A fronteira, os tratados e os mapas: a formação - AGB

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A fronteira, os tratados e os
mapas: a formação territorial do
Brasil e os tratados de Madri e
Santo Ildefonso 1
Jessica Aparecida Correa
 [email protected]
Resumo
O presente artigo apresenta os principais tratados geopolíticos
ocorridos no Brasil colonial durante o período pombalino, entre os
anos de 1750 e 1777: os Tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso
(1777). Tendo como mediação a Geografia Histórica e a Cartografia
Histórica, o trabalho busca identificar as formas de demarcação dos
limites territoriais estabelecidos nas fronteiras do Brasil meridional
e as disputas políticas travadas entre Portugal e Espanha. O estudo
ganha relevância por trazer à cena a gênese dos atuais contornos e
da extensão do território brasileiro, permitindo, dessa forma, a
compreensão mais ampla das proposições dos referidos tratados,
bem como das partidas demarcatórias executadas no período,
domínio metropolitano sobre as vastas terras da colônia brasileira.
PALAVRAS-CHAVE:
***
fronteira, geopolítica, Tratado de Madri,
Tratado de Santo Ildefonso, formação territorial do Brasil.
1
O artigo é resultado de trabalho realizado, entre os anos de 2011 e 2014, com o apoio da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Boletim Campineiro de Geografia, v. 5, n. 1, 2015.
revelando as estratégias de ocupação, interiorização e efetivação do
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Jessica Aparecida Correa
Introdução
A geopolítica e a cartografia da definição das fronteiras luso-castelhanas no
continente sul-americano representaram uma das principais questões que
percorreram os séculos coloniais na formação territorial do Brasil; as expressões
geopolíticas desse fato foram os tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777).
O recorte temporal em estudo (1750-1777) primou em delimitar o período de
implantação das políticas territoriais pombalinas que visaram a assegurar o
território colonial brasileiro. Tal recorte temporal nos permitiu examinar o material
cartográfico relativo aos limites e às fronteiras produzidos nesse contexto. Esse
intento prezou em localizar as formas de ocupação militar na imensa colônia
continental brasileira e reconheceu as práticas empenhadas na usurpação das
riquezas naturais dessas terras.
As nascentes relações sociais capitalistas, características do século XVIII,
impuseram uma acirrada disputa comercial fomentada pela expansão ultramarina
na Europa. Nesse cenário, o território colonial brasileiro foi marcado pelas formas
de
acumulação
primitiva
de
capital,
ocupando,
dessa
forma,
lugar
de
“subordinação” à economia-mundo em ascensão.
Essas condições histórico-geográficas determinaram a formação territorial do
Brasil, e é nesse sentido que se lançou mão de uma leitura retrospectiva
proporcionada pela Geografia Histórica, que, como metodologia de estudos,
permitiu conceber o território como resultado histórico da relação entre sociedade
e espaço, na qual só pode ser desvendado por meio do estudo de sua gênese e de
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seu desenvolvimento — post festum.
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Nessa concepção, tem-se o território como mediação explicável pelo processo
de sua formação, sendo possível conceber a “geografia como uma história
territorial”. De acordo com Moraes (2011, p. 73):
A expansão espacial — em suas motivações e estratégias — em si
constitui um primeiro objeto da investigação da Geografia Histórica,
sendo a consolidação do domínio territorial seu corolário, com a
transformação dessas novas terras em áreas descontínuas de
soberania estatal de cada metrópole, em outros termos, em territórios
coloniais.
Contudo, no processo de formação territorial pode-se apreender uma
simultânea “valorização do espaço” incitada pelo projeto colonizador, produzindo,
dessa forma, disputas políticas, econômicas e ideológicas na representação e na
construção do território apoderado. Ainda segundo Moraes (2000, p. 17), o
território envolve “[...] a relação de uma sociedade específica com seu espaço, num
A fronteira, os tratados e os mapas: a formação territorial do Brasil e os tratados de Madri e Santo Ildefonso
intercâmbio
contínuo
que
humaniza
essa
localidade,
materializando
sincronicamente as formas de sociabilidade reinantes numa paisagem e numa
estrutura territorial”.
A respeito da metodologia utilizada no artigo e, com base nesses
apontamentos, o trabalho apresenta os delineamentos gerais dos tratados de
Madrid (1750) e Santo Ildefonso (1777), como acontecimentos cruciais no processo
histórico-geográfico de consolidação das fronteiras do Brasil colonial na segunda
metade do século XVIII.
Além disso, o trabalho sugere uma periodização, definindo os diferentes
momentos que caracterizaram os trabalhos cartográficos produzidos no contexto
colonial. São eles “Reconhecimento”, “Oficialização” e “Jurisdição”. Essas
definições têm um caráter didático, buscando retratar, respectivamente, o processo
histórico e geográfico de identificação territorial, a obtenção de informações mais
precisas sobre o funcionamento da colônia, e, portanto, da “oficialização” dos
confins do Brasil e do seu “Sertão”, e o período que se refere às negociações das
fronteiras, dos tratados e da produção dos mapas, como documentos “legítimos” do
Estado português, logo, “oficiais”, e que forneceram o embasamento “jurídico” para
a delimitação e a efetivação da posse das terras coloniais.
Sendo assim, a “caricatura” dos limites traçados in loco nos mapas do
território colonial brasileiro no século XVIII já anunciava a configuração fronteiriça
que o Brasil consolidaria no século seguinte. Entretanto, num primeiro momento, é
importante esclarecer que o século XVIII resultou em momento “chave” da
produção cartográfica portuguesa sobre o território do Brasil-Colônia. Foi nessa
conjuntura que o território luso-americano passou a contar com representações
instrumentos e os estudos contribuíram de maneira inegável, tendo em vista os
avanços alcançados nesse século e as transformações oriundas das fileiras
Iluministas.
Embora as regiões litorâneas continuassem sob o foco dos cartógrafos desde o
século XVI, foi o interior da colônia que passou a se destacar nos meados do século
XVIII. A tentativa da elaboração do “Atlas da América Portuguesa”, solicitado por
D. João V entre os anos de 1728-1729, é expressão desse fato. A contratação dos
trabalhos cartográficos realizados pelos Padres Matemáticos João Baptista Carbone
e Domingues Capassi, e, posteriormente pelo português Diogo Soares, revelaram
que os mapas produzidos deveriam fornecer detalhes acerca dos territórios da
colônia brasileira, a fim de estabelecer efetivamente o seu controle.
Como elucida André Ferrand Almeida (2001, p. 108), tratou-se, na verdade,
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cartográficas mais exatas, contendo maior número de informações. As técnicas, os
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de um projeto que pretendia a realização de um vasto inquérito sobre as vias de
comunicação fluvial e terrestre, os recursos econômicos e humanos do espaço
brasileiro, cuja ideia principal era projetar uma unidade espacial da colônia
brasileira que seria concretizada no futuro.
Os trabalhos de mapeamento, inventários dos recursos naturais e dos
aldeamentos indígenas, tinham por finalidade definir os pontos estratégicos para a
definição da fronteira e examinar a capacidade do território de oferecer riquezas,
fossem elas metais preciosos, especiarias ou a escravização da mão de obra
indígena.
Os mapas produzidos no século XVIII, segundo Garcia (2004), são
predominantemente manuscritos, preto e branco e aquarelados, e são as escalas
regionais, locais e urbanas que ganham evidência na produção setecentista. Esses
mapas eram representados sob diversas categorias: diplomáticos, administrativos,
itinerários, mapas missionários, militares, e também os que representaram a
hidrografia, a exploração econômica, croquis, planos urbanos, edifícios etc.
A maioria são esteticamente atractivos, porque coloridos e com rica
iconografia, mas esse facto é a prova sobre os verdadeiros motivos da
sua elaboração e da sua conservação: uma imagem de luxo para
oferecer, para convencer, para glorificar um homem, um momento,
uma ideia (GARCIA, 2004, p. 20).
Pode-se afirmar, entretanto, que foram poucas as imagens de conjunto do
território colonial no período. As vastas faixas fronteiriças a Oeste e Sul ganharam
ênfase, sobretudo, a partir dos anos de 1730, sendo possível encontrar mapas de
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diferentes escalas e com minuciosos detalhes das localidades e dos povos
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habitantes.
A predominância da cartografia estrangeira também é uma característica
desse século, pois foram muitos os italianos, ingleses, franceses, holandeses etc. que
trabalharam para a coroa portuguesa e produziram bases cartográficas das
expedições demarcatórias encetadas na ocasião da efetivação dos tratados de Madri
e Santo Ildefonso.
O Tratado de Madri (1750): a “caricatura” do Brasil
As negociações para a definição dos domínios territoriais sul-americanos e
que culminaram no acordo conhecido como Tratado de Madri tiveram início no
reinado de D. João V; contudo, a busca por resolver os problemas ocasionados pela
superação do Tratado de Tordesilhas (1494) efetivou-se somente no governo de D.
José I, em 1750, quando nessa ocasião ascendia Sebastião José Carvalho e Melo, o
futuro Marquês de Pombal.
A fronteira, os tratados e os mapas: a formação territorial do Brasil e os tratados de Madri e Santo Ildefonso
O Tratado de Madrid significou um acordo entre as coroas ibéricas, que
consistiu em entregar e reconhecer oficialmente os territórios coloniais já ocupados;
além disso, o tratado tinha por finalidade oficializar margens fluviais, marítimas e
terrestres, definindo os limites dos poderes de ambas as coroas.
O acordo previa colocar término às desavenças presentes na região do Rio da
Prata, no extremo sul da América Meridional, resultadas de conflitos anteriores
com a coroa espanhola. Ainda estipulava, para o lado de Portugal, permutar o
valioso território da Colônia do Sacramento e, em troca, adquirir o território dos
Sete Povos das Missões, ocupado pelos indígenas Guaranis e pelos Jesuítas
espanhóis no extremo sul.
Para as negociações do referido tratado, Portugal contou como representante
com o brasílico Alexandre Gusmão. O diplomata versou em adotar, como estratégia
geopolítica, os limites entre as colônias ibéricas, as barreiras naturais, e, ainda, o
direito romano, cuja concepção do uti possidetis, ita possideatis (quem possui de fato
deve possuir de direito) abalizaria as possessões territoriais.
Essa estratégia levou, segundo acreditava o diplomata, a “resolver os
problemas da definição da fronteira americana”, dada a inviabilidade de fazer valer
o Meridiano de Tordesilhas, que na realidade já havia sido desrespeitado há
bastante tempo. A esse respeito comenta Jaime Cortesão (2009, p. 260):
Com os dados de posição obtidos por vários modos, Alexandre
Gusmão chegara, sem a menor dúvida, à conclusão de que toda a
defesa da soberania portuguesa sobre as vastas regiões da América
meridional, ocupadas pelos luso-brasileiros, na base do Tratado de
Tordesilhas, caducara irremediavelmente; e que, por consequência,
era necessário fazer assentar as negociações em bases inteiramente
Segundo Cortesão (2009), Gusmão era estudioso da geografia do território
brasileiro, conhecedor da produção de mapas e diplomata “habilidoso”. Então, para
prosseguir as negociações, Gusmão valeu-se do “Mapa das Cortes”, ou mapa
“Confins do Brazil”, de 1749 (ver Figura 1), cujas informações embasavam-se nos
trabalhos cartográficos dos Padres Matemáticos e nas representações do território
brasileiro feitas por diversos estrangeiros no início do século XVIII.
Ainda como aponta Cortesão (2009, p. 267), nesse mapa o Brasil ganha “sua
fisionomia”. Os traços que caracterizam os limites do território brasileiro
anunciavam a “caricatura” da realidade e, “se comparamos o mapa das Cortes com
um mapa actual da América do Sul, rapidamente nos damos conta de que naquela
carta o Brasil não passa duma caricatura da realidade”.
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novas.
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Figura 1. Mapa das Cortes (1749).
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Fonte: Garcia (2011, p. 86).
O mapa apresenta, sob o título, a seguinte legenda: “Lo que esta de amarillo
es lo que se halla occupado por los Portugues; Lo que esta de color de rosa es lo
que tinen occupado los Espanóles; Lo que queda en blanco no está toda via al
prezente occupado”.
As cópias originais do mapa podem ser consultadas na Biblioteca Pública
2
Municipal do Porto, com a cota C-M&A-P.24(62) . No mapa, os acidentes físicos e
2
Agradecimentos ao Prof. Dr. João C. Garcia, da Universidade do Porto, por ter cedido, na ocasião
do estágio de pesquisa BEPE/FAPESP em 2014, um exemplar do catálogo “Cartografia do Brasil na
Biblioteca Pública Municipal do Porto” (2011), de onde obtivemos as imagens e as informações dos
mapas presentes neste trabalho.
A fronteira, os tratados e os mapas: a formação territorial do Brasil e os tratados de Madri e Santo Ildefonso
os principais cursos d’água foram bem assinalados, como também a vegetação e o
relevo. O povoamento denso na região do Rio da Prata e do Uruguai foi
identificado no mapa e observou-se ainda uma graduação das longitudes e
latitudes, que apresentam numeração.
Segundo Cortesão (2009, p. 263), nesse mapa a estratégia utilizada por
Gusmão consistiu em converter os rios e as vertentes em fronteiras, para,
[...] à sombra deste princípio, estender a soberania portuguesa as
vastidões totalmente ignoradas dos espanhóis. Portugal cedia a
colónia do Sacramento e as suas pretensões ao estuário do Prata:
mas, ao sul, limitados pelas vertentes e o curso do Uruguai, os
actuais estado de Santa Catarina e Rio Grande, então inocupados na
sua quase totalidade, passavam para Portugal. O mesmo sucedia com
o sul de Mato Grosso. Ao norte, a zona imensa compreendida entre o
Alto Paraguai, o Guaporé e o Madeira, dum lado, e o Tapajós, para
não dizer o Tocantins, do outro igualmente inocupada, ficava
também sob a soberania portuguesa; e ponta de flecha, que ia do
Madeira ao Javari, dilatava-se em proporções muito maiores do que
nas regiões de Curitiba e do Rio Grande do Sul, abrangendo parte do
Japurá e os vales dos rios Negro e Branco.
Cortesão (2009, p. 262) afirmou que a documentação existente sobre o
Tratado de Madri revelara a clara índole geopolítica de Gusmão, visando não
somente a estender a fronteira para Oeste e Sul, mas também a “preservar a
comunicação e a integração do Estado brasileiro na grande ilha-continente que
pouco a pouco desvelara...”.
A estratégia nas negociações tinha por baliza o discurso da “inviável” tarefa
de demarcar as terras coloniais seguindo o meridiano de Tordesilhas. O mapa
conjunto das terras sul-americanas. No momento da negociação, a Corte portuguesa
contou com as escassas informações por parte dos espanhóis, principalmente acerca
das fronteiras do centro-oeste do território e do sudeste e sul até o litoral da Ilha de
Santa Catarina.
Em linhas gerais, as principais distorções presentes no Mapa das Cortes e que
foram deliberadas pelos portugueses são: estender o nordeste brasileiro 4° e 30’ a
leste; alterar o meridiano de Belém do Pará que, em vez de margear a Ilha de Santa
Catarina pelo oriente, passaria pelo Rio Grande de São Pedro; o desvio do alto
curso do rio Paraguai para leste, entre 4° e 7°; a redução do rio Amazonas por volta
de 3°; e o deslocamento que teriam os rios Madeira, Guaporé e Tocantins para leste,
de até 9° (CORTESÃO, 2009, p. 267).
Para se colocar em prática o acordo estabelecido, deveriam ambas as coroas
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“Confins do Brazil” (Figura 1), apresentado pelos lusitanos, proporcionou a visão de
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gerar esforços na delimitação in loco dessas terras. Tal trabalho serviria às
expedições demarcatórias compostas por homens “inteligentes” e “hábeis” na arte
da Cartografia e nos conhecimentos em Geografia, Matemática, Astronomia etc.,
para registrar com precisão a fronteira prevista no acordo.
Segundo Mario Clemente Ferreira (2001, p. 277),
No século XVIII a cartografia perde definitivamente o seu carácter
decorativo, em benefício da precisão científica. Os trabalhos
cartográficos elaborados pelos técnicos das partidas demarcadoras
são
um
claro
desenvolvimento.
exemplo
desse
processo,
então
em
pleno
As técnicas mais avançadas de medição de terreno e de produção de mapas
encontravam-se, em grande parte, no estrangeiro; desse modo, ambas as coroas
precisavam de auxílios oriundos de outras partes da Europa.
A linha de fronteira entre as Américas portuguesa e espanhola foi
então dividida em seis troços, três pertencentes à designada comissão
do norte e três à comissão do sul. [...] A constituição das partidas,
como ficaram conhecidas aquelas equipas mistas, implicava um
conjunto numeroso de técnicos de que Portugal não dispunha em
quantidade, e até em qualidade, necessária para levar a cabo tal
empreendimento sem o recurso a homens de outras nacionalidades
(FERREIRA, 2011, p. 2).
No livro de Mário Olímpio Clemente Ferreira (2001), sobre o Tratado de
Madri e as expedições demarcatórias, o autor demonstra como foram compostas
essas expedições nos trabalhos ao sul do território brasileiro. O autor explicou as
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técnicas, os instrumentos e os métodos utilizados e, ainda, forneceu um panorama
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das condições reais da efetivação desse trabalho desempenhado por cartógrafos e
geógrafos estrangeiros na América portuguesa em meados do século XVIII, bem
como as condições de alimentação, as embarcações, a composição das tropas, a
relação com os grupos indígenas etc.
É importante destacar o caráter militarista da tarefa demarcatória, pois, como
demonstrou Mario Clemente (2001), a composição das “comissões mistas”, como
ficaram conhecidas, de técnicos e oficiais, não passava de 4%, diferentemente do
número de escolta, que sempre fora o maior contingente humano dessas
expedições. A comissão da primeira partida, por exemplo, que saiu em 1753 para
cartografar o extremo sul do território brasileiro, era composta por 70% de escolta
(homens militares para a “defesa” e a “manutenção dos trabalhos”, entre eles
indígenas, peões e capatazes) (FERREIRA, 2001, p. 139-140). Foi essa mesma
comissão que, em 1753, avistou a resistência guaranítica nos Sete Povos das
Missões, na ocasião da efetivação do Tratado de Madri nas bandas austrais. O
A fronteira, os tratados e os mapas: a formação territorial do Brasil e os tratados de Madri e Santo Ildefonso
impasse devido à resistência indígena não permitiu o prosseguimento dos trabalhos
demarcatórios, levando à sangrenta Guerra Guaranítica (1753).
Essa guerra tortuosa foi emblemática em relação aos imprevistos ocorridos no
processo de demarcação dos limites da América meridional. A resistência
guaranítica e jesuítica complicou a posição da Espanha, pois a resistência se
colocara contra os dispositivos do Tratado de Madri e se recusara a sair das terras
dos Sete Povos para migrarem até a Colônia do Sacramento, não permitindo, assim,
que os trabalhos das partidas demarcatórias pudessem ser concluídos no terreno.
Contudo, essa questão traz à cena o papel da violência como mediação fundante da
ação colonizadora e como mecanismo inerente aos processos histórico e geográfico
de delimitação das fronteiras sul-americanas.
Paralelamente a tal contexto de resistência, impulsionou-se a produção
cartográfica do território colonial brasileiro; tratava-se, pois, de uma produção
documental e da criação de uma retórica jurídica para a definição dos domínios das
terras coloniais. O comentário abaixo, de Mário C. Ferreira (2001, p. 277), ajudou a
pensar a situação:
O período em que decorreram os trabalhos demarcadores assistiu,
efetivamente,
a
uma
volumosa
produção
cartográfica,
cuja
importância para o futuro do território brasileiro não se esgotou com
a assinatura do Tratado do Pardo, em 12 de fevereiro de 1761. Aliás,
essa importância acabaria por se prolongar por mais de um século.
Trata-se de uma cartografia que ganhou definitivamente seu carácter
científico e cuja utilização política se estendeu até a importantíssima
acção desenvolvida a nível internacional pelo Barão do Rio Branco,
relativamente à definição dos limites territoriais do Brasil.
uma visão mais ampla para o colonizador sobre o território brasileiro nos meados
do século XVIII. Houve um maior conhecimento das extensões das terras no
extremo sul, como na região da Capitania do Rio Grande de São Pedro e do Rio da
Prata.
Mesmo que os trabalhos cartográficos das expedições não tenham saído
exatamente como o previsto nos artigos do Tratado de Madri, sendo muitas vezes
impossível concluir a tarefa de traçar as características dos terrenos, ora por conta
das condições físicas, ora pela resistência dos povos ocupantes, o que se pode
afirmar é que as expedições demarcatórias desempenharam um papel fundamental
no processo de reconhecimento e negociação dos limites da América Meridional a
favor da metrópole.
As negociações das fronteiras, dos tratados e a produção dos mapas podem
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Os mapas produzidos por essas expedições demarcatórias proporcionaram
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ser concebidas como documentos “oficiais” e que, uma vez “legitimados” pelo
Estado português, propiciaram o embasamento “jurídico” para a formalização e a
mensuração dos terrenos apossados. Tal recurso jurídico criara a retórica
fundamental de pertencimento do território, a qual cremos ter possibilitado, no
século seguinte, o favorecimento à legalização da propriedade privada no Brasil.
Nesse sentido, proporcionaram as condições formais para a “racionalização” da
produção do espaço brasileiro, de modo a engendrar os “espaços em disputa” na
economia-mundo
capitalista-mercantil,
instaurando,
assim,
um
sistema
de
acumulação primitiva de capital no território brasileiro.
A centralidade que a colônia brasileira representou para a manutenção da
economia e da política mercantilista de Portugal pode ser compreendida, também,
através do grande números de mapas do Brasil Colônia produzidos pelos
portugueses. O mapa “Mappa de huma parte da America Meridional, pertencente a
devizáo pelo publico Tractado de Lemites entre as duas Coroas de Portugal e
Hespanha...” (Figura 2) ilustra a afirmativa.
Figura 2. “Mappa de huma parte da America Meridional, pertencente a
devizáo pelo publico Tractado de Lemites entre as duas Coroas de Portugal e
Hespanha huma parte da America Meridional, pertencente a devizáo pelo
publico Tractado de Lemites entre as duas Coroas de Portugal e Hespanha...”
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(1769).
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Fonte: Garcia (2011, p. 100).
A fronteira, os tratados e os mapas: a formação territorial do Brasil e os tratados de Madri e Santo Ildefonso
O mapa foi atribuído ao português José Matias de Oliveira Rego, mas há
especulação de que a base original em que foi construído tenha sido, na verdade,
de José Custódio de Sá e Faria e dos cartógrafos que compuseram a primeira
partida de demarcação in loco das fronteiras do extremo sul do Brasil encetadas no
contexto das expedições demarcatórias do Tratado de Madri, em 1750.
A rede de paralelos do mapa permitiu delimitar o espaço cartografado: entre
os ca. 28°S e os ca. 35°S, o mapa representou a Capitania do Rio Grande de São
Pedro, atual estado do Rio Grande do Sul. O que é possível notar é que a
representação teve por objetivo “pintar” a rede hidrográfica, sobretudo, com
informações das ocupações eclesiásticas e as características gerais do relevo, tendo
em vista perceber a fluidez nos caminhos fluviais e terrestres para o êxito no
processo de ocupação e domínio territorial lusitano.
O mapa original pode ser consultado na Biblioteca Pública Municipal do
Porto com a cota C-M&A-P.24(38). O desenho apresentou uma longa legenda, cuja
preocupação elementar repousara sobre os caminhos que se passavam por terras na
Capitania do Rio Grande de São Pedro: foram descritos os acidentes geográficos, a
rede hidrográfica, a localização de ocupação indígena etc.
A transcrição presente na legenda disposta à margem esquerda do mapa
(Figura 2) diz:
Demostra a demarcação primeira de Castilhos grande, até ao posto
de S.ta Tecla, e o Paíz porq’ há passado a Armada de El Rey F., tudo
configurado pellas ajustadas observaçoins da prancheta; como
tambem o q. há atalhado o Exercito de S. M. C., e o q. se fecha entre
o RioVruguay, e Missoins pertencentes a sobre dita de Marcação, o q.
se pos com as referidas noticias dos praticos, e vaqueanos, assim
afirmaráo, estar conforme com o q. elles sabem do referido Paîs q o
tem pizado. Demonstra igualm.te o gr.de como inutil trabalho q.
sofreria a Armada de S. M. F., sahindo do Rio gr.de, a onde ao
prez.te se acha, e marchasse por Chûy, e Serro de Ilhecas a unirse as
Tropas de S. M. C., q. Sahirião de Monte Vedio, a fim de marcharem
juntas a S.ta Tecla. Ultimam.te se mostra ser inconveniente o fazer-se
em o passo de Chileno a junção dos dous Exercitos”; “A. Caminho q.
sahe do R. gr.de p.a Chuy, Serros de Nabarro, e Ilhecas, até ao passo
de Chilleno, q. devia fazer o Ex.to de S. M. F., até ao d.o posto, a
onde seria a junção dos dous Ex.tos, seg.do a propozição do S.r G.al
D. Jozé de Andonaegue. B. Caminho q.vem do d.o passo de Chilleno,
até o posto de S.ta Tecla, e continua té S. Borja, tambem proposto
pello sobre d.o G.al, no cazo de se atacar prim.ro aq.la Aldeia, ou
para seguir a marcha de S.ta Tecla as Missoiñs.C. Lugares propostos
pello S.r G.al Gomes Freire de Andrada, p.a em hú delles se
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Portug.s como Hespanhoes, a osquaes sendo mostrado, uniformes
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ajuntarem os dous Ex.tos, e p.a os q.es pòde mais brevem.te marchar
o de S.M.C., e com menos cuid.o de serem insultados pellos Indios, e
se marchar com mais facilidade as Missoins” (GARCIA, 2011, p.
100).
Apesar de longa a descrição acima, ela nos pareceu bastante ilustrativa dos
trabalhos desempenhados nas expedições demarcatórias. Ainda no mapa, outras
informações foram possíveis de observação, tais como: a vegetação representada
por símbolos que se dispersaram em todo o mapa, proporcionando profundidade;
os principais núcleos de povoamento do extremo sul, como a “Collonia” e “Buenos
Ayres”; a presença dos indígenas é apresentada próximo ao litoral, com a seguinte
indicação: “R. Indio morte S. Luis” e “Xuy dos Indios”, bem como as estruturas
militares, como a “Fort.a de S. Mig.l”, a “Fort.a de S. Gonçalo” e a “Fort.a do Rio
Pardo”.
Entre outros aspectos, observou-se a rede viária, que está inscrita através de
linhas ponteadas em preto, algumas das quais parecem ter sido posteriormente
corrigidas a tinta. Essas e outras indicações puderam ser melhor consultadas
através do Catálogo “Cartografia do Brasil na Biblioteca Pública Municipal do
Porto” (GARCIA, 2011, p. 100).
Assim, essas informações geográficas contidas no mapa permitiram
apresentar, em linhas gerais, o avanço cartográfico no século XVIII e o
conhecimento por parte dos portugueses das terras coloniais americanas que
estavam sob seu controle, cuja ânsia maior era viabilizar a exploração dos recursos
encontrados para fomentar a disputa estabelecida no mercado europeu.
Boletim Campineiro de Geografia, v. 5, n. 1, 2015.
O aparente “vazio” do mapa, o destaque à rede hidrográfica e as informações
42
“ocultas” (como as generalizações e as poucas descrições dos povos ameríndios
habitantes
dessas
regiões)
são
peças-chave
para
a
interpretação
dessas
representações, sobre as quais as ideologias e estratégicas geopolíticas se
embasaram, e dos interesses que elas representavam.
Desse modo, em relação ao tratado, tendo como resultado a dificuldade em
traçar os limites acordados em 1750, no decorrer dos anos de 1752 a 1763, houve
tentativas em estabelecer um novo acordo. A saída encontrada foi a anulação do
Tratado de Madri. Tal fato ocorreu em 1761 com o denominado Tratado do Pardo,
que estabeleceu que os limites e as fronteiras voltassem ao estado anterior às
negociações ocorridas em Madri, ou seja, nas condições que estipulava o Tratado de
Tordesilhas.
Sem acordos, no ano de 1762, em estado de guerra, as expedições
demarcatórias foram canceladas. A Espanha invadiu a Colônia do Sacramento e a
região de Castilho, na povoação do Rio Grande de São Pedro, situado à margem sul
A fronteira, os tratados e os mapas: a formação territorial do Brasil e os tratados de Madri e Santo Ildefonso
do canal de acesso à Lagoa dos Patos, lugar de grande valor estratégico para as
navegações com o Rio da Prata.
Nessa conjuntura, o ano de 1763 representou mais uma tentativa de
estabelecer a paz entre as coroas ibéricas, por meio do Tratado de Paz acordado
nesse mesmo ano em Paris; porém o não cumprimento deste último tratado, devido
à discordância dos espanhóis em restituir Rio Grande de São Pedro, resultou no
aprofundamento do conflito, acentuando, sobretudo, a Guerra dos Sete Anos, que
explodira na Europa. Desse modo, novamente as coroas ibéricas se puseram em
lados opostos e, sem sombra de dúvida, essa rivalidade repercutiu nos territórios
sul-americanos.
Em 1767, Portugal reconquistou o Rio Grande de São Pedro, permanecendo
com esse território até 1776, quando a contrarreação espanhola levou de assalto a
região do Rio Grande de São Pedro e a Ilha de Santa Catarina. Nessa ocasião, a
coroa lusa encontrava-se politicamente fragilizada e incapaz de negociar em
posição de vantagem com os castelhanos.
Todo esse contexto de guerras e disputas fronteiriças pode ser percebido
através da grande produção cartográfica desenvolvida sobre a região Sul durante o
período. As principais características dos mapas que representaram a região Sul
naquele contexto foram os aspectos ligados ao espaço fluvial, nos quais os “nós de
circuitos de navegação comercial”, os “escoadouros para o hinterland”, que se
estendia entre a bacia do Uruguai e o litoral, ganharam destaques (GARCIA;
ALMEIDA, 2000, p. 44).
A Planta do Rio Grande de S. Pedro (Figura 3) exemplifica o cenário de
guerras vivenciado entre as coroas ibéricas nesse contexto.
Boletim Campineiro de Geografia, v. 5, n. 1, 2015.
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Jessica Aparecida Correa
Figura 3. Planta do Rio Grande de S. Pedro (1776).
Fonte: Garcia (2011, p. 96).
De acordo com Garcia e Almeida (2000), a planta acima não tem autoria
conhecida, mas demonstra claramente o contexto de disputa travado nas bandas
meridionais da América do sul.
[...] “Os navios de guerra Portuguezes” “e os navios de guerra
Espanhoes” enfrentaram-se no interior do estuário e, ao longo das
margens, dispõem fortes e baluartes. Enquanto que a cartografia
Boletim Campineiro de Geografia, v. 5, n. 1, 2015.
impressa existente é, sobretudo, uma cartografia hidrográfica, no
44
caso da Planta..., todo o interior apresenta informações, quer do
povoamento, quer da rede viária e mesmo da cobertura vegetal
(GARCIA; ALMEIDA, 2000, p. 44).
Vale comentar que a aparente simplicidade da representação não deixa de
esconder as preciosas informações oferecidas por essa “cartografia da guerra”. No
mapa se observou como as informações prezam pela clareza, sobretudo quando se
refere às dificuldades da navegação: o destaque para a sinuosidade das enseadas
aponta para essa questão.
Sendo assim, diante desse contexto de guerras e com a tentativa de superar as
desavenças, em 1777 um novo tratado foi encabeçado na definição das fronteiras
coloniais da América Meridional. Dessa vez, o intento era estabelecer a paz entre
lusos e castelhanos de maneira definitiva, e, para isso, foi acordado o Tratado de
Santo Ildefonso.
A fronteira, os tratados e os mapas: a formação territorial do Brasil e os tratados de Madri e Santo Ildefonso
O Tratado de Santo Ildefonso
A conjuntura lusitana não era, naquele momento, a melhor. O tratado foi
ratificado nos anos finais de governo do Marquês de Pombal; o ministro havia
erigido uma reprovação estrondosa sobre sua figura, através de seu “despotismo
esclarecido” nas políticas de reformas do Estado lusitano (FALCON, 1982). Com a
morte de D. José I, no mesmo ano da assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, em
1777, Pombal foi definitivamente banido do cargo de primeiro-ministro.
Assim, com as desvantagens territoriais claras para as possessões portuguesas
(ver Figura 4), ao ascender a Rainha D. Maria I, o Tratado de Santo Ildefonso foi
firmado e os conflitos nas bandas meridionais da colônia sul-americana foram
momentaneamente cessados.
O novo acordo assemelhou-se, em muitos aspectos, com aquele que foi
firmado em 1750, inclusive com a formação de comissões demarcatórias mistas,
para levantar e confirmar as informações obtidas nos terrenos americanos
produzidos pelos comissários na época do Tratado de Madri, bem como com as
estratégias do uso das barreiras naturais para a definição dos limites.
Segundo Guerreiro (1999), a principal diferença do Tratado de Santo
Ildefonso incidiu, por parte de Portugal, em ceder o território dos Sete Povos das
Missões, estendendo o seu poderio territorial até os limites de Santa Catarina. Para
os espanhóis, ficaram as terras do que representa hoje o estado do Rio Grande do
Sul no território brasileiro. A grande novidade no acordo era o estabelecimento dos
“campos neutros”, terras sem jurisdição em que não foi possível chegar num acordo
em relação à posse, como o caso das terras próximas às fronteiras do extremo sul da
colônia, na região do Rio da Prata.
potencializou a prática de contrabando nas porções austrais, problema já bastante
conhecido dos Estados ibéricos e que não foi plenamente resolvido em todo o
século XVIII ao longo da faixa fronteiriça sul-americana.
Boletim Campineiro de Geografia, v. 5, n. 1, 2015.
A imprecisão da jurisdição e dos limites territoriais desses “campos”
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Jessica Aparecida Correa
Figura 4. Mapa do Continente da Colónia do Sacramento, Rio Grande de São
Boletim Campineiro de Geografia, v. 5, n. 1, 2015.
Pedro até a Ilha de Santa Catarina... (1750).
46
Fonte: Garcia (2011, p. 82).
O mapa acima contém o seguinte título original: “Mappa do Continente da
Colônia do Sacramento, Rº Grande de S. Pedro the a Ilha de S. Catharina com a
linha divizoria da Arraya ajustada pelo Tratado de Limites celebrado entre as
corôas de Portugal e Castela em ano de MDCCL” (1750). Ele apresenta a linha
divisória do Tratado de Santo Ildefonso, grafado em vermelho e recortando, no
topo dos planaltos, em sentido sudeste-noroeste a porção meridional do território
A fronteira, os tratados e os mapas: a formação territorial do Brasil e os tratados de Madri e Santo Ildefonso
colonial; apresenta uma linha na cor preta que demonstra os caminhos da região e
traz, ainda, as informações acerca do relevo, como as serras e os principais cursos
de água, como as Lagoas dos Patos e Meri (Mirim). A versão original do mapa pode
ser consultada na Biblioteca Pública Municipal do Porto com a cota C-M&AP.24(61).
O mapa do Tratado de Santo Ildefonso (Figura 4) demonstrou-nos, como
visto anteriormente, um importante avanço técnico na cartografia, em decorrência
das novas utilidades dos mapas para a efetivação do domínio territorial. A
preocupação com a exatidão das localizações e distâncias entre lugares, em
detrimento aos decoros e motivos artísticos, revelou seu caráter cada vez mais
utilitário e militarista.
Os limites negociados no tratado pelas comissões demarcatórias seguiram até
o início do século XIX, quando a instabilidade política assolou novamente as Coroas
ibéricas e o restante da Europa. Nesse contexto, Portugal conseguiu retomar o
domínio da região dos Sete Povos das Missões, anexando-a à Capitania do Rio
Grande de São Pedro, a qual esteve até hoje ligada, configurando, dessa forma, a
região do extremo sul do território brasileiro.
Considerações finais
As políticas territoriais em meados do século XVIII no Brasil, engendradas
pela expansão comercial e dirigidas pelas negociações luso-espanholas e sob o arco
de interesses econômicos dos demais países europeus dominantes da época, como a
Inglaterra e a França, produziram, além de inúmeros acordos e tratados territoriais,
volumoso material cartográfico que expressou, entre outras coisas, a ação
Desse modo, os mapas tornaram-se documentos passíveis de identificar a
prática econômica encetada pelas coroas ibéricas na luta por riquezas e territórios
que lhes garantissem a hegemonia sobre a circulação e o comércio das principais
mercadorias do “mundo colonial”, como o ouro, a prata e escravos.
A intenção foi trazer algumas ponderações que permitissem conceber a
produção cartográfica associada a um movimento histórico mais geral que ocorria
na Europa, a consolidação do capitalismo mercantil. A evolução de uma cartografia
“espetaculosa” e “fantástica”, dos Quinhentos e Seiscentos, para uma representação
“exata” e “realista” dos mapas nos Setecentos indicaram as transformações gerais
da sociedade absolutista europeia.
Assim, de modo a enquadrar os diferentes processos de mapeamento do
território do Brasil e da formação de suas fronteiras no período colonial, apresenta-
Boletim Campineiro de Geografia, v. 5, n. 1, 2015.
imperativa do colonizador na conquista de riquezas e na submissão do colonizado.
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Jessica Aparecida Correa
se, a seguir, uma periodização, como uma tentativa didática de pensar os diferentes
“estágios” dessa formação territorial. São eles: “O momento do ‘Reconhecimento’
(1500-1600), o de ‘Oficialização’ (1600-1700) e o de ‘Jurisdição’ (1700-1800) do
território do Brasil”.
O momento de Reconhecimento está relacionado àquele em que a cartografia
metropolitana restringiu-se ao litoral brasileiro, nos anos entre 1500 e 1600,
quando avanços das técnicas e estudos da cartografia ainda eram incipientes, com
representações “fantasiosas” e “espetaculosas”, pelas quais ainda mal podiam ser
concebidos a extensão e o interior da “terra brasilis”. Esse momento originário da
fundação da colônia brasileira merece estudos mais detalhados, o que não foi
possível desenvolver nesse artigo.
Os dois outros “estágios” — Oficialização e Jurisdição — são os que mais
corresponderam ao recorte do trabalho.
O período de Oficialização, que estaria entre os anos de 1600 e 1700, se
enquadrou naquele em que o Estado português formalmente decretara a
necessidade do conhecimento do interior da América Meridional. Uma expressão
desse momento foi a contratação dos trabalhos cartográficos dos Padres
Matemáticos, nos anos de 1730, quando da tentativa da produção do “Atlas da
América portuguesa”.
Nessa conjectura,
pode-se associar
a importância das
“ideologias
geográficas” construídas para a retórica da posse das terras do Brasil, como o mito
da “Ilha-Brasil”, a intervenção das ações das bandeiras e a consolidação das cidades
no interior da América portuguesa, que, por ora, não foram foco, mas que sem
Boletim Campineiro de Geografia, v. 5, n. 1, 2015.
dúvida convergiram para o contexto de interiorização do território colonial
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brasileiro.
O período da Oficialização refere-se àquele em que houve o fomento,
encabeçado pelo Estado português, à legitimação das divisões das capitanias e, ao
mesmo tempo, à obtenção de informações mais precisas sobre o funcionamento da
colônia, coincidindo com o momento auge do ouro brasileiro e, portanto, da
“legitimação” dos confins do Brasil e do seu “Sertão”.
Contudo, torna-se imprescindível esclarecer que os lugares tornaram-se
“sertões” não por uma qualidade físico-geográfica ou por uma delimitação
cartográfica estrita, mas assim são a partir de uma ótica emanada do centro de
poder, que reclamou a situação atual desses territórios — ficando, dessa forma,
como espaços que atraíram novas formas de ocupação e exploração na colônia.
Com isso, tal “oficialização” proporcionou o aumento do conhecimento da
extensão da colônia brasileira e permitiu que a metrópole lançasse projeções do
A fronteira, os tratados e os mapas: a formação territorial do Brasil e os tratados de Madri e Santo Ildefonso
modo como “organizar racionalmente” o território colonial segundo as demandas
do mercado europeu e de modo a garantir, para o Estado português, a fiscalização e
a tributação da produção colonial.
Nesse sentido, o terceiro momento estaria entre os anos de 1700 e 1800, que
marcaram as expedições cartográficas resultantes dos tratados de Madri, em 1750,
e Santo Ildefonso, em 1777, o qual denominamos de fase de Jurisdição.
Essa “Jurisdição”, como propomos, revelou que as negociações das fronteiras,
os Tratados e os mapas representaram documentos “oficiais” e que, “legitimados”
pelo Estado português, forneceram o embasamento “jurídico” para a delimitação e
a efetivação da posse das terras coloniais.
Essa cartografia gerou informações geográficas que serviram a diferentes
usos: para a ação militar; para orientar o escoamento de mercadorias e
potencializar as trocas comerciais estabelecidas entre colônia-colônia e colôniametrópole; para a negociação e a delimitação das fronteiras; para divisão dos
limites internos da colônia, traçados e limites urbanos, definição das extensões dos
terrenos etc.
Em suma, a “grande ilha-continente”, reivindicada por Gusmão, revelou que
o Tratado de Madri, através do mapa “Confinz do Brasil”, expressava as
embrionárias estratégias geopolíticas que configuraram a fronteira do território
brasileiro. A preocupação fundamental deveu-se à preservação do imenso território
em relação às ameaças de invasões dos outros Estados europeus; isso porque
naquele século a colônia brasileira representava a grande fonte de riqueza para os
lusitanos, sobretudo através da extração aurífera e do tráfico negreiro.
Nessa esteira de interpretação, pode-se também compreender o Tratado de
impotente no cenário comercial e político europeu, sendo que a perda do território
do Rio Grande de São Pedro escancarava tal fato.
A produção cartográfica e a definição das fronteiras sul-americanas estiveram
inscritas num dado contexto em que muitas transformações ocorreram na economia
e na política de Portugal e na Europa como um todo. Nesse sentido, a consolidação
das fronteiras do Brasil esteve relacionada ao movimento totalizador das relações
sociais capitalistas em expansão, que se desenrolaram ao longo dos séculos XVII,
XVIII e XIX.
Destarte, foram as aspirações de um novo modo de organização social, cuja
base assentava-se na lógica mercantilista de expansão territorial, que envolveram as
condições basilares dos tratados fronteiriços nos Setecentos e expressaram a
formação territorial do Brasil.
Boletim Campineiro de Geografia, v. 5, n. 1, 2015.
Santo Ildefonso, quando, no contexto de sua assinatura, Portugal encontrava-se
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Jessica Aparecida Correa
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A fronteira, os tratados e os mapas: a formação territorial do Brasil e os tratados de Madri e Santo Ildefonso
Sobre a autora
Jessica Aparecida Correa: licenciada em Geografia pela Universidade Estadual
Paulista (2014), campus de Rio Claro.
***
ABSTRACT
RESUMEN
The border, the treaties and the
maps: Brazil's territorial formation
and the treaties of Madrid and San
Ildefonso
La frontera, los tratados y los
mapas: la formación territorial de
Brasil y los tratados de Madrid y
San Ildefonso
This article presents the main geopolitical
Este artículo presenta los principales tratados
treaties occurred in colonial Brazil during the
geopolíticos que se han producido en el Brasil
Pombal period, between the years 1750 and
colonial en el período pombalino, comprendido
1777: the treaties of Madrid (1750) and San
entre los años 1750 y 1777: los tratados de
Ildefonso
of
Madrid (1750) y San Ildefonso (1777). Con la
Historical
mediación de la Geografía Histórica y de la
(1777).
Historical
With
the
Geography
mediation
and
Cartography, we seek to identify the ways of
Cartografía
demarcating
the
identificar las formas de demarcación de límites
southern borders of Brazil and the political
territoriales establecidos en las fronteras del sur
disputes between Portugal and Spain. The study
de Brasil y las disputas políticas libradas entre
becomes important for bringing the genesis of
Portugal y España. El estudio es importante para
the current contours and of the size of Brazil,
llevar a la escena la génesis de los contornos
allowing the understanding of the propositions
actuales y del tamaño de Brasil, lo que permite
of the treaties, as well as of the demarcations
la comprensión más amplia de las proposiciones
made in the period, revealing the strategies of
de los tratados, así como de las demarcaciones
occupation, internalization and implementation
realizadas
en
el
of the metropolitan domain in the vast lands of
estrategias
de
ocupación,
the Brazilian colony.
efectivación del dominio de la metrópolis en las
KEYWORDS: border, geopolitics, Treaty of Madrid,
vastas tierras de la colonia brasileña.
Treaty
PALABRAS CLAVE: frontera, geopolítica, Tratado de
San
established
Ildefonso,
Brazil's
in
territorial
Histórica,
este
trabajo
período,
busca
revelando
internalización
las
y
Madrid, Tratado de San Ildefonso, formación
territorial de Brasil.
 BCG: http://agbcampinas.com.br/bcg
Boletim Campineiro de Geografia, v. 5, n. 1, 2015.
of
formation.
boundaries
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