OS TEXTOS DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DE JOSÉ REIS SOBRE GENETICA ENTRE 1947 E 2002 Mariana Mello Burlamaqui* Luisa Massarani** Ildeu de Castro Moreira*** Resumo Neste trabalho, analisamos os artigos de José Reis relacionados à genética no acervo dos jornais da Folha da Manhã (1925-1960), Folha da Tarde (1949-1960) e Folha de São Paulo (1960-). Nosso período de análise se inicia em 1947, quando José Reis começou a escrever para esta organização jornalística, até o ano de 2002, data de sua última publicação. Os resultados nos mostram um vasto leque de assuntos apresentados como a questão da clonagem, a descoberta da estrutura do DNA, o tratamento de doenças genéticas, questões éticas, dentre outros. Palavras-chave: História das ciências no Brasil; divulgação científica; história da divulgação científica; José Reis; genética. Introdução Nas últimas décadas, a pesquisa em genética tem ganhado visibilidade nas esferas públicas, como a clonagem da ovelha Dolly, o mapeamento do genoma humano, a manipulação genética de embriões e os alimentos geneticamente modificados, só para mencionar alguns exemplos. Se, por um lado, estes resultados apontam para a ampliação das fronteiras e dos limites de até onde a pesquisa científica pode chegar, por outro, desperta diversas inquietações e debates na comunidade científica e na sociedade em geral, entre eles: a privacidade das informações genéticas de um indivíduo, a necessidade de se colocar limites éticos na pesquisa científica e a necessidade * Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia HCTE/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); CAPES. ** Pesquisadora do Museu da Vida e do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde/Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz. *** Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia - HCTE/UFRJ e do Instituto de Física/UFRJ. de se considerar o impacto ambiental, social e na saúde de desenvolvimentos científicos e tecnológicos. Segundo enquete nacional de percepção pública da ciência e tecnologia, a mídia é uma das principais fontes de informações para os brasileiros.1 Tem, ainda, veiculado diversos temas da genética.2 Neste estudo, analisamos a cobertura de temas da genética sob uma perspectiva histórica, tendo como objeto de estudo os textos de José Reis publicados nos jornais do Grupo Folha, de 1947 a 2002. A história desse Grupo se inicia com a fundação do jornal Folha da Noite no ano de 1921. Em 1925, foi criada a Folha da Manhã. A Folha da Tarde foi fundada em 1949. Em 1960, os três títulos da empresa se fundiram, dando origem ao jornal Folha de S. Paulo, um dos mais importantes e influentes jornais do Brasil, sendo um dos que possui maior tiragem e circulação entre os diários nacionais de interesse geral.3 José Reis é considerado o ícone divulgação científica no Brasil – ilustrativo disto é o fato de que o prêmio nacional na área, concedido pelo CNPq, tem seu nome – e, ainda, teve um papel importante no desenvolvimento da ciência brasileira. Conquistou inúmeros prêmios ao longo da vida, como o Prêmio Kalinga (1974), concedido pela UNESCO, o prêmio Governador do Estado de jornalismo científico (1962) e o Prêmio John R. Retimeyer, concedido pela Sociedade Interamericana de Imprensa e pela União Panamericana de Imprensa (1964)4 . Atuou junto a comunidade científica de sua época, com destaque para a criação da SBPC (1948), na qual Reis foi um dos fundadores, e no apoio na criação do CNPq (1951) e da Fapesp (1960). Além disso, o fato 1 Ver documento: Percepção Pública da C&T no Brasil 2015. Disponível em: http://percepcaocti.cgee.org.br Acesso em: 28 de agosto de 2016. 2 Ver: MASSARANI, L.; MOREIRA, Ildeu ; MAGALHÃES, I. . Quando a genética vira notícia: Um mapeamento da genética nos jornais diários. Ciência & Ambiente, Santa Maria, v. 26, p. 141-148, 2003. MEDEIROS, Flavia Natércia da Silva. Fora da ordem natural: a natureza nos discursos sobre a clonagem e a pesquisa com células-tronco em jornais brasileiros. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, supl., nov. 2013, p.1185-1201. DINIZ, Debora e GUEDES, Cristiano. Informação genética na mídia impressa: a anemia falciforme em questão. Ciênc. saúde coletiva [online]. Vol.11, n.4, 2006. 3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/institucional/circulacao.shtml> Acesso em: 02/05/2016. 4 MENDES, Marta Ferreira Abdala. Uma perspectiva histórica da divulgação científica: a atuação do cientista-divulgador José Reis (1948-1958). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, 2006, p12. de que escreveu nos jornais do Grupo Folha de 1947 a 2002, permite uma análise temporal do tema. Metodologia Neste trabalho, analisamos os artigos sobre temas da genética publicados nos jornais do Grupo Folha. O período de análise vai desde o ano de 1947, ano em que ele começou a escrever para o Grupo Folha, até o ano de 2002, data de sua última publicação. Foram incluídas na amostra todas as matérias que, por inspeção visual e por meio dos catálogos e das fichas do acervo do Grupo Folha se relacionavam com a temática genética. Os textos encontrados sobre essa temática vão de 1948 a 2002. Análise das publicações sobre genética No total, foram encontradas 158 textos escritos por José Reis com a temática da genética. A primeira publicação encontrada é datada de 1948 e a última matéria encontrada foi no ano de 2002. Abaixo, temos uma tabela que nos mostra a quantidade de artigos ao longo dos anos: Tabela 1 – Quantidade de matérias publicadas por ano. Ano 1 9 6 6 1 1948 1949 1950 1954 1957 1958 1960 1962 1963 1964 1965 1966 1968 1969 1970 1971 Quantidade de Matérias 1 4 1 3 1 5 1 3 2 2 3 2 3 1 3 6 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Total 2 1 2 3 1 3 5 3 1 4 3 4 2 4 3 8 12 10 7 12 7 9 3 5 2 158 Alguns anos não têm matéria publicada sobre o tema, portanto, esses anos não aparecem na tabela em questão. Como pode ser observado na Tabela 1, alguns anos trazem um pico no número de textos sobre temas de genética, como 1994, 1995, 1997 e 1999. Alguns dos anos em que observamos um aumento no número de textos relacionados à genética estão associados a desenvolvimentos científicos importantes ocorridos, como será mais bem desenvolvido a seguir. No entanto, nem sempre datas relevantes na genética estão associadas a um número maior de textos. É o caso de 1953, em que não houve publicação de nenhum texto e representa um dos anos mais importantes para a história da genética e da história da ciência em geral, com a publicação de artigo5 de Watson e Crick 5 WATSON, J.D. e CRICK F.H.C. Molecular Structure of Nucleic Acids: A Structure for Deoxyribose Nucleic Acid. Nature 171, 737 - 738 (25 April 1953); doi:10.1038/171737a0. Disponível em: http://www.nature.com/nature/dna50/watsoncrick.pdf Acesso em: 06 de setembro na revista Nature, com a elucidação da estrutura do DNA (Molecular Structure of Nucleic Acids). Só no ano seguinte, em 1954, este feito científico foi foco de texto de José Reis, com “O maior enigma da genética”, no qual discorre e questiona a descoberta do mecanismo de transporte na célula dos caracteres hereditários. De acordo com Reis, esse problema parecia estar próximo do fim, pois em Cambridge, Watson e Crick, ambos do Cavendish Laboratory, apresentaram “uma nova estrutura para uma importante substância que ocorre no núcleo das células - o ácido desoxiribonucleico”.6 Neste artigo, Reis afirma que que o DNA, para ele, seria “uma das mais importantes substâncias que existem no mundo, pois é graças a ele que se mantém a continuidade das espécies vivas.” Reis afirma que algumas questões surgiram com essa descoberta, algumas relativas a anomalias, e encerra o artigo ressaltando a importância desse assunto, pois “diz respeito ao mecanismo mais íntimo da vida.”7 Como dito anteriormente, os picos de matérias se concentram na década de 1990, que tinham diversos temas além dos avanços mais significativos da ciência na área da genética. Dentre essas publicações, encontramos a relação da genética com diversas temáticas, como a evolução, a homossexualidade, doenças em geral, relações amorosas, o comportamento e a personalidade humana. Fala também sobre o projeto genoma, sobre a genética vegetal, a hereditariedade, dentre outros. A seguir, falamos sobre duas datas que tiveram feitos marcantes nessa década. No ano de 1994, por exemplo, foi aprovada, pelo governo dos Estados Unidos, a comercialização para uso humano do tomate transgênico (Flavr Savr), produzido pela empresa Calgene, da Califórnia. Os textos de Reis parecem expressar que ele apoia esse desenvolvimento tecnológico. Ele relata a satisfação dos industriais da área de biotecnologia com esta aprovação que de 2016. Essa publicação os levou a ganhar o Prêmio Nobel de Medicina, em 1962, junto a Maurice H. F. Wilkins. Além de Watson e Crick, Rosalind Franklin teve papel fundamental na elucidação da estrutura do DNA, mas sua participação foi excluída pelos cientistas antes mencionados. Para mais informações sobre este fascinante personagem, ver: Maddox, Brenda. Rosalind Franklin: The Dark Lady of DNA. New York: Harper Perennial, 2002. 6 Folha da Manhã, 25 de abril de 1954. 7 Folha da Manhã, 25 de abril de 1954. se refere a alguns ativistas da Campanha do Alimento Puro, como “inveterados inimigos da engenharia genética”, que teriam se manifestaram contrariamente à aprovação, “embora reconhecendo a inocuidade do novo produto”.8 Segundo Reis, o objetivo dessas pesquisas na área de genética era “obter variedades melhores quanto a valor nutritivo, gosto, resistência a doenças, etc.” 9 E ainda dá uma lista de produtos que tiveram êxito, como arroz com mais proteína, óleos com menos gorduras saturadas, frutas mais saborosas e com maior duração nas prateleiras, abóboras e pepinos mais resistentes a vírus, milho resistente a pragas e herbicidas, batatas com mais amido etc. Já a ovelha Dolly, primeiro mamífero a ser clonado com sucesso, que foi anunciada ao mundo por meio de artigo publicado na revista Nature10, no dia 22 de fevereiro de 1997, foi o tema de um único artigo de José Reis. no dia 27 de abril. Reis explica como os cientistas do Instituto Roslin, na Escócia, conseguiram esse feito, fruto de mais de dez anos de estudos, de acordo com a publicação. Algumas aplicações práticas da genética eram destacadas nos textos de Reis, como a questão de se descobrir a paternidade de uma criança. Para Reis, essa seria “uma das mais interessantes aplicações práticas de nossos conhecimentos sobre os grupos sanguíneos.”11 Outra aplicação prática destacada por Reis é a descoberta de anomalias genéticas ainda durante a gravidez. Ele buscava mostrar que o conhecimento e o domínio sobre a genética era fundamental para “detectar as imperfeições” 12, como ele coloca. Segundo ele, as pessoas têm genes “letais ou gravemente anormais”, que podem ser transmitidos pelo pai, pela mãe ou por ambos, mas que nem sempre se manifestam, por isso, caberia ao geneticista o papel de investigar qualquer problema possível durante a gravidez que pudesse 8 Folha de São Paulo, 19 de junho de 1994. Folha de São Paulo, 19 de junho de 1994. 10 Wilmut, I, Schnieke, AE, McWhir, J, Kind, AJ & Campbell, KHS, Viable offspring derived from fetal and adult mammalian cells, Nature, vol 385, no. 6619, pp. 810-813, 1997. 11 Folha da Manhã, 10 de outubro de 1954. 12 Folha da Manhã, 07 de abril de 1968. 9 prejudicar o desenvolvimento do feto. Pois, para Reis, “tão importante é a genética humana para aperfeiçoamento físico e mental da humanidade.”13 Quanto as anomalias genéticas, Reis afirma que “apesar de ser forte a seleção natural contra os fetos que tem aberrações cromossômicas, pelo menos 1 em cada grupo de 200 nascem com defeitos dessa origem.” Entre essas supostas aberrações, Reis inclui a Síndrome de Down, também chamada de mongolismo na época, a fenilcetonúria, que, segundo ele, se bem tratada a criança poderia ter outro destino, o hipotireodismo congênito, entre outras.14 A relação da genética com certas doenças foi debatida nas publicações de Reis, como foi o caso com o câncer, diabetes, paralisia, Alzheimer, AIDS, esquizofrenia, Parkinson, entre outras, somando 20 vinte textos, distribuídos ao longo dos anos. Nessa contagem excluímos as anomalias e doenças especificamente genéticas. Essas matérias buscavam mostrar se existia algum tipo de pesquisa que buscasse na genética a cura ou tratamento para inúmeras doenças. Considerações finais Neste artigo, apresentamos um panorama dos textos de José Reis publicados nos jornais Folha da Manhã, Folha da Tarde e Folha de São Paulo sobre a temática genética. Identificamos 158 textos escritos por José Reis sobre a temática, publicados ao longo de 54 anos, uma média de três artigos por ano. Para Reis, a genética exemplificava o “valor prático e social que pode ter a ciência básica, feita por amor do conhecimento e alimentada pela curiosidade de penetrar o âmago dos fenômenos.”15 Nesse sentido, Reis dissertou, ao longo de um pouco mais de cinco décadas, sobre vários dos principais desenvolvimentos científicos importantes ocorridos na esfera mundial neste campo do conhecimento, buscando esclarecer para os leitores questões técnicas relacionadas a tais avanços. 13 Folha da Manhã, 07 de abril de 1968. Folha de São Paulo, 19 de abril de 1981. 15 Folha de São Paulo, 18 de agosto de 1974. 14 Reis buscava abordar temas controversos, como os cultivos transgênicos e a clonagem da ovelha Dolly, além de utilizar o espaço mediático para defender a importância da ciência. Arquivo: Acervo físico da Folha de São Paulo Endereço eletrônico: http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_folha.htm http://www1.folha.uol.com.br/institucional/circulacao.shtml Referências Bibliográficas: ARIAS, Gerardo. Em 1953 foi descoberta a estrutura do DNA. Etapas de um grande avanço científico. 2004. Disponível em: http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/do/p_do44.pdf Acesso em: 29 de julho de 2016. CARVALHO, Jeane da Silva, GONÇALVES, Nilda Masciel Neiva e PERON, Ana Paula. Revista brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 10, n. 3, p. 288-292, jul./set. 2012, p 288. MENDES, Marta Ferreira Abdala. Uma perspectiva histórica da divulgação científica: a atuação do cientista-divulgador José Reis (1948-1958). 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