SOCIEDADES PRIMITIVAS O direito arcaico pode ser interpretado a partir da compreensão do tipo de sociedade que o gerou. A sociedade pré-histórica fundamentou-se no parentesco, logo, a base geradora do jurídico encontra-se primeiramente, nos laços de consangüinidade, nas práticas de convívio familiar de um mesmo grupo social, unido por crenças e tradições. Neste sentido, a lei primitiva teve em grande parte sua origem na família e nos procedimentos que a circunscreveram, como crenças, sacrifícios e culto aos mortos. O modelo de organização social era tribal, nômade com uma cultura de subsistência no qual o patriarca era considerado o “chefe”, o titular do poder. Segundo Fustel de Coulanges, o direito antigo não é resultante de uma única pessoa, pois se impôs a qualquer tipo de legislador. Nasceu espontânea e inteiramente nos antigos princípios que constituíram a família, derivando “das crenças religiosas universalmente admitidas na idade primitiva desses povos e exercendo domínio sobre as inteligências e sobre as vontades”. As práticas primárias de controle são transmitidas oralmente, marcadas por revelações sagradas e divinas. H Summer Maine entende que esse caráter religioso do direito arcaico, imbuído de sanções rigorosas e repressoras, permitiria que os sacerdotes-legisladores acabassem por ser os primeiros intérpretes e executores das leis. O direito era respeitado religiosamente, devido o receio da vingança dos deuses, daí os reis sacerdotes, anunciavam ter recebido suas leis do deus da cidade e o ilícito se confundia com a quebra da tradição e com a infração ao que a divindade havia proclamado. Assim, as sanções legais eram associadas às sanções rituais. Este momento inicial de um direito sagrado e ritualizado, expressão das divindades, desenvolvem-se na direção de práticas normativas consuetudinárias. Certamente, ainda não escrito, porém de um conjunto disperso de usos, práticas e costumes, reiterados por um longo período de tempo e publicamente aceitos. Neste período, ainda não se conhecia a escrita e uma casta aristocracia, investida de poder judicial era o único meio que poderia conservar, com algum rigor, os costumes da raça ou da tribo. O costume aparece como expressão da legalidade, de forma lenta e espontânea, instrumentalizada pela repetição de atos, usos e práticas. A transição do direito primitivo para o direito antigo se deve a três fatores: O surgimento das cidades com a fixação do homem a limites territoriais e o domínio nos instrumentos de cultivo agrícola; O surgimento e consolidação da escrita (nova forma de comunicação); e o desenvolvimento do comércio e a criação da moeda. A descoberta da escrita somada à compilação de costumes tradicionais, proporcionou os primeiros códigos da antiguidade, como o de Hamurábi, o de Manu, o de Sólon e a Lei das XVII tábuas. O direito antigo, segundo H. Summer Maine, não se diferenciava, na essência, a mescla de prescrições civis, religiosas e morais. Somente em tempos mais avançados de civilização é que se começa a distinguir o direito da moral e a religião do direito. MESOPOTÂMIA e EGITO A Mesopotâmia foi onde surgiram as primeiras cidades, após um lento processo de destribalização que se estendeu pela maior parte do quarto milênio da era pré-cristã. A estrutura desses primeiros agrupamentos era tripartite: A cidade propriamente dita (intramuros) onde ficavam os principais locais de cultos e células dos futuros palácios reais; O subúrbio (extramuros), local em que se misturavam residências e instalações para plantio e criação de animais e o porto fluvial, em que se praticava o comércio e que era utilizado como local de instalação dos estrangeiros, cuja admissão em regra, era vedada nos muros da cidade. É possível afirmar que o processo de invenção e consolidação da escrita possui estreita ligação com o surgimento das cidades e é também na Mesopotâmia que se manifesta a primeira escrita mais complexa, com um maior número de sinais e com aspectos ideográficos e fonéticos: a escrita cuneiforme. Assim designada pela forma de “cunha” surgiu na região da Baixa Mesopotâmia, por volta de 3100 a.C. A simples transmissão oral da cultura começa a se tornar insuficiente para preservação da memória e identidade dos primeiros povos urbanos, que já possuem uma estrutura religiosa, política e econômica mais diferenciada. É nesse momento, portanto, que se consolida a passagem da verba volant para a scripta manent. Neste contexto, Andrew Robinson pondera: “em algum momento do final do quarto milênio a.C., a complexidade do comércio e da administração nas primeiras cidades da Mesopotâmia atingiu um ponto que acabou por superar o poder da memória da elite governante. O comércio é um elemento fundamental na consolidação das civilizações da Mesopotâmia e Egito, com isso, segundo Engels, uma assimetria no interior da comunidade, com a introdução da distinção rico-pobre. Há nessas sociedades, um direito ainda incipiente, bastante concreto, cognoscível apenas pelo costume e que se confunde com a própria religião. Mas aos poucos vai se construindo uma sociedade urbana, aberta a trocas materiais e intercâmbio de experiências políticas, mais dinâmica e complexa que demandará um novo direito. No regime teocrático das antigas cidades sumérias o deus da cidade e seu clero ocupavam o primeiro lugar. Mas, nos “impérios” com pretensão universalista, sucedendo-se a partir de 2500 a.C., os sacerdotes locais não podem mais aspirar à mesma influência. A separação entre clero e realeza é traço característico da Babilônia. Entretanto, como no Egito os templos gozavam de situação privilegiada, largamente dotados pelos reis, constituindo mundo econômico à parte. Junto a sacerdotes encontram-se artesãos, artistas, camponeses e pessoal administrativo composto de intendentes e escribas; ainda condomínios, lojas e tesouro próprio, cujos recursos permitia-lhes praticar assistência sob forma de empréstimo a juros módicos aos escravos para se libertarem e aos militares prisioneiros, para o pagamento do resgate. No que diz respeito ao direito, tanto na Mesopotâmia como no egípcio possuem uma característica comum: a idéia de revelação divina. Como já observado, as sociedades mesopotâmica e egípcia, em face de seu caráter urbano e comercial, passaram a desenvolver um grau de complexidade que exigia a vigência de um direito mais abstrato do que o simples costume ou tradição religiosa. Era necessário um conjunto de leis escritas, que desse previsibilidade às ações no campo privado, que estipulasse algum tipo de tribunal ou juiz para resolver controvérsias e que fosse inteiramente seguido em toda a extensão do reino para o qual se destinava. Deve-se ressalvar, contudo, que uma característica do direito arcaico ainda produziu efeitos nessas civilizações urbanas: As normas de direito tinham sua justificação no principio da revelação divina. O exemplo mais enfático dessa revelação consta do Código de Hammurabi: num extenso prólogo, fica explicitado que o conjunto de leis foi oferecido ao povo da Babilônia peolo deus Samas, por intermédio do rei Hammurabi, e não por decisão deste. A justiça identifica-se à vontade dos deuses, cujas razões escapam à compreensão dos homens e estes não devem julgá-la. O mesmo raciocínio se aplica ao direito egípcio. Como o faraó é a própria encarnação da divindade e dele emanam todas as normas, não será possível conceber qualquer decisão política que vincule o soberano pelo seu simples poder temporal. O direito terá de se originar num plano superior: a revelação divina. É necessária uma advertência ao iniciar a descrição dos fenômenos ligados à criação, vigência e aplicação do direito nas cidades da Mesopotâmia. Quando se fala em “códigos” essa expressão não deve ser compreendida no seu sentido moderno, mas reflete o estado de maturidade política e institucional da época. O emprego da expressão “código” para descrever as normas de direito escrito produzidas na Mesopotâmia encontra fundamento tão-somente na tradição. Não há qualquer paralelo com os códigos de inspiração napoleônica. O primeiro desses códigos da antiga Mesopotâmia surge no período entre 2140 e 2004 a.C., na região da Suméria, na região sede do primeiro império fundado na bacia do Eufrates e Tigre. O centro vital desse império inicial foi a cidade de Umma. O império seguinte foi o acádico, que se estendeu de 2370 a 2140 a.C. Com sua queda veio a recuperação da hegemonia suméria, por intermédio da refundação do primeiro imério, agora com sede na cidade de Ur. É nesse momento que surge o primeiro documento escrito da história do direito, o código de Ur-Nammu. A estrutura deste código pode ser descrita como um meio-termo entre o direito fortemente concreto das sociedades arcaicas e as formas abstratas e gerais que caracterizam o direito moderno. Um importante dado da estrutura da sociedade é transmitido pelo texto deste código: existem duas grandes classes de pessoas, os homens livres e os escravos, bem como uma camada intermediária, de funcionários que servem os palácios reais e os templos, e que possuem uma liberdade limitada. As normas que subsistiram ligam-se predominantemente ao direito penal, mas é possível vislumbrar a importância concedida pelas cidades da Mesopotâmia às penas pecuniárias. Outros dois códigos surgem na Mesopotâmia em data anterior à legislação de Hammurabi. Na cidade de Esnunna, foi descoberto um código editado numa data próxima a 1930 a.C. e na cidade de Isin, na Suméria foi encontrado o Código de Lipit-Ishtar (1934-1924), que contém um prólogo, epílogo e 43 artigos. O código de Esnunna, possui sessenta artigos, traz uma simbiose entre matérias civil e penal que caracterizará o Código de Hammurabi. O código de Hammurabi, foi encontrado na Pérsia em 1901 por uma missão arqueológica francesa, o documento legal, gravado em pedra negra, encontra-se hoje no Museu do Louvre. Foi promulgado aproximadamente, em 1694 a.C., no período de apogeu do império babilônico, pelo rei Hammurabi. Ele é composto por 282 artigos, dispostos em cerca de 3600 linhas de texto, que abrangem quase todos os aspectos ligados à dinâmica da sociedade babilônica, desde penas definidas com precisão de detalhes até institutos do direito privado, passando, ainda, por uma rigorosa regulamentação do domínio econômico. Representa ainda hoje, uma das principais fontes históricas disponíveis para o estudo da antiga Mesopotâmia. Tudo indica, que se trata de uma compilação de normas anteriormente dispostas em outros documentos e de decisões tomadas em casos concretos que serviram de base para a elaboração dos artigos. O processo de aplicação do direito se dava, segundo milhares de documentos escritos, conservados sob a forma de tabletes de argila ou de cilindros de pedra, que reproduzem decisões judiciárias tomadas em casos concretos, mesmo no período de maior centralização do poder político, não se formou nas cidades da Mesopotâmia, uma estrutura burocrático-profissional nos moldes existentes no Egito antigo. Havia, sim, funcionários do palácio real e sacerdotes locais que auxiliavam o soberano na aplicação do direito. Mas os Juízes eram nomeados pelo próprio monarca, que poderia, igualmente, ser instado para decidir, em grau de recurso, determinada causa existente no reino. A sociedade da Babilônia da época de Hammurabi é dividida em três camadas sociais: Os “Awilum”, homem livre, com direitos de cidadão, era o maior grupo da sociedade Hammurabiana e compreendia tanto ricos quanto pobres desde que fossem livres; os “Muskênum” são uma camada que ainda suscita muita dúvida por parte dos estudiosos. Parecem ter sido uma camada intermediária entre os awilum e os escravos, formada por funcionários públicos, com direitos e deveres específicos; E os escravos que eram a minoria da população, geralmente prisioneiros de guerra. A economia era basicamente agrícola e a maior parte das terras era de propriedade do Palácio, ou seja, do governo. Mas havia comércio bastante forte, principalmente o externo conforme mostra o próprio código, que afirma existirem inclusive banqueiros que financiavam as expedições. O pequeno comércio varejista estava nas mãos de mulheres, as “taberneiras” que vendiam não somente bebidas, mas também gêneros de primeira necessidade. O pagamento era feito com cevada ou a prata. A pena de Talião foi um dos mais utilizados por todos os povos antigos e é apontado por alguns como a primeira forma que as sociedades encontraram para estabelecer as penas para seus delitos. Este princípio que é exemplificado na Bíblia com a frase “olho por olho, dente por dente” não é uma lei, mas uma idéia que indica que a pena para o delito é equivalente ao dano causado neste. Assim sendo ninguém sofre “pena de talião” mas, baseado neste princípio, sofre como pena o mesmo sofrimento que impôs ao cometer o crime. O código de Hammurabi utiliza muito este princípio no tocante a danos físicos, chegando a aplicá-lo radicalmente mesmo quando, para conseguir a equivalência, penaliza outras pessoas que não o culpado. Esse princípio não valia para os escravos, que eram bens alienáveis e um dano contra um bem deve ter ressarcimento material. O falso testemunho era tratado com severidade pelos povos antigos porque provas materiais eram mais difíceis, assim sendo, contavam na maior parte dos processos somente com testemunhas. O roubo e receptação eram penalizados com a morte. O estupro sem pena alguma para a vítima era previsto neste código somente para “virgens casadas” ou seja, mulheres que, embora tenham o contrato de casamento firmado, ainda não coabitavam com os maridos. O sistema familiar da Babilônia Hammurabiana era patriarcal e o casamento monogâmico, embora fosse admitido o concubinato. Esta aparente discrepância era resolvida pelo fato de uma concubina jamais ter o “status” ou direitos de esposa. O casamento legítimo somente era válido se houvesse contrato. Na antiguidade como um todo, havia duas maneiras básicas de tornar-se escravo, como prisioneiro de guerra ou por não conseguir pagar dívidas e assim ter que entregar-se a si mesmo, a esposa ou aos filhos, mas Hammurabi vai limitar o tempo desta escravidão por dívida. Se uma escrava tomada como concubina por seu senhor ou dada por sua senhora ao marido, não poderia mais ser vendida, se desse a este filhos e ele os reconhecesse. Quanto ao divórcio, ambos, marido e mulher podiam repudiar o outro por má conduta, mas no caso da mulher para repudiar o homem deveria ter uma conduta ilibada. O adultério era considerado crime somente a mulher, o homem era no máximo cúmplice e quando pegos, os adúlteros pagavam com a vida, entretanto, o código prevê o perdão do marido. O Código também aborda sobre leis de trabalho, ele prevê e pune o erro médico e indica não somente o pagamento que um médico deve receber, mas também o pagamento de vários profissionais como lavradores, pastores, tijoleiros, alfaiates, carpinteiros, etc. No Egito, lamentavelmente, os historiadores não possuem nenhum texto legal do período antigo do Egito. Há, contudo, excertos de contratos, testamentos, decisões judiciais e atos administrativos, além de uma abundância de referências indiretas às normas jurídicas em textos sagrados e narrativos literários que permitem inferir alguns aspectos da experiência egípcia no campo do direito. A contribuição mais interessante ao estudo das relações entre sociedade e direito que pode retirar do Egito antigo é a consagração, na aplicação do direito, de um princípio de justiça que é simbolizada pela figura de uma deusa de nome Maat. Os egípcios acreditavam numa lei reguladora e organizadora dos sistemas de coisas, numa noção de eterna ordem das coisas e do Universo, a maat, que gozou no Egito faraônico de enorme popularidade e importância na estruturação e funcionamento da própria realeza. Podemos afirmar que é o elemento basilar do Estado. A aplicação do direito estava subordinada à incidência de um critério divino de justiça. Cabia ao Faraó, que tinha atributos de divindade, velar pela vigência do princípio de justiça simbolizado pela deusa maat. Segundo Gilissen, o princípio da justiça na aplicação do direito se operava, de forma que maat tinha por essência ser o “equilíbrio”, o ideal, a esse respeito, é por exemplo “fazer com que duas partes saiam do tribunal satisfeitas”. Como é nesse preceito que reside a ‘verdadeir’ justiça, Maat pode ser traduzido por Verdade e Ordem como por justiça propriamente dita. A cultura mesopotâmica e Egípcia deixou uma expressiva contribuição aos povos da Europa clássica. O sistema sexagesimal de medida que até os dias atuais determina a contagem das horas, minutos e segundos nasceu na Babilônia e o calendário solar que é adotado pelos povos ocidentais, foi concebido no antigo Egito. Talvez seja chegado o momento de identificar as origens dos direitos modernos em sociedades que nasceram, se desenvolveram e encontraram sua mais profunda decadência antes mesmo do surgimento das civilizações clássicas. Talvez tenha sido atingido o estágio de ampliar os horizontes do tempo histórico, pois, na vigorosa e singela afirmação de Marc Bloch, o verdadeiro tempo da história “é, por natureza, contínuo. É também perpétua mudança”. O DIREITO HEBRAICO ANTIGO Existem alguns paralelos em relação ao direito hebraico antigo e o direito grego antigo, não existem em ambos uma literatura jurídica específica escrita por juristas e estudiosos da lei. Se existiu, não sobreviveu até os nossos dias. O direito nessas duas civilizações abrangeu um longo período de tempo na história implicando em diferenças entre o tipo de direito praticado em cada um desses momentos. O direito hebraico se caracteriza por um sistema único, mesmo no período de confederação das doze tribos e dos reinos independentes de Israel e Judá. A grande diferença entre O direito hebraico e o grego, diz respeito as fontes, enquanto os gregos antinos nos legaram uma extensa e rica literatura, gramáticas, os discursos dos oradores áticos, textos filosóficos, tragédias e comédias que de alguma forma supre a ausência de textos jurídicos e permite um estudo bastante preciso da língua grega antiga, a civilização hebraica apenas nos legou um conjunto de 24 documentos que reunidos, são conhecidos como Bíblia Hebraica (velho testamento) no mundocristão ou Tanakh pelos Judeus. A bíblia é o único documento hebraico antigo disponível para consulta. No estudo do direito, resulta em uma grande quantidade de lacunas, de inferências e indefinições, não havendo outros textos em que se possa procurar um complemento das informações disponíveis ou corroboração do entendimento assumido. Apesar dessas limitações, o estudo do direito hebraico antigo ainda encontrase em grande vantagem quanto ao estudo do direito em relação às outras civilizações como Mesopotâmia, Egito e Medo-Persia no que diz respeito às fontes. A única fonte para estudo do direito hebraico é a bíblia e por se tratar de um livro sagrado, necessitamos estabelecer uma linha divisória entre o sagrado e o profano e analisar os dados referentes à identificação e compreensão do direito independente de convicções religiosas. Apesar de ser um livro mundialmente conhecido, a Bíblia é um livro pouco conhecido como fonte de estudo do direito hebraico antigo, mesmo como literatura, tem sido uma forma de estudo recente, sendo que nem a metade de um por cento leu as suas palavras reais, isto porque a Bíblia (velho testamento) foi originalmente escrita em hebraico (uma pequena parte em aramaico). Existe por isso uma grande dependência das traduções e um grande desconhecimento de onde procedem tais traduções visto não mais existirem os originais. O principal texto manuscrito hebraico do qual procedem a maioria das edições impressas em hebraico e que, por sua vez, resultam nas traduções em vários idiomas, inclusive o português é o “códice de Leningrado”, produzido por Samuel bem Jacó em 1008 d.C., e é o manuscrito mais antigo que contém a totalidade do texto da Bíblia Hebraica. Desse códice resultou a impressão das vária edições da Bíblia Hebraica. Tanakh é um acrônimo para Torah (pentateuco), tendo 24 livros que são os mesmos 39 da Bíblia hebraica. Complementar à Tanakh, como fonte do direito hebraico, temos o Talmud que registra a tradição oral e foi escrito entre os séculos II e VI de somente até 70 d.C., quando o segundo templo foi destruído pelos romanos, o direito hebraico deixou de existir como um sistema real e todas as discussões sobre leis, crimes e punições deixaram de ser práticas e passaram a ser questões teóricas. A penologia talmúdica deve ser considerada como uma tentativa de formular melhores leis para uma sociedade ideal. Consequentemente, não se usa o Talmud como estudo do direito hebraico, restringindo somente à Tanakh. O talmud é tido como o registro da forma oral transmitida por Moisés aos sábios de sua geração e que, por sua vez, a transmitiram de geração em geração sem um registro escrito. No entanto, a partir do século II d.C., iniciou-se um registro escrito dessa tradição oral e que passou a ser conhecido como Mishna. A estrutura fundamental do Talmud é a organização utilizada desde o início para Mishna. Esta é subdividida em seis sessões básicas conhecidas como Sedarim (ordens) e por sua vez cada Ordem se subdivide em Tratados e cada Tratado em capítulos. Devido o Tanakh não ser um livro jurídico, embora trate de legislação códigos e aplicação de leis, o estudo do direito hebraico consiste em um tipo de garimpagem ao longo de seus relatos numa tentativa de reconstituição de um sistema jurídico em suas difetentes formas resultantes de transformações sociais e políticas ocorridas ao londo dos vinte séculos da história de Israel.Evidentemente, a fonte de informação mais importante da história legal de Israel é o Pentateuco ou Torah, porém vários códigos, leis e práticas relativas à administração da justiça estão incluídos na seqüência das narrativas que se iniciam com a sociedade patriarcal dos tempos de Abraão e se estendem até o período pós-exílio em Babilônia. A reconstrução desse sistema jurídico, ao longo de suas metamorfoses, é o grande desafio do pesquisador do direito hebraico. A base do código de leis se concentram na Torah, particularmente no livro de Êxodo, Deuteronômio e 2 Crônicas. A tradição hebraica não distinguia entre normas de religião, moralidade e leis. A referência para o estudo do código de leis hebraicas antigas, tem sido até o momento o ensaio de Albreeht Alt em “The Origins of Israelite Law”, publicado originalmente em 1953, tendo conseguido reduzir os múltiplos estilos de textos legais hebraicos em duas categorias básicas: Leis apodíticas e leis casuísticas. O termo apodítico refere-se às leis que possuem a forma de uma asserção categórica e incondicional de certo e errado, Exemplo: Os dez mandamentos. Já o termo casuístico identifica uma forma mais complexa de leis e que também são encontradas em outros sistemas jurídicos, como o grego por exemplo. Uma lei casuística define um caso específico, distinguindo-o de outros casos similares, além de estipular a conseqüência legal. Costuma não definir o que é certo e errado, mas estabelecer responsabilidades legais. ALGUMAS LEIS DO DEUTERONÔMIO - Justiça: A legislação Hebraica é bastante rigorosa na questão da justiça, prevendo, inclusive, a obrigatoriedade da imparcialidade no julgamento. Era estabelecido que cada cidade teria, obrigatoriamente, que contar com juízes e que estes não poderiam corromper-se. - Processo: A questão de não cometer injustiças é muito cara aos hebreus, pois ter o sangue de um justo nas mãos é um pecado gravíssimo para eles. Nesse sentido, este povo se difere um pouco de outros já que, praticamente, não admite julgamento sem investigação ou julgamento por forças naturais ou deuses. - Pena de Talião: É a Bíblia que primeiro descreve o Princípio da Pena de Talião (embora o uso fosse mais antigo). Embora este princípio fosse utilizado entre os Hebreus, o era de maneira mais amena que entre outros povos porque outros princípios limitavam sua aplicação. - Individualidade das Penas: Os pais não são mais mortos no lugar do filho e vice-versa, este principio minimiza a ação do Principio da Pena de Talião entre os Hebreus fazendo com que, muitas aplicações existentes no código de Hammurabi, por exemplo, não fossem mais possíveis. - Lapidação: É a morte por apedrejamento. Para os israelitas morreriam dessa forma os idólatras, os feiticeiros, os filhos rebeldes e as adúlteras. - Cidades Refúgio: A preocupação desta legislação com a justiça chega ao ponto de prever e obrigar o estabelecimento de cidades de refúgio ou asilo, onde as pessoas com problemas poderiam se refugiar para que fosse feita a justiça com calma e não no calor de fortes emoções. - Homicídio involuntário e Homicídio: Os Hebreus não permitem a penalização de quem cometeu o crime “sem querer”, não se deve utilizar o termo “culposo” para um povo que não concebia negligência, imperícia ou imprudência como causas de homicídios ou danos. - Testemunhas: A prova testemunhal era primordial na Antiguidade e os Hebreus têm um preceito legal que até hoje pode ser visto inclusive em nossa legislação. Com tamanha importância dada à prova testemunhal, as penas para falso testemunho eram pesadas geralmente, sendo que, na Legislação Mosaica, a pena para falso testemunho é equivalente à pena que o acusado teria se fosse condenado (principio da Pena de Talião). - Matrimônio: Em hebraico não há uma palavra que seja sinônimo de matrimônio, no Antigo Testamento falta o conceito que hoje temos. Este não era de direito religioso ou civil, mas era um assunto puramente particular entre duas famílias. O sistema legal hebraico antigo aborda duas etapas: o período de contrato (noivado) e as núpcias. O período de contrato, possuía as características de uma transação comercial em virtude de um p0agamento do mohar ao pai da noiva ou seu representante, assegurando assim ao noivo o direito à noiva. Essa transação na forma, era semelhante a compra de um escravo, diferenciando-se apenas no compromisso declarado de que um casamento legal seria efetuado. Essa transação era oral, não escrita, confirmada pela presença da comunidade que agiam como testemunhas do ato. - Adultério: Como na sociedade de Hammurabi, na Hebraica também o peso maior do adultério era sobre a mulher casada, há certo puritanismo neste povo que leva o peso do crime também para o homem. - Divórcio: Todos os povos da Antiguidade prevêem divórcio. Este só comoçou a ser proibido a partir do cristianismo. Na Legislação Mosaica, entretanto, somente os homens podem divorciar-se, às mulheres não cabe a iniciativa. Mesmo assim teria que haver algo “vergonhoso” na esposa para que o esposo pudesse repudiá-la. - Concubinato: É considerado como algo normal, apenas não poderiam ser irmãs a esposa e a concubina. - Estupro: O estupro sem pena para a vítima é previsto nesta legislação embora somente em caso de a mulher ter sido violentada em local onde poderia ter gritado sem que ninguém a ouvisse. - Governo: Geralmente, quando se trata de uma religião revelada, ou seja, quando a própria divindade se mostra para os fiéis por livre vontade, a interferência da divindade no dia-a-dia do povo é muito grande. Neste caso dos Hebreus, quem institui o governo é Deus, portanto, o rei não pode sentir-se muito acima dos demais mortais. Quanto à sociedade e economia, a princípio, os hebreus se dividiam em tribos de acordo com os números de filhos de Jacó (12), essas tribos se subdividiam em famílias e toda a organização política e social girava em torno deste status quo. Das doze tribos, onze cuidavam, basicamente, da agricultura e do pastoreio, a décima segunda não tinha terras, era a tribo dos levitas que tinham funções sacerdotais (auxiliares dos sacerdotes que descendiam de Aarão). Havia também outras duas camadas sociais: a dos escravos e a dos estrangeiros. Os primeiros podiam ser distintos entre os escravos hebreus (provavelmente tomados como escravos pelo não pagamento de uma dívida) e estrangeiros. Ambos tinham tantos direitos que muitos autores confessam hesitar em chamá-los de escravos, pois, embora tenham as principais características, eram cercados de muitas considerações, inclusive, direitos. Os estrangeiros, livres não gozavam do mesmo direito dos hebreus. Dois tipos de estrangeiros eram distintos: os que tinham alguma ligação com alguma tribo de Israel e, portanto, desfrutavam de alguns direitos e os que não tinham quaisquer ligações não tendo direito algum. Após os quarenta anos no deserto e depois de se libertarem da escravidão no Egito, ao chegarem à Terra Prometida, os Israelitas passaram de somente pastores à agricultores-pastores. Entretanto, se por séculos estas atividades agro-pastoris foram o cerne da economia desta sociedade, a indústria também conheceu certo desenvolvimento, principalmente aquela que utilizava o cobre como matéria prima. O comércio atingiu seu auge no período de Davi e Salomão e sempre foi presente na vida deste povo, visto que a região que habitam é uma verdadeira encruzilhada nas rotas da Mesopotâmia, Egito, Mar vermelho e do deserto. O DIREITO GREGO ANTIGO Mais do que um país ou uma unidade política na Antiguidade, Grécia por suas condições gergráficas e cononômicas significava uma região. Pode-se, também, falar até certo ponto, de uma unidade cultural, com deuses, dialetos e alguns hábitos em comum. Portanto compreender esta “não unidade” que era a Grécia significa buscar a compreensão do que seja uma Cidade Estado. A cidade era a associação religiosa e política das famílias e das tribos. Era onde o coração e a vida se centravam e o território era somente um apêndice. O Estado ateniense, por exemplo, compreendia todos os indivíduos livres que viviam em Atenas e mais todos aqueles que viviam nos territórios da Ática, região a que pertencia Atenas. A crença era comum a todas as Cidades Estados Gregas, independente dos regimes políticos a que se submetiam. Nos séculos VIII e VII a.C., as cidades gregas conheceram um grande desenvolvimento urbano. Este não se deu de forma igual, mas explicava-se pelo grande crescimento populacional do período somado a uma retomada do progresso tecnológico, artesanal e comercial. Esse progresso gerou a queda das monarquias e o início de turbulências sociais que acabaram por produzir legislações e famosos legisladores, entre eles: Zaleuco de Locros, Carondas de Catânia, Licurgo de Esparta, Drácon e Sólon de Atenas. Destes, somente os dois últimos têm comprovada existência histórica. São numerosas as Cidades Estado gregas, entretanto as mais intrigantes no tocante ao direito são Esparta e Atenas. Me ocuparei de forma mais atenta, a cidade de Atenas. Localizada na Península da Ática e estende-se pelo mar na direção leste é separada do resto da Grécia por montanhas muito altas, porém de fácil acesso. Sua situação geográfica protegeu-a das invasões, principalmente de Dórios e facilitou-lhe a vida política pois nessa região as condições eram favoráveis à união de considerável território em torno de um centro político. A economia de Atenas no século VIII a.C., era, ainda, basicamente rural. Entretanto, as atividades artesanais e comerciais já cresciam e ultrapassavam os limites da região. Com o desenvolvimento comercial, os georgoi, agricultores que possuíam terras pouco férteis junto as montanhas, se viram cada vez mais em situação difícil, pois, com a importação de cereais e algumas crises climáticas, a concorrência os aniquilava, gerando um endividamento com os eupátridas, que além de monopolizar o poder, monopolizavam também as melhores terras, possuindo-as em latifúndios cultivados por rendeiros ou escravos. Esse endividamento gerava não só a perda de terras, como também a escravidão por dívida. E ainda para piorar a situação, outros que não tornavam-se escravos, iam para as cidades, engrossar a camada dos desvalidos. Os Eupátridas monopolizavam o poder, tanto quando ainda existia um rei (Basileu) quanto quando posteriormente eles passaram a governar sozinhos, formando uma Oligarquia. A situação de empobrecimento dos georgoi, com o tempo, aumento e somouse à insatisfação de comerciantes e artesãos que tornavam-se cada vez mais ricos e desejavam participar da vida política. A oligarquia estava entre dois problemas: novos ricos que desejavam participar do governo, exigindo o fim da escravidão por dívida e a repartição das grandes propriedades e os insatisfeitos que formaram o partido popular e o governo oligárquico com o partido Aristocrático. A aristocracia não tinha mais o monopólio das armas e com as armas mais baratas, os pobres puderam armar-se também, e participar do exército e exigir também maior participação política. Nessa luta entre dois partidos, um aristocrata chamado Cílon, tentou tomar o poder à força, sem sucesso e a oligarquia se viu obrigada a lhes oferecer reformas. Surgiram então, os legisladores e o primeiro foi Drácon, que é famoso até hoje pela severidade de suas leis, tanto que até os dias de hoje a palavra “draconiano” refere-se ao severo e duro código de leis a ele atribuído. Drácon reproduziu o direito antigo, ditado pela religião onde todo erro era visto como uma ofensa às divindades e por isso um crime odioso. Assim quase todos os crimes eram passíveis de pena de morte. Drácon não atingiu (provavelmente nem era sua intenção) o problema econômico-social e consequentemente o problema político. Desta forma, ao cabo de poucos anos, o Partido Popular voltou a exigir reformas. Em 594 a.C., surge um novo legislador, Sólon. Tinha a vantagem de ser aristocrata de nascimento e comerciante de profissão. Sólon pensava como comerciante e foi assim que legislou. As leis de Sólon representam um revolução social. A eunomia, igualdade de todos perante a lei está presente em todos os artigos que ele escreveu, assim, não distinção entre eupátridas e não-eupátridas. Sua reforma atingiu toda a estrutura do Estado Ateniense, no que diz respeito à economia, sociedade e política. A legislação de Sólon preparou Atenas para ser uma potência econômicocomercial, ele indicava incentivos ao desenvolvimento comercial e industrial que fariam de Atenas a principal e mais poderosa Cidade-Estado da região. Incentivou a ida de artesãos estrangeiros para Atenas, desta forma a produção tornava-se local o que, não somente barateava o custo dos produtos, como também, a médio e longo prazo poderia fazer da cidade uma exportadora. Ele também incentivou a exploração de minas de prata e para melhorar e simplificar as transações comerciais adotou um padrão monetário fixo, assim, Atenas teria melhor e maior circulação monetária. Ainda no intuito de simplificar o comércio, Sólon instituiu um sistema de pesos e medidas únicos. Concedeu anistia geral, para minimizar os efeitos da crise política, estando perdoados de crimes políticos todos que tivessem cometido um, suavizou a legislação draconiana, buscando apaziguar os ânimos exaltados da cidade. Ele limitou o direito de herança dos primogênitos, que anteriormente eram herdeiros universais. Embora todos os filhos após Sólon recebessem herança, somente os filhos e nunca as filhas tinham este direito. Se houvesse somente uma mulher como herdeira, ainda assim esta não receberia nada, um parente próximo seria o herdeiro. Introduziu também o testamento da legislação ateniense, sendo a mulher sempre impossibilitada de testar. Para atingir objetiva e definitivamente o problema principal que gerava a revolta do povo, o legislador decretou a sesachtéia que consistia na suspensão dos marcos de hipoteca, na devolução das terras aos antigos proprietários e, principalmente, na proibição da escravidão por dívidas em atenas. Na política, fez leis relativas ao comando do Estado ateniense. No comando efetivo ficariam aqueles com mais riquezas e abaixo deles, com menos poder e sucessivamente os que tivessem menos dinheiro. O direito grego através de seus tribunais formados por um júri composto de cidadãos comuns, cujo número chegava a várias centenas, era atividade que fazia parte do dia-a-dia da maioria das cidades gregas. Os atenienses pleiteavam o crédito de terem sido os primeiros a estabelecer um processo regular jurídico, e tanto tinham razão que era reconhecido por Cícero. Na Atenas clássica a heliaia era o tribunal popular que julgava todas as causas, tanto públicas como privadas, à exceção dos crimes de sangue que ficavam sob a alçada do areópago. Os membros da heliaia, denominados heliastas, eram sorteados anualmente dentre os atenienses. Para permitir que o cidadão comum pudesse participar como heliasta sem prejuízo de sua atividade, recebiam um salário por dia de sessão de trabalho. A decisão final do julgamento era dada por votação secreta, refletindo a vontade da maioria. As pessoas em Atenas que mais se aproximam da nossa idéia de advogado, não eram os oradores nos tribunais, mas aqueles que forneciam discursos para os clientes (logógrafos) para serem apresentados pelas partes em seu próprio benefício. Os gregos antigos não só tiveram um direito evoluído, como influenciaram o direito romano e alguns de nossos modernos conceitos e práticas jurídicas: o júri popular, a figura do advogado na forma embrionária do logógrafo, a diferenciação de homicídio voluntário, involuntário e legíma defesa, a mediação e a arbitragemm a gradação das penas de acordo com a gravidade dos delitos e a retórica e eloqüência forense. Essa influência foi fruto da atividade, do envolvimento e da genialidade de um povo que, além de se haver destacado na filosofia nas artes e na literatura, destacou-se também no direito. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SOUZA, Marcos Antonio. O Direito Hebraico Antigo “in” Fundamentos de História do Direito. Organizador Wolkmer, Antonio Carlos. 4ª edição. Belo Horizonte. Editora Del Rey, 2007. WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de História do Direito. 3ª edição. Belo Horizonte. Editora Del Rey, 2005. CASTRO, Flávia Lages. História do Direito Geral e Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro. Editora Lúmen Júris, 2004.