VÁSQUEZ, A. S. Ética – Valores Morais e Não Morais

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VALORES MORAIS E NÃO-MORAIS
Os objetos valiosos podem ser naturais, isto é, como aqueles que existem originalmente à margem ou
independentemente do trabalho humano ( o ar, a água ou uma planta silvestre ), ou artificiais, produzidos ou
criados pelo homem ( como as coisas úteis ou as obras de arte ). Mas, desses dois tipos de objetos, não se
pode dizer que sejam bons de um ponto de vista moral; os valores que encarnam ou realizam são, em casos
distintos, os da utilidade ou da beleza. Às vezes se costuma falar da “bondade” desses objetos e, por essa
razão, empregam-se expressões como as seguintes: “este é um bom relógio”, “a água que agora estamos
bebendo é boa”, “X escreveu um bom poema” etc. Mas o uso de “bom” em semelhantes expressões não
possui nenhum significado moral. Um “bom” relógio é um relógio que realiza positivamente o valor
correspondente: o da utilidade, ou seja, que cumpre satisfatoriamente a necessidade humana concreta à qual
serve. Um “bom” relógio é um objeto “útil”. E algo análogo podemos dizer da água quando a qualificamos
como “boa”; com isso, queremos dizer que satisfaz positivamente, do ponto de vista de nossa saúde, a
necessidade orgônica que deve satisfazer. E um “bom” poema é aquele que, por sua estrutura, por sua
linguagem, realiza sastisfatoriamente, como objeto estético ou obra de arte, a necessidade estética humana à
qual serve.
Em todos esses casos, o vocábulo “bom” sublinha o fato de que o objeto em questão realizou
positivamente o valor que era chamado a encarnar, servindo adequadamente ao fim ou à necessidade humana
respectiva. Em todos esses casos, também, a palavra “bom” tem um significado axiológico positivo-com
relação ao valor “utilidade” ou ao valor “beleza”-, mas não tem significado moral algum.
[…] Podemos falar da “bondade” de uma faca enquanto cumpre positivamente a função de cortar
para a qual foi fabricada. Mas a faca-e a função relativa-pode estar a serviço de diferentes fins; pode ser
utilizada, por exemplo, para realizar um ato mau sob o ângulo moral, como é o assassinato de uma pessoa.
Desde o ponto de vista de sua utilidade ou funcionalidade, a faca não deixará de ser “boa” por ter servido para
realizar um ato repreensível. Pelo contrário, continua sendo “boa” por ter servido ao assassino, mas essa
“bondade” instrumental ou funcional está alheia a qualquer qualificação moral, apesar de ter servido de meio
ou instrumento para realizar um ato moralmente mau. A qualificação moral recai aqui no ato de assassinar,
para o qual a faca serviu. Não é a faca-eticamente neutra, como o são em geral os instrumentos, as máquinas
ou a técnica em geral-que pode ser qualificada de um ponto de vista moral, mas o seu uso, isto é, os atos
humanos de utilização a serviço de determinados fins, interesses ou necessidades.
Vê-se, então, que os objetos úteis, ainda que se trate de objetos produzidos pelo homem, não
encarnam valores morais,embora possam encontrar-se numa relação instrumental com esses valores ( como
vimos no exemplo anterior da faca ). […]
Os valores morais existem unicamente em atos ou produtos humanos. Tão-somente o que tem um
significado humano pode ser avaliado moralmente, mas, por sua vez, tão-somente os atos ou produtos que os
homens podem reconhecer como seus, isto é, os realizados consciente e livremente, e pelos quais se lhes pode
atribuir uma responsabilidade moral. Nesse sentido, podemos qualificar moralmente o comportamento dos
indivíduos ou de grupos sociais, as intenções de seus atos e seus resultados e conseqüências, as atividades das
instituições sociais etc. Ora, um mesmo produto humano pode assumir vários valores, embora um deles seja o
determinante. Assim, por exemplo, uma obra de arte pode ter não só um valor estético, mas também político
ou moral. É inteiramente legítimo abstrair um valor dessa constelação de valores, mas com a condição de
não reduzir um valor ao outro.
Posso julgar uma obra de arte por seu valor religioso ou político, mas sempre com a condição de
nunca pretender deduzir desses valores o seu valor propriamente estético. Quem condena uma obra de arte
sob o ponto de vista moral nada diz sobre o seu valor estético; simplesmente está afirmando que, nessa obra,
não se realiza o valor moral que ele julga que nela deveria realizar-se. Por conseguinte, um mesmo ato ou
produto humano pode ser avaliado a partir de diversos ângulos, podendo encarnar ou realizar diferentes
valores. Mas, ainda que os valores se juntem num mesmo objeto, não devem ser confundidos.
(Vázquez, Adolfo Sánchez. Ética. RJ, Civilização brasileira)
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