Relato de Caso Carcinoma de células escamosas labial em paciente jovem Squamous cell carcinoma labial in young patient Paula de Souza Dias Lopes1, Marcos André dos Santos2,3 Resumo Revista HCPA. 2012;32(1):82-86 1 Curso de Medicina, Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) – Canoas, RS. 2 Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Hospital ULBRA, Hospital Mãe de Deus, Canoas, RS. Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Maria, RS. 3 Contato: Paula de Souza Dias Lopes [email protected] Canoas, RS, Brasil O Carcinoma de células escamosas de lábio é uma neoplasia de origem epitelial que acomete, preferencialmente, homens, com idade superior a 50 anos, com fototipo de pele baixo, história de fotoexposição no passado, tabagistas e etilistas. Apresenta-se, mais comumente, no lábio inferior. O diagnóstico é feito através de história clínica, exame físico, biópsia e exame histopatológico. O tratamento de escolha é a cirurgia com a ressecção completa da lesão, a reconstrução labial e o esvaziamento cervical em casos indicados. Em virtude da elevada mortalidade, torna-se fundamental o diagnóstico e o tratamento precoces. Este trabalho tem por objetivo relatar o caso de um paciente do sexo masculino, de 21 anos, sem fatores de risco associados, mas que desenvolveu o carcinoma de células escamosas em lábio inferior. Palavras-chave: carcinoma de células escamosas; neoplasias de cabeça e pescoço; boca Abstract Squamous Cell Carcinoma of lip is a cancer of epithelial origin that affects mainly men, aged over 50 years, with low skin phototype, history of sun exposure in the past, smokers and alcoholics. It presents more commonly in the lower lip. Diagnosis is done by clinical history, physical examination, biopsy and histopathology test. The treatment of choice is surgery with complete resection of the lesion, a lip reconstruction and the neck´s lymph node dissection dissection in indicated cases. Due to high mortality, early diagnosis and treatment are crucial for good prognosis. This paper aims to report the case of a male patient of 21 years old without risk factors who developed squamous cell carcinoma on the lower lip. Keywords: squamous cell carcinoma; head and neck neoplasms; mouth O carcinoma de células escamosas (CCE), também denominado carcinoma espinocelular ou carcinoma epidermoide, é um tumor maligno oriundo das células epiteliais. Os tumores de lábio representam 15% dos cânceres de cabeça e pescoço e 25 a 30% dos cânceres da cavidade bucal (1-4). A mortalidade relacionada ao CCE da boca é de 3,1 por 100.000 em homens e de 1,4 por 100.000 em mulheres (5). O Brasil detém a maior incidência de carcinoma da boca de todos os países da América do Sul: 8,3 por 100.000 habitantes (6). No lábio inferior, a incidência entre os sexos masculino e feminino é de 6 - 8:1. A chance de disseminação linfonodal é de 5 a 20% (7). 82 Rev HCPA 2012;32(1) Dentre as neoplasias malignas labiais, o tipo histológico mais comumente encontrado é o CCE bem diferenciado. O local preferencial de acometimento é o lábio inferior. Apesar da alta incidência, o diagnóstico desta neoplasia ainda é um desafio, sendo feito, com maior frequência e acurácia, por médicos especialistas (6,8). Os principais fatores de risco são fotoexposição, fototipo de pele baixo, tabagismo e etilismo (9,10). Clinicamente, o paciente apresenta uma lesão ulcerada, de bordos elevados ou uma lesão exofítica, aparentemente localizada, principalmente, em porções lateral e central do lábio inferior (4,7). http://seer.ufrgs.br/hcpa Carcinoma de células escamosas labial em paciente jovem Relato de caso JDP, 21 anos, branco, masculino, solteiro, auxiliar de serviços gerais e procedente do noroeste do Rio Grande do Sul. Previamente hígido e sem história de exposição solar excessiva. Nega história de tabagismo, etilismo ou drogadição. O paciente foi atendido em unidade básica de saúde devido ao surgimento de vesículas no lábio inferior, próximo à comissura labial esquerda. Foi tratado, durante 4 meses, como portador de Herpes Simples, com Aciclovir, mas teve progressão do quadro. Seis meses após o primeiro atendimento, foi avaliado no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Universitário da ULBRA, em Canoas. Ao exame físico, apresentava tumoração de, aproximadamente, 4 cm de diâmetro, em toda a extensão do lábio inferior e comprometimento cutâneo, com áreas de necrose e inúmeros linfonodos cervicais palpáveis bilateralmente (figura 1). Figura 1 - Tumoração de aproximadamente 4 cm de diâmetro, no lábio inferior, com áreas de necrose. http://seer.ufrgs.br/hcpa Rev HCPA 2012;32(1) 83 Lopes PSD et al Foi submetido à ressecção tumoral com esvaziamento cervical radical modificado bilateralmente e reconstrução do lábio inferior com retalhos retirados do sulco nasogeniano e da mucosa jugal (figuras 2 e 3). Figura 2 - Intraoperatório, mostrando ressecção do tumor no lábio inferior. Figura 3 - Intraoperatório, mostrando retalhos retirados do sulco nasogeniano e da mucosa jugal e esvaziamento cervical radical modificado bilateralmente. 84 Rev HCPA 2012;32(1) http://seer.ufrgs.br/hcpa Carcinoma de células escamosas labial em paciente jovem O exame anatomopatológico mostrou tratar-se de Carcinoma de Células Escamosas com invasão da derme reticular e profunda e músculo esquelético, sem acometer a glândula salivar menor. Havia invasão vascular e angiolinfática. As margens cirúrgicas estavam livres: margem inferior (5 mm), tecidos moles da margem inferior (3 mm), vértice direito (15 mm) e vértice esquerdo (7 mm). Apresentou micrometástase em 1 dos 57 linfonodos examinados. O estadiamento clínico foi T4 N2c M0 e o estadiamento patológico foi pT4a pN1 M0 (EC IVa). Necessitou acompanhamento psicológico e psiquiátrico, durante a internação, por Transtorno Depressivo importante após a cirurgia. Após a alta hospitalar foi encaminhado para radioterapia adjuvante. Mantém acompanhamento periódico no ambulatório de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e não teve sinais de recidiva até o momento (figura 4). Figura 4 - Resultado final da cirurgia. Discussão Devido à agressividade do CCE, o diagnóstico precoce é fundamental e baseado em anamnese, exame físico, biópsia e exame histopatológico (8). Nas lesões pequenas, menores que 3 cm, o paciente pode apresentar-se assintomático. No entanto, lesões localmente avançadas podem ser dolorosas e acompanhadas de halitose, dificuldades na fala, na deglutição e na mastigação (6). Nos tumores de lábio inferior a ressecção cirúrgica com margens livres é o tratamento de escolha. A radioterapia está indicada tanto para os pacientes com lesões irrescecáveis quanto como terapia adjuvante nos casos de metástases linfonodais, invasão angiolinfática, perineural e recorrência. Ressalta-se que a exérese tumoral deve ser http://seer.ufrgs.br/hcpa completa e a função, preservada. Todavia, as lesões labiais afetam diretamente a autoestima do paciente, em virtude das preocupações estéticas (2,3,7,11). Dependendo da extensão tumoral, pode ser necessário o uso de reconstruções, assim como o esvaziamento cervical, apresentando resultados aceitáveis tanto do ponto de vista funcional quanto estético. Há controvérsias quanto à reconstrução labial imediata após a ressecção tumoral, pois poderia aumentar a recidiva em 5 anos. A pesquisa de marcadores tumorais, no CCE, vem sendo, cada vez mais, estudada com a finalidade de predizer o prognóstico. As mutações no gene supressor tumoral p53 são as mais comumente encontradas (7). O principal fator de risco para o carcinoma de lábio externo é a fotoexposição, devido às mutações no DNA Rev HCPA 2012;32(1) 85 Lopes PSD et al causadas pelas radiações ultravioleta A e B (10). O uso de Azatioprina ou Ciclosporina pode corroborar os danos celulares relacionados à radiação ultravioleta, sendo totalmente revertidos com a suspensão destes agentes imunossupressores (12). Estudos recentes enfatizam que os pacientes que desenvolvem câncer têm algum grau de imunodepressão. Se há comprometimento do sistema imune, como HIV + e transplantados renais, a chance de desenvolver carcinoma labial é maior. Desta forma, o correto entendimento desse mecanismo é fundamental para o desenvolvimento de imunoterapias (4,12,13). O tabaco é um fator de risco independente para o desenvolvimento de cânceres labiais (4). A cessação do tabagismo não só melhora o prognóstico, como também diminui o risco de tumores secundários. A sobrevida para o carcinoma de lábio é de mais de 90% em 5 anos e de 50% em 5 anos, na presença de metástases em linfonodos cervicais (7,9). Comentários finais O CCE de boca acomete, preferencialmente, pessoas do sexo masculino, na faixa etária acima dos 50 anos, caucasianas e fotoexpostas por muitos anos (3,7). A relevância do caso está na raridade da doença em paciente jovem (21 anos), na ausência de associação com tabagismo, etilismo, fotoexposição, na demora do diagnóstico e na possibilidade de estar relacionado a fatores genéticos e imunológicos. A prevenção e o diagnóstico precoces são fundamentais, pois trata-se de uma doença inicialmente oligossintomática e altamente agressiva. Referências 1. Sena MF, Costa APS, Nóbrega AGS, Costa ALL, Ferreira MAF. Avaliação dos fatores prognósticos relacionados ao câncer de lábio: revisão sistemática. Rev Bras Cancerologia. 2010;56(1):93-102. 2. Casal D, Carmo L, Melancia T, Zagalo C, Cid O, Rosa-Santos J. Lip cancer: A 5-year review in a tertiary referral centre. Journal of Plastic, Reconstructive & Aesthetic Surgery. 2010;63:2040-5. 3. Faulhaber J, Géraud C, Goerdt S, Koenen W. Functional and Aesthetic Reconstruction of Full-Thickness Defects of the Lower Lip After Tumor Resection: Analysis of 59 Cases and Discussion of a Surgical Approach. Dermatol Surg 2010; 36: 859-67. 4. 5. López-Pintor RM, Hernández G, de Arriba L, de Andrés A.Lip cancer in renal transplant patients. Oral Oncology. 2011;47:68-71. Preeti S, Saxena S, Aggarwal, P. Trends in the epidemiology of oral squamous cell carcinoma in Western UP: An institutional study. Indian Journal of Dental Research. 2010;21(3):316-9. 6. Marocchio, LS, Lima SJ, Sperandio F, Correia L, de Souza SO. Oral squamous cell carcinoma: an analysis of 1,564 cases showing advances in early detection. Journal of Oral Science. 2010;52(2):267-73. 7. Hasson O. Squamous Cell Carcinoma of the Lower Lip. J Oral Maxillofac Surg. 2008; 66:1259-62. 8. Patel KJ, de Silva HL, Tong DC, Love RM. Concordance Between Clinical and Histopathologic Diagnoses of Oral Mucosal Lesions. J Oral Maxillofac Surg. 2011;69: 125-33. 9. Warnakulasuriya S. Living with oral cancer: Epidemiology with particular reference to prevalence and life-style changes that influence survival. Oral Oncology. 2010;46: 407-10. 10. Czerninski R, Zini A, Sgan-Cohen HD. Lip cancer: incidence, trends, histology and survival: 1970-2006. British Journal of Dermatology. 2010;162:1103-9. 11. Pirgousis P, Fernandes R. Reconstruction of Subtotal Defects of the Lower Lip: A Review of Current Techniques and a Proposed Modification. J Oral Maxillofac Surg. 2011;69:295-9. 12. Leeuwen MTV, Grulich AE, McDonald SP, McCredie RE, Amin J, Stewart JH. Immunosuppression and Other Risk Factors for Lip Cancer after Kidney Transplantation. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2009;18:561-9. 13. Silveira EJD, Miguel MCC, Lima KC, Freitas RA, Morais MLSA, Queiroz LMG. Analysis of local immunity in squamous cell carcinoma of the tongue and lower lip. Experimental and Molecular Pathology. 2010;88:171-5. Recebido: 28/07/2011 Aceito: 17/02/2012 86 Rev HCPA 2012;32(1) http://seer.ufrgs.br/hcpa