1 Relevância da Avaliação das Distorções Harmônicas e Inter-Harmônicas com foco em Retificadores Ativos de Média Tensão. M. Oliveira Júnior, M. A. Severo Mendes Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica - Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos 6627, 31270-901, Belo Horizonte, MG, Brasil. Resumo--A utilização de retificadores ativos tem se tornado cada vez mais comum na área de eletrônica de potência pois estes, se comparados às pontes de diodo, apresentam fluxo bidirecional, controle do fator de potência e baixa distorção harmônica. A circulação de harmônicos no sistema elétrico é indesejável pois implica em problemas como perdas nos condutores, distorção da tensão e interferências eletromagnéticas. Dessa forma, o estudo dos retificadores ativos bem como a análise harmônica é um assunto de grande relevância para a engenharia. O objetivo deste trabalho é mostrar que a avaliação da qualidade da energia deve contemplar tanto os níveis individuais de harmônicos como recomenda a IEEE519-1992 quanto os interharmônicos, pois uma análise superficial somente da distorção total possui pouca informação sobre o sinal analisado. Para isso serão apresentados resultados de simulação obtidos utilizando retificadores ativos de média tensão operando em baixa frequência de chaveamento. Palavras-Chave -- harmônicos, inter-harmônicos, qualidade da energia, retificadores ativos, sistemas de média tensão. I. NOMENCLATURA AFE – Active Front End. THD – Total Harmonic Distortion. FFT – Fast Fourrier Transformer. VOC – Voltage Oriented Control. C II. INTRODUÇÃO OM o avanço da eletrônica de potência a utilização de retificadores ativos (AFE) tem se tornado cada vez mais comum devido às vantagens de fluxo bidirecional, controle do fator de potência e baixa distorção harmônica se comparados às pontes de diodo convencionais. Uma busca no banco de dados do IEEE [1] pela palavra “Active Front End” resulta em 1195 artigos dos quais 84% foram publicados a partir do ano 2000. Para o termo “Active Rectifiers” temos 2149 resultados dos quais 80% foram publicados no mesmo período. A partir de tais resultados percebe-se a importância que esse retificador vem ganhando nos últimos anos. Outro ponto relevante é a qualidade da energia resultante da utilização de AFEs em baixa freqüência. A qualidade de energia, também entendida como qualidade de tensão [2], é Agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro e ao Programa de Pós Graduação em Engenharia Elétrica da UFMG (PPGEE). uma característica de sistemas elétricos nos quais a forma de onda de tensão não apresenta distorções de amplitude, frequência ou fase. Uma das maneiras de se qualificar a tensão é através dos limites de distorção harmônica (THD). Tal assunto vem ganhando cada vez mais importância na engenharia de potência como mostrou o resultado de uma busca no site IEEE pela expressão “Harmonic Limits” que resultou em 1931 artigos dos quais 65% foram publicados após o ano 2000. A preocupação pelos inter-harmônicos mostra-se ainda mais recente: uma pesquisa pelo termo “Inter Harmonics” resultou em apenas 372 fontes das quais 84% foram publicadas na última década, destes, 70% nos últimos 5 anos. Dessa forma, o estudo dos retificadores ativos bem como a análise harmônica do sinal obtido com baixas freqüências de chaveamento é um assunto de grande relevância para a área de eletrônica de potência. III. DISTORÇÃO HARMÔNICA E CRITÉRIO DE AMOSTRAGEM Este trabalho visa mostrar a importância em se respeitar os limites de distorção apresentados em normas como a IEC61000-3-1 e padrões como a IEEE519-1992 bem como o critério de amostragem utilizado para se avaliar o sinal de tensão ou corrente. A. Padrão IEEE519-1992 para análise harmônica O padrão IEEE 519-1992 [3] é um documento que trata sobre fontes e efeitos de harmônicos nos sistemas, métodos de análise e medição além de estabelecer limites de distorção harmônica para consumidores e fornecedores. Segundo o documento as práticas apresentadas consideram a responsabilidade por parte do usuário em não afetar a tensão no PCC (ponto de conexão comum) ao solicitar do sistema uma corrente distorcida devido a cargas não-lineares. Essa consideração é importante haja visto que outras cargas também poderão estar conectadas ao PCC e apresentar falhas caso a tensão do sistema esteja distorcida. A recomendação do IEEE reconhece ainda a responsabilidade por parte do fornecedor em fornecer uma tensão próxima a uma onda senoidal pura. Neste trabalho foram utilizados como referência os limites de distorção em corrente (Tabela 1) e tensão (Tabela 2) para consumidores individuais presentes no capítulo 10. 2 1 2 60 0.1 2 45 2 200 (1) Tabela 1. IEEE 519-1992: Limites para distorção em corrente em sistemas de distribuição de 120V a 69KV Máxima distorção harmônica da corrente (% da fundamental) Ordens Harmônicas Individuais (Harmônicos Ímpares) ISC/IL <11 11≤h<17 17≤h23 23≤h<35 35≤h TDD <20* 4.0 2.0 1.5 0.6 0.3 5.0 20<50 7.0 3.5 2.5 1.0 0.5 8.0 50<100 10.0 4.5 4.0 1.5 0.7 12.0 100<1000 12.0 5.5 5.0 2.0 1.0 15.0 >1000 15.0 7.0 6.0 2.5 1.4 20.0 Harmônicos pares são limitados em 25% dos limites estabelecidos acima para harmônicos ímpares. Distorções de corrente que resultam em componente DC não são permitidas. * Todos os equipamentos geradores são limitados a esses valores independentemente da razão ISC/IL. ISC = Corrente de curto circuito máxima no PCC. IL = Freqüência fundamental. Tabela 2. IEEE 519-1992: Limites para distorção em tensão Tensão no PCC <69KV 69KV a 161KV ≥ 161KV Distorção Individual de Tensão (%) 3.0 1.5 1.0 Distorção Harmônica Total de tensão (%) 5.0 2.5 1.5 Ressalta-se que se somente o limite de distorção total da corrente for avaliado é possível obter um filtro LCL1 com indutâncias bem inferiores caso os limites individuais fossem considerados. B. Análise Inter-Harmônica Conforme mencionado anteriormente o estudo sobre qualidade de energia vem ganhando cada vez mais importância e parte dessa atenção tem se voltado para a análise de inter harmônicos. Entretanto, a recomendação IEEE 519-1992 não aborda explicitamente os limites aceitáveis de inter harmônicos. Segundo [4] a norma IEC 61000 4-7 possui uma subseção para tratar dos inter-harmônicos como sendo uma extensão do problema sobre harmônicos. Apesar disso, deixa várias questões em aberto e recomenda que cada caso deve ser analisado separadamente. Como exemplo de problemas causados por inter-harmônicos cita a questão de flickers. Do estudo realizado na literatura somente o documento 3-6 da série IEC 61000, que estabelece limites de distorção harmônica para consumidores conectados em redes de média, alta e extra-alta tensão, limita em 0.2% os sub-harmônicos cuja freqüência é inferior a metade da freqüência fundamental e, em 0.5% os inter-harmônicos de tensão até 2.5kHz [5]. Embora não tenham sido encontradas referências sobre os inter-harmônicos de corrente acredita-se que sua análise é relevante. Como exemplo considere um sinal composto pela fundamental de 60Hz e inter-harmônicos cuja amplitude é 10% desta (1). O THD esperado é nulo haja visto que não existem harmônicos, entretanto o sinal se apresenta visivelmente distorcido (Fig. 1). 1 O filtro LCL é comumente utilizado em retificadores ativos operando com baixas freqüências de chaveamento. Fig. 1. Sinal com inter-harmônicos cuja amplitude é 10% da fundamental Ao reduzir a amplitude dos inter-harmônicos de 10% para 1% o sinal se apresenta conforme a Fig. 2a. À primeira vista os inter-harmônicos não distorcem o sinal mas, uma análise mais detalhada (Fig. 2b) mostra que a amplitude apresenta variações de até 3.6%. Mantendo-se os níveis de interharmônicos inferiores a 0.5% o efeito do foi reduzido para 1.4%. Dessa forma abre-se a discussão sobre a necessidade em se estabelecer limites também para os inter-harmônicos e uma forma de mensurar a distorção causada por esses em analogia ao THD utilizado para as frequências harmônicas. Além dos limites para inter-harmônicos outro ponto que merece destaque é a forma de sua avaliação pois, dependendo da janela utilizada para a análise de Fourrier (FFT) e da resolução utilizada no espectro de freqüências os níveis obtidos para os harmônicos e inter-harmônicos podem variar. Na seção C. serão mostrados os problemas inerentes à resolução da FFT e a forma de se fazer a amostragem dos sinais de acordo com a norma IEC 61000-4-7. C. Cálculo da THD Esta seção foi baseada na análise apresentada em [6] e servirá como referência para o entendimento do processo de amostragem estabelecido pela IEC 61000-4-7. Para se evitar o vazamento espectral a freqüência de amostragem de um sinal (Fs) deve ser múltipla inteira (k) da freqüência fundamental (f) além disso, o número de pontos (Np) é obtido através da amostragem de um número completo de ciclos (Nc) da onda fundamental. A razão entre Fs e Np determina a resolução espectral do sinal amostrado Δ 1 (2) 1 Considerando (2) e uma freqüência fundamental de 60Hz, se amostrarmos somente um ciclo teremos uma resolução de 60Hz. Se amostrarmos 2 ciclos teremos uma resolução espectral de 30Hz. Para 12 e 60 ciclos a resolução passará a ser de 5Hz e1Hz, respectivamente. Tomando como exemplo o sinal apresentado em (1) cujo THD esperado é nulo e considerando a Fig. 3 observa-se que com uma resolução de 60Hz o THD apresentado é 9.46%. Ou seja, toda a energia do sinal é dividida entre os harmônicos. Se a resolução for de 30Hz somente parte da energia contida nos inter-harmônicos do sinal original aparecerão nas freqüências harmônicas, dessa forma o THD apresentado é de 4.69%. Nos casos em que a resolução é inferior a 5Hz o THD obtido com a análise espectral é nulo conforme esperado. 3 Fig. 2. (a) Sinal com inter-harmônicos cuja amplitude é 1% da fundamental. (b) Detalhe nas oscilações de amplitude Com essa análise fica claro que devemos ter cautela na avaliação do conteúdo espectral pois se utilizarmos uma resolução baixa, por exemplo 60Hz, a informação poderá ser enganosa. Em contrapartida, se utilizarmos uma resolução de 1Hz para avaliarmos com precisão cada freqüência do espectro teremos um processamento elevado. Tendo em vista o problema da resolução espectral a norma IEC61000-4-7 estabelece que a medição dos sinais para monitoramento da qualidade de energia deve ser feita com uma resolução de 5Hz. Dessa forma deve-se considerar 10 ciclos caso o sinal seja de 50Hz ou 12 ciclos para sinais cuja fundamental seja 60Hz [4]. Fig. 3. Conteúdo espectral do sinal apresentado na equação 1 considerando-se diferentes resoluções da FFT IV. RESULTADOS DE SIMULAÇÃO Afim de ressaltar a importância dos critérios para análise da qualidade da energia aqui discutidos serão apresentados os resultados para um retificador ativo operando em 2220Hz. A baixa frequência de chaveamento é fundamental em sistemas de média tensão afim de reduzir perdas nas chaves. A simulação foi realizada no Matlab/Simulink® considerando-se uma rede cuja tensão é de 4160V, indutância de 0.3mH e resistência de 0.05Ω. A tensão no barramento é de 6800V e a carga utilizada foi de 2MW. A razão de curto circuito, considerando-se um fator de potência unitário, é de 70 (3). √3 2402 0.113 √0.05 2000000 √3 4160 70 (3) Utilizando-se as informações da Tabela 1 ficam definidos os limites individuais e total para distorção de corrente. Embora a terceira linha possa ser utilizada optou-se por atender os requisitos da primeira linha a qual limita o THD máximo em 5% pois dessa forma os critérios de análise dos resultados torna-se mais restringentes e nos casos em que se tem equipamentos geradores os níveis de distorção ficam limitados à primeira linha independente da razão ISC/IL. A técnica de controle utilizada foi a VOC com modulação PWM cujo diagrama em blocos é mostrado na Fig. 4. Fig. 4. Diagrama em blocos da malha de controle para a técnica VOC Os ganhos proporcional e integral dos controladores são mostrados na Tabela 3 enquanto os valores dos componentes do filtro LCL são mostrados na Tabela 4. Perceba na Fig. 5 que a corrente encontra-se em fase com a tensão o que caracteriza um fator de deslocamento unitário. Os níveis de distorção total (Fig. 6) e individuais (Fig. 7) de corrente encontram-se abaixo dos limites recomendados pela IEEE519-1992. O THD total de tensão (0.331%) está em conformidade com os 5% estabelecidos pela IEEE e nenhum harmônico individual é superior a 3% (Fig. 6). Quanto aos níveis inter-harmônicos enfatizados neste trabalho percebe-se que, para o sinal de tensão, eles se encontram abaixo de 0.1% e mesmo para o sinal de corrente eles permaneceram abaixo de 0.5% (Fig. 8). 4 Tabela 3. Ganho dos controladores Kp_Vdc 0.2 Ki_Vdc 10 Kp_I 3 Ki_I 100 Tabela 4. Parâmetros do filtro LCL R1=R2 (Ω) 0.05 L1 (mH) 1.1 L2 (mH) 1.7 C (μF) 74.45 L3 (μH) 56.21 Rd Virtual (Ω) 4.2 Fig. 5. Tensão (V) e corrente (I) de fase Fig. 6. Espectro da tensão e corrente de fase Fig. 7. Comparação dos harmônicos de corrente ímpares (esq.) e pares (dir.) em relação aos limites apresentados na Tabela 1 V. CONCLUSÃO Este trabalho mostrou a importância de se considerar os limites harmônicos para avaliar a distorção no sinal de corrente bem como o critério a ser adotado para amostragem do sinal. Procurou-se ainda aprofundar a discussão sobre interharmônicos haja visto que um sinal pode apresentar uma distorção nula mas ser visivelmente distorcido caso contenha os inter-harmônicos. Como resultado de pesquisa na área de retificadores ativos foram mostrados os resultados de simulação os quais apresentaram níveis harmônicos totais e individuais de corrente abaixo dos limites recomendados pela IEEE519-1992 e níveis de inter-harmônicos de corrente inferiores a 0.5%. VI. REFERENCIAS [1] [2] [3] [4] [5] [6] IEEE, IEEE Xplore- Home, Disponível em: http://ieeexplore.ieee.org, Fevereiro, 2012. Dugan, R. C.; McGranaghan, M. F.; Santoso, S.; Beaty, H. Wayne, Electrical Power Systems Quality, 2nd ed. McGraw-Hill, 2003. IEEE, IEEE Recommended Practices and Requirements for Harmonic Control in Electrical Power Systems. IEEE Std 519-1992, revision of IEEE Std 519-1981, IEEE Industry Applications Society/Power Engineering Society. April 12, 1993. Arrillaga, J.; Watson, N. R., Power Systems Harmonics, 2nd ed. New York: Wiley, 2003. McGranaghan, M.; Beaulieu, G., Update on IEC 61000-3-6: Harmonic Emission Limits for Customers Connected to MV, HV, and EHV, Transmission and Distribution Conference and Exhibition, 2005/2006 IEEE PES, pg. 1158-1161, May 2006. Macedo Jr, J. R., Uma Contribuição à Análise das Componentes InterHarmônicas e Seus Efeitos Nos Indicadores de Flutuação de Tensão, Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica do Centro Tecnológico da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor em Engenharia Elétrica. Vitória-ES, 2009. Fig. 8. Níveis inter-harmônicos de tensão e corrente VII. BIOGRAFIAS M. Oliveira Júnior graduou-se em Engenharia Elétrica com ênfase em controle de processos pela UFMG em 2009. Possui formação complementar em sistemas embarcados pela Ecole Superieure D'Ingenieurs En Eletrotechnique Et Eletronique (ESIEE France 2008-2009). Atualmente realiza mestrado na UFMG cuja linha de pesquisa é o estudo de técnicas de controle para retificadores ativos em média tensão. As principais áreas de interesse são: Eletrônica de Potência, Sistemas Embarcados, Controle. M. A. Severo Mendes graduou-se em Engenharia Elétrica pela UFMG em 1994. Em 2000 recebeu o título de Doutor em Engenharia Elétrica pelo programa de Pós-graduação em Engenharia Elétrica da UFMG, onde desenvolveu pesquisa sobre Técnicas de Modulação em Largura de Pulsos para Inversores Multiníveis. Atualmente é professor Adjunto do Departamento de Engenharia Eletrônica da UFMG. Desde 2001 vem desenvolvendo trabalhos de ensino, pesquisa e orientação de alunos de graduação e pós-graduação na UFMG. As principais áreas de interesse são: Eletrônica, Eletrônica de Potência, Métodos de Modulação em Largura de Pulso, Processadores Digitais de Sinais e suas aplicações.