Instituto de Saúde Coletiva (ISC) Depto. Epidemiologia e Bioestatística Disciplina: Epidemiologia II AULA 2 História Natural da Doença 2016-2 1 Zika Vírus: quem é o próximo? Goorhuis A, Grobusch MP. Lancet Infect Dis. 2016 Sep 1. A epidemia do Zika Vírus em curso na America Lanlina e Caribe levou a OMS declarar Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, desencadeada pela associação da infecção pelo vírus Zica (provavelmente causal), com a ocorrência de complicações neurológicas como a Síndrome de Guillan-Barré e a transmissão vertical resultando em alterações neurológicas severas no bebe, particularmente a microcefalia. Provavelmente causal por que? Quais são as evidências? Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional A estrutura do vírus Zika é semelhante à de outros flavivirus exceto por uma cadeia de aminoácidos em seus envelopes glicoproteicos. Esta alteração pode potencializar a adesão às células do hospedeiro e explicar mecanismos de transmissão e formas de adoecimento. Esta diferença existe não só entre os flavivírus e o zica como dentro dos diferentes flavivírus. Microcefalia Fonte: Wikipaedia História • O vírus Zika foi isolado pela primeira vez em primatas não humanos em Uganda, na floresta Zika em 1947 • Entre 1951 a 2013, evidências sorológicas em humanos foram notificadas em países da África, Ásia e Oceania (Micronésia e Polinésia Francesa). • Nas Américas, o Zika Vírus somente foi identificado na Ilha de Páscoa, território do Chile no oceano Pacífico, 3.500 km do continente no início de 2014. • O Zika Vírus é considerado endêmico no Leste e Oeste do continente Africano. • Evidências sorológicas em humanos sugerem que a partir do ano de 1966 o vírus tenha se disseminado para o continente asiático. • Atualmente há registro de circulação esporádica na África, Ásia e Oceania • Casos importados de Zika virus foram descritos no Canadá, Alemanha, Itália, Japão, Estados Unidos e Austrália. Zika: De doença misteriosa a emergência global – 13 passos da epidemia 1- Maio de 2015 - Doença provoca manchas avermelhadas Desde fevereiro de 2015, profissionais de saúde da Bahia notificaram casos de uma doença que provocava manchas avermelhandas na pele. A primeira suspeita era a de que a doença fosse um novo tipo de dengue. Em maio, o governo estadual confirmou um surto da doença causada pelo zika vírus. 2- Setembro de 2015 - 'Paciente-zero': gêmeo com irmão saudável Após identificar um aumento do número de casos de má-formação entre bebês, a neuropediatra pernambucana Vanessa van der Linden Mota alertou outros colegas e, em setembro, levou o caso ao secretário de saúde do Estado. Foi então criada uma equipe para entender o que estava acontecendo. O primeiro caso que despertou a atenção da doutora Vanessa foi o de dois gêmeos, em que um dos bebês nasceu normal e o outro, com microcefalia. Ele é o considerado o "paciente zero" da epidemia. 3-11 de novembro de 2015 - Estado de emergência em Pernambuco Após identificar mais de 140 casos de microcefalia em 44 municípios, o Ministério da Saúde de decretou emergência em saúde pública. Casos suspeitos em outros estados do Nordeste são investigados. Zika: De doença misteriosa a emergência global – 13 passos da epidemia 4- 12 de novembro de 2015 - "Não engravidem" Neste dia, o diretor do departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde disse: "Não engravidem agora. Esse é o conselho mais sóbrio que pode ser dado."No dia seguinte, o ministério divulgou uma nota dizendo que não havia recomendação para se evitar a gravidez, afirmando que as gestantes deveriam discutir cada caso com seus médicos. 5-17 e 18 de novembro de 2015 - Confirmação da zika como principal hipótese pra microcefalia A Fiocruz divulgou o resultado de exames que atestaram a presença do zika vírus no líquido amniótico de gestantes cujos bebês tinham microcefalia. Em seguida, o Ministério da Saúde informou que a epidemia de contaminação por zika vírus registrada no primeiro semestre era a "principal hipótese" para explicar o aumento dos casos de microcefalia na região Nordeste. O ministério confirma que o surto já era tratado como epidemia. 6- 21 de novembro - Epidemia se espalha e Dilma anuncia força-tarefa O diretor de Vigilância de Doenças Transmissíveis, diz que a microcefalia pode se espalhar pelo país. A presidente então anuncia criação de força-tarefa, um gabinete interministerial com especialistas em saúde pública, para decidir sobre medidas para evitar que surto se espalhe. Zika: De doença misteriosa a emergência global – 13 passos da epidemia 7- 25 e novembro de 2015 - Polinésia investiga zika e microcefalia O governo da Polinésia - território ultramarino da França - anunciou que estava investigando uma possível relação entre o zika vírus e casos de má-formação em bebês. A população local sofreu com uma epidemia de zika entre 2013 e 2014. 8- 28 de novembro de 2015 - Governo confirma relação entre o zika e a microcefalia O Ministério da Saúde confirmou a relação entre o surto de microcefalia no Nordeste e o zika vírus, após resultados de exames feitos pelo Insituto Evandro Chagas, em Belém (PA), de um bebê nascido no Ceará. Foi identificada a presença do zika no sangue e em tecidos do bebê. 9- 12 de janeiro de 2016 - EUA confirmam primeiro caso de zika Um paciente do Texas é o primeiro caso registrado de vírus zika nos Estados Unidos. Ele teria contraído a doença após uma viagem para a América Latina. Dias antes, Em 31 de dezembro, um primeiro caso da doença foi registrado em Porto Rico. Autoridades da ilha - que integra o território americano - afirmaram que o paciente não viajou recentemente, o que descartaria a possibilidade de que tenha contraído a doença no exterior. Zika: De doença misteriosa a emergência global – 13 passos da epidemia 10 - 20 de janeiro de 2016 - Colômbia pede que casais evitem gravidez Por causa do zika, a Colômbia pediu que casais adiassem planos de ter um filho. "Considerando a atual fase em que se encontra a epidemia do zika vírus e o risco que ela traz, recomenda-se que os casais que vivem em território nacional evitem gestações durante essa fase, que pode se estender até o mês de julho de 2016." 11 - 28 de janeiro de 2016 - Zika rouba cena em cúpula latino-americana e OMS faz novo alerta A diretora-geral da OMS classificou como "alarmante" a velocidade com que o vírus está se espalhando no mundo, anunciando a previsão de que o vírus poderia afetar até 4 milhões de pessoas somente neste ano, com até 1,5 milhão de vítimas no Brasil. Zika: De doença misteriosa a emergência global – 13 passos da epidemia 12- 29 de janeiro de 2016 - Governo autoriza entrada à força em casas abandonadas Em um esforço para combater o mosquito Aedes aegypti, o governo brasileiro decidiu autorizar a entrada forçada de agentes em imóveis abandonados ou sem ninguém para permitir o acesso deles quando houver risco de existência de criadouros no local. A medida provisória que autoriza a ação publicada no dia 01/02/16 no Diário Oficial da União. Se ninguém for localizado para permitir a entrada dos agentes na casa, eles só poderão entrar à força após terem feito duas visitas, com notificação prévia, em um intervalo de dez dias. 13- 1º de fevereiro de 2016 - "Emergência internacional" Após discutir aspectos relacionados ao risco da proliferação da microcefalia ligada ao zika vírus nas Américas, a OMS decretou situação de "emergência de saúde pública de interesse internacional" para os casos de má-formação e de disfunções neurológicas. Com isso, a organização espera facilitar a mobilização de dinheiro, recursos e conhecimento científico para o combate à doença. Situação no Brasil Boletim Epidemiológico Secretaria de Vigilância em Saúde − Ministério da Saúde − Brasil Que condições são necessárias para uma ”nova” doença se tornar uma ameaça global num mundo interconectado? • População suscetível (hospedeiro) • Vetor com condições de se disseminar • Quando essas condições estão presentes => um caso => epidemia • Ex: Zika virus no Brasil Que condições são necessárias para uma ”nova” doença se tornar uma ameaça global num mundo interconectado? • População suscetível (hospedeiro) • Vetor com condições de se disseminar • Quando essas condições não estão presentes => um caso => não se dissemina e a ”doença” é localmente extinta. Ilha na Polinesia Francesa • Quando essas condições estão parcialmente presentes => um caso =>”doença” fica endêmica. Alguns países Africanos Historia Natural da Doenca Febre pelo Zika Virus História natural da doença Refere-se à evolução de uma doença no indivíduo através do tempo, na ausência de intervenção. Informa o que podemos esperar… É fundamental para o controle das doenças. Permite apontar diferentes métodos de prevenção e controle, servindo de base para a compreensão de situações reais e específicas, tornando operacionais as medidas de prevenção. Tríade epidemiológica Ambiente Vetor Agente Hospedeiro Humano Gordis L. 2000. Epidemiology Tríade epidemiológica • Os agentes podem ser infecciosos, químicos ou físicos e são necessários, mas nem sempre suficientes, para causar a doença. • Os fatores do hospedeiro são os que determinam a exposição de um indivíduo, sua suscetibilidade e capacidade de resposta e suas características de idade, grupo étnico, constituição genética, gênero, situação socioeconômica e estilo de vida. • Os fatores ambientais englobam o ambiente social, físico e biológico. Tríade epidemiológica • Agente: É um fator que pode ser um micro-organismo, substância química, ou forma de radiação, cuja presença, presença excessiva ou relativa ausência é essencial para a ocorrência da doença. • Hospedeiro: é uma pessoa ou animal vivo, incluindo as aves e os artrópodes que, em circunstâncias naturais, permite a subsistência e o alojamento de um agente infeccioso. • Ambiente: engloba o ambiente social, físico e biológico. Tríade epidemiológica Febre por Zika Virus Ambiente Propicio a disseminacao do vetor Aedes Zika Virus Brasileiros suscetiveis Gordis L. 2000. Epidemiology História natural da doença: como? Dois períodos sequenciados: • Período Pré-patogênico: interesse dirigido para as relações suscetível-ambiente. • Período patogênico: modificações que se passam no organismo vivo. História Natural da Doença Período pré-patogênico Período patogênico Szklo, 2004 História Natural da Doença Período pré-patogênico Período patogênico Szklo, 2004 Rastreamento : Ponto em que o tratamento é mais efetivo. Após esse ponto, a doença terá pior prognóstico Tempo de antecipação: Tempo “ganho” para o diagnóstico pelo rastreamento Szklo, 2004 História Natural da Doença - clínica Momento usual do diagnóstico Mudanças Início dos Exposição patológicas sintomas Estágio de suscetibilidade Estágio de doença subclínica Estágio de doença clínica Estágio de Recuperação, Incapacidade, ou morte Período de incubação (doenças infecciosas) Período de latência (deonças não transmissíveis Szklo, 2004 História Natural da Febre pelo Zika vírus Estágio suscetibilidade Individual/grupo Início da exposição a fatores de risco Brasil – Copa contaminação Início biológico da enfermidade/mudanças patológicas 6 a 11 dias Ponto mais precoce em que a detecção é possível Momento usual do diagnóstico?? Isolamento do vírus: sangue – detectável em torno de 10 dias/clareamento depois de 24 dias urina – detectável em torno 12 e mais dias sêmen – clareamento não ocorre antes de 60 dias saliva, líquido amniótico, tecido neurológico? anticorpo detectável após 9 dias Imunidade permanente? Detecção por sinais e sintomas/atraso Estágio da doença clínica Rush cutâneo maculopapular, febre, artralgia, conjuntivite não purulenta, mialgia, cefaléia, dor retrorbital, edema e vômitos. Duração: 1 a 2 semanas Morte Estágio de recuperação, incapacidade ou morte Morte: comorbidades preexistentes e em imunodeprimidos Detecção por sinais e sintomas/início Mosquito transmite 10 dias após História Natural da Doença Níveis de prevenção PROMOÇÃO À SAÚDE PREVENÇÃO PRIMÁRIA PREVENÇÃO SECUNDÁRIA PREVENÇÃO TERCIARIA Szklo, 2004 Promoção à saúde: Ações que promovam a saúde, sem foco em um risco específico. Prevenção é todo ato que tem impacto na redução de mortalidade e morbidade das pessoas Prevenção Primária: Ações que visam a prevenção da exposição ao fator de risco. Prevenção Secundária: Ações que visam favorecer o diagnóstico precoce da doença. Prevenção Terciária: Ações que visem melhorar o prognóstico e a prevenção de incapacidade . Prevenção quaternária : Conjunto de ações que visam evitar a iatrogenia associada às intervenções médicas como a sobremedicalização ou os "excessos preventivos". Prevenção primária: dois enfoques • Estratégia de alto risco: classificar as pessoas e selecionar o grupo de alto risco para se aplicar uma medida preventiva Pontos+ : forte motivação para adoção da intervenção dos indivíduos e dos profissionais de saúde e uso racional do recurso (custo-efetividade) Pontos (- ) : impacto na população é pequeno Exemplo de estratégia de alto risco Prevenção primária: dois enfoques • Abordagem populacional: enfoca a população como um todo, deve ser de baixo custo e minimamente inasiva Ex: vacinação, uso de cinto de segurança, propaganda para mudança de hábitos de vida Pontos + : grande alcance Pontos (-) :paradoxo da prevenção: a estratégia preventiva populacional que traz mais benefícios para a saúde da população oferece poucas vantagens para cada participante individualmente e eventualmente pode causar danos a algumas pessoas A tragédia é inevitável? Zika Vírus: quem é o próximo? Goorhuis A, Grobusch MP. Lancet Infect Dis. 2016 Sep 1. Do outro lado do Atlântico, a transmissão local do Zika Vírus na Flórida, EUA, levou o governo a implementar uma resposta massiva de contenção. Essa estratégia obteve sucesso na interrupção do dengue e da chikungunya na Europa. No entanto, tais medidas requerem sistemas de vigilância funcionais e recursos substanciais, não disponíveis em vários países da Africa e ÁsiaPacífico. Como ”combater”essa ameaça? • • • • Conhecer Vigiar Prevenir Combater Epidemiologia para quê? 1. Provê bases científicas para prevenir doenças e agravos e promover a saúde 2. Determina a importância relativa para se estabelecer prioridades para a pesquisa e ação 3. Identifica populações de maior risco para serem alvo de intervenções. 4. Avalia a efetividade de programas na melhora da saúde da população 5. Estuda a história natural das doenças (quando não há intervenção humana em seu curso) 6. Faz vigilância da ocorrência de doenças e agravos populações 7. Investiga surtos e epidemias Milton Terris, The Society for Epidemiologic Research (SER) and the future of epidemiology. Am J Epidemiol 1992; 136(8):909-915, p 912