2012 Modelos Não Lineares de Efeitos Mistos na Farmacocinética

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Universidade de Lisboa
Faculdade de Ciências
Departamento de Estatística e Investigação Operacional
Modelos Não Lineares de Efeitos Mistos na
Farmacocinética da Ciclosporina em Doentes
Transplantados Renais
Ana Sofia Cunha Cardoso
Dissertação
Mestrado em Bioestatística
2012
Universidade de Lisboa
Faculdade de Ciências
Departamento de Estatística e Investigação Operacional
Modelos Não Lineares de Efeitos Mistos na
Farmacocinética da Ciclosporina em Doentes
Transplantados Renais
Ana Sofia Cunha Cardoso
Dissertação orientada pela Prof.ª Doutora Maria Salomé Cabral e
coorientada pela Prof.ª Doutora Ana Paula Carrondo
Mestrado em Bioestatística
2012
i
ÍNDICE
Índice....................................................................................................................................................................i
Índice de figuras.................................................................................................................................................ii
Índice de tabelas ...............................................................................................................................................iii
Agradecimentos .................................................................................................................................................v
Resumo..............................................................................................................................................................vii
Abstract ..............................................................................................................................................................ix
Abreviaturas e símbolos ..................................................................................................................................xi
1. Introdução..................................................................................................................................................1
2. Farmacocinética.........................................................................................................................................3
2.1
LADME .............................................................................................................................................4
2.1.1
Libertação e absorção ..............................................................................................................5
2.1.2
Distribuição ...............................................................................................................................6
2.1.3
Eliminação .................................................................................................................................6
2.2
Estado Estacionário .........................................................................................................................8
2.3
Análise Farmacocinética ..................................................................................................................9
2.3.1
Análise Compartimental ........................................................................................................10
2.3.2
Análise Não Compartimental ...............................................................................................16
2.4
Análise Populacional ......................................................................................................................18
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos ................................................................................................21
3.1
O Modelo.........................................................................................................................................22
3.2
Extensões do modelo básico ........................................................................................................27
3.2.1
Efeitos aleatórios e estruturas da matriz D ........................................................................27
3.2.2
Variabilidade intra individual. Modelação da matriz de variância–covariância dos
erros aleatórios.........................................................................................................................................27
3.2.3
Modelo geral............................................................................................................................35
3.2.4
Covariáveis dependentes do tempo.....................................................................................36
3.2.5
Interpretação dos parâmetros do modelo e objetivos da inferência ..............................38
3.3
Estimação e inferência no modelo não linear hierárquico de efeitos mistos ........................39
3.3.1
Função verosimilhança e estimação dos parâmetros........................................................39
3.3.2
Inferência .................................................................................................................................44
3.4
Qualidade do ajustamento.............................................................................................................45
3.5
Construção do modelo...................................................................................................................46
3.6
Abordagens não paramétricas.......................................................................................................48
3.7
Programas para farmacocinética populacional...........................................................................49
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais.........................................................51
4.1
Dados................................................................................................................................................53
4.2
Modelo..............................................................................................................................................57
4.3
Ajustamento do modelo ................................................................................................................59
4.4
Validação: .........................................................................................................................................69
4.5
Parâmetros farmacocinéticos ........................................................................................................74
4.6
Discussão .........................................................................................................................................76
4.7
Conclusão.........................................................................................................................................80
Bibliografia........................................................................................................................................................81
ii
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 2.1 - Perfil da concentração sanguínea em função do tempo de um fármaco hipotético
administrado em doses múltiplas por via oral. .....................................................................................9
Figura 2.2 - Esquema de input e output de um fármaco no organismo na presença de um, dois e
três compartimentos. ..............................................................................................................................11
Figura 3.1 – Gráficos de semivariogramas versus distância para correlações espaciais isotrópicas
com ρ=1 e efeito pepita=0.1.................................................................................................................34
Figura 3.2 – Principais passos na construção e validação de um modelo ............................................48
Figura 4.1 – Esquema dos tempos de amostragem do estudo nas duas ocasiões. ..............................54
Figura 4.2 – Perfil observado da concentração de ciclosporina ao longo do tempo,
imediatamente após entrada no estudo (primeira ocasião) e cerca de 6 meses depois
(segunda ocasião) no indivíduo 114. ....................................................................................................54
Figura 4.3 – Perfil observado da concentração de ciclosporina versus tempo após entrada no
estudo dos 82 indivíduos (primeira ocasião).......................................................................................55
Figura 4.4 - Excerto dos dados do grupo de modelação, relativo ao doente 101. ..............................57
Figura 4.5 – Estimativas EB dos efeitos aleatórios de lV e de lCl versus as covariáveis em
estudo........................................................................................................................................................61
Figura 4.6 – Gráfico de dispersão dos resíduos padronizados versus valores ajustados......................65
Figura 4.7 – Gráfico de dispersão dos resíduos padronizados versus tempo. .......................................65
Figura 4.8 – Papel de probabilidades da normal dos resíduos padronizados. .....................................66
Figura 4.9 – Papel de probabilidades da normal das estimativas dos efeitos aleatórios.....................66
Figura 4.10 – Estimativa do semivariograma amostral dos resíduos padronizados............................67
Figura 4.11 – Gráfico das concentrações observadas versus valores preditos com base no
ajustamento populacional e individual.................................................................................................70
Figura 4.12 – Gráfico das concentrações observadas e valores preditos, com base no
ajustamento populacional (“típico”) e individual, ao longo do tempo, para os indivíduos
114 e 131...................................................................................................................................................73
iii
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 2.1 - Descrição, gráficos e equações dos modelos de um compartimento mais frequentes
em TDM, considerando eliminação a partir do compartimento central, em dose única e em
doses múltiplas.........................................................................................................................................13
Tabela 2.2 – Relação do MRT com o modelo de um compartimento e estimação dos
parâmetros farmacocinéticos a partir de dados de dose única.........................................................17
Tabela 2.3 - Fatores de variabilidade farmacocinética. ............................................................................18
Tabela 3.1 – Funções de variância...............................................................................................................30
Tabela 3.2 - Função de autocorrelação para modelação de correlação dos erros aleatórios em
dados igualmente espaçados e de natureza inteira. ............................................................................32
Tabela 3.3 - Modelos de semivariograma isotrópicos para estruturas de correlação espacial. ..........34
Tabela 3.4 - Programas e respetivo método de estimação de modelos não lineares de efeitos
mistos aplicados a farmacocinética.......................................................................................................50
Tabela 4.1 - Caracterização dos dados utilizados no desenvolvimento e validação do modelo. ......56
Tabela 4.2 - Estimativas iniciais dos parâmetros. .....................................................................................59
Tabela 4.3 – Efeitos fixos e aleatórios do modelo base (Modelo 1)......................................................60
Tabela 4.4 - Comparação de modelos com diferente número de efeitos aleatórios. ..........................60
Tabela 4.5 - Modelos obtidos por introdução sequencial de covariáveis no modelo base
(Modelo 1), inicialmente associadas a lCl e depois a lV. ..................................................................63
Tabela 4.6 – Comparação de modelos com covariáveis e diferentes efeitos aleatórios. ....................64
Tabela 4.7 – Comparação de modelos com diferentes estruturas de variância. ..................................68
Tabela 4.8 - Parâmetros do modelo final (Modelo 24)............................................................................69
Tabela 4.9 - Resultados da validação interna e externa do modelo final (Modelo 24). ......................72
Tabela 4.10 - Parâmetros do modelo final (Modelo 24) de ciclosporina na escala original. ..............74
v
AGRADECIMENTOS
No fim desta etapa não posso deixar de expressar a minha gratidão aos familiares, amigos e
colegas, que me apoiaram e incentivaram a ir sempre um pouco mais além. Enumerá-los
equivale a correr o risco de esquecer algum, por isso, aqui fica uma palavra de
reconhecimento para todos quantos, de uma maneira ou doutra, contribuíram para a
materialização deste projeto.
O meu profundo agradecimento:
À Professora Doutora Maria Salomé Cabral, pelo conhecimento, trabalho, dedicação e
amizade que sempre me dispensou durante a orientação deste trabalho. Graças ao seu
empenho e ao seu olhar atento foi possível percorrer este caminho.
À Professora Doutora Ana Paula Carrondo, colega e amiga, pelo constante incitamento à
elaboração desta dissertação, bem como, ao seu trabalho como coorientadora.
Ao Doutor José Guerra do Serviço de Nefrologia e Transplantação Renal do Hospital de
Santa Maria.
A todos os colegas do Serviço Farmacêutico do Hospital de Santa Maria, na pessoa da sua
Diretora, Drª Piedade Ferreira, pelo interesse e apoio manifestado.
vii
RESUMO
Os parâmetros farmacocinéticos caracterizam o perfil concentração-tempo de um fármaco
no organismo sendo, por isso, essenciais na individualização posológica da terapêutica, com
vista a maximizar a sua eficácia e reduzir os efeitos adversos.
Os dados necessários para a análise farmacocinética consistem na medição, após a
administração, das concentrações sanguíneas do fármaco, obtidas ao longo do tempo para
cada indivíduo. Este tipo de dados, aos quais se dá o nome de dados longitudinais, requer
particular cuidado na caracterização da variabilidade, uma vez que as observações intra
indivíduos tendem a estar correlacionadas. Os modelos mistos, através da incorporação de
efeitos fixos (parâmetros associados à população) e efeitos aleatórios (efeitos associados aos
indivíduos), permitem modelar esta dependência e acomodar a variabilidade intra e
interindividual tendo, por isso, particular interesse nesta área.
Este trabalho teve como objetivo fundamental estimar os parâmetros farmacocinéticos da
ciclosporina recorrendo a dados longitudinais obtidos, após administração oral, em doentes
transplantados renais, através da aplicação de modelos não lineares de efeitos mistos,
também designados por modelos não lineares mistos, e identificar algumas covariáveis
responsáveis pela variabilidade intra e interindividual da ciclosporina na subpopulação
estudada.
Após uma breve descrição dos conceitos básicos de farmacocinética e do fundamento
teórico dos modelos não lineares de efeitos mistos e a sua aplicação em farmacocinética,
descreve-se a metodologia de modelação utilizada no tratamento dos dados de ciclosporina.
Os dados foram analisados usando a função quinModel da biblioteca nlme do
programa S-Plus (versão 6).
A inferência “populacional” é baseada na máxima verosimilhança e as predições individuais
são obtidas usando métodos Bayesianos.
Palavras chave: modelos não lineares de efeitos mistos, dados longitudinais,
farmacocinética, ciclosporina, transplante renal, S-Plus.
ix
ABSTRACT
Pharmacokinetic parameters characterize pharmacological processes within the body that
dictate the time-concentration relationship of a drug. These parameters are used to adjust
drug dose and serum concentrations in order to produce the desired pharmacological effect
and to avoid adverse effects.
The data required to pharmacokinetics analysis consists of drug concentrations, obtained
by a serial blood samples collected over time from each subject following cyclosporine
dose. This type of data, named longitudinal data, require particular care in treating
variability, since the intra-individual observations tend to be correlated.
Mixed effects models that, incorporate both fixed effects, which are parameters associated
with an entired population, and random effects, which are associated to individuals randomly
selected from a population, allow to model this dependency and accommodate intra and
inter variability, making this approach a useful framework in pharmacokinetical data.
The fundamental aim of this work was to estimate pharmacokinetic parameters of oral
cyclosporine, in renal transplant recipients, using longitudinal data analysed by nonlinear
mixed effects models, also refered to as nonlinear mixed models, and identify possible
variables responsible for pharmacokinetics variability.
After a summary of the basic concepts of pharmacokinetics and the theoretical basics of
nonlinear mixed effects models and its application to pharmacokinetics, follows the
description of modelling methodology of cyclosporine data.
Statistical analyses were made using quinModel function in nlme library of the SPlus (version 6). “Population” inference was based on a maximum likelihood method and
individual preditions were based on a Bayesian approach.
Key words: non linear mixed effects models, longitudinal data, pharmacokinetics,
cyclosporine, renal transplant, S-Plus.
xi
ABREVIATURAS E SÍMBOLOS
Principais abreviaturas e símbolos utilizados no âmbito da Farmacocinética:
τ
intervalo de administração
AUC
área sob a curva (area under the curve)
AUC0∞
área sob a curva após dose única
AUCtss
área sob a curva em estado estacionário
AUMC
área sob a curva do primeiro momento (area under the first-moment curve)
∞
AUMC0
área sob a curva do primeiro momento em dose única
C0
concentração do fármaco no tempo zero
Cl
clearance
concentração máxima do fármaco após administração
Cmáx
Cmáx
ss
concentração máxima do fármaco em estado estacionário
concentração mínima do fármaco
Cmin
ss
Cmin
concentração mínima do fármaco em estado estacionário
Ct
concentração do fármaco no tempo t
CT
concentração do fármaco no fim da perfusão (antes do estado estacionário)
CTss
concentração de fármaco no fim da perfusão em estado estacionário
CYP P450 sistema enzimático citocromo P-450
D
dose
dCt/dt
alteração da concentração do fármaco ao longo do tempo
dM/dt
alteração da quantidade de fármaco ao longo do tempo
F
fator de biodisponibilidade
IV
intravenoso
k0
velocidade de perfusão (D/τ)
Ka
constante de absorção
Ke
constante de eliminação
KM
constante de Michaelis-Menten
LADME
libertação, absorção, distribuição, metabolismo e excreção
MRT
tempo médio de residência (mean residence time)
n
número de doses administradas
SS
estado estacionário (steady-state)
xii
t
tempo
T
tempo de perfusão
t0
tempo de latência (lag-time)
T1/2
tempo de semi-vida
TDM
monitorização sérica da terapêutica farmacológica (therapeutic drug monitoring)
tDn
tempo após administração ao fim da dose D1, D2, ..., Dn
tmáx
tempo pós administração correspondente à concentração máxima
Vd
volume de distribuição
Vmáx
velocidade máxima da capacidade enzimática
(Fitzmaurice, Davidian, Verbeke, & Molenberghs, 2009)
(De Vito, Crass, Blum, Pleasants, & Schentag, 1985; Sheiner, Rosenberg, & Marathe,
1977)
(Pillai, Mentré, & Steimer, 2005)
(Box, Jenkins, & Reinsel, 1994; Diggle, Liang, & Zeger, 1994)
(Medronho, Carvalho, Bloch, Luiz, & Werneck, 2005; Zeger, Liang, & Albert, 1988)
(Nothdurft, Kublin, & Lappi, 2006)
(Maitre, Buhrer, Thomson, & Stanski, 1991; Mandema, Verotta, & Sheiner, 1992; Wade,
Beal, & Sambol, 1994; Wählby, Jonsson, & Karlsson, 2002)
(R. J. Bauer, Guzy, & Ng, 2007)
(Porta Oltra, Pérez Ruixo, Jiménez Torres, & Pallardó Mateu, 2004; Rui, Zhuo, Jiang, &
Chen, 1995; Schädeli, Marti, Frey, & Uehlinger, 2002)
(Savic, Jonker, Kerbusch, & Karlsson, 2007) (Lindstrom & Bates, 1990)
(Brendel et al., 2007; Dartois et al., 2007; Tornøe, Agersø, Nielsen, Madsen, & Jonsson,
2004; Wade, Edholm, & Salmonson, 2005)
(Asberg et al., 2010; Ette, Williams, & Lane, 2004) (Jönsson, Henningsson, Edholm, &
Salmonson, 2012)
1. INTRODUÇÃO
As ciências biomédicas apoiam-se em outras disciplinas, nomeadamente na estatística, para
fazer inferências sobre a magnitude da resposta biológica de interesse. Frequentemente
utilizam modelos construídos com base em dados experimentais, que representam o
sistema biológico de interesse e permitem explorar a sua estrutura e comportamento. Uma
vez que os dados experimentais estão sujeitos a erro, o objetivo principal desses modelos
consiste em distinguir a “informação” do sistema, do ruído ou da componente aleatória do
sistema (Bonate, 2005a).
O sistema biológico é então descrito por um modelo estatístico composto por uma parte
determinística e uma parte aleatória, sendo a resposta biológica representada por uma
variável aleatória, contínua ou discreta, cuja distribuição de probabilidade é utilizada para
descrever a probabilidade de se observar um determinado valor da resposta de interesse
(Davidian, 2007).
Dentro das ciências biomédicas, a farmacocinética é uma especialidade das ciências
farmacêuticas, que estuda o percurso de um fármaco no organismo, recorrendo a modelos
geralmente não lineares nos parâmetros, designados de modelos farmacocinéticos. Estes
modelos, que representam a variação da concentração, ao longo do tempo, de um fármaco
após a sua introdução no organismo, derivam da representação do organismo em
compartimentos incorporando os pressupostos de como o organismo processa a absorção,
a distribuição e a eliminação de um fármaco em cada indivíduo.
2
1. Introdução
Nesta área, a resposta de interesse consiste nas concentrações séricas de um fármaco ao
longo do tempo para um conjunto de indivíduos, sendo o objetivo de um estudo
farmacocinético, caracterizar as alterações dessa variável resposta ao longo do tempo no
indivíduo. É igualmente objeto de interesse determinar se essas alterações se relacionam
com um conjunto de características (fatores) fisiopatológicas dos indivíduos como, por
exemplo, a idade, o peso, a medicação concomitante, as doenças associadas, etc..
Pode-se então dizer que, os dados resultantes dos estudos em farmacocinética são dados
longitudinais contínuos com base nos quais se pretende compreender o comportamento
“típico” do fármaco na população e em que medida ele varia entre os indivíduos, podendo
este conhecimento ser aplicado na recomendação de posologias individualizadas de forma a
tirar partido de todo o potencial terapêutico de um fármaco, maximizando a sua eficácia e
segurança.
A complexidade da análise de dados longitudinais é aqui acrescida com o facto de os
modelos farmacocinéticos serem, em geral, não lineares nos parâmetros. Os modelos não
lineares de efeitos mistos são uma escolha natural na execução do objetivo de um estudo
farmacocinético.
Neste trabalho o objetivo fundamental é estimar os parâmetros farmacocinéticos da
ciclosporina, após administração oral, em doentes transplantados renais, através da
aplicação de modelos não lineares de efeitos mistos. A estimação dos parâmetros
farmacocinéticos reveste-se de particular interesse na medida em que têm significado
fisiológico e caracterizam o comportamento do fármaco no organismo.
No Capítulo 2 deste trabalho são descritos alguns conceitos básicos de farmacocinética que
permitem compreender a complexidade dos modelos e, assim, mais facilmente
compreender e interpretar os capítulos seguintes. Não se trata de uma descrição exaustiva
de todos os fenómenos envolvidos mas de um resumo dos conceitos necessários ao
enquadramento da questão e à implementação dos modelos.
No Capítulo 3 apresenta-se o modelo não linear de efeitos mistos, a inferência a ele
associada e a sua aplicação em farmacocinética.
No Capítulo 4 é descrita a farmacocinética da ciclosporina e os vários passos efetuados na
construção do modelo ajustado aos dados. A validação e discussão do modelo são
igualmente apresentadas.
A função quinModel da biblioteca nlme do programa S-Plus (versão 6) foi a usada
na análise estatística dos dados.
2. FARMACOCINÉTICA
A farmacocinética é um ramo da farmacologia e uma especialidade na área das ciências
farmacêuticas que se desenvolveu significativamente nos últimos 30 anos. A
farmacocinética estuda a absorção, a distribuição, o metabolismo e a excreção (ADME) do
fármaco e dos seus metabolitos no organismo, assim como os fatores que os modificam,
recorrendo a modelos matemáticos que, ao descreverem o trajeto do fármaco no
organismo, permitem fazer previsões sobre a quantidade de fármaco disponível para
exercer ação fisiológica 1.
A farmacocinética pode então considerar-se como o estudo do percurso, desde o seu input
ao seu output, de um fármaco e seus metabolitos no organismo (Matos, 2004).
Habitualmente esse estudo recorre à determinação da concentração do fármaco e/ou dos
seus metabolitos no sangue, por ser o líquido biológico de melhor acesso para descrever o
perfil da concentração ao longo do tempo (t). Idealmente a concentração devia ser
determinada no local de ação (recetores biológicos) mas, a maior parte das vezes, tal não é
possível. Assim, utiliza-se a concentração do fármaco em amostras biológicas acessíveis,
como o sangue, que estão em equilíbrio, e podem ser relacionadas, com o fármaco
associado ao recetor (Boroujerdi, 2001).
Quando a concentração sérica do fármaco tem uma relação estabelecida com o efeito
terapêutico e tóxico, as concentrações séricas constituem um indicador da adequabilidade
O estudo da relação do efeito biológico do fármaco e a sua concentração no organismo é conhecido por
farmacodinâmica.
1
4
2. Farmacocinética
da terapêutica. Nesse caso, pode ser definido um intervalo de concentrações terapêuticas
(margem terapêutica) que, em termos clínicos, deve ser encarado com alguma flexibilidade
(Burton, 2006).
A análise farmacocinética é determinante no estabelecimento da posologia recomendada
durante o desenvolvimento de novos fármacos mas, na prática clínica, está indicada
fundamentalmente na individualização posológica de fármacos com elevada variabilidade
interindividual e margem terapêutica estreita (Matos, 2004). Na prática clínica, esta
atividade é habitualmente designada de monitorização sérica (TDM – therapeutic drug
monitoring).
Os processos farmacocinéticos de input e output de fármaco podem ser caracterizados
essencialmente em dois tipos (Boroujerdi, 2001):
•
Cinética linear ou de primeira ordem:
A velocidade de absorção, distribuição ou eliminação é proporcional à quantidade ou
concentração do fármaco no organismo e é expressa por uma constante de
proporcionalidade, K, sendo esta a situação mais comum.
•
Cinética não linear, de ordem zero ou ainda cinética de Michaelis-Menten:
A velocidade de absorção, distribuição ou eliminação é independente da quantidade ou
concentração do fármaco no organismo e é expressa por uma constante. A administração
contínua de um fármaco em bomba perfusora (absorção a taxa constante) ou a saturação
do sistema enzimático responsável pelo metabolismo (eliminação a taxa constante) são
exemplos desta situação.
2.1
LADME
A concentração de um fármaco no organismo é determinada por vários processos, como:
Libertação:
corresponde à libertação do fármaco da forma farmacêutica;
Absorção:
corresponde à transferência do fármaco do local de absorção para a
corrente sanguínea;
Distribuição:
resulta da movimentação reversível do fármaco da corrente sanguínea
para os tecidos, onde exerce efeito farmacológico;
2. Farmacocinética
Metabolismo:
5
consiste na conversão química do fármaco noutras entidades, designadas
de metabolitos, que podem ser ativas ou não;
Excreção:
consiste na remoção do fármaco do organismo através de um orgão de
excreção (rim, fígado, pulmão ou outro).
O processo conjunto de metabolismo e excreção é habitualmente designado de eliminação.
Os fármacos podem ser administrados por via vascular, diretamente na corrente sanguínea,
ou extravascular. A absorção só está presente na administração extravascular.
O processo de LADME é condicionado por vários fatores que determinam a variabilidade
entre indivíduos (Taylor & Caviness, 1986). Nas secções seguintes descreve-se
resumidamente o processo e os parâmetros farmacocinéticos que o caracterizam.
2.1.1
LIBERTAÇÃO E ABSORÇÃO
A libertação do fármaco da forma farmacêutica envolve a desagregação da forma
farmacêutica, que lhe serve de veículo, e a sua dissolução nos líquidos biológicos. Esta fase
condiciona a absorção que, por sua vez, depende de vários fatores (Boroujerdi, 2001), pelo
que, nem todo o fármaco administrado é absorvido e fica disponível na corrente sanguínea.
A libertação e a absorção são caracterizadas pelos parâmetros: fator de biodisponibilidade
(F) e constante de absorção (Ka). A biodisponibilidade consiste numa medida da
velocidade e extensão de absorção da substância ativa que fica disponível para exercer
efeito biológico, e em que, o fator de biodisponibilidade representa a percentagem ou a
fração de dose (D) administrada que atinge a circulação sistémica.
A constante de absorção traduz a fração da quantidade de fármaco presente no local de
absorção que é absorvida em cada momento.
O tempo que medeia entre a administração e o aparecimento de concentrações no sangue
designa-se de tempo de latência (t0) ou, na terminologia inglesa, lag-time. Esse tempo
representa um atraso no efeito terapêutico desejado.
Na fisiologia humana, um fármaco administrado por via oral pode sofrer metabolização no
fígado, ou ser excretado no ar expirado, antes de alcançar a circulação sistémica geral. Este
circuito é conhecido por metabolismo pré-sistémico ou efeito de primeira passagem.
6
2. Farmacocinética
Para um fármaco administrado por via extravascular, a biodisponibilidade é determinada
pela fração absorvida e pela fração que, após absorção, escapa ao efeito de primeira
passagem.
A extensão e a velocidade de absorção afetam o perfil de concentração de um fármaco. A
área sob a curva concentração-tempo (AUC - area under the curve) é um indicador sensível da
quantidade de fármaco que chega à circulação sistémica (extensão de absorção). A sua
magnitude é diretamente proporcional à quantidade absorvida.
2.1.2
DISTRIBUIÇÃO
Uma vez atingida a circulação sistémica, o fármaco é distribuído aos tecidos e
simultaneamente eliminado através dos orgãos de eliminação.
Alguns fármacos ligam-se às proteínas plasmáticas (albumina, α-1-glicoproteína ácida) e
aos tecidos periféricos. Só o fármaco não ligado, ou livre, está disponível para ser
distribuído aos tecidos, eliminado pelos orgãos de excreção e a interagir com o recetor para
exercer efeito biológico (Winter, 1994).
O parâmetro farmacocinético utilizado para caracterizar a distribuição de um fármaco no
organismo é o volume de distribuição (Vd). Este volume não corresponde necessariamente
a um espaço fisiológico. O Vd corresponde a um volume hipotético que relaciona a
concentração sérica do fármaco no organismo com a quantidade administrada.
2.1.3
ELIMINAÇÃO
O parâmetro farmacocinético clearance (Cl) descreve a eficiência do processo de
eliminação. A clearance de um determinado orgão de eliminação (rim, fígado ou outro) é o
volume de sangue, plasma ou soro, que é totalmente “limpo” de fármaco por unidade de
tempo.
A maior parte do metabolismo é efetuado no fígado mas, outros orgãos ou tecidos,
também podem contribuir, dando origem geralmente a metabolitos mais polares e,
portanto, mais fáceis de ser excretados pela bílis, através das fezes, ou pelo rim, através da
urina. Habitualmente esses metabolitos são inativos mas também podem ser formas ativas
e esse fenómeno ser explorado com fins terapêuticos.
2. Farmacocinética
7
O metabolismo é catalizado principalmente por um sistema enzimático conhecido por
citocromo P-450 (CYP P450). O CYP P450 é responsável por diversas interações
medicamentosas, uma vez que, alguns fármacos podem competir para o mesmo sistema
enzimático, e induzir ou inibir algumas enzimas, afetando assim o seu próprio metabolismo
ou o de outros fármacos.
Os fármacos e/ou seus metabolitos excretados pela bílis são armazenados na vesícula biliar.
Quando esta é esvaziada para o intestino, parte do fármaco pode ser reabsorvido,
completando o processo conhecido como ciclo enterohepático. Como a ingestão de
alimentos é um estimulador do esvaziamento da vesícula, podem ser observados picos de
concentração secundários, de fármaco ou metabolitos, após as refeições.
O rim é o principal orgão responsável pela excreção de produtos endógenos e
xenobióticos. Tal como na absorção, parte deste processo é mediado por transportadores
específicos, como a glicoproteína-P, cuja atividade é potencialmente saturável.
A creatinina é um composto endógeno excretado por filtração glomerular. A clearance
renal deste composto é considerada um marcador da função renal. Assim, na insuficiência
renal, a clearance da creatinina é um parâmetro muito útil no ajuste posológico pois
permite estabelecer um paralelismo com a clearance de um fármaco eliminado por via
renal.
A eliminação do fármaco ocorre habitualmente por um processo de cinética linear. Neste
tipo de cinética, a constante de eliminação (Ke) é um parâmetro, tal como a clearance,
independente da concentração, que representa a fração de fármaco que é eliminada por
unidade de tempo em cada momento. O Ke pode ser descrito da seguinte forma:
Ke =
Cl
Vd
(2.1)
O tempo de semi-vida (T1/2), que corresponde ao tempo necessário para que a
concentração do fármaco se reduza a metade, é outro parâmetro importante, pois,
determina o intervalo de administração do fármaco (τ) e o tempo necessário para atingir o
estado estacionário num regime de doses múltiplas (secção 2.2).
T1 / 2 =
ln 2
Ke
(2.2)
8
2. Farmacocinética
No entanto, alguns fármacos têm cinética de eliminação não linear, uma vez que as enzimas
responsáveis pela metabolização (e transporte) ficam saturadas para a gama de
concentrações da margem terapêutica. Quando se atinge a capacidade máxima de
metabolização (Vmáx), à medida que a concentração do fármaco aumenta, a capacidade
enzimática de metabolização mantém-se e, por isso, há uma redução da clearance.
O parâmetro KM (constante de Michaelis-Menten), representa a concentração a partir da
qual se observa saturação dos sistemas enzimáticos e é definido como a concentração de
fármaco no organismo correspondente a metade de Vmáx.
Em cinética não linear, o Vd não é afetado. No entanto, como a clearance, e
consequentemente o tempo de semi-vida, é dependente da concentração, a utilidade, quer
da clearance quer do tempo de semi-vida, é limitada (L. A. Bauer, 2001; Winter, 1994).
Existe uma grande variabilidade relativamente à expressão qualitativa e quantitativa dos
sistemas enzimáticos, pelo que, fármacos deste tipo são difíceis de monitorizar (Taylor &
Caviness, 1986). Além disso, um fármaco com cinética linear, na gama de concentrações
terapêuticas, pode apresentar cinética não linear numa situação de intoxicação.
2.2
ESTADO ESTACIONÁRIO
Habitualmente uma única administração (dose única) de fármaco não é suficiente para se
obter o efeito terapêutico desejado. Assim, o fármaco é administrado repetidamente
obedecendo a um determinado intervalo de tempo entre administrações (doses múltiplas).
Quando a velocidade de administração ou absorção iguala a velocidade de eliminação é
atingido o estado estacionário (SS - steady-state). A disponibilidade do fármaco administrado,
num dado intervalo de administração, substitui exatamente a quantidade de fármaco
perdido ou eliminado no intervalo anterior. As concentrações máximas (Cmáx) e mínimas
(Cmin) tornam-se constantes de intervalo para intervalo, e tendo uma dose e um intervalo de
administração adequados, oscilam na margem terapêutica (Figura 2.1). Na Figura 2.1,
CminSS, CmáxSS, tmáx, AUC0∞ e AUCtSS representam, respetivamente, a concentração mínima e
máxima em estado estacionário, o tempo correspondente à concentração máxima e a área
sob a curva em dose única e em estado estacionário.
2. Farmacocinética
9
Num fármaco com cinética de eliminação linear, geralmente considera-se que o estado
estacionário é alcançado ao fim de cinco semi-vidas, 5 × T1 / 2 (Boroujerdi, 2001; Shargel &
Yu, 1999; Taylor & Caviness, 1986).
Para um fármaco com cinética não linear, se a taxa de administração for maior que a
capacidade metabólica, o estado estacionário nunca é alcançado e o fármaco acumula-se
indefinidamente (Winter, 1994).
C mS Sá x
Margem
SS
Terapêutica
Concentração
SS
C min
SS
C má x
A UC t
∞
A U C0
0
0
t0
t má x
Tempo
Figura 2.1 - Perfil da concentração sanguínea em função do tempo de um fármaco hipotético
administrado em doses múltiplas por via oral.
2.3
ANÁLISE FARMACOCINÉTICA
Existem várias abordagens no estudo da farmacocinética, sendo as mais comuns a análise
compartimental e a análise não compartimental.
A análise compartimental assenta na descrição matemática do declínio da concentração do
fármaco no organismo ao longo do tempo através da utilização de uma amostra biológica
como indicador. Em contrapartida, a análise não compartimental utiliza a área da curva
concentração-tempo (AUC) como base para a estimação dos parâmetros farmacocinéticos.
Estas duas últimas abordagens estão resumidas brevemente nas secções seguintes.
10
2.3.1
2. Farmacocinética
ANÁLISE COMPARTIMENTAL
Nesta teoria, o organismo é representado como uma série de sistemas ou compartimentos
que comunicam reversivelmente uns com os outros (Boroujerdi, 2001).
Um compartimento não é uma região fisiológica ou anatómica real, mas é considerado um
tecido ou conjunto de tecidos, com fluxo sanguíneo e afinidade semelhantes para o
fármaco, no qual este se distribui de forma uniforme e homogénea.
O fármaco move-se dinamicamente entre compartimentos, de tal forma que, cada molécula
tem igual probabilidade de abandonar o compartimento. Este processo de troca de massas
entre compartimentos é traduzido por constantes de velocidade (Boroujerdi, 2001;
Rowland & Tucker, 1986). Desta forma, o modelo matemático envolvido é um sistema de
equações diferenciais que expressam a velocidade a que a quantidade de fármaco, ou a sua
concentração, ou o seu efeito farmacológico, é afetado ao longo do tempo em cada
compartimento.
Os modelos podem ser mono ou multicompartimentais. Os modelos multicompartimentais
são descritos por um compartimento central e um ou vários compartimentos periféricos.
Geralmente assume-se que a eliminação ocorre a partir do compartimento central mas
pode ser feita a partir dos compartimentos periféricos.
Na Figura 2.2, as constantes K representam a transferência de massa entre compartimentos.
O compartimento central foi identificado como 1, e os compartimentos periféricos como 2
e 3. O valor 0 foi atribuído ao exterior do sistema. A constante Ka, que representa a
constante de absorção, só está presente se se considerar uma administração extravascular.
Os tecidos altamente perfundidos (fígado, coração, pulmão e rim) devido ao seu alto fluxo
sanguíneo e ao rápido equilíbrio com a concentração do fármaco no sangue, são
geralmente considerados como fazendo parte do compartimento central. Assim, o
compartimento central, em muitos dos modelos, é composto pela circulação sistémica e
pelos tecidos altamente perfundidos. O compartimento central corresponde habitualmente
ao compartimento de amostragem.
Para incluir outras regiões do organismo que alcançam o equilíbrio com a concentração do
fármaco na circulação sistémica de forma mais lenta, ou quando um fármaco tem
determinada afinidade para um dado orgão ou região, são necessários modelos mais
complexos com dois, três ou quatro compartimentos.
2. Farmacocinética
11
No entanto, a regra de ouro é incluir sempre o menor número possível de compartimentos
consistente com o comportamento do fármaco, com a realidade fisiológica, e a facilidade
de determinação dos parâmetros relevantes (Boroujerdi, 2001).
1 compartimento
2 compartimentos
2
I
1
Ka
K21
II
K10
Ka
K20
2
K12
1
III
K21
Ka
K10
2
IV
K12
1
K21
Ka
K20
K12
1
K10
3 compartimentos
K21
2
V
K21
2
VIII
k20
Ka
XIV
Ka
3
Ka
K13
1
K21
K23
3
IX
2
Ka
K12
K23
Ka
2
Ka
XII
Ka
K13
1
K12
3
K32
VII
K31
3
1
1
K12
K23
K21
Ka
3
XIII
3
XV
K12
1
K21
K32
k30
2
k10
XVI
K12
K23
1
2
K21
K32
K30
3
K32
K20
Ka
3
K10
K23
K12
K21
K23
2
3
K32
1
K32
K30
Ka
2
K10
K23
2
3
K31
K30
K21
K30
K12
K13
K12
1
X
K31
K20
K21
k20
K21
k10
3
2
K21
k20
2
k13
K12
2
VI
K12
k31
1
K21
K31
1
K12
K10
1
Ka
K13
1
K12
k20
XI
Ka
K10
3
K32
K20
K30
Ka
K21
XVII
2
K20
K13
1
K12
K10
3
K31
K30
Figura 2.2 - Esquema de input e output de um fármaco no organismo na presença de um, dois e três
compartimentos.
MODELOS FARMACOCINÉTICOS
Os modelos farmacocinéticos procedem da integração analítica ou numérica das equações
diferenciais (Rowland & Tucker, 1986)., sendo caracterizados pelos parâmetros
farmacocinéticos referidos anteriormente (secção 2.1).
A distinção entre os vários modelos farmacocinéticos é feita, essencialmente, pelo número
de compartimentos, pela cinética do seu input e output e pelo tipo de administração.
12
2. Farmacocinética
Na Tabela 2.1 estão indicadas, para o modelo de um compartimento, com eliminação a
partir do compartimento central, as equações diferenciais e as respetivas equações
integradas para os modelos farmacocinéticos mais utilizados (Boroujerdi, 2001; Shargel &
Yu, 1999).
Podem ser descritos outros modelos que acomodem, por exemplo, uma dose de carga
seguida de doses de manutenção, eliminação mista (eliminação simultaneamente linear e
não linear feita por diferentes orgãos de eliminação), etc., que tornam as expressões mais
complexas.
Em modelos multicompartimentais, as equações têm, além disso, de acomodar as
constantes de velocidade entre os compartimentos e, potencialmente, admitir eliminação
também a partir dos compartimentos periféricos.
Um modelo de dois ou mais compartimentos pode ser mais realista na descrição do
comportamento do fármaco no organismo, mas introduz dificuldades na interpretação
fisiológica dos parâmetros obtidos (Boroujerdi, 2001).
Em análise compartimental, os métodos clássicos de estimação dos parâmetros
farmacocinéticos, recorrem, sob determinados pressupostos, à análise gráfica e a
linearizações dos modelos (Boroujerdi, 2001; Rowland & Tucker, 1986).
Nas últimas décadas, a existência de computadores com uma velocidade de cálculo cada
vez maior tem levado ao desenvolvimento de métodos computacionais que permitem
estimar os parâmetros farmacocinéticos diretamente por regressão não linear.
A biodisponibilidade (F), no entanto, dado o seu significado fisiológico, continua a ser
estimada por análise não compartimental (secção 2.3.2), a partir da razão entre a AUC após
administração oral e a AUC após administração endovenosa.
Os parâmetros farmacocinéticos obtidos no desconhecimento de F, não são os reais e
designam-se de aparentes (Cl/F, Vd/F) (Shargel & Yu, 1999).
2. Farmacocinética
13
Tabela 2.1 - Descrição, gráficos e equações dos modelos de um compartimento mais frequentes em TDM, considerando eliminação a partir do compartimento
central, em dose única e em doses múltiplas.
input e output de
primeira ordem
Ex.:
administração
oral
I
Descrição do modelo
Equações do modelo
A dose no local de absorção é
gradualmente absorvida para o sistema
vascular por gradiente ou difusão passiva.
Ambos os processos de absorção e
eliminação seguem uma cinética de primeira
ordem em que as suas velocidades são
função da quantidade de fármaco. A
velocidade de absorção (RA) é mais elevada
no início, quando a quantidade de fármaco
é maior no local de absorção, enquanto a
velocidade de eliminação (RE) é pequena
no início, devido à menor quantidade no
organismo, mas aumenta à medida que a
quantidade de fármaco absorvido se
acumula no organismo, até um ponto em
que RE=RA. Nesse ponto atinge-se o
máximo da curva concentração tempo
(Cmáx) correspondente ao tempo máximo
(tmáx). Após tmáx, RE>RA até mais
nenhuma quantidade ser absorvida. Após
absorção completa, a fase terminal da curva
é unicamente função da eliminação.
A - Equação diferencial
Representação gráfica
dM
= KaM a − KeM
dt
Estado estacionário (SS)
Doses múltiplas
Dose única
D3
B – Dose única
Ct =
(
FDKa
e − Ket − e − Kat
(Ka − Ke) × Vd
)
Dn
...
D2
τ
C – Doses múltiplas
Ct =
FDKa
(Ke − Ka ) × Vd
⎡⎛ 1 − e − nKaτ
× ⎢⎜⎜
− Kaτ
⎣⎝ 1 − e
Concentração
Tipo de modelo
×
⎞ − K a t ⎛ 1 − e − nKeτ
⎟⎟ × e
− ⎜⎜
− Keτ
⎠
⎝ 1− e
×
⎡⎛
1
1
⎞ − Ket ⎛
⎞ − Kat ⎤
× ⎢⎜
×e
−⎜
×e ⎥
− Keτ ⎟
− Ka τ ⎟
⎠
⎝1− e
⎠
⎣⎝ 1 − e
⎦
RA>RE
RE>RA
B
0
0
Tempo
2. Farmacocinética
FDKa
(Ka − Ke )× Vd
C
RA=RE
⎞ − Ket ⎤
⎟⎟ × e ⎥
⎠
⎦
D – Em SS
Ct =
D
D1
13
14
2. Farmacocinética
14
III Ex.:
administração
IV intermitente
Representação gráfica
A - Equação diferencial
dM
= k 0 − KeM
dt
fi m d e p e r fu s ã o e m S S
F i m d e p e r fu s ã o a n te s d e S S
B – Antes de atingir o SS
(
k0
1 − e − Ket
Ke × Vd
)
C – Após de atingir o SS
Ct =
k0
Ke × Vd
C
C
B
D– Fim de perfusão antes de atingir o SS
Ct = CT e
T
Concentração
Ct =
C Tss
SS
D
E
− Ke (t − T )
0
E – Fim de perfusão após atingir o SS
C t = CTss e
0
T
Tem po
Ts s
− Ket
F - Dose única
Ct =
(
)
k0
1 − e − KeT × e − Ke(t −T )
Ke × Vd
G – Doses múltiplas
(
D
D
)
k0
1 − e − KeT ×
Ke × Vd
⎛ 1 − e − nKeτ ⎞ − Ke(t −T )
⎟×e
× ⎜⎜
− Keτ ⎟
⎝ 1− e
⎠
Ct =
D o s e ú n ic a
D o s e s m ú l ti p l a s
E m e s ta d o e s ta c i o n á r i o
T e m p o d e p e r fu s ã o ( T )
(
1
B
B
τ
B
)
n
H
D
H –Em SS
k0
1 − e − KeT ×
Ct =
Ke × Vd
1
⎞ − Ke (t − T )
⎛
×e
×⎜
− Keτ ⎟
⎠
⎝1 − e
D
...
3
2
G
Concentração
O fármaco é introduzido na circulação
input de ordem sistémica a uma velocidade constante e
zero e output de eliminado do organismo a uma velocidade
primeira ordem que depende da concentração no
organismo. No início a quantidade no
compartimento central é pequena e a
velocidade de eliminação também é
pequena e menor que a velocidade de
Ex.:
administração. À medida que a
II
administração
administração continua, a quantidade no
IV contínua,
organismo acumula-se e a velocidade de
transdérmica ou eliminação aumenta gradualmente. Até se
oral de
atingir um nível em que a quantidade
libertação
administrada é semelhante à quantidade
prolongada
eliminada por unidade de tempo e a
concentração no organismo permanece
constante. Assim, a acumulação do fármaco
no organismo pode ser vista como a
diferença entre a velocidade de input e a
velocidade de output. No estado estacionário
input
intermitente de deixa de haver acumulação e dM/dt=0, pelo
ordem zero e
que k0=KeM. Quando se pára a
output de
administração do fármaco, a concentração
primeira ordem decai a uma velocidade que é dependente
da concentração.
Equações do modelo
F
0
Descrição do modelo
2. Farmacocinética
Tipo de modelo
0
T
Tem p o
2. Farmacocinética
IV E.x:
bólus IV
input
instantâneo e
output de ordem
zero
V
Assume que:
• input no organismo e a transferência do
fármaco do plasma para os tecidos é rápida;
• a quantidade de fármaco no organismo
no instante zero (t=0) é igual à dose (D)
administrada;
• a velocidade de eliminação do fármaco
(dM/dt) no tempo t é proporcional à
quantidade do fármaco no organismo.
Assim, dM/dt é variável e diminui à medida
que a quantidade (M) de fármaco no
organismo diminui, mas a constante de
eliminação Ke é constante em todos os
tempos t.
A - Equação diferencial:
Quando Vmáx diminui, aumenta o tempo
necessário para eliminar uma dada
quantidade de fármaco no organismo. Um
aumento de KM, com Vmáx inalterado,
aumenta o tempo de eliminação do fármaco
do organismo. O KM não é uma constante
de eliminação.
Representação gráfica
dM
= − KeM
dt
E s t a d o e s ta c i o n á r i o ( S S )
D o s e s m ú l ti p l a s
D o s e ú n ic a
B - Dose única:
D
D
Ct =
× e − Ket
Vd
D
C – Doses múltiplas:
Ct =
D
Vd
− nKe τ
⎛1− e
⎜⎜
− Ke τ
⎝ 1− e
n
3
2
τ
1
C
⎞ − Ket
⎟⎟ × e
⎠
D
B
D - Em SS
Ct =
D
D
...
0
1
D ⎛
⎞
− Ket
⎜
⎟×e
Vd ⎝ 1 − e − Ke τ ⎠
0
Tem po
A – Equação diferencial
(equação de Michaelis-Menten)
dC t
V × Ct
= − máx
dt
Ct + K M
D o s e s m ú ltip la s
D o s e ú n ica
D3
B – Dose única
C0 − Ct
K
C
= Vmáx − M ln 0
t
t
Ct
C - Doses múltiplas
D
Ct = C (1) t D1 = 1
Vd
( )
Ct = C ( n ) (t Dn ) = C ( n −1) (t Dn ) +
Dn
...
D
2
τ
D1
C
B
0
Dn
Vd
0
Te m p o
15
C0 – concentração do fármaco no tempo zero; CTss – concentração de fármaco no fim da perfusão após atingir o SS; Ct – concentração do fármaco ao fim do tempo t; CT –
concentração do fármaco no fim da perfusão antes de atingir o SS; dCt/dt – alteração da concentração do fármaco ao longo do tempo; dM/dt – alteração da quantidade de
fármaco ao longo do tempo; IV – intravenoso; k0 – velocidade de perfusão; n- número de doses administradas; t – tempo; T – tempo de perfusão; tDn– tempo após administração
ao fim da dose D1, D2, ..., Dn.
2. Farmacocinética
Ex.:
administração
em bólus IV
Equações do modelo
Concentração
input
instantâneo e
output de
primeira ordem
Descrição do modelo
Concentração
Tipo de modelo
15
16
2.3.2
2. Farmacocinética
ANÁLISE NÃO COMPARTIMENTAL
A análise não compartimental faz uma análise direta das concentrações, independente dos
pressupostos compartimentais e de transferência de massa, baseando-se nos momentos de
uma variável aleatória.
A ideia chave é a de que a passagem de um fármaco pelo organismo pode ser considerada
um processo estocástico sujeito a algumas flutuações aleatórias. Por exemplo, se o que se
está a medir é a alteração da concentração de um determinado fármaco no organismo com
o tempo, a alteração é função da variável independente “tempo” e a variável associada à
alteração é uma variável aleatória (Boroujerdi, 2001).
Em teoria, um conjunto de observações concentração-tempo pode ser considerado
realização de uma variável aleatória. Assim, considerando que, a variável aleatória associada
às curvas concentração-tempo pode ser definida por uma função densidade de
probabilidade dada pela concentração do fármaco (Ct) no tempo (t), tem-se:
+∞
μ 0 = ∫ Ct dt = AUC 0∞
(2.3)
0
+∞
μ1 = ∫ tC t dt = AUMC 0∞
(2.4)
0
A equação dada por (2.3) representa a área sob a curva da concentração vs tempo (AUC)
em dose única e a equação (2.4) representa a área sob a curva do primeiro momento
(AUMC – area under the first-moment curve) na mesma situação.
A determinação da AUC e da AUMC pode ser feita por métodos de integração ou mais
simplesmente pela regra dos trapézios (Boroujerdi, 2001; Rowland & Tucker, 1986).
O parâmetro farmacocinético determinante na análise não compartimental é o tempo
médio de residência (MRT – mean residence time). O MRT, que caracteriza o processo de
eliminação do fármaco, corresponde à média do tempo em que o conjunto total de
moléculas permanece no organismo e pode ser descrito como:
2. Farmacocinética
MRT =
AUMC0∞
AUC0∞
17
(2.5)
O MRT calculado desta forma relaciona-se com a teoria compartimental de tal forma que,
para um compartimento, o MRT é equivalente às expressões indicadas na Tabela 2.2,
donde é possível estimar os parâmetros farmacocinéticos habituais (Boroujerdi, 2001).
Para mais compartimentos considera-se que o MRT total corresponde ao somatório do
MRT de cada compartimento (Shargel & Yu, 1999).
Tabela 2.2 – Relação do MRT com o modelo de um compartimento e estimação dos parâmetros
farmacocinéticos a partir de dados de dose única.
1 compartimento
input instantâneo e output de
primeira ordem
(ex: bólus IV)
input ordem zero intermitente e
output de primeira ordem
(ex: IV intermitente)
input de primeira ordem e output
de primeira ordem
(ex: oral)
Dose única
Parâmetros farmacocinéticos
MRTbólus =
1
Ke
Cltotal =
D × MRTbólus
D
=
AUC
AUMC
Vd = Cltotal × MRTbólus =
MRT perf =
1 T
+
Ke 2
Cltotal =
Vd =
MRTPO =
1
1
+
Ke Ka
Vd =
D × MRTperf
D
=
AUC
AUMC
k 0 T × AUMC
AUC 2
Cltotal =
D × AUMC
AUC 2
−
k 0T 2
2 AUC
FD × MRTPO
FD
=
AUC
AUMC
D × MRTbólus FD × (1 / Ka )
+
AUC bólus
AUC oral
k0 – velocidade de perfusão; T – tempo de perfusão.
A determinação de MRT, a partir de dados obtidos após doses múltiplas ou em estado
estacionário, é mais complexa sendo rara a sua aplicação prática (Boroujerdi, 2001; De Vito
et al., 1985; Perrier & Mayersohn, 1982; Smith & Schentag, 1984).
A análise não compartimental não é habitualmente utilizada, de forma independente, na
estimação de parâmetros farmacocinéticos, mas em complementariedade com a análise
compartimental.
18
2. Farmacocinética
2.4
ANÁLISE POPULACIONAL
Os métodos de análise compartimental e não compartimental, descritos nas secções
anteriores (2.3.1 e 2.3.2) exigem um elevado número de observações por indivíduo para
descrever corretamente o perfil da curva concentração-tempo. Tal só é possível no
ambiente controlado de um estudo farmacocinético.
Os estudos farmacocinéticos tradicionais apresentam rigorosos critérios de inclusão, em
que os indivíduos incluídos são selecionados de modo a constituir um grupo homogéneo
de doentes, uma vez que, as metodologias de análise envolvidas não permitem caracterizar
a variabilidade interindividual (Tabela 2.3), sendo esta considerada uma fonte de ruído que
deve ser eliminada (Ette & Williams, 2004a). Estes estudos são conduzidos, por isso, de
forma artificial, não traduzindo a utilização normal do fármaco na prática clínica.
Tabela 2.3 - Fatores de variabilidade farmacocinética.
Fatores
Fisiológicos e
fisopatológicos
Demográficos
Ambientais
Genéticos
Peso
Altura
Sexo
BSA
Idade
Etnia
Tabaco
Dieta
Poluentes
Polimorfismo CYP P450 Gravidez
Polimorfismo de PT
IR
(glicoproteína-P)
IH
Alteração da LPP
Outros
Interações
medicamentosas
Alimentação
Ritmo circadiano
Desporto
BSA – área de superfície corporal; IR – insuficiência renal; IH – insuficiência hepática; LPP – ligação às
proteínas plasmáticas; PT – proteínas de transporte
No fim da década de 70, início da década de 80, o grupo de investigação liderado por
Sheiner e Beal, publicou uma série de artigos (Sheiner & Beal, 1980, 1981a, 1983; Sheiner et
al., 1977) que descrevem uma nova abordagem na análise farmacocinética, que mais tarde
veio a ser designada por farmacocinética populacional, e um software, NONMEM, que
permite implementar a análise estatística envolvida (modelos não lineares de efeitos mistos)
(Bonate, 2005b), embora atualmente já existam outras alternativas informáticas (secção
3.7).
Nesta nova metodologia procura-se avaliar e quantificar fontes de variabilidade em vez de
tentar eliminá-las, por isso, a utilização de um grupo de indivíduos da rotina clínica, que
2. Farmacocinética
19
representam a utilização normal do fármaco, é vantajosa. Conhecer a variabilidade e a sua
magnitude é importante para estabelecer regimes posológicos adequados (Ette & Williams,
2004a).
Esta metodologia tem ainda a vantagem de poder ser aplicada a indivíduos com um
pequeno número de observações (amostragem reduzida), pois, permite “emprestar”
informação de indivíduos semelhantes, admitindo que o comportamento farmacocinético
de um indivíduo deve ser semelhante ao de indivíduos com idênticas características.
Por este motivo, esta metodologia pode ser aplicada em populações especiais que, por
razões éticas, não poderiam ser estudadas de outra forma: recém nascidos, idosos,
imunodeprimidos, doentes críticos e oncológicos (Ette & Williams, 2004a), entre outros.
Apesar de inicialmente a amostragem reduzida ter sido encarada com alguma reserva (Pillai
et al., 2005), esta metodologia rapidamente ganhou adeptos sendo atualmente aprovada pela
FDA (Food and Drug Administration) 2 e pela EMA (European Medicines Agency) 3, quer para
dados da rotina, quer para desenvolvimento de novos fármacos (Committee for Medicinal
Products for Human Use [CHMP], 2007; US FDA Center for Drug Evaluation and
Research [CDER], 1999).
A análise estatística desta abordagem farmacocinética será o tema do próximo capítulo.
Agência americana do medicamento.
Agência europeia do medicamento anteriormente designada por European Agency for the Evaluation of Medicinal
Products (EMEA).
2
3
3. MODELO NÃO LINEAR DE EFEITOS MISTOS
Os modelos não lineares de efeitos mistos para dados contínuos são uma metodologia de
análise cada vez mais utilizada, quando os dados resultam de medições repetidas sobre os
indivíduos, em particular, quando essas repetições são a consequência da medição da
característica em estudo ao longo do tempo, isto é, quando se têm dados longitudinais, e
em que a expressão matemática, que relaciona a variável resposta com as variáveis
preditoras, é não linear nos parâmetros.
Essa relação não linear entre a variável resposta e, pelo menos, um dos parâmetros do
modelo é muitas vezes baseada em modelos do mecanismo de produção da resposta, tendo
geralmente uma interpretação física ou biológica (Pinheiro & Bates, 2000), como é o caso
dos modelos farmacocinéticos discutidos no Capítulo 2.
A existência no modelo quer de efeitos fixos, parâmetros associados à população, quer de
efeitos aleatórios, associados aos indivíduos, leva a que o modelo se designe de efeitos mistos
(também designado por modelo não linear misto ou com efeitos mistos).
Os modelos não lineares de efeitos mistos são, por isso, modelos mistos em que um ou
mais efeitos fixos e aleatórios ocorrem de forma não linear no modelo (Pinheiro & Bates,
2000).
Estes modelos têm particular interesse em farmacocinética onde, a partir de dados
longitudinais, se pretende fazer inferência sobre as características subjacentes ao perfil dos
indivíduos selecionados da população.
22
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
Em dados longitudinais, as observações sobre um indivíduo têm tendência a estar
correlacionadas. Por outro lado, em dados que seguem um modelo não linear é frequente
que a variância associada à resposta varie sistematicamente com a magnitude da resposta
(heterocedastecidade). A incorporação de efeitos aleatórios vai permitir acomodar a
dependência das observações no mesmo indivíduo e reconhecer e quantificar fontes de
variabilidade.
Os modelos não lineares de efeitos mistos mereceram grande atenção por parte da
comunidade científica nos finais dos anos 80. Durante os anos 90 assistiu-se a um grande
desenvolvimento destes modelos com a criação de novas metodologias e técnicas
computacionais para a sua análise. Hoje em dia são uma “ferramenta” de trabalho em
várias áreas científicas existindo já programas estatísticos específicos para a sua aplicação.
Neste capítulo apresentam-se os modelos não lineares de efeitos mistos, para a análise de
dados contínuos com distribuição normal ou aproximadamente normal (Davidian, 2007),
tendo em vista a sua aplicação a farmacocinética.
3.1
O MODELO
Considere-se uma amostra de N indivíduos i (i = 1,.., N ) da população em estudo. Seja
y ij o valor da j-ésima resposta ou observação
( j = 1,..., ni )
do indivíduo i , obtida no
tempo tij, realização da variável aleatória (v.a.) Yij , a que se dá o nome de variável resposta.
(
Ao vetor Yi = Yi1 ,..., Yini
)
T
das variáveis resposta dá-se o nome de perfil do indivíduo i ,
N
sendo o número total de observações dado por M = ∑ ni . Em dados longitudinais ao
i =1
conjunto de medições repetidas sobre o mesmo indíviduo dá-se o nome de grupo.
O modelo não linear de efeitos mistos pode ser descrito em duas fases. A esta descrição em
duas fases dá-se o nome de formulação hierárquica do modelo não linear de efeitos mistos
(Davidian & Giltinan, 1995):
Fase 1 - Modelo individual (variação intra indivíduos)
Yij = f (x ij , θ i ) + eij
i = 1,..., N ; j = 1,..., ni
(3.1)
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
23
onde f é uma função não linear de um vetor de covariáveis x ij , que sumarizam o
conjunto de condições a que o indivíduo i estava sujeito na observação j, e θ i é um vetor
r ×1 de parâmetros, específico de cada indivíduo i . O termo e ij é um erro aleatório que dá
a variabilidade intra individual e que se assume satisfazer a igualdade E (eij | θ i ) = 0 , o que
implica E (Yij | θ i ) = f (xij , θ i ) para cada j. Assume-se habitualmente a homocedastecidade e
(
)
( )
independência do erro aleatório de modo que, cov eij | θ i = cov e ij = σ 2 I ni , sendo I ni a
matriz identidade de ordem ni. A distribuição normal é a hipótese geralmente considerada
(
para a distribuição dos e ij condicional a θ i , tal que, e i | θ i ~ N 0, σ 2 I ni
) (Davidian &
Giltinan, 1995, n.d.).
No âmbito da farmacocinética, a função não linear f é representada por um modelo
farmacocinético, sendo Yij a v.a. associada à concentração sérica do fármaco e x ij um
vetor de covariáveis como o tempo, a dose, etc..
Fase 2 - Modelo populacional (variação entre indivíduos)
θi = d(ai , β, bi )
i = 1,.., N
(3.2)
onde d é uma função r dimensional, β é um vetor p × 1 de parâmetros fixos, ou efeitos
fixos, b i é um vetor q ×1 de efeitos aleatórios e a i é um vetor a × 1 de covariáveis
correspondendo aos atributos do indivíduo i. Cada elemento de d está associado com o
correspondente elemento de θ i , de modo que a relação funcional pode ser diferente para
cada elemento. A relação entre os efeitos fixos e aleatórios pode não ser linear (Davidian &
Giltinan, 1995, n.d.; Fitzmaurice et al., 2009)
O vetor θ i , caracteriza a variabilidade entre indivíduos. Esta variabilidade é atribuída a duas
componentes, uma sistemática e outra aleatória. A componente sistemática contém a
variabilidade atribuída à dependência sistemática do parâmetro relativamente às
características do indivíduo (e.g., covariáveis como a idade, o peso, o sexo, etc.). A restante
variabilidade, que não se consegue explicar, mas que deve ser incluída no modelo, é
atribuída à componente aleatória.
24
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
O modelo populacional envolve assim a especificação de cada elemento de θ i e portanto
de d , de modo a modelar a dependência deste relativamente às componentes sistemática e
aleatória através da incorporação no modelo de covariáveis explicativas a i e de efeitos
aleatórios b i , respetivamente (Davidian & Giltinan, 1995, n.d.).
Geralmente assume-se que os b i são independentes entre si e independentes dos
(
e i = ei1 ,...,eini
)
T
e dos ai com:
E (b i | a i ) = E (b i ) = 0 e
cov(b i | a i ) = cov(b i ) = D
(3.3)
onde D é uma matriz de variância-covariância definida positiva e idêntica para todos os
indivíduos, que caracteriza a magnitude da variabilidade não explicada pelas covariáveis nos
elementos de θ i e as associações entre eles. Outra hipótese em geral considerada é a de
b i ~ N (0, D) (Davidian & Giltinan, n.d.).
No contexto da farmacocinética é frequente d ser uma função não linear das componentes
sistemática e aleatória. Considere-se como exemplo o modelo de um compartimento com
input e output de primeira ordem, em dose única, apresentado no Capítulo 2 (Tabela 2.1).
Ct =
FDKa
(Ka − Ke) × Vd
(e
− Ket
− e −Kat
)
(3.4)
Considerando que Ke=Cl/Vd (2.1), o modelo pode ser escrito da seguinte forma:
Ct =
Cl
t
⎛ −Vd
⎞
FDKa
⎜e
− e − Kat ⎟⎟
⎜
Cl ⎞
⎛
⎠
⎜ Ka −
⎟ × Vd ⎝
Vd ⎠
⎝
(3.5)
sendo θ i = (Kai ,Vd i , Cli ) (r = 3 ) ; admitindo que a i = (wi , g i , Clcri ) , com wi =peso, gi
T
T
=idade e Clcri =clearance da creatinina, uma variável binária que assume o valor 1 se > 50
ml/min e 0 caso contrário, vai considerar-se a Cli a depender de wi e de Clcri, e Vdi a
depender de gi.
Tendo em atenção a relação acabada de indicar e, com base no facto de se saber que os
parâmetros farmacocinéticos (Cl, Ka, Vd) são positivos e exibirem habitualmente uma
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
25
distribuição assimétrica com coeficiente de variação (CV) constante e, como tal, permitirem
assumir uma distribuição log-normal (Fitzmaurice et al., 2009), o modelo sugerido para as
componentes de d é dado por:
Kai = θ1i = d1 (a i , β, b i ) = exp(β1 + b1i )
(3.6)
Vd i = θ 2i = d 2 (a i , β, b i ) = exp(β 2 + β 4 g i + b2i )
Cli = θ 3i = d 3 (a i , β, b i ) = exp(β 3 + β 5 wi + β 6 Clcri + b3i )
onde bi = (b1i, b2i, b3i)T (q = 3) , β = (β1 ,..., β 6 )
T
( p = 6) (Davidian & Giltinan, 1995).
Neste modelo foi associado um efeito aleatório a todos os parâmetros, pois, do ponto de
vista biológico, é improvável obter um parâmetro sem variabilidade ou em que a sua
variabilidade esteja completamente explicada pelas covariáveis. No entanto, em alguns
casos, o efeito aleatório pode ser retirado. A opção de remover o efeito aleatório é então
uma opção estatística para obter a parcimónia do modelo (Davidian & Giltinan, n.d.).
Com base em (3.6) garante-se que os parâmetros farmacocinéticos são positivos; além
disso, se bi segue uma distribuição normal, então, os θ i seguem uma distribuição lognormal (e como tal, assimétrica).
Em geral, a forma de d é baseada no conhecimento do problema combinado com
considerações de ordem empírica e objetivos da inferência (Fitzmaurice et al., 2009).
Embora a relação não linear entre d e os parâmetros seja frequente, alguns autores como
Lindstrom & Bates (1990) restringem d à relação linear:
θi = A i β + Bi b i
(3.7)
onde Ai é uma matriz r × p dependente de covariáveis (cujas linhas dependem dos
elementos de a i ) e Bi é uma matriz r × q de zeros e uns que permite que alguns elementos
de θi não tenham efeito aleatório associado (Fitzmaurice et al., 2009).
No caso anterior, esta linearização pode ser facilmente obtida fazendo a reparametrização 4:
4
Os logaritmos neperianos vão ser designados por log.
26
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
log(Ka i ) = θ 1i = d 1 (a i , β, b i ) = (β 1 + b1i )
(3.8)
log(Vd i ) = θ 2i = d 2 (a i , β, b i ) = (β 2 + β 4 g i + b2i )
log(Cl i ) = θ 3i = d 3 (a i , β, b i ) = (β 3 + β 5 wi + β 6 Clcri + b3i )
obtendo-se:
⎛1 0 0 0
⎜
Ai = ⎜ 0 1 0 gi
⎜0 0 1 0
⎝
0
0
wi
0 ⎞
⎟
0 ⎟
Clcri ⎟⎠
,
⎛1 0 0⎞
⎜
⎟
Bi = ⎜ 0 1 0⎟
⎜0 0 1⎟
⎝
⎠
e
β = (β1 ,..., β 6 )
T
A reparametrização do modelo farmacocinético tem a vantagem, de assumir uma relação
linear entre a componente sistemática e aleatória, implicando um CV constante dos
parâmetros originais, que é o seu comportamento mais provável, como garantir que as
estimativas dos parâmetros farmacocinéticos são positivas. Além disso, Davidian &
Giltinan (1995) recomendam ainda a reparametrização por melhorar a estabilidade das
estimativas e tornar a normalidade de bi mais provável de ser alcançada.
De modo a sintetizar-se o atrás exposto, a formulação hierárquica do modelo não linear de
efeitos mistos é dada por Davidian & Giltinan (1995) e Fitzmaurice et al. (2009):
Fase 1 - Modelo individual (variação intra indivíduos)
Yij = f (x ij , θ i ) + eij
i = 1,..., N ; j = 1,..., ni
(3.9)
(
)
e i são independentes e identicamente distribuídos (i.i.d.), com e i | θ i ~ N 0, σ 2 I ni .
Fase 2 - Modelo Populacional (variação entre indivíduos)
θ i = d(a i , β, b i )
i = 1,.., N
(3.10)
b i são independentes e identicamente distribuídos, com b i ~ N (0, D) , onde D é uma
matriz q× q de variância-covariância definida positiva;
b i e ei são independentes entre si.
A este modelo dá-se o nome de modelo básico.
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
3.2
27
EXTENSÕES DO MODELO BÁSICO
Nesta secção apresentam-se outras hipóteses para a estrutura da matriz D, assim como,
para a estrutura da matriz de variância-covariância dos erros aleatórios, que pretendem ser
mais realistas. Convém, no entanto, referir que a implementação estatística de uma
estrutura mais realista nem sempre é tarefa fácil, sendo mesmo em muitos casos uma tarefa
impossível (Davidian & Giltinan, 1995).
3.2.1
EFEITOS ALEATÓRIOS E ESTRUTURAS DA MATRIZ D
Um dos pressupostos frequentemente assumido, em dados complexos e escassos como os
geralmente observados em farmacocinética, é o dos efeitos aleatórios, bik , k = 1,...q, serem
independentes entre si ou, dito de outro modo, a matriz D ser diagonal, evitando-se assim
problemas de convergência (Pinheiro & Bates, 2000).
No entanto, são possíveis outras estruturas para a matriz D , sendo frequente, no processo
de construção do modelo, modelar a matriz D , o que se traduz quer na identificação dos
efeitos aleatórios que devem ser considerados e, portanto na dimensão de D , quer na
relação que esses efeitos aleatórios têm entre si, ou seja, na estrutura de D propriamente
dita.
O pressuposto dos b i serem independentes de a i pode ser relaxado assumindo-se assim
que b i | a i ~ N (0, D(a i )) (Davidian & Giltinan, n.d.).
3.2.2
VARIABILIDADE
INTRA INDIVIDUAL.
MODELAÇÃO
DA MATRIZ
DE VARIÂNCIA–COVARIÂNCIA DOS ERROS ALEATÓRIOS
O pressuposto de independência e da homocedasticidade entre os erros aleatórios
eij , j = 1,..., ni
(
)
descrito no modelo básico, e i | θ i ~ N 0,σ 2 I ni , pode ser relaxado
permitindo a heterocedasticidade e a correlação dos erros. Nesta secção apresentam-se
outras estruturas para a matriz de variância-covariância, que permitem acomodar a
heterocedasticidade e a correlação dos erros.
28
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
A estratégia para caracterizar a variabilidade intra individual é especificar um modelo para a
estrutura de variância-covariância de e i | θ i , cov (e i | θ i ) , que reflita a heterocedastecidade
da variância e/ou a correlação entre indivíduos, isto é, assume-se que (Davidian & Giltinan,
1995, n.d.):
cov (e i | θ i ) = R i (θ i , ξ )
(3.11)
A matriz R i (θ i , ξ ) pode ser decomposta num produto de matrizes mais simples:
cov (e i | θ i ) = σ 2 G 1i / 2 (θ i , δ )Γi (ρ )G 1i / 2 (θ i , δ )
(3.12)
= R i (θ i , ξ )
(
com ξ = σ 2 , δT , ρT
)
T
, o vetor de todas as componentes da matriz de variância–
covariância.
A matriz G i (θ i ,δ ) é uma matriz diagonal ni × ni , dependente dos parâmetros de variância
δ , que caracterizam a variância intra individual, e Γi (ρ ) é uma matriz ni × ni que descreve
a estrutura de correlação dentro do i-ésimo indivíduo, dependente dos parâmetros de
correlação ρ. Com base em (3.12) têm-se que:
var (eij ) = σ 2 [G i (δ )] jj e cor (eij , eij ′ ) = [Γ i (ρ )] jj ′
i = 1,..., N
(3.13)
j , j ' = 1,..., ni
R i (θ i , ξ ) depende de i, não só através da sua dimensão, mas através também da
informação específica do indivíduo e da resposta média individual, dado θ i (Davidian &
Giltinan, 1995).
Nesta formulação de R i (θ i , ξ ) , os parâmetros de ξ são comuns a todos os indivíduos, e
se a variabilidade interindividual destes parâmetros não for grande, é razoável pensar num
parâmetro comum como uma boa aproximação.
É possível, apesar de mais difícil, formular estes parâmetros dependendo de covariáveis e
efeitos aleatórios, mas esta especificação não é frequentemente utilizada (Davidian &
Giltinan, n.d.).
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
29
Esta decomposição de R i (θ i , ξ ) em matrizes distintas, permite modelar separadamente a
heterocedastecidade e a correlação possibilitando uma grande versatilidade na
caracterização da variabilidade intra individual. No entanto, na opinião de Davidian &
Giltinan (1995), é provável que seja impossível estimar os elementos de uma estrutura tão
complicada de forma eficaz. Além disso, a complexidade necessária para modelar estes
modelos pode degradar a inferência dos componentes do primeiro momento.
Sempre que conveniente, escreve-se:
R i (θ i ,ξ ) = σ 2 Λ i (θ i , γ )
(
com γ = δ T , ρ T
)
T
(3.14)
.
MODELAÇÃO DA HETEROCEDASTICIDADE
Davidian & Giltinan (1995) propõem a modelação da heterocedasticidade através da
função variância dos erros dentro do grupo (indivíduo) definida da seguinte forma:
var (eij | θ i ) = σ 2 g 2 (μij , υij , δ ) , com i = 1,..., N ; j = 1,..., ni
(3.15)
onde μ ij = f (xij , θ i ); υij é o vetor de covariáveis da variância; δ é o vetor dos parâmetros
da variância; g(.) é a função variância, contínua em δ . Esta função é escolhida de modo a
refletir a variabilidade intra indivíduos, podendo ser, por exemplo, a função exponencial,
logarítmica, potência, etc., ou mesmo uma combinação destas funções.
Esta formulação da função de variância é bastante flexível e intuitiva, na medida em que,
permite que a variância dentro do indivíduo dependa dos efeitos fixos β e dos efeitos
aleatórios b i , através dos valores esperados μ ij embora origine algumas dificuldades
teóricas e computacionais (Davidian & Giltinan, 1995; Pinheiro & Bates, 2000). A solução
apresentada por Davidian & Giltinan (1995) para ultrapassar esses problemas é usar um
modelo aproximado em que os valores esperados μ ij são substituídos por μ̂ij .
30
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
Na Tabela 3.1 são dadas algumas funções de variância mais utilizadas e que fazem parte da
biblioteca nlme do S-Plus.
Tabela 3.1 – Funções de variância.
Descrição da classe
Variância
Variância fixa
var(eij ) = σ 2 υij
Variância constante
var(eij ) = σ 2δS2ij
(por grupo)
( )
δ 2
Potência de uma covariável
var (eij ) = σ 2 υij
Exponencial de uma covariável
var (eij ) = σ 2 e
Constante + Potência de uma covariável
var(eij ) = σ 2 δ1 + | υij |δ 2
( )
(
δυ ij 2
)
2
-
Combinações de funções variância
υ ij - covariável; Sij – variável de estratificação; δ1 > 0
MODELAÇÃO DA DEPENDÊNCIA
A dependência entre observações de um mesmo indivíduo é modelada através de estruturas
de correlação. Historicamente as estruturas de correlação foram desenvolvidas no contexto
de séries temporais e dados espaciais (Box et al., 1994; Cressie, 1993). Assume-se que os
erros estão associados a vetores de posição pij e que a correlação entre dois erros eij e eij’
depende somente da distância entre os respetivos vetores de posição d(pij, pij’) e não de
valores particulares que possam assumir ou da sua direção (princípio isotrópico).
Assim, a correlação pode ser modelada pela função de correlação h(.), que admite valores
entre –1 e 1, contínua em ρ, em que ρ é o vetor de parâmetros de correlação:
[
]
cor (eij , eij ' ) = h d ( pij , pij ' ), ρ , com i = 1,..., N e j, j ' = 1,..., ni
(3.16)
Assume-se que h(0, ρ)=1, ou seja, se duas observações têm o mesmo vetor de posição,
então são a mesma observação e, por isso, a correlação é 1. Desta forma, quanto mais
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
31
próximos estiverem dois erros aleatórios, no espaço ou no tempo, maior a sua dependência
(Cabral & Gonçalves, 2011).
Como referido anteriormente, a não ser que existam um grande número de observações
que cobram um lato intervalo da gama de respostas, a inferência do padrão de correlação
intra individual pode ser duvidosa. A introdução de estruturas de correlação, sobretudo se
forem complexas, pode introduzir complicações no modelo, pelo que, a sua utilização deve
ser cuidadosa (Davidian & Giltinan, 1995).
ESTRUTURAS DE CORRELAÇÃO SERIAL
No contexto de séries temporais, a função de correlação h(.) é designada por função de
autocorrelação e pode ser expressa por:
[
]
cor (eij , eij ' ) = h | pij − pij ' |, ρ , com i = 1,..., N e j, j ' = 1,..., ni
(3.17)
A função de autocorrelação empírica, que consiste numa estimativa não paramétrica da
função de autocorrelação, é o meio gráfico usado para verificar a correlação serial quando
as observações estão igualmente espaçadas (Cabral & Gonçalves, 2011; Pinheiro & Bates,
2000).
As estruturas de correlação serial requerem que os tempos de observação sejam inteiros e
não são facilmente generalizáveis a tempos contínuos.
No quadro que se segue apresentam-se as estruturas de correlação serial mais utilizadas e
que podem ser encontradas na biblioteca nlme do S-Plus.
32
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
32
Nome
Função de autocorrelação
Descrição
Geral
h(k,ρ)= ρk ,
k=1, 2, ...
Cada correlação dos dados é dada por um parâmetro diferente
Simetria
composta
h(k,ρ)= ρ ,
k=1, 2, ...
Igual correlação entre os erros intra individuais para cada indivíduo
Autoregressivo
h(k,φ) = φ1h( k −1,φ) + ...+φph( k − p ,φ), k = 1, 2, ...
de ordem p
AR (p)
Cada εt é função linear de observações passadas e um termo de ruído
(at): ε t = φ1ε t −1 + ... + φ pε t − p + at
p = 1, 2, ...
Média móvel
de ordem q
MA (q)
k =1, ...,q
Cada εt é função linear de termos de ruído (at) i.i.d.:
ε t = ω1at −1 + ... + ωq at −q + at q = 1, 2, ...
k = q +1, q + 2, ...
q parâmetros de correlação dados por: ω=(ω1,...,ωq)
⎧ωk + ω1ωk −1 + ...+ ωk −qωq
,
⎪
h(k,ω) = ⎨ 1+ ω12 + ...+ ωq2
⎪ 0,
⎩
(
p parâmetros de correlação dados por: φ = φ1,...,φp
Autoregressivo
Combinação do modelo AR com o modelo MA:
⎧φ1h( k − 1, ρ ) + ... + φ ph( k − p , ρ ) + ω1ψ (k − 1, ρ ) + ... + ωqψ (k − q, ρ ), k = 1, ..., q
p
q
e média móvel
⎪
h(u, ρ ) = ⎨
ε
=
φ
ε
+
ω i at− j + at
∑
∑
t
i t −i
φ h( k − 1, ρ ) + ... + φ ph( k − p , ρ ),
k = q + 1, q + 2, ...
ARMA (p, q)
i =1
j =1
⎪⎩ 1
E (ε t − k at )
p + q parâmetros de correlação ρ dados por:
com ψ (k , φ , ω ) =
var (ε t )
φ = φ1 ,...,φ p e ω = (ω1 ,...,ωq )
(
at - ruído branco; εt - observação obtida no tempo t.
)
)
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
Tabela 3.2 - Função de autocorrelação para modelação de correlação dos erros aleatórios em dados igualmente espaçados e de natureza inteira.
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
33
ESTRUTURAS DE CORRELAÇÃO ESPACIAL
As estruturas de correlação espacial foram originalmente desenvolvidas para modelar a
dependência em dados associados a vetores de posição bidimensionais No entanto, a
propriedade de isotropia (ver pág 30) permite a sua generalização para outros casos,
nomeadamente em séries temporais (Diggle et al., 1994; Pinheiro & Bates, 2000).
Estas estruturas são indicadas quando se tem tempos de observação não inteiros e
espaçamento irregular entre si.
As estruturas de correlação espacial são representadas habitualmente pelo seu
semivariograma em vez da função de correlação. O semivariograma, γ(s,ρ), é definido
como:
γ ( s, ρ) = 1 − h ( s , ρ)
(3.18)
em que h(s,ρ) é a função de correlação e s, a distância entre duas observações.
O semivariograma toma valores entre 0 e 1 e é uma função crescente com a distância dos
pontos considerados. Um valor reduzido para γ(s,ρ) revela dependência entre as
observações, enquanto que, valores superiores indicam independência (Cabral &
Gonçalves, 2011).
Habitualmente, o semivariograma passa pela origem, ou seja, γ(0,ρ)=0, quando h(0,ρ)=1.
No entanto, na prática junto à origem quando a distância s→0, γ(0,ρ) tende para um valor
positivo denominado de efeito pepita (c0), com 0<c0<1. Este valor revela a
descontinuidade do semivariograma para distâncias menores do que a menor distância
entre as observações (Medronho et al., 2005).
A estimação do semivariograma, a análise do comportamento do gráfico e o ajustamento
de um determinado modelo permitem caracterizar a correlação das observações.
Na Tabela 3.3 estão indicados alguns modelos de semivariogramas isotrópicos que se
encontram na biblioteca nlme do S-Plus, e na Figura 3.1 estão representados os
gráficos dos semivariogramas versus distância para diferentes estruturas de correlação
espacial.
34
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
Tabela 3.3 - Modelos de semivariograma isotrópicos para estruturas de correlação espacial.
Nome
Semivariograma
Esférico
γ ( s, ρ ) = 1 − ⎢1 − 1.5
Exponencial
γ (s, ρ ) = 1 − e
⎡
⎣⎢
−
s
ρ
⎛ s ⎞
− ⎜⎜ ⎟⎟
⎝ρ ⎠
Gaussiano
γ ( s, ρ ) = 1 − e
Linear
γ ( s , ρ ) = 1 − ⎜⎜ 1 −
⎛
⎛ s ⎞
⎜⎜ ⎟⎟
⎝ρ⎠
γ (s, ρ ) =
Efeito pepita
γ ( s, c 0 , ρ ) = ⎨
2
s⎞
⎟ I (s < ρ )
ρ ⎟⎠
⎝
Quadrático
racional
3
⎛s⎞ ⎤
+ 0.5⎜⎜ ⎟⎟ ⎥ I (s ⟨ ρ )
ρ
⎝ ρ ⎠ ⎥⎦
s
2
⎛ s ⎞
1 + ⎜⎜ ⎟⎟
⎝ρ⎠
2
⎧ c + (1 − c )γ (s , ρ ),
0
⎪ 0
s>0
⎪ 0,
⎩
s=0
γ(s,ρ)→c0 quando s→0 e 0<c0<1
0.6
0.4
Exponencial
Gaussiana
Quadrática
Linear
Esférica
0.0
0.2
Semivariograma
0.8
1.0
I(s<ρ) representa uma variável binária que assume o valor 1 quando s<ρ e zero caso contrário.
0.0
0.5
1.0
1.5
2.0
2.5
3.0
Distância
Figura 3.1 – Gráficos de semivariogramas versus distância para correlações espaciais isotrópicas
com ρ=1 e efeito pepita=0.1.
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
3.2.3
35
MODELO GERAL
(
Recorde-se que Yi = Yi1 ,...,Yini
[
(
f i (θ i ) = f ( xi1 ,θ i ),..., f xini ,θ i
) e e = (e
T
i
i1
,...,eini
)
T
e defina-se para o i-ésimo indivíduo
)] .
T
A formulação hierárquica do modelo não-linear de efeitos misto assume então a forma
geral:
Fase 1 - Modelo individual (variação intra indivíduos)
Yi = f i (θ i ) + e i ,
i = 1,..., N ; j = 1,..., ni
(
e i | θ i ~ N (0, R i (θ i , ξ )) ,
(
(3.19)
ξ = σ 2 , δT , ρT
)
e i | θ i ~ N 0, σ 2 Λ i (θ i , γ ) ,
(
γ = δT , ρT
)
T
(3.20)
)
T
Fase 2 - Modelo populacional (variação entre indivíduos)
θ i = d(a i , β, b i ) ,
i = 1,.., N
b i ~ N (0, D)
(3.21)
(3.22)
Com base no modelo (3.19) e (3.21) e nas condições subjacentes (3.20) e (3.22), a
distribuição de Yi condicional ao efeito aleatório bi, é normal multivariada com valor
médio f (x ij , θ i ) e matriz de variânca-covariância R i (θ i , ξ ) , e escreve-se:
Yi | b i ~ N ( f (x ij , θ i ), R i (θ i , ξ ))
(3.23)
A implementação do modelo na prática requer, por um lado, o conhecimento do
mecanismo a modelar e, por outro lado, o domínio das técnicas de modelação. No entanto,
algumas considerações de ordem geral podem ser tidas em conta:
(i) Sempre que possível, procuram-se simplificações de R i (θ i , ξ ) que permitam uma boa
aproximação e forneçam inferências fiáveis (Davidian & Giltinan, 1995).
36
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
A não ser que haja razões para o fazer e que haja um grande número de observações por
indivíduo, os modelos explícitos de correlação intra individual devem ser vistos com
cautela (Davidian & Giltinan, 1995).
Na especificação de um modelo de R i (θ i , ξ ) deve ter-se em conta a situação particular e
questões práticas, uma vez que, uma estrutura de variância-covariância demasiado
complexa pode ser difícil de implementar (Davidian & Giltinan, n.d.). A avaliação crítica da
adoção de um modelo simplificado e das suas consequências deve ser tida em conta nessa
decisão.
No contexto da farmacocinética é frequente assumir algumas simplificações que devem ser
avaliadas caso a caso.
Por vezes, um modelo que assume um padrão de variância comum constante
(homocedastecidade) pode de igual forma captar as características individuais importantes
apesar de o pressuposto não ser o mais correto (Davidian & Giltinan, 1995).
(ii) Se não se modelar a correlação dos erros, no caso de ela ser necessária, é natural que
isso tenha influência na matriz D uma vez que ela é forçada a acomodar a correlação intra
individual e a variação na população. Embora pareça inquestionável que é preferível
modelar explicitamente a correlação intra individual para melhorar a inferência, na prática
pode haver informação insuficiente para permitir uma modelação e estimação fiáveis.
Nesse caso, pode acontecer que um modelo que não assume correlação entre os
indivíduos, apesar de incorreto, levar a inferências mais eficientes (Davidian & Giltinan,
1995).
3.2.4
COVARIÁVEIS DEPENDENTES DO TEMPO
Em algumas aplicações é frequente os indivíduos serem observados ao longo do tempo em
mais do que uma “ocasião”. Em farmacocinética, “ocasião” corresponde a cada conjunto
de concentrações obtidas ao longo do tempo, recolhidas após a administração do fármaco.
Em cada uma dessas “ocasiões”, as covariáveis individuais podem sofrer alterações. Por
exemplo, admite-se que, a clearance da creatinina, tenha variações fisiopatológicas com o
tempo, e por isso, afete de forma diferente, em cada “ocasião”, a clearance de um fármaco
eliminado por via renal.
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
37
O modelo não linear de efeitos mistos permite incluir covariáveis cujos valores se alteram
em cada “ocasião”. A forma de tratar este tipo de covariáveis consiste em permitir que a
estimação dos parâmetros individuais dependa da informação específica de cada indivíduo.
Admitindo que as covariáveis são constantes em cada intervalo de tempo, e indexando
esses intervalos, Ik, por k=1,...,K, o modelo hierárquico assume então a forma:
Fase 1 - Modelo individual (variação intra indivíduos)
Yij = f (x ij , θ ij ) + eij ,
i = 1,..., N ; j = 1,..., ni
(3.24)
Fase 2 - Modelo populacional (variação entre indivíduos)
θ ij = d (a ik , β , b i ) ,
i = 1,.., N ; k = 1,..., K
(3.25)
em que aik representa o vetor de covariáveis para o indivíduo i na condição de medição xij,
para t ij ∈ I k , e θij representa o vetor de parâmetros específicos do indivíduo na observação
j (Davidian & Giltinan, 1995, n.d.; Fitzmaurice et al., 2009).
Este modelo assume que esta variabilidade “interocasional” é inteiramente atribuída a
alterações nas covariáveis (Davidian & Giltinan, n.d.). Em alternativa, dada a natural
flutuação dos parâmetros farmacocinéticos ao longo do tempo, mesmo na ausência de
alteração das covariáveis, a variabilidade “interocasional” pode ser acomodada através da
utilização de um modelo multinível para efeitos aleatórios (Davidian & Giltinan, n.d.;
Pinheiro & Bates, 2000).
Por questão de simplicidade de exposição, a descrição dos métodos de inferência referidos
em 3.3 situam-se no contexto do modelo geral (secção 3.2.3), com covariáveis
independentes do tempo. Estes métodos são facilmente extensíveis a covariáveis
dependentes do tempo (Davidian & Giltinan, 1995).
38
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
3.2.5
INTERPRETAÇÃO
DOS PARÂMETROS DO MODELO E OBJETIVOS
DA INFERÊNCIA
O modelo não linear de efeitos mistos, descrito na secção 3.2.3, resulta da formulação
hierárquica do modelo em duas fases, modelo individual (Fase 1) e modelo populacional
(Fase 2), sendo, por isso, designado de modelo não linear hierárquico de efeitos mistos.
Este modelo tem como objetivo fazer inferência sobre o indivíduo e é designado (Zeger et
al., 1988) por modelo subject-specific (SS). No caso em que o objetivo da inferência é sobre o
valor médio da população tem-se o chamado modelo marginal que corresponde ao modelo
population-average (PA) definido por Zeger et al. (1988).
A distinção entre modelos hierárquicos (SS) e marginais (PA) é crítica sob condições de
não lineariedade, uma vez que
[
]
[
]
E f (Yij | b i ) ≠ f E (Yij | b i )
(3.26)
Assim, em modelos não lineares, a estratégia de modelação deve ser cuidadosamente
selecionada, porque altera a interpretação dos efeitos fixos, β.
No modelo não linear hierárquico as componentes de β têm uma interpretação em termos
específicos do indivíduo, isto é, a sua interpretação depende dos efeitos aleatórios
assumirem um valor fixo não observado (Cabral & Gonçalves, 2011).
Aos indivíduos cujos efeitos aleatórios não observados são nulos dá-se o nome de
“indivíduos típicos”. Assim, dentro do contexto de um modelo populacional d, os
parâmetros fixos β são interpretados como definindo os ”valores típicos” de θi. na
população e como quantificando as alterações entre os “valores típicos” e os atributos
individuais a i (em termos esperados).
Na abordagem marginal as componentes de β correspondem ao “valor esperado da
população”.
A seleção entre modelo hierárquico ou marginal deve ser feita de acordo com a questão de
interesse. Em farmacocinética pretende-se descrever o comportamento específico
individual, caracterizado por θi. Nesta perspetiva, a abordagem hierárquica é claramente a
que deve ser considerada.
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
3.3
39
ESTIMAÇÃO E INFERÊNCIA NO MODELO NÃO LINEAR
HIERÁRQUICO DE EFEITOS MISTOS
Através da inferência estatística sobre β e D pretende-se compreender os valores “típicos”
dos parâmetros em f, a forma como eles variam nos indivíduos da população, e se essa
variação está associada com características individuais. Frequentemente o objetivo é
encontrar uma especificação para d, ou seja, identificar uma relação funcional envolvendo
os elementos de ai para os quais há evidência de associação. A inferência sobre D,
relativamente aos efeitos aleatórios incluídos, fornece informação sobre a variabilidade
entre os indivíduos não explicável pelas covariáveis introduzidas.
Em farmacocinética, um objetivo adicional é caracterizar o comportamento específico
individual, caracterizado por θi e, dessa forma, individualizar regimes terapêuticos. A
obtenção de perfis de concentração-tempo baseados em θi, sob diferentes regimes
posológicos, pode dar informação sobre a forma de manter determinados valores de
concentração.
Tendo em atenção as condições subjacentes ao modelo dado (capítulo 3.2.3), a abordagem
natural de inferência será considerar a máxima verosimilhança.
3.3.1
FUNÇÃO VEROSIMILHANÇA E ESTIMAÇÃO DOS PARÂMETROS
Para os N indivíduos, a função verosimilhança assume a forma:
N
L(β, ξ, D) = ∏ ∫ f i (y i | b i , xi , β, ξ ) f (bi | D) db i
(3.27)
i =1
onde f i (y i | b i , x i , β, ξ ) é a densidade de y i condicional a b i e f (b i | D) a densidade de
bi .
40
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
O logaritmo da função verosimilhança é dado por:
⎫
⎧N
l (β, ξ, D) = log ⎨∏ ∫ f i (y i | b i , x i , β, ξ ) f (b i | D) db i ⎬
⎭
⎩ i =1
N
(
= ∑ log ∫ f i (y i | b i , x i , β, ξ ) f (b i | D) db i
i =1
(3.28)
)
A maximização de (3.27) ou, o que é equivalente, de (3.28), envolve o cálculo de N
integrais no espaço q dimensional do vetor dos efeitos aleatórios, b i . A não linearidade de
f i significa, em geral, que esse cálculo não tem uma solução analítica, pelo que, tem de se
recorrer a técnicas de cálculo numérico.
Os algoritmos para maximizar l (β , ξ , D) em termos de β , ξ e das componentes de D
requerem métodos de cálculo de integrais que podem ser computacionalmente intensivos
sobretudo se q > 1 e, portanto, também aqui existem várias limitações.
De forma a tornar a otimização da função verosimilhança um problema “tratável” foram
propostos vários métodos (Davidian & Giltinan, 1995; Pinheiro & Bates, 2000) a seguir
resumidos.
MÉTODOS BASEADOS NA APROXIMAÇÃO DA FUNÇÃO VEROSIMILHANÇA
Nesta secção vão ser descritos dois métodos para obter uma aproximação de
f i (y i | b i ,x i ,β ,ξ ) , baseados no desenvolvimento em série de Taylor de 1ª ordem da função
fi .
(i) Linearização de 1ª ordem (FO)
Sheiner & Beal (1980), propuseram um método que consiste no desenvolvimento de 1ª
ordem em série de Taylor da função f i em torno do valor médio de bi. Este método é
conhecido na literatura famacocinética como linearização de 1ª ordem (FO).
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
41
Tendo em atenção as condições subjacentes ao modelo individual dadas por (3.20) e que o
erro aleatório pode ser decomposto em:
e i = R1i / 2 (θ i , ξ )ε i
(3.29)
onde, ε i tem valor médio 0, matriz de variância-covariância I ni e é independente de b i , e
R1i / 2 (θ i , ξ ) é a decomposição de Cholesky de R i (θ i , ξ ) , o modelo individual (3.19) pode
ser reescrito na forma (Davidian & Giltinan, 1995):
Yi = f i {d(a i , β, b i )}+ R1i / 2 {d(a i , β, b i ), ξ}ε i
(3.30)
onde θi foi explicitado em termos de d .
O desenvolvimento de 1ª ordem em série de Taylor da função f i em torno do valor médio
de bi faz com que a expressão anterior assuma a forma:
Yi ≈ f i {d(a i , β,0)}+ Fi (β,0)Δ bi (β,0)b i + R1i / 2 {d(a i , β,0), ξ}ε i
(3.31)
onde Fi (β,0) é a matriz ni × r de derivadas de f i (θ i ) com respeito a θi calculada no
ponto θ i = d(a i , β,0) , Δ bi (β,0) a matriz r × q de derivadas de d(a i , β, b i ) com respeito a
b i calculada no ponto b i = 0 .
Definindo Z i (β ,0) = Fi (β ,0)Δbi (β ,0) e e*i = R1i / 2 {d(a i , β,0), ξ}ε i a expressão (3.31) escrevese na forma:
Yi ≈ f i {d(a i , β,0)} + Z i (β,0)b i + e*i
(3.32)
que mais não é do que a Fase 1 do modelo linear de efeitos mistos (Cabral & Gonçalves,
2011; Davidian & Giltinan, 1995).
Tendo em atenção a independência entre b i e e*i , tem-se:
42
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
E (Yi ) ≈ f i {d(a i , β,0)}
(3.33)
cov(Yi ) ≈ Z i (β,0)DZTi (β,0) + R i {d(a i , β,0), ξ} = Vi (β,0, ω )
Por outro lado, assumindo a distribuição normal para b i e e*i , e assumindo que a
aproximação (3.32) é exata (Beal & Sheiner, 1982), a distribuição de Yi é normal com valor
esperado e variância dados por (3.33), e consequentemente os estimadores de máxima
verosimilhança de β e de ω , o vetor constituído pelos parâmetros da covariância ξ e as
componentes de D , que se designam por β̂ FO e ω̂ F 0 , obtêm-se maximizando:
N
(
)
T
l FO (β, ξ, D) = ∑ − log Vi (β,0, ω ) − [ yi − f i {d(a i , β,0 )}] Vi−1 (β,0, ω )[ yi − f i {d(a i , β,0)}] (3.34)
i =1
O método de Newton-Raphson é um dos possíveis métodos utilizados para maximização
da função anterior em relação aos parâmetros pretendidos.
Sob o pressuposto de normalidade de b i e e*i , e desde que N seja suficientemente elevado,
a inferência de β̂ FO e ω̂ F 0 baseia-se na teoria assintótica de máxima verosimilhança. A
matriz de variância-covariância de β̂ FO e ω̂ F 0 pode ser estimada pelo inverso da matriz de
informação e o erro-padrão pela raiz quadrada dos elementos da diagonal dessa matriz.
Os intervalos de confiança e os testes de hipótese são construídos com base na distribuição
aproximada para os estimadores de máxima verosimilhança.
(ii) Linearização condicional de 1ª ordem (FOCE)
Se a variabilidade interindividual for elevada, a aproximação obtida pelo método de
linearização de 1ª ordem pode não ser a melhor, levando à estimação de parâmetros fixos β
enviesados (Fitzmaurice et al., 2009). Para ultrapassar esta dificuldade Lindstrom & Bates
(1990) sugeriram um refinamento da aproximação anterior, designada de linearização
condicional de 1ª ordem (FOCE). Esta linearização é feita em torno de b̂ i , a moda da
densidade a posteriori de bi (Davidian & Giltinan, n.d.)
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
f (b i | y i , x i , β, ξ ) =
f i (y i | b i , x i , β, ξ ) f (b i | D )
f i (y i | x i , β, ξ , D )
43
(3.35)
mais próximo de bi do que o seu valor esperado (zero), e dado por
( ) (
){
( )}
(3.36)
bˆ i = DZTi β, bˆ i Vi−1 β, bˆ i , ω y i − f i β, bˆ i
o estimador de Bayes empírico (EB) de bi .
O desenvolvimento de 1ª ordem em série de Taylor da função f i em torno de b̂ i faz com
que a expressão (3.30), com as derivadas calculadas no ponto b i = bˆ i , assuma a forma:
{(
)} ( ) ( )(
)
{(
)}
Yi ≈ f i d a i , β, bˆ i + Fi β, bˆ i Δ bi β, bˆ i b i − bˆ i + R1i / 2 d a i , β, bˆ i , ξ ε i
(3.37)
ou ainda,
{(
)}
( )
( )
{(
)}
ˆ − Z β ,b
ˆ b
ˆ + Z β ,b
ˆ b + e*
Yi ≈ f i d a i ,β , b
i
i
i
i
i
i
i
i
(3.38)
com Z i (β, b i ) = Fi (β, b i )Δ bi (β, b i ) e e *i = R 1i / 2 d a i , β, bˆ i , ξ ε i .
Assumindo as mesmas hipóteses utilizadas no processo de linearização de 1ª ordem, mas agora
com o desenvolvimento de 1ª ordem em série de Taylor da função f i em torno de b̂ i , e
com as derivadas calculadas no ponto b i = bˆ i , tem-se que a distribuição de Yi é normal
com valor esperado e variância aproximados dados, respetivamente, por:
{(
)} ( )
( ) ( ) {(
E (Yi ) ≈ f i d a i , β, bˆ i − Z i β, bˆ i bˆ i
cov(Yi ) ≈ Z i β, bˆ i DZ Ti β, bˆ i + R i d a i , β, bˆ i , ξ = Vi β, bˆ i , ω
)}
(
(3.39)
)
Foram propostos vários métodos para obter os estimatores β , ω e o preditor bi, todos
eles envolvendo um processo iterativo que se desenrola em duas etapas: (i) dadas as
estimativas correntes de β , ω e b̂ i , atualizar b̂ i substituindo este no lado direito da
expressão (3.36); (ii) fixar b̂ i e atualizar a estimativa de β e ω maximizando a função de
44
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
máxima verosimilhança, assumindo a distribuição normal de Yi, caracterizada pelos
momentos (3.39), tal como é descrito em Pinheiro & Bates (2000). O processo iterativo
pode ser conduzido pelo método de Newton-Raphson.
A estimativa da matriz de variância-covariância dos parâmetros é obtida pelo inverso da
matriz Hessiana. O erro-padrão, os intervalos de confiança e os testes de hipótese são
assim construídos com base na distribuição aproximada para os estimadores de máxima
verosimilhança.
MÉTODOS BASEADOS NA APROXIMAÇÃO DO INTEGRAL
Uma alternativa às aproximações anteriores, baseadas na linearização do integral
f i (y i | b i ,x i ,β ,ξ ) , é aproximar diretamente o integral usando métodos de integração
numérica. De entre esses métodos salientam-se o método numérico da quadratura de
Gauss-Hermite, e o método numérico adaptativo da quadratura de Gauss (Pinheiro &
Bates, 2000). Apesar dos avanços técnicos na área computacional terem tornado esta
metodologia exequível e de esta se encontrar em franco crescimento, ainda assim estes
métodos são computacionalmente intensos e potencialmente impraticáveis (Fitzmaurice et
al., 2009). Para uma descrição destes métodos podem ser consultados (Fitzmaurice et al.,
2009; Pinheiro & Bates, 2000).
3.3.2
INFERÊNCIA
Em qualquer um dos métodos considerados para o cálculo do integral, assumindo que os
pressupostos subjacentes ao modelo são verificados, e desde que haja um número elevado
de indivíduos, os estimadores obtidos seguem assintoticamente uma distribuição normal
(univariada ou multivariada consoante o caso). No caso particular dos dois métodos de
linearização referidos acresce ainda a hipótese de que a linerização é exata.
Assim sendo, a inferência sobre os parâmetros do modelo não linear misto, baseada na
aproximação da função verosimilhança, com base naquela distribuição, é válida.
O teste de razão de verosimilhanças (LRT – likelihood ratio test) é, em geral, o utilizado para
comparar a estrutura fixa de dois modelos encaixados que tenham os mesmos efeitos
aleatórios. Quando os modelos não estão encaixados usam-se os critérios de informação
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
45
AIC (Akaike Information Criterion) (Akaike, 1974) ou BIC (Bayesian Information Criterion)
(Schwarz, 1978).
Para testar o valor de um determinado parâmetro de β é usado o teste t (aproximado).
Quando o objetivo é comparar modelos encaixados com diferentes estruturas de variânciacovariância dos efeitos aleatórios mas com o mesmo β é usado o teste de razão de
verosimilhanças, no entanto, tem de se ter em atenção que podem ocorrer duas situações:
testar, por exemplo, a hipótese nula de os efeitos aleatórios serem independentes versus a
hipótese alternativa de o não serem, ou testar a hipótese nula de haver q efeitos aleatórios
versus a hipótese alternativa de haver q+k efeitos aleatórios (Cabral & Gonçalves, 2011).
No primeiro caso, a distribuição assintótica da estatística de teste do LRT é um quiquadrado com os graus de liberdade dados da forma usual. Na segunda situação, a hipótese
nula está na fronteira do espaço paramétrico e, quando tal acontece, a distribuição
assintótica da estatística de teste do LRT é uma mistura de qui-quadrados (Stram & Lee,
1994). No entanto, segundo Pinheiro & Bates (2000), nem sempre este ajustamento é bem
sucedido, pelo que, recomendam a utilização naïve da distribuição assintótica de um quiquadrado com os graus de liberdade dados pela diferença entre os parâmetros dos modelos
especificados na hipótese alternativa e nula, respetivamente. Esta solução é a que está
implementada na biblioteca nlme do S-Plus. Deve-se, no entanto, ter em conta que o
valor-p obtido desta forma é conservativo, ou seja, é maior do que o verdadeiro valor-p
(Pinheiro & Bates, 2000)
Por fim, não é demais recordar que, quando os resultados da inferência para os modelos
não-lineares mistos se baseiam no pressuposto de que a linearização é exata, estes devem
ser vistos com cuidado.
Outro aspeto a ter em conta é o facto da maximização da verosimilhança nestes métodos
ser computacionalmente intensiva, pelo que, a seleção dos valores iniciais para os
algoritmos iterativos é essencial (Davidian & Giltinan, 1995, n.d.).
3.4
QUALIDADE DO AJUSTAMENTO
É fundamental verificar a validade das condições subjacentes ao modelo ajustado de forma
a garantir a validade das inferências.
46
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
As condições subjacentes a verificar são:
(i)
Os efeitos aleatórios têm distribuição normal de valor médio nulo e matriz de
variância-covariância D (não dependente do grupo) e são independentes para
diferentes grupos;
(ii)
Os erros aleatórios dentro do grupo são independentes e identicamente
distribuídos, com distribuição normal de valor médio nulo e variância constante e
são independentes dos efeitos aleatórios.
A utilização de gráficos de diagnóstico é a forma mais utilizada para a verificação destes
pressupostos e é, em geral, a única disponível nos programas estatísticos para estes
modelos. A validade das condições subjacentes ao modelo podem igualmente ser
verificadas de uma maneira formal através de um teste de hipóteses, no entanto, raramente
as conclusões baseadas num teste de hipóteses contradizem a informação contida num
gráfico de diagnóstico (Pinheiro & Bates, 2000).
Na verificação das condições subjacentes aos efeitos aleatórios, baseadas nas suas
estimativas EB, deve ser colocado algum cuidado como refere Cabral & Gonçalves (2011)
e Verbeke & Molenberghs (2000).
A verificação dos pressupostos para os erros aleatórios baseia-se na análise dos resíduos.
3.5
CONSTRUÇÃO DO MODELO
A análise de todas as combinações possíveis de covariáveis e efeitos aleatórios no modelo é
impossível. O tempo requerido para tal seria inaceitável. Assim, é necessário recorrer a
estratégias que permitam reduzir o número de modelos a testar. Este procedimento tem
uma componente de avaliação subjetiva, de tal forma que, o modelo final não é o único
nem o verdadeiro modelo que explica os dados; o modelo final é somente um modelo útil
(Mandema et al., 1992).
O primeiro passo na construção do modelo é proceder a uma análise exploratória dos
dados que se pode resumir ao cálculo das principais características amostrais das várias
variáveis envolvidas na análise bem como à estimativa de correlações entre essas variáveis.
Este último aspeto é importante pois as estimativas dos parâmetros são instáveis quando se
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
47
introduz no modelo covariáveis correlacionadas (correlação>50%); essa instabilidade
aumenta quanto maior for a correlação (Bonate, 2005a).
Um outro aspeto a ter em conta é o de decidir quais os parâmetros que devem ser
considerados como tendo um efeito aleatório associado. Numa análise inicial, exceto se
existirem razões de ordem teórica ou empírica, Davidian & Giltinan (1995) consideram que
se deve admitir que todos os parâmetros têm um efeito aleatório associado. Seguidamente,
deve proceder-se à redução do número de efeitos aleatórios considerados. Desta forma
obtém-se o modelo base, também designado de modelo estrutural. Posteriormente deve ser
explorada a influência de covariáveis sobre os parâmetros do modelo estrutural. Essa
influência pode ser identificada, a partir da representação gráfica das estimativas EB dos bi
versus potenciais covariáveis, através do exame de eventuais relações sistemáticas. Para
melhor identificar o modelo θi=d(ai,β,bi) é feito um ajustamento smooth.
Após inclusão de todas as covariáveis significativas, verificar se os efeitos aleatórios ainda
são necessários ao modelo.
Por fim, proceder à análise da qualidade do ajustamento e se necessário modelar a matriz
de variância-covariância dos erros aleatórios.
Findo o processo de construção, o modelo deve ser sujeito a uma validação final com vista
a testar a adequabilidade ao fim proposto. Embora não exista consenso quanto à melhor
estratégia estatística de validação de um modelo de farmacocinética populacional, a
validação externa, aplicação do modelo obtido sobre um conjunto de dados de novos
indivíduos, é considerado o método mais robusto para testar um modelo. No entanto, nem
sempre é possível, por limitação do número de indivíduos envolvidos, obter um novo
conjunto de dados, recorrendo-se, nesse caso, a técnicas de reamostragem (validação
interna).
O esquema da Figura 3.2, baseado em Maitre et al. (1991), Mandema et al. (1992), Pinheiro
& Bates (2000), Wade et al. (1994) e Wählby et al. (2002), resume os principais passos a
efetuar no processo de construção e validação de um modelo.
48
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
DADOS
Análise exploratória
Efeitos aleatórios
(selecção de ef. aleatórios e modelação da matriz D)
MODELO BASE
Selecção de covariáveis
explicativas
Qualidade do ajustamento
Modelação da matriz de variânciacovariância do erro aleatório
Qualidade do ajustamento
MODELO FINAL
Validação do modelo
(validação interna e externa)
Figura 3.2 – Principais passos na construção e validação de um modelo
3.6
ABORDAGENS NÃO PARAMÉTRICAS
Neste trabalho somente os modelos paramétricos foram considerados por serem os mais
utilizados. No entanto, alguns autores têm considerados outras hipóteses para a
distribuição dos b i . A t multivariada (Wakefield, 1996) ou uma mistura de normais (Beal &
Sheiner, 1992) são duas dessas hipóteses. No entanto se a abordagem paramétrica é a
considerada, o modelo normal é, quase sempre, o assumido (Davidian & Giltinan, 1995).
Em alternativa à especificação paramétrica do modelo, a inferência estatística pode basearse em especificações do modelo não paramétricas, ou semiparamétricas. No primeiro caso
os efeitos aleatórios não estão constrangidos a uma distribuição enquanto que, no segundo
caso, assume-se uma distribuição mais flexível. O preço a pagar, quando se considera o
modelo não paramétrico, é a dificuldade em fazer inferência estatística sobretudo em
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
49
acomodar covariáveis, pelo que, são recomendados somente como métodos exploratórios.
A inferência pode ainda ser feita recorrendo a métodos Bayesianos (Davidian & Giltinan,
1995).
3.7
PROGRAMAS PARA FARMACOCINÉTICA POPULACIONAL
Em novembro de 1993 foi realizado em Bruxelas, sob os auspícios da Cooperação
Europeia em Ciência e Tecnologia (COST), programa Medicina (B1), um encontro para
discutir os principais critérios de seleção de um programa para farmacocinética e
famacodinâmica populacional.
As principais conclusões podem ser resumidas em (Aarons, 1999):
(i)
Utilização user friendly;
(ii)
Permitir a especificação de histórico posológico complexo;
(iii)
Permitir especificar modelos farmacocinéticos de forma flexível;
(iv)
Existência de um bom diagnóstico gráfico;
(v)
Existência de uma boa manutenção e suporte do programa.
O sucesso dos modelos não lineares de efeitos mistos e consequentemente dos modelos
farmacocinéticos populacionais depende da existência de programas estatísticos que
disponibilizem os métodos de inferência necessários à sua implementação.
Estes programas podem ser exclusivamente dedicados à análise de modelos
farmacocinéticos populacionais ou estarem inseridos num programa estatístico mais geral.
Por exemplo, o NONNEM é um programa específico para modelos farmacocinéticos
populacionais enquanto os programas SAS e S-Plus não. No caso do SAS a análise pode
ser feita usando, por exemplo, a macro NLINMIX e no S-Plus usando a biblioteca nlme.
Um outro aspeto a salientar é o de alguns programas não incluírem modelos
farmacocinéticos pré-definidos. Quando é esse o caso, é necessário explicitar o modelo
farmacocinético e o regime posológico pretendidos.
Na Tabela 3.4 estão indicados alguns dos programas informáticos onde é possível analisar
os modelos farmacocinéticos populacionais (Aarons, 1999; R. J. Bauer et al., 2007; Davidian
& Giltinan, 1995, n.d.; Ette & Williams, 2004b; Fitzmaurice et al., 2009).
50
3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos
Tabela 3.4 - Programas e respetivo método de estimação de modelos não lineares de efeitos mistos
aplicados a farmacocinética.
Inferência
Programa Base
Biblioteca/Macro/Função
Método de estimação
NLMEM
nlmem
FO e FOCE
fo
FO
foce
FOCE
laplacian
Aproximação laplaciana
ppharm
-
nlmixed
FO, Gauss-Hermite e Monte Carlo
nlinmix
FO e FOCE
nlmem
Utiliza ODE; funciona sob nlinmix
mixnlin
-
nlme
FOCE
R
nlmeODE
Utiliza ODE; funciona sob nlme
WINNONMIX
winnonmix
FO e FOCE
MONOLIX
monolix
Monte Carlo
S-ADAPT
-
-
NLMIX
nlmix
Gauss-Hermite
USC*PACK
npem
-
NPML
npml
-
WinBUGS
PKBugs
Monte Carlo
NONMEM
PPHARM
Paramétrico
SAS
S-Plus / R
Semiparamétrico
Não paramétrico
Bayesiano
ODE – equações diferenciais
Qualquer que seja o programa estatístico escolhido, a modelação de um modelo
farmacocinético populacional (modelo não linear de efeitos mistos) requer o conhecimento
dos princípios envolvidos na metodologia usada e domínio do programa utilizado.
4. MODELAÇÃO DA CICLOSPORINA EM DOENTES
TRANSPLANTADOS RENAIS
A ciclosporina é um imunossupressor introduzido na prática clínica nos anos 80 e, desde
então, é considerada a pedra basilar na terapêutica imunossupressora dos transplantes. O
fármaco é igualmente utilizado noutro tipo de patologias, de caráter autoimune, como a
psoriase, a artrite reumatoide, a colite ulcerativa, entre outras.
O mecanismo de ação da ciclosporina sobre o sistema imunitário ainda não é bem
conhecido mas pensa-se que envolva a inibição da expressão de genes que regulam a
produção de citoquinas. As citoquinas desempenham um papel essencial no
reconhecimento de antigénios, através da ativação dos linfócitos-T, da sua proliferação e
diferenciação (Micromedex, 2011).
O fármaco tem uma margem terapêutica estreita, com consequências significativas no caso
de concentrações subterapêuticas (rejeição do enxerto), ou tóxicas (nefrotoxicidade, por
exemplo).
Inicialmente o fármaco foi comercializado na forma de solução oral oleosa, Sandimmum®,
e só posteriormente foi introduzida no mercado uma microemulsão para administração em
cápsulas de gelatina mole ou em solução oral, Sandimmum Neoral®5. A nova formulação
apresenta propriedades autoemulsificantes que vieram melhorar o perfil de absorção do
Hoje em dia, a formulação convencional Sandimmum® não está comercializada em Portugal mas existem
genéricos da formulação Sandimmum Neoral®.
5
52
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
fármaco. Ainda assim, a absorção de ciclosporina apresenta uma elevada variabilidade inter
e intra individual (L. A. Bauer, 2001). Por exemplo, a influência dos alimentos na absorção
da ciclosporina ainda é controversa (Micromedex, 2011; Novartis-Farma, 2011). Além
disso, a presença de glicoproteína-P e isoenzimas do citocromo P-450 no trato gastrointestinal (GI), contribuem significativamente para o efeito de primeira passagem, e
consequentemente afetam a biodisponibilidade da ciclosporina (Micromedex, 2011).
Em geral, qualquer situação fisiopatológica, ou medicamentosa, com potencial para acelerar
o esvaziamento gástrico, diminuir o tempo de trânsito GI, interferir no ciclo
enterohepático ou alterar o pH da mucosa GI, pode alterar o grau e a velocidade de
absorção de ciclosporina (Pereira, 1999).
Dada a sua natureza lipofílica, a distribuição de ciclosporina no espaço extravascular é
extensa, em particular, nos tecidos ricos em lípidos (tecido adiposo, hepático, pancreático e
renal). No espaço vascular, a ciclosporina liga-se fortemente às células e proteínas
plasmáticas, pelo que, só cerca de 1.6% do fármaco circula livre no plasma.
O fármaco é metabolizado extensamente a nível hepático, pelo sistema enzimático
citocromo P-450, em metabolitos praticamente inativos excretados por via biliar. Os
metabolitos de conjugação podem ser cindidos pela flora intestinal com libertação de
ciclosporina que é suscetível de ser novamente absorvida, dando origem a um segundo pico
de absorção cerca de 2-4h após o primeiro (ciclo enterohepático) (L. A. Bauer, 2001).
Os fármacos com atividade sobre o citocromo P450 e glicoproteína-P, ou com elevada
capacidade de deslocar a ligação da ciclosporina às proteínas plasmáticas, são fortes
candidatos a exercer interação medicamentosa com a ciclosporina.
Dada a variabilidade inter e intra individual da sua cinética, a estreita margem terapêutica, as
potenciais reações adversas e múltiplas interações medicamentosas, a monitorização sérica
da terapêutica com ciclosporina é aceite por toda a comunidade científica como
indispensável, embora a melhor estratégia para o fazer permaneça em aberto (Midtvedt,
2004).
Os métodos tradicionais de monitorização da ciclosporina, baseados numa concentração
única, obtida num determinado tempo de amostragem específico, ou em várias
concentrações, obtidas ao longo do tempo e utilizadas para descrever a AUC completa ou
reduzida, apresentam várias limitações (Dumont & Ensom, 2000; Midtvedt, 2004), por
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
53
isso, nos últimos anos observou-se um crescente interesse na farmacocinética populacional,
e na metodologia subjacente, modelos não lineares de efeitos mistos.
Neste capítulo procedeu-se à modelação, utilizando os modelos não lineares de efeitos
mistos, do perfil concentração-tempo da ciclosporina em transplantados renais, a partir do
modelo farmacinético de um compartimento, em estado estacionário, com absorção e
eliminação de primeira ordem.
A função quinModel na biblioteca nlme do S-Plus (versão 6) foi utilizada na
construção e análise do modelo. O programa estatístico R (versão 2.12) foi igualmente
utilizado para análises complementares.
4.1
DADOS
Os dados utilizados dizem respeito a uma amostra de 105 doentes adultos, transplantados
renais do serviço de Nefrologia do Hospital de Santa Maria, sob terapêutica oral com
ciclosporina na formulação Sandimmun Neoral®, e seguidos por monitorização sérica no
setor de Farmacocinética dos Serviços Farmacêuticos do mesmo hospital.
Os dados são retrospetivos, reportam ao período de 2001 a 2009 e correspondem a 687
concentrações séricas em estado estacionário.
O tempo de entrada no estudo foi considerado o tempo zero. A recolha dos dados foi feita
em duas ocasiões (ver secção 3.2.4). A primeira ocasião consistiu na medição das
concentrações séricas logo após entrada no estudo, e a segunda vários meses depois. Todos
os doentes foram monitorizados na primeira ocasião mas só 35 doentes foram
monitorizados na segunda ocasião. O intervalo de tempo entre a primeira e a segunda
ocasião não foi regular entre os doentes. Em cada ocasião, os tempos de amostragem
correspondem a uma colheita imediatamente antes da administração do fármaco e uma,
duas, três e quatro horas após a administração (C0h, C1h, C2h, C3h, C4h, respetivamente). Em
estado estacionário, assume-se que a concentração imediatamente antes da administração
seguinte (C0h) corresponde à concentração no fim do intervalo de administração, neste caso
concreto, de 12h (C12h). Em 13 doentes não foi possível obter o C4h (Figura 4.1).
54
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
Transplante
Entrada
no estudo
Meses
1ª Ocasião (SS)
C1h
C2h
C3h
C4h
2ª Ocasião (SS)
C1h
C12h
C2h
C3h
C12h
C4h
Tempo de tratamento
com ciclosporina
Figura 4.1 – Esquema dos tempos de amostragem do estudo nas duas ocasiões.
Na figura seguinte apresenta-se, como exemplo, o perfil concentração-tempo do indivíduo
114, nas duas ocasiões do estudo (Figura 4.2).
1ª Ocasião
Concentration (mcg/ml)
114
1.0
0.5
0
2
4
6
8
10
12
4498
4500
Time (hours after beginning)
2ª Ocasião
114
Concentration (mcg/ml)
0.8
0.6
0.4
0.2
4488
4490
4492
4494
4496
Time (hours after beginning)
Figura 4.2 – Perfil observado da concentração de ciclosporina ao longo do tempo, imediatamente
após entrada no estudo (primeira ocasião) e cerca de 6 meses depois (segunda ocasião) no indivíduo
114.
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
55
Os dados foram atribuídos aleatoriamente a dois grupos: o grupo de modelação (N=82) e o
grupo de validação (N=23). Tal como o nome indica, no primeiro grupo encontram-se os
dados com os quais se procederá à modelação, servindo os dados do segundo grupo para a
validação externa do modelo obtido.
Na Figura 4.3 estão representados os perfis individuais da concentração de ciclosporina
após entrada no estudo e ao longo do tempo, dos 82 indivíduos do grupo de modelação.
0 4 812
0 4 812
0 4 812
0 4 812
0 4 812
0 4 812
118 164 184 140 185 133 114 125 165 182 139 155
1.5
1.0
0.5
0.0
Concentration (mcg/ml)
126 170 136 172 106 149 138 152 147 174 154 180 148 135
1.5
1.0
0.5
0.0
168 116 131 123 124 117 104 151 121 120 115 175 179 157
129 159 137 156 134 127 166 128 112 145 143 186 146 178
1.5
1.0
0.5
0.0
1.5
1.0
0.5
0.0
169 181 144 132 102 176 101 141 150 107 173 161 103 160
183 111 108 122 162 110 130 113 153 177 167 171 163 119
1.5
1.0
0.5
0.0
1.5
1.0
0.5
0.0
0 4 812
0 4 812
0 4 812
0 4 812
0 4 812
0 4 812
0 4 812
Time (hours after beginning)
Figura 4.3 – Perfil observado da concentração de ciclosporina versus tempo após entrada no estudo
dos 82 indivíduos (primeira ocasião).
Para cada doente foram registadas as covariáveis fisiopatológicas: idade (age), peso
(weight), altura (height), creatinémia (cr), sexo (sex), clearance da creatinina (Clcr), índice
de massa corporal (BMI – body mass index) e área de superfície corporal (BSA – body surface
area). As covariáveis BMI, BSA e Clcr foram calculadas de acordo com as expressões
seguintes:
BMI =
weight
(height )2
(World Health Organization [WHO], 2012)
(4.1)
56
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
BSA =
Clcr =
Clcr =
height × weight
3600
(4.2)
(Mosteller, 1987)
(140 − age) × weight
72 × cr
(sexo masculino) (Cockroft & Gault, 1976)
(140 − age)× weight × 0.85
72 × cr
(4.3)
(sexo feminino) (Cockroft & Gault, 1976) (4.4)
A covariável sex é uma variável binária que assume o valor zero se for do sexo feminino e
valor 1 se for do sexo masculino.
A caracterização dos doentes está indicada na Tabela 4.1. Não foi possível recolher data de
transplante, patologias associadas, terapêutica concomitante e vários parâmetros
bioquímicos, nomeadamente os parâmetros relativos à função hepática.
Tabela 4.1 - Caracterização dos dados utilizados no desenvolvimento e validação do modelo.
Grupo de modelação
Grupo de validação
Nº ou
média
Nº ou
média
SD
Intervalo de
variação
SD
Intervalo de
variação
20
75-150
Nº total de doentes (N)
82
23
Nº concentrações
585
102
Dose (mg)
112
Intervalo de administração (h)
12
12
Sexo (F/M)
26/56
5/18
Idade (anos)
49.9
10.8
25-71
50.3
13.1
22-67
Peso (Kg)
71.8
11.6
44.0-96.0
72.2
6.0
68-79
Altura (cm)
167
6.1
152-183
167
6.1
156-176
BMI (Kg/m2)
25.9
4.0
16.7-35.2
25.8
4.5
16.7-34.6
BSA (m2)
1.81
0.16
1.39-2.13
1.82
0.18
1.55-2.17
27
50-200
112
Clcr (ml/min)
62.0
22.2
14.2-126.8
67.5
24.3
18.1-106.5
Creatinémia (mg/dl)
1.6
0.9
0.8-7.7
1.5
0.8
0.8-4.1
SD – desvio-padrão (standard deviation)
Na Figura 4.4 apresenta-se um excerto dos dados usados no desenvolvimento e
ajustamento do modelo (grupo de modelação), onde se pode verificar que o indivíduo 101
foi observado nas duas ocasiões. Note-se que, entre as duas ocasiões, os valores das
covariáveis idade, creatinémia e clearance da creatinina alteraram-se.
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
Grouped Data: conc ~ time | Subject
Subject time conc dose interval weight height sex age Clcr
101
0
NA
100
12
90
170
M 46
97.9
101
1 0.5076
NA
NA
90
170
M 46
97.9
101
2 0.6020
NA
NA
90
170
M 46
97.9
101
3 0.3021
NA
NA
90
170
M 46
97.9
101
4 0.2238
NA
NA
90
170
M 46
97.9
101
12 0.0780
NA
NA
90
170
M 46
97.9
101 9216
NA
100
12
90
170
M 47 105.7
101 9217 0.6408
NA
NA
90
170
M 47 105.7
101 9218 0.6828
NA
NA
90
170
M 47 105.7
101 9219 0.3355
NA
NA
90
170
M 47 105.7
101 9220 0.2759
NA
NA
90
170
M 47 105.7
101 9228 0.0921
NA
NA
90
170
M 47 105.7
cr
1.2
1.2
1.2
1.2
1.2
1.2
1.1
1.1
1.1
1.1
1.1
1.1
BMI
31.1
31.1
31.1
31.1
31.1
31.1
31.1
31.1
31.1
31.1
31.1
31.1
57
BSA
2.06
2.06
2.06
2.06
2.06
2.06
2.06
2.06
2.06
2.06
2.06
2.06
Figura 4.4 - Excerto dos dados do grupo de modelação, relativo ao doente 101.
As amostras de sangue foram colhidas para tubos de EDTA e o sangue total analisado em
AxSym por tecnologia Fluorescence Polarization Immunoassay (FPIA) da Abbott Laboratories.
Este método analítico é um imunoensaio habitualmente utilizado no doseamento da
concentração total de ciclosporina. Apresenta uma exatidão e precisão total aplicáveis na
prática clínica (coeficiente de variação da exatidão de 96,6% e da precisão total inferior a
8,5% na gama de concentrações entre 0,070 e 0,600 μg/ml) (Abbott Laboratories
Diagnostics Division, 2008). O ensaio apresenta um limite de quantificação médio de
0,0232 μg/ml. No entanto, a necessidade de recorrer a diluições para amostras com
concentrações superiores a 0,800 μg/ml (Abbott Laboratories Diagnostics Division, 2008)
pode introduzir um fator adicional de variabilidade nos resultados.
4.2
MODELO
O modelo farmacocinético utilizado na modelação da ciclosporina é o modelo de um
compartimento, em estado estacionário, com absorção e eliminação de primeira ordem, e
eliminação a partir do compartimento central, cuja equação é dada por:
Ct =
⎡⎛
FDKa
1
× ⎢⎜
(Ka − Ke ) × Vd ⎣⎝ 1 − e − Keτ
1
⎞ − Ket ⎛
−⎜
⎟×e
− Ka τ
⎠
⎝1− e
⎞ − Kat ⎤
⎟×e
⎥
⎠
⎦
(4.5)
58
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
onde C t é a concentração no tempo t, Ka e Ke são, respetivamente, as constantes de
absorção e eliminação, Vd é o volume de distribuição, D é a dose e F o fator de
biodisponibilidade.
Atendendo a que o Ke é igual à razão entre a Cl e o Vd (2.1), o modelo pode ser
reparametrizado em termos de Vd, Cl e Ka. Por outro lado, para garantir que as estimativas
de Vd, Cl e Ka são positivas (Pinheiro & Bates, 2000), os parâmetros do modelo podem
ser reescritos em termos de logaritmos, lV=logVd, lKa=logKa e lCl=logCl, assumindo o
modelo (4.5) o seguinte aspeto:
Ct =
⎛ lKa
⎜⎜ e
⎝
⎡⎛
1
FDe lKa
⎢⎜
×
⎜
⎢
lCl
e lCl
− lVd τ
e ⎞ lVd
⎜
⎢
e
− lVd ⎟⎟ × e
⎣⎝ 1 − e
e ⎠
lCl
⎞
⎟ − eelVd t ⎛
1
⎞ − e lKa t
−⎜
⎟×e
⎟×e
lKa
⎝ 1 − e −e τ ⎠
⎟
⎠
⎤
⎥
⎥
⎥⎦
(4.6)
O modelo não linear, cuja parte determinística é dada por (4.6), foi ajustado aos dados.
Sendo desconhecida a biodisponibilidade (F), a estimação refere-se aos parâmetros
farmacocinéticos aparentes.
A construção do modelo não linear de efeitos mistos seguiu os passos indicados no
Capítulo 3 e que se podem ser resumir em:
(i)
Determinar quais os efeitos fixos aos quais deve ser associado um efeito aleatório e
quais os que devem ficar puramente fixos;
(ii)
Usar covariáveis para explicar a variabilidade dos parâmetros entre indivíduos;
(iii)
Reduzir o número de efeitos aleatórios;
(iv)
Avaliar a qualidade do ajustamento;
(v)
Modelar a heterocedasticidade e correlação.
O nível de significância de 5% foi o considerado.
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
4.3
59
AJUSTAMENTO DO MODELO
O primeiro problema no ajustamento deste tipo de modelos é a seleção das estimativas
iniciais dos parâmetros. Recorreu-se, como é prática usual, aos valores descritos em
trabalhos anteriores (Tabela 4.2) (L. A. Bauer, 2001).
Tabela 4.2 - Estimativas iniciais dos parâmetros.
Cl (L/h)
Vd (L)
Ka (h-1) *
25,2
350
0,74
log
3,2
5,8
-0,3
* Existem poucos dados na literatura sobre este parâmetro, pelo que, se utilizou um valor empírico.
Resolvida a questão anterior teve de decidir-se quais os efeitos fixos aos quais se deve
associar um efeito aleatório. Tendo em consideração análises preliminares dos dados,
obtidas na ausência de covariáveis, e as indicações na literatura, que recomendam que o lKa
seja fixo caso o número de observações seja insuficiente para caracterizar a fase de
absorção (Davidian & Giltinan, 1995), como se observa neste conjunto de dados, decidiuse que lCl e lV teriam efeito aleatório associado e lKa não. Tem-se então,
lCl i = β 1 + b1i ,
lVi = β 2 + b2 i
e
lKa i = β 3
i=1,...,82
(4.7)
Uma outra questão que se coloca é a da estrutura da matriz de D, a matriz de variância–
covariância de b i = (b1i , b 2 i )T .
Para evitar problemas de convergência, em situações com elevada dispersão de
concentrações no tempo de estudo, como é o caso, Pinheiro & Bates (2000) recomendam a
⎛ d
utilização de um matriz D diagonal ⎜ ⎡⎢ 11
⎜ 0
⎝⎣
0 ⎤⎞
⎟ , ou seja, assume-se a independência entre
d 22 ⎥⎦ ⎟⎠
os efeitos aleatórios b1i e b2i. O modelo obtido desta forma constituiu o modelo base,
designado por Modelo 1.
A Tabela 4.3 apresenta a estimativa dos parâmetros β 1 , β 2 e β 3 do modelo, o respetivo
erro padrão (SE), os graus de liberdade (GL), a estimativa do intervalo de confiança ao
nível de confiança de 95% (IC95%), o valor da estatística do teste t condicional (valor-t) e
60
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
valor-p respetivos, bem como a estimativa de
d 11 e
d 22 (SD – standard deviation) e a
estimativa do respetivo intervalo de confiança a 95% (IC95%).
Tabela 4.3 – Efeitos fixos e aleatórios do modelo base (Modelo 1).
Efeitos fixos
Parâmetro
Estimativa
SE
IC95%
GL
valor-t
valor-p
β1
3.5026
0.1442
(3.2201, 3.7852)
501
24.2949
<0.0001
β2
3.5891
0.0356
(3.5193, 3.6589)
501
100.8029
<0.0001
β3
-0.6364
0.0941
(-0.8209, -0.4520)
501
-6.7626
<0.0001
Componentes da matriz de variância covariância dos efeitos aleatórios
SD
IC95%
d 11
0.5475
(0.4195, 0.7147)
d 22
0.2554
(0.2110, 0.3091)
O modelo base (Modelo 1) foi comparado, com base no teste de razão de verosimilhanças,
com os modelos sem efeito aleatório no lV (Modelo 2) ou na lCl (Modelo 3).
Na Tabela 4.4 encontram-se os valores do AIC, do BIC, do logaritmo da verosimilhança
(logLik) e o valor-p respetivo.
Os Modelos 2 e 3 foram rejeitados (valor-p <0.0001) 6.
Tabela 4.4 - Comparação de modelos com diferente número de efeitos aleatórios.
Modelos (efeitos aleatórios)
AIC
BIC
logLik
Teste
valor-p
Modelo 1 (b1i, b2i)
-412.6690
-382.0677
213.3345
Modelo 2 (b1i)
-386.8828
-365.0248
198.4414
1 vs 2
<0.0001
Modelo 3 (b2i)
-314.4845
-292.6264
162.2423
1 vs 3
<0.0001
O segundo passo na construção do modelo consistiu em investigar quais as covariáveis que
poderiam explicar a variabilidade dos parâmetros lV e lCl.
A possível relação entre os parâmetros farmacocinéticos e as covariáveis foi investigada
inicialmente através da representação gráfica dos efeitos aleatórios do modelo versus cada
uma das covariáveis (Figura 4.5), à qual foi adicionada um ajustamento não paramétrico
para melhor visualizar essa possível relação.
O valor-p apresentado é a solução naïve dada pela função nlme do S-Plus e que será a indicada ao longo
deste capítulo (Pinheiro & Bates, 2000).
6
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
Clcr
cr
BMI
BSA
0.6
0.4
0.2
0.0
-0.2
-0.4
-0.6
lCl
20
40
60
80
100 120
1
2
age
0.6
3
4
5
20
weight
25
30
35 1.4
1.6
height
1.8
2.0
sex
0.4
0.2
0.0
-0.2
-0.4
-0.6
30
40
50
60
70
50
60
Clcr
70
80
90
155
cr
165
175
F
BMI
M
BSA
1.0
0.5
0.0
-0.5
-1.0
lV
20
40
60
80
100 120
1
2
age
3
4
5
20
weight
25
30
35 1.4
1.6
height
1.8
2.0
sex
1.0
0.5
0.0
-0.5
-1.0
30
40
50
60
70
50
60
70
80
90
155
165
175
F
M
Figura 4.5 – Estimativas EB dos efeitos aleatórios de lV e de lCl versus as covariáveis em estudo.
61
62
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
Os gráficos parecem indicar uma eventual associação entre lCl e as covariáveis Clcr, cr,
BSA, age, weight e height. Além disso, parece existir, quer para lV quer para lCl uma
eventual relação com o sexo. Uma vez que esta representação gráfica não foi
suficientemente esclarecedora na seleção das covariáveis a introduzir no modelo, a relação
dos parâmetros com as covariáveis foi investigada exaustivamente através da introdução
sequencial das covariáveis no modelo base. A relação linear pareceu suficientemente
adequada para representar essa eventual relação, apesar de, em alguns casos, parecer estar
presente uma possível relação quadrática. Essa possibilidade foi testada mas não trouxe
qualquer benefício às estimativas obtidas, pelo que, optou-se por usar uma relação linear.
A inclusão de covariáveis no modelo foi feita de acordo com Pinheiro & Bates (2000) por
inclusão sequencial das covariáveis que apresentam menor valor–p no teste t condicional.
A significância das covariáveis incluídas foi avaliada com base no teste de razão de
verosimilhanças, no caso de modelos encaixados, e pelo critério AIC/BIC, em modelos
não encaixados.
Na Tabela 4.5 estão representados os modelos obtidos por introdução sequencial de
covariáveis sobre o modelo base. Uma vez que as estimativas dos parâmetros são instáveis
quando se inclui no modelo covariáveis correlacionáveis (Bonate, 2005a), nunca se
introduziu no modelo simultaneamente peso (weight) ou altura (height) com índice de
massa corporal (BMI) ou área de superfície corporal (BSA), nem creatinémia (cr) com
clearance de creatinina (Clcr).
De acordo com o critério de seleção utilizado, a covariável BSA associada a lCl deveria ter
sido a primeira a ser introduzida no modelo. No entanto, por motivos de convergência, a
ordem de inclusão de BSA e sex foi trocada.
Com base no teste de razão de verosimilhanças, a diferença entre o modelo com sex e o
modelo sem sex (associado a lV) não é estatisticamente significativa (valor-p=0.2199), por
outro lado, apesar de se encontrar no limite, o teste t condicional mostrou que esta
covariável era significativa a um nível de significância de 5% (valor-p=0.0477). Por este
facto, e porque, dado o caráter lipofílico do fármaco e a sua extensa distribuição nos
tecidos, é natural admitir que possa haver diferenças entre os sexos, optou-se por incluir a
covariável sex no modelo final (Modelo 24). Assim, deste processo de seleção retiveram-se
as covariáveis sex, BSA e age associadas a lCl e sex associado a lV.
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
63
Tabela 4.5 - Modelos obtidos por introdução sequencial de covariáveis no modelo base (Modelo
1), inicialmente associadas a lCl e depois a lV.
Inclusão de covariáveis
Comparação de modelos
Nº Covariável
logLik
teste-t
Modelo AIC
BIC
valor-p
LRT
lCl
lV
valor-p
1
-
-
213.3345
-
Base
-414.6837 -388.4540
-
4
sex
-
220.8312
0.0001
1 vs 4
-427.6623 -397.0611
0.0001
5
BSA
-
221.7332
<0.0001
1 vs 5
-429.4665 -398.8652
<0.0001
6
weight
-
220.2117
0.0001
1 vs 6
-426.4234 -395.8221
0.0002
7
BMI
-
215.6673
0.0367
1 vs 7
-417.3346 -386.7333
0.031
8
height
-
219.9779
<0.0001
1 vs 8
-425.9558 -395.3545
0.0003
9
Clcr
-
213.1598
0.2816
1 vs 9
-412.3196 -381.7183
0.5462
10 cr
-
215.1679
0.136
1 vs 10
-416.3358 -385.7345
0.056
11 age
-
214.9633
0.0633
1 vs 11
-415.9265 -385.3253
0.0717
12 sex+BSA
-
226.3569
0.0004
4 vs 12
-436.7138 -401.7409
0.0009
13 sex+weight
-
226.3411
0.0006
4 vs 13
-436.6821 -401.7092
0.0009
14 sex+BMI
-
224.6882
0.0079
4 vs 14
-433.3764 -398.4035
0.0055
15 sex+height
-
221.9920
0.0229
4 vs 15
-427.9840 -393.0111
0.1276
16 sex+Clcr
-
220.6446
0.3768
4 vs 16
-425.2892 -390.3163
0.5413
17 sex+cr
-
222.2983
0.1912
4 vs 17
-428.5965 -393.6236
0.0867
18 sex+age
-
225.1453
0.0019
4 vs 18
-434.2905 -399.3176
0.0033
19 sex+BSA+Clcr
-
226.4155
0.906
12 vs 19 -434.8311 -395.4866
0.7321
20 sex+BSA+cr
-
227.6965
0.2266
12 vs 20 -437.3931 -398.0486
0.1017
21 sex+BSA+age
-
232.1970
0.0002
12 vs 21 -446.3940 -407.0495
0.0006
22 sex+BSA+age+Clcr
-
233.3951
0.2498
21 vs 22 -446.7903 -403.0742
0.1216
23 sex+BSA+age+cr
-
233.4853
0.2439
21 vs 23 -446.9706 -403.2545
0.1085
24 sex+BSA+age
sex
232.9494
0.0477
21 vs 24 -445.8989 -402.1828
0.2199
25 sex+BSA+age
BSA
232.0991
0.2536
21 vs 25 -444.1983 -400.4822
0.6582
26 sex+BSA+age
weight
232.5198
0.2491
21 vs 26 -445.0396 -401.3225
0.4217
27 sex+BSA+age
BMI
232.5953
0.3414
21 vs 27 -445.1907 -401.4746
0.3721
28 sex+BSA+age
height
231.8025
0.6086
21 vs 28 -443.6050 -399.8889
0.3744
29 sex+BSA+age
Clcr
232.1201
0.7243
21 vs 29 -444.2402 -400.5241
0.6949
30 sex+BSA+age
cr
232.1247
0.0811
21 vs 30 -444.2495 -400.5330
0.7038
31 sex+BSA+age
age
232.3097
0.5571
21 vs 31 -444.6193 -400.9032
0.635
32 sex+BSA+age
sex+BSA
232.9156
0.59
24 vs 32 -443.8312 -395.7435
0.7948
33 sex+BSA+age
sex+weight 233.0329
0.4321
24 vs 33 -444.0657 -395.9780
0.6829
34 sex+BSA+age
sex+height
234.2895
0.259
24 vs 34 -446.5789 -398.4912
0.1016
35 sex+BSA+age
sex+BMI
233.5598
0.2343
24 vs 35 -445.1197 -397.0319
0.2692
36 sex+BSA+age
sex+Clcr
232.9357
0.5111
24 vs 36 -443.8173 -395.7836
0.8681
37 sex+BSA+age
sex+cr
232.8931
0.0936
24 vs 37 -443.7861 -395.6984
0.737
38 sex+BSA+age
sex+age
232.2172
0.2425
24 vs 38 -444.4344 -396.3467
0.4643
64
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
A modelação prosseguiu de forma a investigar se, na presença destas covariáveis, ainda
eram necessários efeitos aleatórios no modelo para explicar a variabilidade interindividual
remanescente. Assim, no Modelo 39 removeu-se o efeito aleatório sobre lV e no Modelo
40 removeu-se o efeito aleatório associado lCl. O resultado da comparação de cada um
daqueles modelos com o Modelo 24 (com igual estrutura fixa, mas com efeitos aleatórios
em lV e lCl) foi feita usando o teste de razão de verosimilhanças e os resultados
encontram-se na Tabela 4.6. Concluiu-se que não era possível remover nenhum efeito
aleatório (valor-p <0.0001), pelo que se prosseguiu com a avaliação da qualidade do
ajustamento do Modelo 24.
Tabela 4.6 – Comparação de modelos com covariáveis e diferentes efeitos aleatórios.
Modelos (efeitos aleatórios)
AIC
Modelo 24
BIC
logLik
Teste
valor-p
(b1i, b2i)
-445.8989
-402.1828
232.9494
Modelo 39
(b1i)
-415.0048
-375.6603
216.5024
24 vs 39
<0.0001
Modelo 40
(b2i)
-410.3085
-370.9640
214.1542
24 vs 40
<0.0001
Da Figura 4.6 à Figura 4.10 estão representados os gráficos de diagnóstico do modelo final
(Modelo 24).
A representação gráfica dos resíduos padronizados versus valores ajustados (Figura 4.6)
evidencia um aumento da variabilidade com os valores ajustados. A mesma representação
gráfica em função do tempo sugere uma eventual heterocedastecidade com o tempo
(Figura 4.7).
Com base no papel de probabilidades da normal não se observaram desvios significativos
do pressuposto da normalidade quer para os erros aleatórios quer para os efeitos aleatórios 7
(Figura 4.8 e Figura 4.9).
Tendo em atenção que os tempos de observação não estão igualmente espaçados, o
semivariograma foi utilizado para identificar qual a estrutura de correlação entre as
observações para um mesmo indivíduo (Figura 4.10).
7
Consultar secção 3.4 sobre os pressupostos de normalidade dos efeitos aleatórios.
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
3
139
133
125
126
136147
157
164
185
133
159
Standardized residuals
2
1
0
-1
159
-2
137
117
139
140
113
-3
0.0
147
0.5
1.0
1.5
Fitted values
Figura 4.6 – Gráfico de dispersão dos resíduos padronizados versus valores ajustados.
139
3
133
126
157
185
159
133
2
Standardized residuals
164
147 136
125
1
0
-1
-2
-3
159
137
117
139
140
113
147
0
5000
10000
time
Figura 4.7 – Gráfico de dispersão dos resíduos padronizados versus tempo.
15000
65
66
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
3
Quantiles of standard normal
2
1
0
-1
-2
-3
-3
-2
-1
0
1
2
3
Standardized residuals
Figura 4.8 – Papel de probabilidades da normal dos resíduos padronizados.
lV.(Intercept)
lCl.(Intercept)
121
113
183
108
Quantiles of standard normal
2
1
0
-1
-2
-0.5
0.0
0.5
1.0
-0.2
0.0
0.2
0.4
Random effects
Figura 4.9 – Papel de probabilidades da normal das estimativas dos efeitos aleatórios.
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
67
1.0
Semivariogram
0.8
0.6
0.4
0.2
0.0
1.0
1.5
2.0
2.5
3.0
Distance
Figura 4.10 – Estimativa do semivariograma amostral dos resíduos padronizados.
O passo seguinte consistiu em modelar a heterocedastecidade e a correlação da matriz dos
erros aleatórios.
Na modelação da heterocedastecidade, em função do valor ajustado, consideraram-se três
estruturas de variância, potência (Modelo 41), constante mais potência (Modelo 42) e
exponencial (Modelo 43). No que se refere à modelação da heterocedasticidade em função
do tempo foi usada a função exponencial (Modelo 44).
O teste de razão de verosimilhanças foi utilizado para comparar os novos modelos com o
Modelo 24.
Os resultados encontram-se na Tabela 4.7, donde se conclui que a heterocedastecidade é
modelada através de uma função exponencial (valor-p <0.0001). No entanto, o modelo
com esta estrutura revelou instabilidade no ajustamento que se traduziu pela incapacidade
de se obter a estimativa do intervalo de confiança dos parâmetros do modelo. Por este
motivo, escolheu-se o Modelo 24.
68
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
Tabela 4.7 – Comparação de modelos com diferentes estruturas de variância.
Modelos
AIC
BIC
logLik
Teste
valor-p
Modelo 24
-445.8989
-402.1828
232.9494
Modelo 41
-444.0241
-395.9363
233.0120
24 vs 41
0.7235
Modelo 42
-442.0339
Modelo 43
-620.0029
-389.5746
233.0169
24 vs 42
0.9347
-571.9152
321.0014
24 vs 43
<0.0001
Modelo 44
-445.2684
-397.1806
233.6342
24 vs 44
0.2419
A estimativa do semivariograma amostral apresentado na Figura 4.10 sugere uma estrutura
de correlação espacial exponencial. Apesar disso, foram igualmente consideradas as
estruturas espaciais Gaussiana, quadrática racional, esférica e linear.
Nenhuma das estruturas consideradas permitiu corrigir a correlação dos erros devido à não
convergência do processo iterativo de obtenção das estimativas do modelo (mesmo quando
alterados os critérios de convergência).
Esta situação é frequente neste tipo de dados e, de acordo com Davidian & Giltinan
(1995), nem sempre é possível uma modelação e estimação fiáveis da correlação, sendo
possível que, um modelo que não assume correlação entre as observações de um mesmo
indivíduo, apesar de incorreto, levar a inferências mais eficientes. Nesse sentido, assumiu-se
a independência.
O modelo final obtido (Modelo 24), com efeitos aleatórios em lCl e lV, matriz D diagonal,
e covariáveis sex, BSA e age associadas a lCl e sex associada a lV, assumindo
homocedastecidade e independência dos erros, encontra-se resumido na Tabela 4.8.
Uma vez que o fator de biodisponibilidade (F) não é conhecido, a estimativa dos
parâmetros obtidos refere-se ao log da clearance e ao log do volume de distribuição
aparente. Assim,
lVd i / F = β1 + β 2 sex + b1i
lKai = β 3
(4.8)
i = 1,...82
lCli / F = β 4 + β 5 sex + β 6 BSA + β 7 age + b2i
em que, β1, β3 e β4 são os coeficientes referentes aos logaritmos do volume de distribuição,
da constante de absorção e da clearance, respetivamente. β2 corresponde ao coeficiente da
variável binária sex associada ao logaritmo do volume de distribuição e β5, β6 e β7
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
69
correspondem, respetivamente, aos coeficientes da covariável sex, BSA e age relacionados
com o logaritmo da clearance (Tabela 4.8).
Tabela 4.8 - Parâmetros do modelo final (Modelo 24).
Modelo Final
Efeitos fixos
Parâmetro Estimativa SE [SD]
IC95%
GL
valor-t
valor-p
β1
3.3786
0.1775
(3.0318, 3.7254)
497
19.0246
<0.0001
β2
0.2854
0.1438
(0.0045, 0.5663)
497
1.9845
0.0477
β3
-0.5877
0.0989
(-0.7808, -0.3946) 497
-5.9451
<0.0001
β4
2.7047
0.2820
(2.1539, 3.2554)
497
9.5903
<0.0001
β5
0.2088
0.0564
(0.0987, 0.3190)
497
3.7022
0.0002
β6
0.6414
0.1550
(0.3386, 0.9441)
497
4.1374
<0.0001
β7
-0.0083
0.00222
(-0.0128, -0.0040) 497
-3.7282
0.0002
d 11
-
[0.5222]
(0.3954, 0.6897)
-
-
-
d 22
-
[0.1821]
(0.1455, 0.2280)
-
-
-
-
[0.1331]
(0.1240, 0.1428)
-
-
-
Efeitos
aleatórios
σ
Erro residual
bi é o vetor de efeitos aleatórios que se assume independente para cada indivíduo i:
⎡b1i ⎤
b i = ⎢ ⎥ ∩ N (0, D ) ,
⎣b2i ⎦
⎡(0.5222) 2
D=⎢
0
⎣
sendo
D
uma
matriz
diagonal
cuja
estimativa
é
⎤
⎥ (Tabela 4.8).
(0.1821) ⎦
0
2
Os erros intra individuais (eij) foram incluídos no modelo de forma aditiva, sendo
independentes entre si e independentes para diferentes indivíduos: eij ∩ N(0,σ2I). A
estimativa de σ é 0,1331 (Tabela 4.8).
4.4
VALIDAÇÃO:
A FDA e a EMA recomendam a validação do modelo farmacocinético obtido em termos
da descrição dos dados e da adequabilidade ao fim proposto (Committee for Medicinal
Products for Human Use [CHMP], 2007; US FDA Center for Drug Evaluation and
Research [CDER], 1999). Um modelo pode ser válido para um fim e inválido para outro.
Num modelo meramente descritivo a validação não é necessária. A validação só é
fundamental caso se pretenda utilizar o modelo para ajustamento posológico, como é o
caso (US FDA Center for Drug Evaluation and Research [CDER], 1999).
70
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
Atualmente não existe consenso sobre a metodologia estatística mais adequada à validação
de um modelo farmacocinético, pelo que se recorreu à metodologia descrita em Sheiner &
Beal (1981b) e G. Wu (1995).
Inicialmente o desempenho preditivo do modelo foi avaliado por regressão linear das
concentrações observadas (Cobs) versus concentrações preditas (Cpred) pelo modelo (G. Wu,
1995).
A Figura 4.11, com base nas regras de representação gráfica da EMA (Committee for
Medicinal Products for Human Use [CHMP], 2007), mostra a relação entre as
concentrações observadas e preditas com base no modelo populacional e com base no
modelo individual. O coeficiente de regressão R2 obtido no primeiro caso (R2=0.65) e no
segundo (R2=0.86) sugere que o modelo ajusta bem os dados dos doentes, embora em
geral haja uma ligeira sobrestimação em alguns indivíduos, visível sobretudo nas
1.5
1.5
concentrações mais elevadas.
2
2
1.0
0.5
0.0
0.5
1.0
Observed concentration
R = 0.86
0.0
Observed concentration
R = 0.65
0.0
0.5
1.0
1.5
Population-predicted concentration
0.0
0.5
1.0
1.5
Individual-predicted concentration
Figura 4.11 – Gráfico das concentrações observadas versus valores preditos com base no
ajustamento populacional e individual.
Em seguida, avaliou-se a capacidade de predição desse modelo ou, dito por outras palavras,
avaliou-se a sua exatidão (accuracy) e precisão (precision), tendo sido usadas duas técnicas de
validação usuais nos métodos de regressão: validação interna e validação externa. Em
ambos os casos, foram usadas as seguintes medidas de qualidade (também designadas por
indicadores de predição), erro médio quadrático (MSE - mean squared error), raiz de erro
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
71
médio quadrático (RMSE - root mean squared error), erro médio preditivo (BIAS - mean
prediction error) e erro preditivo percentual (PE - percentage prediction error), definidos da
seguinte forma (Sheiner & Beal, 1981b; G. Wu, 1995):
1
MSE =
M
∑ (C
i =1
)
2
M
pred
i
− Cobs i
RMSE = MSE
BIAS =
PE =
1
M
1
M
(4.10)
∑ (C
M
i =1
obs i
)
(4.11)
× 100
(4.12)
− C pred
M
C obs i − C pred
i =1
C obs i
∑
(4.9)
i
i
em que Cobs e Cpred correspondem, respetivamente, às concentrações observadas e
previstas pelo modelo e M corresponde ao número total de observações de cada conjunto
de dados.
Na validação interna foram usados dois métodos de reamostragem (data-splitting e jackknife).
No método data-splitting, os dados do grupo de modelação foram aleatoriamente divididos
em 10 subconjuntos contendo 90% dos dados iniciais. A cada um dos 10 subconjuntos foi
aplicado, separadamente, o modelo final e obtidas as estimativas dos parâmetros e medidas
de qualidade. Com base na amostra (de dimensão 10) obtida para cada um dos parâmetros
e medidas de qualidade construíram-se as estimativas dos intervalos de confiança dos
mesmos.
O método jack-knife consiste em excluir do grupo de modelação um indivíduo de cada vez
e aplicar sob os restantes o modelo final. Tal como para o método data-splitting, mas neste
caso, a partir dos 82 submodelos, foi calculada a estimativa do intervalo de confiança dos
parâmetros e das medidas de qualidade.
Em qualquer uma das metodologias de reamostragem, o nível de confiança considerado foi
de 95% e, sempre que foi possível assumir que a distribuição subjacente aos dados era a
normal, as estimativas dos intervalos de confiança foram calculadas com base na
distribuição t. Nos casos em tal não aconteceu, as estimativas dos intervalos de confiança
72
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
foram obtidas utilizando o método bootstrap de ajustamento do percentil (adjusted bootstrap
percentile) (Efron & Tibshirani, 1993). O teste de Shapiro foi o usado para testar a
normalidade.
As estimativas dos parâmetros e os indicadores de predição do modelo final foram
comparados com as estimativas dos intervalos de confiança obtidos com base nos métodos
data-splitting e jack-knife.
A validação interna, independentemente do método utilizado, mostrou que as estimativas
dos intervalos de confiança dos parâmetros e indicadores de predição continham o
respetivo parâmetro e indicador do modelo final. Além disso, a elevada estabilidade e
pequena magnitude dos desvios-padrão evidenciam a não existência de um subconjunto de
dados com influência desproporcionada nas estimativas finais, concluindo-se que o modelo
é robusto para utilização (Tabela 4.9).
Tabela 4.9 - Resultados da validação interna e externa do modelo final (Modelo 24).
Validação
externa
Parâmetros
Modelo
final
data-splitting
jack-knife
SD
IC95%
SD
IC95%
β1
3.3786
0.0923
(3.3187, 3.4507)
0.0293
(3.371, 3.384) *
-
β2
0.2854
0.0718
(0.2325, 0.3351)
0.0188
(0.2818, 0.2901)
-
β3
-0.5877
0.0484
(-0.6023, -0.5274)
0.0148
(-0.5908, -0.5845)
-
β4
2.7047
0.0842
(2.6249, 2.7453)
0.0371
(2.698, 2.715) *
-
β5
0.2088
0.0158
(0.1992, 0.2218)
0.0066
(0.2073, 0.2102)
-
β6
0.6414
0.0523
(0.6086, 0.6834)
0.0197
(0.6370, 0.6458)
-
β7
-0.0084
0.0007
(-0.0087, -0.0077)
0.0003
(-0.0084, -0.0083)
-
MSE
(μg/ml)2
0.0141
0.0005
(0.0137, 0.0145)
0.0002
(0.0141, 0.0142)
0.0141
RMSE
(μg/ml)
0.1188
0.0023
(0.1172, 0.1204)
0.0008
(0.1186, 0.1190)
0.1189
BIAS
(μg/ml)
0.0227
0.0005
(0.0225, 0.0233)
0.0002
(0.0227, 0.0228)
0.0152
PE(%)
13.1382
0.4529
(12.9167, 13.5647)
0.1599
(13.11, 13.19) *
9.5543
* O software utilizado não permitiu obter um maior número de casas decimais
Na validação externa utilizou-se um novo conjunto de dados, que não tinham sido usados
na construção do modelo (grupo de validação), aos quais foi aplicado o modelo final. Na
Tabela 4.1 apresentam-se as características fisiopatológicas dos 23 doentes utilizados para
validação externa.
As medidas de qualidade obtidas foram comparadas com as do modelo final e com as da
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
73
validação interna (Tabela 4.9), tendo-se verificado que as estimativas dos intervalos de
confiança, obtidos na validação interna, contêm esses valores com exceção da estimativa do
BIAS
e do PE que apresentam valores inferiores aos obtidos no modelo final.
Da análise dos resultados da validação pode-se afirmar que o modelo final descreve
adequadamente os dados e apresenta estabilidade e robustez preditivas. Na Figura 4.12
estão representados os gráficos dos valores observados e os ajustamentos obtidos com base
no modelo para os indivíduos 114 e 131.
1ª ocasião
dose interval age
175
12
27
100
12
56
Subject sex
114
F
131
M
2ª ocasião
dose interval age
175
12
27
100
12
57
BSA
1.92
1.80
1.4
Subject 114
1.4
Subject 114
0.6
0.8
1.0
1.2
Observed
Typical
Individual
0.0
0.2
0.4
Concentration (ug/ml)
0.8
0.6
0.4
0.0
0.2
Concentration (ug/ml)
1.0
1.2
Observed
Typical
Individual
1.5
2.0
2.5
3.0
3.5
4.0
4490
4492
4494
4496
Time(hours after beginning)
Subject 131
Subject 131
4498
4500
12250
12252
1.0
Time(hours after beginning)
1.0
1.0
0.6
0.4
0.2
0.0
0.0
0.2
0.4
0.6
Concentration (ug/ml)
0.8
Observed
Typical
Individual
0.8
Observed
Typical
Individual
Concentration (ug/ml)
BSA
1.92
1.80
2
4
6
8
Time(hours after beginning)
10
12
12242
12244
12246
12248
Time(hours after beginning)
Figura 4.12 – Gráfico das concentrações observadas e valores preditos, com base no ajustamento
populacional (“típico”) e individual, ao longo do tempo, para os indivíduos 114 e 131.
74
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
4.5
PARÂMETROS FARMACOCINÉTICOS
Quanto à interpretação prática dos parâmetros no contexto da farmacocinética deve-se ter
em atenção que as estimativas destes parâmetros são interpretadas em termos de
parâmetros farmacocinéticos “típicos” de acordo com o enunciado anteriormente (secção
3.2.5), pelo que se deverá ter isso em mente no que se segue.
Por outro lado é necessário apresentar os parâmetros do modelo na forma inicial, isto é,
antes da reparametrização logarítmica. Assim, o modelo final, descrito anteriormente, pode
ser convertido em:
Vd i / F = θ 1i = exp(β 1 + β 2 sex + b1i )
(L)
Kai = θ 2i = exp(β 2 )
Cl i / F = θ 3i = exp(β 4 + β 5 sex + β 6 BSA + β 7 age + b2i )
com bi = (b1i, b2i)T (q = 2) , β = (β 1 ,..., β 7 )
T
(h −1 )
(L/h)
( p = 7)
Os resultados encontram-se descritos na Tabela 4.10.
Tabela 4.10 - Parâmetros do modelo final (Modelo 24) de ciclosporina na escala original.
Parâmetro
Estimativa
IC95%
exp( β 1 )
29.33
(20.73, 41.49)
exp( β 2 )
1.33
(1.00, 1.76)
exp( β3 )
0.56
(0.46, 0.67)
exp( β 4 )
14.95
(8.62, 25.93)
exp( β5 )
1.23
(1.10, 1.38)
exp( β 6 )
1.90
(1.40, 2.57)
exp( β 7 )
0.99
(0.99, 1.00)
Variabilidade
Estimativa
IC95%
CV (Cl/F) %
18.2
(14.6, 22.8)
CV (Vd/F) %
52.2
(39.5, 69.0)
CV (σ) %
13.3
(12.4, 14.3)
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
75
Um outro aspeto a ter em conta é o de que se b i ~ N (0, D) , então exp(β k + b i ) segue
uma distribuição log-normal e consequentemente exp(β k ) representam o valor esperado e
mediana populacional, em particular, Vd i / F e Cli / F seguem, cada um, uma
distribuição log-normal. Por sua vez, a raíz quadrada dos elementos da diagonal da matriz
D,
d11 e
d 22 , quantificam aproximadamente o coeficiente de variação do volume e da
clearence na população.
Tendo em atenção o que foi dito e com base nas estimativas obtidas pode concluir-se que o
volume de distribuição aparente e a clearance aparente são maiores no sexo masculino do
que no feminino. A clearance aparente aumenta com a área de superfície corporal e diminui
com a idade.
O volume de distribuição aparente de um indivíduo adulto do sexo masculino é
exp(β1 + β 2 sex ) = exp(3.3786 + 0.2854) = 39.06 L.
A alteração do volume de distribuição aparente entre um indivíduo do sexo feminino e
outro do sexo masculino é um fator de 1.33 L (exp(0.2854)) .
Para cada variação de 1 ano de idade ou 1 m2 na área de superfície corporal de um
indivíduo, a clearance aparente varia em um fator de 0,99 L/h (exp(− 0.0084)) e 1,99 L/h
(exp(− 0.6414))
respetivamente.
A variação da clearance entre um indivíduo do sexo feminino e outro do sexo masculino,
que partilhem os mesmos valores de área de superfície corporal e idade, é de um fator de
1,23 L/h (exp(0.2088)) .
O coeficiente de variação do volume de distribuição na população é de aproximadamente
52.2% (≈ d11 × 100 ) e o coeficiente de variação da clearance na população é de
aproximadamente 18.2% (≈ d 22 × 100 ). De igual forma, Bonate (2005a) refere que o
coeficiente de variação do erro residual na escala original pode ser aproximado da mesma
maneira. Assim, o modelo obtido apresenta um coeficiente de variação do erro residual de
13.3%.
76
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
4.6
DISCUSSÃO
O perfil farmacocinético da ciclosporina tem sido descrito como um modelo de um ou dois
compartimentos, com absorção de ordem zero ou primeira ordem, na presença ou ausência
de lag-time, e eliminação de primeira ordem, ou mesmo eliminação não linear (Bourgoin et
al., 2005; B. Chen et al., 2011; Falck et al., 2009; Porta Oltra et al., 2004; Rui et al., 1995;
Schädeli et al., 2002; K.-H. Wu et al., 2005). Uma característica comum aos modelos
publicados é de nunca terem sido utilizados na prática clínica para estimar a dose mais
apropriada a cada indivíduo (Falck et al., 2009). A diversidade de modelos farmacocinéticos
descritos na literatura e a fraca adesão clínica, reflete, por si só, a dificuldade de modelar os
dados deste fármaco.
Neste estudo foi utilizado o modelo de um compartimento com absorção e eliminação de
primeira ordem e algumas covariáveis clínicas para modelar o perfil farmacocinético de
ciclosporina em 82 transplantados renais correspondendo a um total de 585 determinações
do fármaco.
Na presença de dados com um insuficiente número de observações na fase de absorção, é
frequente utilizar-se o Ka sem efeito aleatório mas estimado a partir do modelo, ou atribuir
um valor fixo a Ka, ao longo de todo o processo de modelação, recorrendo a dados de
estudos anteriores (Davidian & Giltinan, 1995).
No tratamento dos dados de ciclosporina optou-se por tratar o Ka como um parâmetro
fixo estimado pelo modelo, pois, na opinião de Davidian & Giltinan (1995), apesar de
ambas as estratégias representarem uma má especificação do modelo, na medida em que
forçam um parâmetro que varia na população a ser fixo entre os indivíduos, a estratégia de
estimação de Ka pelo modelo parece mais acertada, dado que, intuitivamente a estimativa
obtida do parâmetro fixo é similar à média na população.
A estimativa da constante de absorção (0.56 h-1) obtida desta forma, foi ligeiramente
inferior ao descrito por Press et al. (2010), onde o valor de Ka dos 33 doentes estudados
variou entre 0.5 e 3.2 h-1, com um valor médio de 2h-1. Outros trabalhos referem valores
médios de 1.28 (Rui et al., 1995) ou 1.84 h-1 (Schädeli et al., 2002).
Os doentes incluídos no estudo apresentaram concentrações máximas que podiam ocorrer
ao C1h, C2h ou C3h o que indica diferenças consideráveis no processo de absorção, embora
nenhum deles apresentasse curvas de duplo pico, características da presença de ciclo
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
77
enterohepático. Naturalmente que, um modelo para explicar os dados com concentrações
máximas no C1h, por exemplo, terá necessariamente de estimar pior os doentes com
concentrações máximas no C2h ou C3h. A fase de absorção parece ser demasiado complexa
para ser modelada somente com um modelo farmacocinético de um compartimento.
Alguns autores modelaram a fase de absorção através da aplicação de uma distribuição
estatística, Weibull, Gama ou Erlang, que descrevem uma curva achatada e lenta de
absorção, associada ao modelo farmacocinético (Debord et al., 2001; Falck et al., 2009;
Leger et al., 2002; Rousseau et al., 2004; Saint-Marcoux et al., 2006). Uma alternativa mais
simples consiste na introdução de um lag-time, ou, se este não for satisfatório, na introdução
no modelo um ou mais compartimentos fictícios, pré sistémicos, e sem relação fisiológica
para descrever o atraso na absorção (Press et al., 2010; Savic et al., 2007). Num outro estudo
foi mesmo utilizado um modelo de absorção retardada, associado ao modelo
farmacocinético, que permite modelar doentes com duplo pico resultante do ciclo
enterohepático da ciclosporina (Rousseau & Marquet, 2004).
Nenhuma destas alternativas é possível de implementar no software utilizado, pelo que, o
modelo foi construído sem atender a perfis de absorção diferenciados.
De referir ainda que, as concentrações correspondentes à fase de absorção, estão sujeitas a
maior variabilidade, não só por menor precisão do método analítico nas concentrações
mais elevadas, incluindo um potencial fator de erro adicional associado à diluição da
amostra, mas também por uma eventual incorreção do tempo de amostragem. Uma vez
que se trata de um estudo retrospetivo, não foi possível controlar esta situação. Na prática
clínica esta é uma situação incontornável e conhecida que só a utilização de um grande
número de doentes pode obviar.
A influência de fatores como o peso, o sexo, a idade, o tempo pós transplante, o
hematócrito, os inibidores do citocromo P450 e os marcadores da função hepática são
potenciais intervenientes na farmacocinética da ciclosporina. No entanto, os resultados na
literatura são conflituosos a este nível. Alguns estudos referem estas covariáveis como
importantes (Bourgoin et al., 2005; Falck et al., 2009; Leger et al., 2002; Press et al., 2010;
Rousseau et al., 2004; Saint-Marcoux et al., 2006; K.-H. Wu et al., 2005) outros não
(Bourgoin et al., 2005; Leger et al., 2002).
O modelo final incluiu três covariáveis sobre a clearance (sexo, área se superfície corporal e
idade) e uma covariável sobre o volume de distribuição (sexo), mas ainda assim, parte da
variabilidade do modelo não foi explicada pelas covariáveis, razão pela qual não foi possível
78
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
remover nenhum efeito aleatório. No entanto, covariáveis importantes como a
comedicação, patologias associadas e o tempo pós transplante não puderam ser testadas
por serem desconhecidas.
O peso, a altura, o índice de massa corporal e a área de superfície corporal são covariáveis
correlacionadas, todas elas fisiologicamente consistentes com o impacto na clearance. A
BSA foi, no entanto, a que melhor descreveu os dados.
A ausência de influência da creatinémia e clearence da creatinina sobre os parâmetros
farmacocinéticos é fisiologicamente consistente. Uma vez que a ciclosporina é eliminada
quase exclusivamente por via hepática é expectável que a função hepática tenha influência
na cinética da ciclosporina (L. A. Bauer, 2001). Não foi possível testar essa possibilidade
pois esses dados não eram conhecidos para a maioria dos doentes.
A estimativa da clearance aparente, considerando um doente “típico” do sexo masculino,
de 50 anos e 1.73 m2 de área de superfície corporal, foi de 36.7 L/h, indo ao encontro dos
valores referidos na literatura (L. A. Bauer, 2001). O volume de distribuição aparente
obtido em idênticas condições foi de 39.0 L, sendo bastante inferior ao esperado (L. A.
Bauer, 2001), e associado a uma variabilidade interindividual elevada (CV=52.2%).
A má caracterização da fase de absorção e a presença de uma potencial mistura de
populações poderão ser responsáveis pelo desvio dos resultados observados.
A análise de resíduos e o semivariograma apontam para a existência de heterocedastecidade
e correlação entre as observações. A variância do erro parece diminuir com o tempo e
aumentar com a magnitude da resposta. Esta última pode ser atribuída, em parte, ao ensaio
analítico de doseamento de ciclosporina, que possui menor precisão para concentrações
mais elevadas. A aparente redução da variância do erro ao longo do tempo pode dever-se
simplesmente ao menor número de observações em tempos de amostragem mais elevados.
Contudo, nenhum dos modelos de variância e correlação aplicados permitiram melhorar o
ajustamento, tendo de se assumir um modelo homocedástico sem correlação. Na opinião
de Davidian & Giltinan (1995), um modelo que assume um padrão comum de variância
(homocedastecidade) e correlação negligenciável pode de igual forma captar as
características individuais importantes e levar a inferências mais eficientes apesar de os
pressupostos não serem os mais corretos. Em farmacocinética é frequente recorrer-se a
este tipo de simplificações (Davidian & Giltinan, 1995).
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
79
A validação interna por data-splitting e jack-knife demonstrou que o modelo era robusto e
pouco influenciado por determinados indivíduos em particular dado que os subconjuntos
obtidos por reamostragem não apresentaram grandes diferenças entre si.
A magnitude do erro sistemático, traduzida pelo BIAS (0.0227 μg/ml), foi inferior ao limite
de quantificação do método analítico. No entanto, a imprecisão da predição (MSE=0.0141
(μg/ml)2 e RMSE 0.1188 μg/ml) foi muito próxima das concentrações mínimas habituais
de ciclosporina (Micromedex, 2011).
Na validação externa, as medidas de qualidade confirmaram os resultados obtidos na
validação externa, tendo um PE e um BIAS inferiores ao do modelo final.
Globalmente o modelo demonstrou boa adequabilidade e robustez.
Apesar de a utilização de modelos demasiado complexos poder condicionar a sua aplicação
na prática clínica, seria interessante testar outros modelos farmacocinéticos, nomeadamente
um modelo com dois compartimentos, com lag-time ou com absorção de ordem zero. Desta
forma, poder-se-ia determinar se alguma da variabilidade observada podia ser atribuída à
má especificação do modelo. Essa possibilidade não foi implementada devido a limitações
de software.
A biblioteca nlme que funciona em S-Plus não é dedicada exclusivamente a questões de
farmacocinética, pelo que, dispõe de um número bastante restrito de modelos
farmacocinéticos. É possível o utilizador, detentor de alguma perícia informática e
matemática, escrever a função que caracteriza um dado modelo farmacocinético, mas é
uma tarefa complexa sobretudo para o estado estacionário. No entanto, a biblioteca nlme
parece ser uma alternativa promissora a outros programas.
A biblioteca nlme também existe na plataforma R de utilização livre, contudo, dados
complexos, como os aqui apresentados, não conseguem ser tratados nessa plataforma,
como referem os autores Pinheiro & Bates nos comentários do script da referida biblioteca.
80
4.7
4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais
CONCLUSÃO
Um modelo populacional foi desenvolvido e validado, interna e externamente, para o
acompanhamento farmacocinético da ciclosporina no transplante renal. O modelo revelouse estável, demonstrou boa predictabilidade quando aplicado a novos doentes e é
suficientemente simples para ser aplicado na prática clínica.
O modelo desenvolvido pode ser aplicado na estimativa das concentrações mínimas no
estado estacionário, uma vez que, apesar de a correlação com a eficácia clínica ser baixa, são
as mais frequentemente utilizadas na monitorização de rotina.
A clearance aparente é afetada pelo sexo, BSA e idade, enquanto o volume de distribuição
aparente só é influenciado pelo sexo. As principais limitações encontram-se ao nível da
descrição da absorção, que parece afetar a estimativa do volume de distribuição, e da
impossibilidade de testar a influência de covariáveis importantes na variabilidade dos
parâmetros. O principal problema do modelo parece ser, pois, a deficiente caracterização
da cinética de absorção. Esta só poderá ser devidamente descrita a partir de um estudo
prospetivo, em que, o conjunto de dados reflita de melhor forma as primeiras horas após a
administração do fármaco.
Em conclusão, o modelo parece adequado à aplicação clínica, mas só a experiência poderá
determinar a sua utilidade.
81
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