estudando a relação entre populações economicamente

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ESTUDANDO A RELAÇÃO ENTRE POPULAÇÕES ECONOMICAMENTE MARGINALIZADAS E
ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS EM ÁREAS URBANAS: O CASO DA LAGOA DO VIGÁRIO, CAMPOS
DOS GOYTACAZES, RJ.
Camila Daniel (Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico, Centro de Ciências do Homem,
Universidade Estadual do Norte Fluminense), [email protected];
e
Marcos A. Pedlowski (Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico, Centro de Ciências do Homem,
Universidade Estadual do Norte Fluminense). [email protected]
Resumo
O presente trabalho estuda procurou relacionar o perfil socioeconômico dos moradores que
circundam a região da Lagoa do Vigário, localizada no distrito de Guarus, em Campos dos Goytacazes,
além e a relação de tal população com a degradação deste ecossistema. O objetivo central desta
pesquisa visou estabelecer os mecanismos pelos quais esta comunidade relaciona-se com o processo de
contaminação ambiental da Lagoa do Vigário, buscando também identificar quais são os principais
impactos sócio-ambientais associados à degradação ambiental que está ocorrendo naquele ecossistema.
A Lagoa do Vigário foi escolhida por ser tratar de um dos últimos ecossistemas aquáticos urbanos, que
apesar de ter sobrevivido aos diferentes planos de urbanização realizados no município de Campos dos
Goytacazes, encontra-se presentemente sob forte degradação, principalmente por causa do lançamento
de orgânicos in natura por parte da população que reside em seu entorno.
1.0 INTRODUÇÃO
A excessiva exploração dos recursos naturais, que seria peculiar ao racionalismo cartesiano,
serviu como mola propulsora para as profundas transformações que ocorreram no Meio Ambiente após o
advento da Revolução Industrial. Segundo Duarte (1995), Karl Marx já teria identificado a existência de
uma estreita relação entre as transformações impostas pelo Homem na natureza e a configuração política
e ideológica dominantes na sociedade capitalista. No entanto, a reação aos prejuízos ambientais apenas
1
iniciou-se de forma mais marcante nos anos 60 do século 20, quando cresceu a compreensão dos
impactos ambientais causados pelo avanço tecnológico e pelo sistema econômico, que formou uma
sociedade baseada no consumo, dentro do espírito utilitarista, onde o indivíduo passou a ser reconhecido
como capaz de causar transformações e, em última instancia, a destruição dos recursos naturais (Netto,
2001). Os movimentos ambientalistas deste período criticavam os impactos negativos associados ao
padrão Fordista de produção e consumo; influenciando diretamente o debate público em torno da questão
ambiental que ocorreu durante os anos 90. Além disso, ampliou-se a noção de Meio Ambiente,
aglutinando-se ao meio físico, as relações sociais e dos efeitos que impõem sobre o funcionamento dos
ecossistemas naturais. Segundo Bornheim (1992), dentro do paradigma cartesiano, a natureza seria
basicamente um instrumento para proporcionar bem estar do Homem.
Assim, não chega a ser surpreendente que problemas de cunho sócio-ambiental tenham emergido
mais fortemente a partir da Revolução Industrial, e sejam umas das principais características que marcam
o funcionamento das sociedades capitalistas contemporâneas. Além disso, a instrumentalização da
natureza permitiu então a formação de um Meio Ambiente segregado, onde certos grupos sociais sofrem
maiores danos ambientais que outros. Aliado a isso, o atual sistema econômico valida a exclusão sócioespacial, e os grupos sociais com maior poder aquisitivo e político se instalam em localidades com
melhores condições de saneamento e infra-estrutura (Herculano, 2002, Lipietz, 2000). Por outro lado,
diferentes autores têm discorrido sobre a importância da preservação do Meio Ambiente para a
sustentação das sociedades humanas (Acserald 2002; Frosch e Schulze 1999; Lipietz 2000). Além disso,
a partir do intenso processo de industrialização, o impacto do funcionamento dessas sociedades sobre o
Meio Ambiente tornou-se ainda maior. Neste sentido, os avanços tecnológicos que trouxeram variados
benefícios também acarretaram diferentes tipos de custos sociais, econômicos e ambientais (Lipietz,
2000). Neste contexto, a ocorrência de acidentes ecológicos, assim como o aumento dos níveis de
poluição, tem chamado a atenção, tanto da opinião pública quanto dos legisladores e das organizações
que compõem a sociedade civil (Acserald, 2002).
Em conseqüência, o debate sobre a qualidade de vida das populações humanas frente a esta
configuração social fincada no consumo tem se tornado central, especialmente no que se refere à
produção de mudanças no Meio Ambiente, e o aumento dos custos socioambientais. Segundo Herculano
(2002), nas duas últimas décadas do século 20 foi constatado que as desigualdades sociais eram muitas
vezes explicitadas por políticas ambientais que desfavoreciam alguns grupos específicos, especialmente
aqueles grupos sociais que não tinham uma forte representação política. Além disso, a ampliação das
2
relações capitalistas em sociedades com graves desigualdades sociais, o que ocorre nos chamados
países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, baseou-se num ideal de desenvolvimento econômico
desassociado das questões sociais e ambientais (Netto 2001).
Bailey e Bryant (1997) argumentam que os custos ambientais, que são um dos produtos do
desenvolvimento econômico, acabaram sempre sendo destinados preferencialmente àquelas parcelas
marginalizadas e vulneráveis economicamente da população. De forma similar, Gould (2004) afirma que o
que permite a concentração dos riscos ambientais entre as populações mais pobres é a segregação de
classe, que se reflete diretamente no padrão especial de distribuição das residências. Segundo Gould, a
parcela da população com maior poder aquisitivo tende a escolher áreas ambientalmente seguras para
fixar moradia. Entretanto, trabalhadores e desempregados não seriam capazes de lançar mão de tal
artifício para habitarem localidades com menores riscos ambientais. Assim, os mais pobres seriam
impulsionados a fixar moradia em locais afetados por contaminação da água, do solo e do ar, pois são
localidades onde o custo financeiro das moradias é menor.
Uma conseqüência desta mudança conceitual em relação à distribuição desigual dos custos
ambientais, houve um reconhecimento de que existe uma interface entre a sociedade humana e a
natureza, admitindo-se assim o papel transformador das sociedades humanas em relação ao Meio
Ambiente onde vivem e se reproduzem (Lipietz,2000). Deste modo, não chega a ser surpreendente que o
conceito de Justiça Ambiental tenha sido apropriado por movimentos sociais, que não se detêm apenas na
luta por preservar ou conservar o caráter físico e biológico dos ecossistemas naturais, mas também no
estabelecimento de uma agenda política que impedisse que os custos ambientais das operações urbanoindustriais continuassem recaindo sobre as minorias étnicas ou sobre os setores economicamente
marginalizados.
1.1 JUSTIÇA AMBIENTAL E CIDADANIA NO BRASIL: A LENTA ASSIMILAÇÃO NUMA SOCIEDADE
MARCADA POR FORTES DESIGUALDADES SOCIAIS
De acordo com o Capítulo VI, Artigo 225, da Constituição Federal Brasileira, “todos têm direito ao
Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo”. Apesar do que
está inscrito na Constituição Federais brasileira, muitos casos que podem ser caracterizados como sendo
de injustiça ambiental têm emergido do bojo da sociedade brasileira. Um dos exemplos clássicos dos
resultados perversos da concentração dos prejuízos ambientais sobre as camadas mais pobres da
3
população foi a ocorrência da anecefalia em crianças nascidas em Cubatão (SP) durante a década de 80,
devido à continua exposição dos moradores da Favela de Vila Parisi às substâncias químicas liberadas
pelo complexo industrial ali existente (Acserald, 2002). Casos como o da Vila Parisi tornam evidente que a
questão da (in)justiça ambiental no Brasil está diretamente relacionada à questão da cidadania e à falta da
participação da população na gestão do Meio Ambiente. Segundo Herculano (2002), no Brasil são raras
as manifestações que enfatizam a execução de direitos civis, incluindo-se a questão de uma justa
distribuição dos recursos ambientais . Por outro lado, no caso brasileiro, a injustiça ambiental é agravada
pela extrema pobreza e pela ausência de políticas sociais que garantam condições adequadas de
subsistência (Herculano, 2002).
Redclift (apud Bailey & Bryant, 1997) argumenta que o Meio Ambiente, no Terceiro Mundo é,
antes de tudo, uma questão de subsistência, e que qualquer mudança neste alterará a capacidade dos
diferentes atores sociais de encontrar meios de encontrar os meios pelo quais poderão sobrevier. Assim
sendo, as mudanças ambientais que são provocadas ou influenciadas por atividades humanas, deixandose aos mais vulneráveis, a maior parte dos custos causados por tais mudanças. Aliado a tal perspectiva,
não há na Brasil um histórico extenso de manifestações populares em busca de melhores condições nem
sociais, muitos menos ambientais. Levine (apud Gould, 2004) defende que somente a intervenção política
poderia “proteger ou remediar os riscos ambientais nas comunidades pobres e operárias”. Por outro lado,
para tal intervenção pudesse ocorrer, seria necessário que os grupos afetados se organizassem contra os
riscos ecológicos, formando uma resistência sustentada enquanto mudanças não acontecem na estrutura
econômica.
A Constituição Federal brasileira também afirma que o Estado, assim como o resto da sociedade,
deve zelar pela preservação do Meio Ambiente. Desta forma, a Constituição inclui a participação da
população como peça significante na preservação ambiental; não cabendo apenas ao poder público a
obrigação de preservar a natureza. Entretanto, como não há, no Brasil, a efetiva aplicação da cidadania,
não há, na maioria da população, a consciência de responsabilidade pública acerca das questões
ambientais (Carvalho, 1992). No entanto, é preciso enfatizar que o desconhecimento da população em
relação à direitos básicos da cidadania tem suas raízes no processo histórico que levou o Brasil da
Monarquia à República, que não contou com a participação popular. Neste sentido, Da Matta (1992)
argumenta que o Brasil teve na sua formação uma estrutura de privilégios aos quais apenas as parcelas
mais abonadas da sociedade nacional. Por outro lado, Dagnino (2002) afirma que, falta na sociedade
brasileira em geral, espaços onde haja o debate entre indivíduos, que, até então estão excluídos dos
4
processos decisórios e das política de gestão do seu ambiente. Este fato teria sido aprofundado durante a
experiência de governos ditatoriais, que teriam colaborado para perpetuação do não reconhecimento da
participação da sociedade civil na gestão do Meio Ambiente, assim como em outras esferas sóciaspolíticas.
Segundo Harvey (1989), numa sociedade marcada pela desigualdade como a capitalista, a
localização espacial da população também tenderá a ocupar um papel importante na manutenção das
iniqüidades socioambientais, sendo garantido às classes mais favorecidas as melhores condições de
competir pelos recursos existentes, incluindo-se o acesso a um meio ambiente mais seguro e saudável.
Neste contexto é que a questão da Justiça Ambiental reveste-se de elementos centrais no estudo das
relações diferenciadas que ocorrem dentro da sociedade brasileira, não apenas do ponto de vista
econômico e social, mas também ambiental. A partir deste reconhecimento teórico é que nos orientamos
no presente estudo, por entendermos que o viés teórico oferecido pela Justiça Ambiental nos permitiria
melhor analisar as relações de um segmento reconhecidamente marginalizada social e economicamente
com um ecossistema lacustre que já apresenta evidentes sinais de degradação e stress ambiental.
1.2 ASPECTOS FÍSICOS E CONDIÇÃO SÓCIO-AMBIENTAL DA LAGOA DO VIGÁRIO
Durante o processo de urbanização e transformação espacial pelo qual tem passado a região
norte fluminense, o complexo de lagoas do município de Campos dos Goytacazes sofreu várias alterações
via obras de engenharia, que foram efetuadas hipoteticamente para suprir as necessidades da população
e estimular o crescimento econômico. Entretanto, tal processo de urbanização vem causando um
profundo declínio do número espécies aquáticas, assim como a danificação da probabilidade de
sustentação de ecossistemas aquáticos (Adler, 2002). Neste sentido, as obras de dragagem efetuadas
pelo DNOS retiravam excessivamente materiais orgânicos das lagoas e, em alguns casos, as lagoas
tiveram seu encosto ocupado por populações (Lannes, 2002). Assim, políticas de reforma urbana aliado a
ocupação de populações tem provocado severas transformações no complexo de lagoas da região norte
fluminense. A Lagoa do Vigário, localizada no distrito de Guarus, com uma área total de 0,3 km2, não
conheceu destino diferente, pois foi dividida por um aterro há cerca de 30 anos para a construção de uma
rodovia (Figura 1).
5
Figura 1. Vista aérea mostrando os dois segmentos da Lagoa do Vigário, tendo a complexo
lacunar do Taquaraçú ao fundo .
Atualmente, os dois lados do ecossistema são ocupados por comunidades de baixa renda, que
despejam seus dejetos domiciliares diretamente em toda a superfície da Lagoa do Vigário (Lannes, 2002).
Atualmente, a Lagoa do Vigário sofre a intensa interferência da ação antrópica, principalmente devido a
construção de moradias no seu entorno, que não apenas diminuiu o seu tamanho físico, como também
comprometeu a qualidade de suas águas, tanto para utilização domestica como recreacional, através dos
despejos de esgoto sem tratamento.
Por outro lado, ainda que de forma localizada, algumas manifestações de populações ribeirinhas
sugiram no município de Campos dos Goytacazes nas ultimas décadas. As transformações ocorridas no
cenário ambiental do município acarretaram algumas conseqüências negativas às tais comunidades, que
tinham as lagoas como sua principal atividade econômica (Lannes, 2002). Em 1980, foi relatada em um
jornal local uma manifestação de pescadores contra a interferência do DNOS no ecossistema da Lagoa do
Campelo. Os pescadores alegaram que a medida do DNOS de instalar barragens na lagoa impediria a
entrada dos peixes nesta1. Deste mesmo modo, em 2001, a comunidade pesqueira da Lagoa Feia
1
Jornal Monitor Campista, edição de 14 de Agosto de 1980.
6
também se mobilizou pela proteção da lagoa e por um ambiente saudável2. Apesar das manifestações
acima citadas, não existem ainda evidências da formação de uma organização social que possibilite que
as comunidades afetadas por políticas ambientais que possam mudar sua situação sócio-ambiental
participe da formulação e implementação destas políticas. Manifestações de cunho sócio-ambiental são,
na região norte fluminense, ainda episódios isolados. Neste sentido, políticas ambientais eficazes, ainda
são incipientes (Teixeira, 2001).
2.0 METODOLOGIA
Antes de iniciado o processo de coleta de dados, através de questionários, havíamos nos
colocado a hipótese de que a poluição da Lagoa estaria afetando negativamente a situação econômica
dos moradores do
entorno da Lagoa. Neste sentido, o questionário foi formulado, buscando-se
compreender principalmente como os moradores utilizavam o ecossistema, e se existia alguma forma de
organização política entre os moradores, de modo a influenciar as políticas públicas que porventura
fossem desenvolvidas pela Prefeitura, através da Secretaria de Meio Ambiente e Defesa Civil (SMADC),
para proteger a Lagoa do Vigário. Assim sendo, os dados coletados neste trabalho foram obtidos através
estruturação do questionário em torno das seguintes questões: (1) as características sócio-econômicas e
demográficas da população residindo no entorno da Lagoa do Vigário , (2) o nível de participação política
dos moradores, e (3) a percepção existente em relação à conservação do ecossistema.
Finalmente, como resultado de um trabalho de campo que durou cerca de quatro meses, foram
aplicados questionários em 26 domicílios, na parte da Lagoa do Vigário, em que estão localizados os
bairros de Parque Alvorada e Vicente Dias, no distrito de Guarus. Esta área foi escolhida por conter o
maior numero de residências que estão construídas mais diretamente do corpo aquático.
2.1 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
No que se refere ao sistema de coleta de lixo do bairro há uma unanimidade por parte dos
moradores, pois todos os pesquisados afirmaram que a coleta dos dejetos acontece regularmente, três
vezes durante a semana; assim, os moradores entrevistados declararam que não despejam lixo na Lagoa.
2
Jornal Monitor Campista, edição de 02 de Agosto de 2001.
7
Por outro lado, as condições de saneamento são indicadas como sendo precárias, e que um percentual
alto de residências despeja os seus resíduos diretamente no interior da lagoa (Figura 2).
53
60
42
50
40
(%) 30
20
11
10
0
Rede de Esgoto
Fossa Séptica
Despejo direto na lagoa
Figura 2. Tipo de esgotamento sanitário existente no entorno da Lagoa do Vigário (%)
Estes dados mostram ainda que há uma relação direta entre a ocupação do entorno e o processo
de degradação ambiental em curso na Lagoa do Vigário. Uma curiosidade observada em relação à
localização das residências que possuem rede de esgotos foi o fato de que, por um lado, as mesmas não
se encontram no entorno imediato da lagoa, e que por as mesmas estão localizadas na mesma rua onde
está instalada a SMADC cuja sede foi construída dentro da faixa de preservação permanente.
Por outro lado, as residências construídas diretamente no entorno da Lagoa do Vigário são
constantemente afetadas por enchentes. Ainda que enchentes sejam fenômenos freqüentes na região
norte fluminense, a incidência deste fenômeno natural nas proximidades da Lagoa do Vigário superam a
freqüência de outras área do município, especialmente naqueles onde foram construídas redes de esgoto
e águas pluviais. Assim, fica evidente o caráter político do acesso e utilização de ecossistemas naturais,
uma vez que certos desastres ocorrem com mais constância em locais onde prevalecem habitações de
indivíduos pertencentes às classes mais pobres e menos representadas politicamente (Bailey e Bryant,
1997).
8
Neste sentido, quando perguntados sobre a utilização que fazem da lagoa, a maioria dos
entrevistados imediatamente após a pergunta respondiam que não utilizam a Lagoa para nenhum fim,
retificando a resposta somente diante das opções existentes no questionário. Assim, quando oferecidas
as opções, 50% dos moradores declararam despejar esgoto in natura dentro da própria Lagoa. Nesta
mesma direção, dentre os moradores que afirmaram utilizar a lagoa, o uso mais comum é o despejo de
dejetos domésticos in natura. No entanto, uma pequena parcela da população declarou pescar no local, o
que além indicar que o ecossistema ainda mantém algumas de suas funções vitais, revela que a sua
recuperação poderia contribuir positivamente na dieta da população (Figura 3).
50
42
50
45
40
35
30
15
(%) 25
20
15
10
5
0
Não utiliza
Despejo de Esgoto
Pesca
Figura 3. Usos Preferenciais da Lagoa do Vigário pela População do Entorno (%)
Por outro lado, a região estudada está localizada numa das porções mais densamente povoadas
do município de Campos dos Goytacazes, e seus habitantes desenvolvem, em grande parte atividades
econômicas localizadas no centro da cidade. Assim, visto que as manifestações de cunho ambiental,
discutidas anteriormente foram organizadas por comunidades pesqueiras, que viram sua principal
atividade econômica ameaçada por políticas ambientais mal planejadas; e isto não ocorre no contexto da
população residente do entorno da Lagoa do Vigário, pois não há nenhuma mobilização para preservação
da Lagoa. Ainda que todos os entrevistados declararam que consideram importante preservar a Lagoa,
não há a organização destes em direção da conservação ambiental da mesma. Esta falta de ação
9
comunitária pode estar relacionada ao fato de que a comunidade não vislumbra nenhuma utilidade
intrínseca na luta pela proteção ambiental daquele ecossistema.
Em relação à questão do vínculo que os moradores mantém entre eles foi possível perceber que
nenhum morador mantém vínculos com qualquer tipo de grupo comunitário ou associação, ou seja, dentre
os moradores entrevistados, não há registro de participação em
nenhuma forma de organização
comunitária ou associação. Embora alguns dos moradores entrevistados tenham expressado o desejo de
que houvesse um espaço onde eles pudessem expor suas questões, estes não tomaram a iniciativa de
formar associações de moradores. Neste sentido, numa sociedade onde não há a participação da
população na gestão política de seu espaço, os indivíduos tendem a nomear órgãos públicos como os
únicos capazes de organizar e administrar a esfera pública. Este parece ser o caso da Lagoa do Vigário,
onde os moradores tendem a nomear a Prefeitura como a maior, se não a única responsável pela
preservação da Lagoa. Os dados indicam ainda que os moradores têm a tendência de atribuir a órgãos
estatais o papel de cuidar das questões que se referem à gestão das recursos naturais, e que o papel que
poderia ser ocupado pela própria população no processo de conservação ambiental é secundário (Figura
4).
58
60
50
40
27
(%) 30
15
20
8
10
0
Prefeitura
Governo
Estadual
A própria
população
Outros
Figura 4. Responsabilidade pela Preservação da Lagoa do Vigário (%)
10
Um aspecto particularmente revelador de como uma população politicamente desorganizada pode
sofrer os impactos de ações autoritárias do Estado em nome da preservação ambiental. No presente caso,
a SMDC tem planos para despoluir a Lagoa do Vigário e construir uma área de lazer numa área onde hoje
residem cerca de cinqüenta famílias. Segundo funcionários da SMDC que foram contatados ao longo do
trabalho de campo, o plano para ser executado requer a remoção das famílias do entorno da Lagoa. As
famílias residentes no entorno já teriam sido cadastradas para evitar que novas famílias ocupem outras
partes da área onde se pretende construir a área de lazer.
3.0 CONCLUSÕES
Os resultados deste pesquisa nos levam à constatação de que os moradores entrevistados ao não
se identificam como participantes do processo decisório de preservação do seu próprio meio ambiente, e
uma das prováveis razões para esta percepção relacionada ao fato de que não identifica a natureza um
elemento importante para o seu bem-estar. No caso especifico da Lagoa do Vigário, os entrevistados não
identificavam nenhuma utilidade crucial para o ecossistema. Por outro lado, esta aparente falta de ligação
com o meio ambiente em que residem, os entrevistados tenderam a repassar ao Estado (principalmente o
local) a responsabilidade pelo processo de preservação da Lagoa do Vigário. Esta posição dos
habitantes do entorno da Lagoa do Vigário tem inadvertidamente contribuído para a execução de políticas
ambientais por parte da Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, que além de não resolverem o
problema da poluição causada pelo despejo direto de esgotos, se encaminham para a implementação de
formas impositivas de ação que incluem inclusive a remoção forçada de parte dos habitantes da região.
Em se configurando este processo de remoção teríamos uma situação clássica de injustiça ambiental, pois
a ação do Estado termina por impor aos mais pobres um conjunto de soluções que tendem apenas a
transportar os problemas da degradação ambiental para outros locais, sem que haja uma superação das
condições de iniqüidade social que estão na raiz do problema ambiental.
11
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Lucíola Lannes pela colaboração no processo de preparação da
pesquisa de campo e pela cessão da Figura 1 deste artigo. Os autores agradecem ainda a UENF pela
concessão da Bolsa de Iniciação da primeira autora através do Programa de Bolsas PIBIC/CNPq.
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