10 minutos na Confeitaria
Colombo, sugerimos a possibilidade de o roteiro incluir um almoço de uma hora de
duração na Confeitaria, previamente agendado pela agência com o estabelecimento
para a quantidade de pessoas interessadas. Desta forma, o passeio passaria a ter
aproximadamente três horas de duração.
Uma
terceira
sugestão
é
a
operação
do
roteiro
por agências
especializadas no conceito de free walking tour: o turista não terá compromisso em
pagar pelo passeio uma quantia estipulada, e sim, fica livre para fazê-lo
gratuitamente ou contribuir com a quantia que achar justa ao fim da atividade. No
Rio de Janeiro, esse tipo de passeio vem se tornando cada vez mais popular entre
os turistas, principalmente na região do centro da cidade.
Seguindo a tendência do free walking tour ou não, para o sucesso do
passeio é essencial que o guia faça deste um momento de interação do turista com
a obra machadiana e dos turistas entre si. A cada parada diante de um atrativo, o
guia não deve apenas fornecer as informações, mas sim utilizar-se da técnica da
mediação ao estimular os turistas a participarem do processo com perguntas como:
―Quem sabe o nome que este lugar tinha na época de Machado de Assis?‖, ―Alguém
saberia dizer o nome de pelo menos dois romances de Machado nos quais este
lugar aparece?‖, ―Quem sabe qual acontecimento histórico cujos boatos foram
entreouvidos pelo Conselheiro Aires nesta rua?‖, ―Alguém sabe contar a cena do
romance Dom Casmurro que ocorreu em frente a este lugar?‖, e assim por diante.
Desta forma, é a partir dos conhecimentos do público que a história conduzida pelo
guia será mediada. Aos participantes que acertassem as respostas, poderiam ser
oferecidos pequenos brindes personalizados como canetas e marcador de páginas,
podendo o turista que acertar a pergunta mais difícil ganhar uma camiseta ou uma
caneca personalizada, por exemplo. Dessa forma, seria possível uma junção de
integração, conhecimento e entretenimento no processo.
126
É importante frisar que, apesar de também visarmos a propagação da
obra de Machado ao atrair novos leitores por meio da acessibilidade ao roteiro, a
ideia proposta neste trabalho é voltada principalmente para o público específico de
leitores e estudiosos de Machado de Assis.
127
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi em meio a intensas transformações políticas, econômicas e culturais que
viveram Machado de Assis e seus personagens. A própria situação social do escritor
é um reflexo da mentalidade do século XIX: descendente de escravos, ascendeu
social e economicamente ao alcançar o prestígio na elite literária. Nasceu pobre e
negro, mas ―morreu branco‖, pois além das fotos que registram uma tentativa de
embranquecê-lo e torná-lo mais maduro com o tempo, sua própria certidão de óbito,
segundo Piza (2008), o designou como da cor branca.
A sociedade pós-escravista ainda se baseava na designação da cor para
atribuir valor ao indivíduo: era característico do negro ser pobre e do branco ter boas
condições financeiras. Este é, aliás, mais um aspecto da mentalidade da época que
pouco evoluiu com o passar dos anos, sendo uma questão ainda bastante atual.
A crítica de Machado se utiliza de um grande senso de humor e da ironia fina
que lhe é peculiar, e por isso, por vezes o escritor foi incompreendido e acusado de
uma postura que não adotou, principalmente quanto às questões sociais de seu
tempo. A verdade é que, apesar de escritas entre os séculos XIX e XX, suas obras
trazem assuntos ainda muito discutidos atualmente: o poder da religião sobre a vida
das pessoas, o papel de submissão designado à mulher na sociedade, o preconceito
referente à ascensão social, a questão racial e outras.
Transformações tão significativas como as que ocorreram no Rio de Janeiro,
fruto
de
adventos
tecnológicos,
reviravoltas
políticas
e
uma
consequente
preocupação em civilizar a população, refletiram nos personagens machadianos.
Para o escritor, era evidente que tantas mudanças ainda não traziam o tão desejado
―progresso‖: seus personagens poderiam mostrar adequar-se aos ―novos tempos‖,
mas no íntimo eram carregados de vaidade, ciúme, egoísmo e preconceito, reflexo
de uma sociedade que sempre se importou em ostentar aparências e não cuidar de
sua essência.
Apesar da frequente crítica ao que há de mais censurável no comportamento
do homem, Machado de Assis também registrou tempos que lhe deixaram saudade,
como a diversão e a integração social, proporcionada pelo entrudo e o que seria o
128
auge do teatro em sua opinião. A verdade é que o sentimento de nostalgia de
Machado é compartilhado com o leitor atual, que, apesar de não ter vivenciado a
mesma realidade do escritor, assim como ele, sente cada vez mais esvaírem-se os
momentos simples da vida com a chegada de ―novos tempos‖.
Ao ler sobre homens de casaca e cartola e mulheres de vestidos longos e
pesados, caminhando sob o intenso sol carioca, carruagens puxadas a cavalo,
teatros de rua lotados à noite, moças recebendo cortejos de educados cavalheiros
na janela, bailes com valsa e quadrilha e crianças divertindo-se muito com
brinquedos singelos, o leitor se remete a um tempo quando a vida mais simples
possibilitava uma aproximação maior entre as pessoas. Pertencendo ao século XXI,
rodeados por celulares, computadores, televisões e shopping centers, por meio das
obras machadianas conseguimos experimentar a nostalgia de tempos que nunca
vivemos e tentamos visualizar o Rio antigo, imaginando-nos inseridos nesse
contexto.
Chamando a atenção do público para obras primas de escritores como
Machado e a forma como fazem de sua cidade um verdadeiro palco para histórias
imortalizadas, conseguimos ratificar o valor da literatura clássica nacional, tão
frequentemente negligenciada pelo próprio povo brasileiro, que por preconceito,
tende a supervalorizar as produções estrangeiras.
Seja na esfera online ou operado por uma agência de turismo, aliando
informação e entretenimento, nosso roteiro procura estimular a prática do turismo
literário, dentro do âmbito do Turismo Cultural, como um complemento ao Turismo
de Sol e Praia, de Ecoturismo e de Aventura, por exemplo, geralmente praticados no
Rio de Janeiro.
Como mencionado no primeiro capítulo deste estudo, Herbert (1996) explica
que algumas cidades por si só já possuem um produto turístico suficientemente
forte, o que acaba por ofuscar a existência de conexões literárias ou artísticas no
local. O Rio de Janeiro se encaixa perfeitamente nessa colocação, na medida que a
junção de seus atrativos naturais e culturais, materiais ou imateriais, já responde
pela procura de grande parte dos turistas ao elegê-lo como destino: a cidade possui
oferta suficiente para se sustentar como produto turístico, com ou sem a presença
do turismo literário. Talvez seja por isso o desinteresse da gestão pública quanto ao
129
estímulo a esse tipo de demanda, pois se torna mais cômodo continuar investindo
somente nas atividades que já geram receitas, em lugar de apostar também no
―inexplorado‖ e atrair ou potencializar uma demanda nova.
Uma vez que o turismo literário não é reconhecido como um tipo de Turismo
Cultural pelo Ministério do Turismo, é preciso que iniciativas como a nossa
impulsionem outras, de forma a chamar a atenção do órgão para a demanda já
existente e que tende a crescer ainda mais se a oferta for organizada e estruturada.
Sendo assim, esperamos que esta pesquisa abra caminhos para novos
estudos na área do Turismo que se utilizem da interdisciplinaridade para, por meio
de uma abordagem diferenciada, ampliar as possibilidades de se planejar a
atividade em uma região.
130
REFERÊNCIAS
ABREU, Mauricio de A. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Instituto Pereira Passos, 2010.
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (2014). Disponível em:
<www.academia.org.br/> Acesso em: 17 mar. 2014.
AMADO, Jorge. Gabriela cravo e canela. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
ASSIS, Machado de. 12 de fevereiro de 1893. 1893. Disponível em:
<http://www.cronicas.uerj.br/home/cronicas/machado/rio_de_janeiro/ano1893/12fev1
893.html>. Acesso em: 30 set. 2014.
______. A mão e a luva. São Paulo: Ática, 2008.
______. Contos Fluminenses. São Paulo: Martin Claret, 2008.
______. Dom Casmurro. São Paulo: Martin Claret, 2008.
______. Histórias sem data. São Paulo: Ática, 2003.
______. Iaiá Garcia. Porto Alegre: L&PM, 2011.
______. Mariana. 1994. Disponível em:
<http://www.machadodeassis.ufsc.br/obras/contos/avulsos/CONTO, Mariana,
1871.htm>. Acesso em: 11 out. 2014.
______. Memorial de Aires. São Paulo: Ática, 2003.
______. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Martin Claret, 2008.
______. Papéis Avulsos. São Paulo: Escala Educacional, 2008.
______. Quincas Borba. São Paulo: Escala Educacional, 2008.
131
______. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro; Brasília: Civilização Brasileira:
INL, 1975.
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137
APÊNDICE A – ENTREVISTA
Por e-mail com Marco André O. Martins Malaquias, turismólogo e atual gestor do
Circuito Guimarães Rosa, em 01 de abril de 2014.
1 - Quais são algumas das dificuldades enfrentadas por vocês na execução do
circuito?
R: Bem, as políticas públicas de turismo no Brasil ainda estão em processo
de implementação e evolução, dada a realidade de extensão territorial, diversidade
cultural e sócio econômica do país. Que torna o desenvolvimento de certas ações
em nível nacional um pouco mais complexas do que em outros países que já
entendem o turismo como um setor da economia muito forte. Dessa forma, todas as
ações que pretendemos realizar esbarram na falta de conhecimento e da pouca
sensibilidade,
tanto
das
comunidades,
quanto
de
gestores
municipais
e
empreendedores. O que torna nossa tarefa um pouco mais difícil, mas não
impossível. Eu acredito que estamos escrevendo a história desse setor da economia
do Brasil.
No caso do nosso circuito, o trabalho que estamos realizando desde de 2010
quando assumi a gestão da entidade é um trabalho de base, que começa pela
sensibilização dos três principais atores, Poder Público municipal, Iniciativa privada e
a sociedade ou comunidades. Só assim conseguiremos criar uma identidade
regional, que é no caso o que o Programa de Regionalização do Turismo define em
seu escopo. A partir daí, com identidade definida e proposições sólidas e realizáveis,
estamos conseguindo bons resultados com nosso trabalho.
Então as dificuldades ficam mesmo por conta da falta de conhecimento e das
falhas ainda existentes nas políticas federais e estaduais que poderiam fortalecer
mais o programa.
2 - Como funciona o circuito? O turista precisa dirigir-se a algum lugar específico,
fazer agendamento prévio?
138
R: O circuito na verdade não atua como gestor de atrativos turísticos, nem
como agencia receptiva. Cada município, com nossa assistência vai desenvolver
suas potencialidades e a partir dai coloca-las no mercado. Isso pode ser através de
operadores locais ou em outras cidades. Também pode ser promovido pelo próprio
município, como os eventos característicos de algumas cidades, como Curvelo,
Morro da Garça, Pirapora, entre outros, que geram fluxo de turistas para essas
cidades. Normalmente auxiliamos na divulgação desses produtos em nosso site, nos
eventos que o circuito participa.
Atualmente estamos estruturando o Centro Regional de Apoio ao Turista,
junto com nossa Sede Administrativa. Isso facilitará o acesso do visitante da região
às informações.
3 - Por que agora são apenas 9 municípios e não mais 13?
R: No início do Projeto da Regionalização, alguns critérios ainda não haviam
sido definidos. Depois com um melhor estruturação do programa alguns município
como o de Três Marias, por exemplo, acabou virando um Circuito (Circuito Lago de
Três Marias), levando junto Felixlândia. Depois surgiu o Circuito Serra do Cabral e ai
saíram Lassanse e Várzea da Palma. Identificou-se ainda, municípios fazendo parte
de mais de um circuito, o que por lei não é possível. A esses municípios foi dada a
opção de escolha em qual preferiria permanecer, como o caso de Cordisburgo. Caso
o município não optasse ele ficaria automaticamente no que havia ingressado
primeiro, então ele permanece no Circuito das Grutas. Portanto saíram cinco
municípios e recentemente ingressou o Município de Santo Hipólito e a Basílica de
São Geraldo, através da Congregação Redentorista.
4 - Eu havia visto que a sede antes era no Morro da Graça e agora é em Curvelo,
isto está correto?
R: Quando o Circuito foi idealizado, o movimento teve inicio com a Fátima,
que é de Morro da Garça. Daí sua sede ter ficado lá desde o início, recebendo
inclusive muita ajuda da administração do município para se manter, uma vez que a
aceitação e comprometimento por parte dos municípios era muito baixa. Os custos
das entidades são realizados pelos membros que são os municípios, através de
139
convênios celebrados anualmente. Com a falta de informação, descrédito do setor,
mudanças
de
gestores
municipais
entre
outras
dificuldades,
os
circuitos
permanecem reféns da estrutura financeira dos associados.
Com uma gestão mais voltada para os resultados e pautada em um
planejamento mais sólido, conseguimos reverter esse cenário, trazendo receita não
só dos associados, mas como de parceiros que começam a apostar na imagem da
entidade. Com o crescimento veio a necessidade de um espaço para que o trabalho
ganhasse ainda mais crédito. Como a Cidade de Curvelo tem a localização mais
central, é polo da economia na região e tem maior capacidade de gerar fluxo de
visitantes, identificamos como sendo o melhor local para que tivéssemos um
escritório. Independente do fato de eu, como Gestor morar aqui na cidade, pois
Pirapora
já
havia
oferecido
toda
estrutura
sem custo
nenhum para que
montássemos a sede lá, mas como a cidade se encontra deslocada do eixo central
do circuito não foi viável. A escolha foi em função de uma questão técnica e de
logística.
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