Música - Brasil Bélgica

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música clássica
parte 7
Música
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parte 7 – música
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música clássica
Músicos belgas no Brasil e brasileiros na Bélgica
Anna Maria Kieffer
Reichert e Callado: dois flautistas irmãos
cólogo e diretor do Conservatório de Bruxelas quando Reichert
lá fez seus estudos:
“Reichert (Mathieu André), nascido em Maestricht, em 1830,
um dos virtuosos flautistas mais hábeis e extraordinários do século
XIX (...) “Não foi à toa que o jovem Carlos Gomes compôs o Entreato da ópera Joana de Flandres, peça de grande dificuldade técnica, especialmente escrito e dedicado ao insigne flautista Reichert”.
Por outro lado, é possível que sua primeira formação musical,
como filho de um músico ambulante que se apresentava em cafés,
tenha contribuído para que se sentisse à vontade junto de músicos
populares, em formações instrumentais que, em pouco tempo, seriam conhecidas como grupos de choro. O mais importante dentre
esses músicos foi o flautista Joaquim Antonio da Silva Callado.
Carioca, 18 anos mais moço que Reichert, o autor de Flor
amorosa estudou flauta e piano primeiramente com seu pai, mestre da Banda Sociedade União de Artistas, depois, composição e
regência com Henrique Alves de Mesquita. Em 1867, foi publicada sua primeira polca, Querida por todos, dedicada a Chiquinha Gonzaga. Em 1873, Callado compõe o Lundu característico,
primeiro lundu a ser apresentado em sala de concerto. Professor
de flauta no Conservatório, é condecorado pelo imperador com
a Ordem da Rosa.
A amizade fraterna entre Callado e Reichert durou toda a vida
de ambos, uma vez que foram vítimas de uma epidemia de meningoencefalite perniciosa que assolava o Rio de Janeiro e faleceram
com poucos dias de diferença, em 1880. Sua relação se traduziu
numa interinfluência profíqua, uma vez que Reichert passou a
Callado procedimentos técnicos sofisticados, inclusive o uso da
flauta com sistema Boehm, processo praticamente desconhecido
no Brasil até então, e Callado levou-o a absorver a música brasileira de salão, como se pode observar na polca La coquette, composta por Reichert, que durante anos fez parte do repertório dos
grupos de choro.
Reichert viajou pelo Brasil de norte a sul, nunca deixando de
compor, inclusive peças de estudo; seus Estudos e Exercícios Diá­
rios, como suas peças de concerto, ainda hoje são adotados em
conservatórios europeus e brasileiros.
Q
uando o flautista belga Mathieu-André Reichert desembarcou no Rio de Janeiro em 8 de junho de 1859, encontrou
uma cidade em grande ebulição musical. Desde o porto, a cidade
fervilhava de sons, a começar pelos cantos dos carregadores e pelas cantigas dos escravos de ganho que enchiam as ruas com seus
pregões, até a música praticada nas casas, nos teatros e na corte.
O compositor Francisco Manuel da Silva tinha conseguido
reerguer a antiga Capela Imperial, esfacelada depois da abdicação de D. Pedro I, e fundar o Conservatório. As temporadas de
ópera foram retomadas, após quase dez anos de silêncio, e nelas
se apresentavam divas como Augusta Candiani, Rosina Stolz e
Anna de La Grange.
José Amat acabava de criar, com o apoio de Francisco Manuel
da Silva, de professores do Conservatório e de membros da sociedade carioca, a Imperial Academia de Música e Ópera Nacional,
cujo objetivo era montar óperas em português. Multiplicavam-se
as lojas de instrumentos musicais e as casas editoras de música
que forneciam material para os saraus familiares, em coleções de
nomes sugestivos, como O ramalhete das damas, Prazeres do baile, Abelha musical, Ninfas brasileiras, Ilustração dos pianistas, O
livro de ouro dos flautistas, entre outros.
Contratado pelo Imperador D. Pedro II junto com outros
músicos europeus com o intuito de formar uma orquestra de alta qualidade na Real Quinta da Boa-Vista, o jovem Reichert se
viu, em pouco tempo, também tocando na orquestra do Teatro
Lírico Fluminense (antigo Provisório) e realizando recitais solo
pelo Brasil.
Tendo sido aluno de Jules Demeur, no Conservatório Real de
Bruxelas, e lá obtido o primeiro prêmio, era considerado, à época
de sua contratação, um dos mais importantes flautistas da Europa,
apresentando-se com grande sucesso principalmente na Bélgica,
Holanda, França e Inglaterra.
A flautista Odette Ernest Dias, que mais profundamente estudou a obra e a vida de Reichert, transcreve o verbete do dicionário
de François-Joseph Fétis, importante regente, compositor, musi-
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parte 7 – música
Cabe à flautista
francesa Odette
Ernest Dias o mérito
de ter redescoberto,
pesquisado e
interpretado Reichert.
Como professora
da Universidade de
Brasília (UnB), em
1985 ela dedicou o
disco “Afinidades
brasileiras” à sua
obra, lançado pela
própria UnB.
dos com perfeita e rigorosíssima afinação, execução firme, excelente
sentimento, o que honrava a escola de seu professor, Charles de Bériot. O público carioca festejou-o com delirantes aplausos. No dia
seguinte, o Imperador D. Pedro honrava-o, presenteando-o com um
anel cravejado de brilhantes e ornado com suas iniciais”.
Outros artistas estrangeiros que aqui se apresentaram, como o
português Eduardo Medina Ribas, o holandês Gustav Van Mark,
a francesa Madame Freery, também foram alunos de Bériot, enquanto Paul Julien, que se tornou amigo de Carlos Gomes, trazia
em seu repertório obras dos representantes da escola franco-belga
de violino, como Bériot e Vieuxtemps. Portanto, nada mais natural para alguns brasileiros que queriam se aperfeiçoar no exterior
do que escolher Bruxelas como seu destino.
Manoel Joaquim de Macedo nasceu em Cantagalo, Rio de
Janeiro, em 1847. Estudou composição no Conservatório Real
de Bruxelas com François-Joseph Fétis (1784-1871) e violino com
Huber Leonard (1819-1890) e Henry Vieuxtemps (1820-1881),
recebendo medalha de ouro. Há notícias de que tenha, ainda, se
aperfeiçoado com Joseph Joaquin (1831-1907) e com o próprio
Auguste Bériot (1802-1870). Vieuxtemps o indica para a função
de violinista spalla da orquestra do Covent Garden, em Londres,
o que estende sua estadia na Europa por um total de nove anos.
Quando volta ao Rio, em 1871, é nomeado por D. Pedro II
mestre da Capela Imperial. Na capital do império compõe a opereta Antonica da Silva com libreto de seu tio, o romancista Joaquim Manuel de Macedo, apresentada no Teatro Fênix Dramática
em 1880. Três anos depois, se estabelece em Minas para dedicar-se, principalmente, à composição. Sua obra inclui sonatas, fantasias, um álbum para piano, canções e, segundo Camila Frésca,
que o estuda, oito concertos para violino, dos quais sete deles estão
desaparecidos até agora. Seu poema sinfônico Floriano Peixoto foi
apresentado com grande sucesso em Minas e no Rio de Janeiro
e foi publicado em versão para dois pianos. Em 1897 termina de
compor sua ópera, Tiradentes, com libreto de Augusto de Lima
(1859-1943) e obtém uma bolsa de trabalho do governo brasileiro
e mineiro para orquestrá-la na Bélgica, onde permanece por longos anos, só voltando ao Brasil pouco antes de sua morte, em 1925.
O prelúdio e alguns trechos dessa ópera foram apresentados por
Alberto Nepomuceno no Festival de Música Brasileira, na Exposição Internacional de Bruxelas, em 1910.
Entre seus alunos destaca-se João Augusto Campos que foi
tio e professor do violinista e compositor mineiro Flausino Vale.
Grande virtuose de violino e compositor injustamente esquecido, deve-se a Villa-Lobos a lembrança de homenageá-lo com a
cadeira nº 21 da Academia Brasileira de Música, no momento
de sua criação. Macedo foi o primeiro de uma série de violinistas que introduziram e sedimentaram a escola franco-belga no
Brasil. Outros foram:
Francisco Chiaffitelli (1881-1954). Estudou no Conservatório Real de Bruxelas, na classe do renomado violinista Eugène
Isaye, obtendo o primeiro prêmio de violino do Conservatório em
1897. No Brasil, foi professor do Instituto Nacional de Música,
destacando-se entre seus alunos Paulina d’Ambrosio, nascida em
Em 1863, por ocasião do 33º aniversário da Independência
da Bélgica, apresenta-se, com o pianista Carlos Schramm, após
o banquete oferecido pelo Cônsul-Geral da Bélgica no Rio de
Janeiro, Edouard Pecher, aos membros da Sociedade Belga de
Beneficência.
Em São Paulo, onde se apresentou por duas vezes, em 1863
e 1871, teria entrado em contato com os jovens do curso de Direito, pois eram eles que formavam o público mais expressivo dos
concertos e que escreviam críticas e artigos musicais no Correio
Paulistano. Cursavam a Faculdade de Direito, em 1863, o poeta
Fagundes Varela e o compositor Venâncio José Gomes da Costa
Júnior. Em 1871, o compositor Antônio Frederico Cardoso de Menezes pôs em música a célebre Hebréia, de Castro Alves.
Reichert teve vários alunos no Brasil. Entre eles Duque Estrada Meyer, que também foi aluno de Callado e famoso professor
no Conservatório de Música, tendo, por sua vez, entre seus alunos o grande flautista e compositor Patapio Silva. Por essa razão,
Odette Ernst Dias afirma: “Reichert pode ser considerado, junto
com Callado, o fundador da escola de flauta brasileira”.
Um violino que veio do mar
Segundo Vincenzo Cernicchiaro (1855-1928), violinista, musicólogo e compositor italiano radicado no Rio de Janeiro e professor do Instituto Nacional de Música (antigo Conservatório),
foram muitos os violinistas a se apresentar no Rio de Janeiro no
século XIX. Entre eles, estava um “violinista de superior importância, trazendo novidades de escola, elegância de estilo e novas obras
musicais para violino. Era ele Charles Wynem, jovem belga que um
forte temporal – quando viajava para as ilhas orientais – lançou à
praia da Bahia, sem ter podido salvar outra coisa além de seu violino e o repertório musical.
“Na Bahia, onde realizou dois concertos, obteve grande sucesso,
passando depois ao Rio de Janeiro, onde chegou em 19 de março [de
1846]. Seu primeiro concerto teve lugar dias depois de sua chegada.
(...) Em seu último concerto, em 25 de agosto, tocou o Rondó russe
do segundo concerto de Bériot, além do célebre Tremolo, executa-
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música clássica
de Gelisette (sic, 1895), de Aglavaine et Sélizette. Foi seu primeiro
contato com a Bélgica.
Não foi possível saber se Nepomuceno se encontrou pessoalmente com Maeterlinck na França ou na Bélgica, mas tudo leva
a crer que tiveram algum tipo de contato, uma vez que Chanson
de Gelisette foi composta um ano antes da publicação de Aglavaine et Sélizette (1896).
De volta ao Rio, realiza – no Instituto Nacional de Música –
um concerto com obras suas, na qualidade de compositor, pianista
e organista, apresentando, também, um punhado de canções com
texto em português. Inicia, assim, sua campanha pela composição
de canções com texto em vernáculo, sustentando: “Não tem pátria
um povo que não canta em sua língua”.
Alberto Nepomuceno foi um homem de grande cultura e um
compositor incansável. Criou obras para todas as formações vocais-instrumentais, incluindo ópera (Ártemis, Abul), música sinfônica,
vocal e de câmara. É autor da mais importante coleção de canções
da história da música brasileira, pela quantidade, qualidade e pela
associação feita com os mais expressivos poetas seus contemporâneos, desde Machado de Assis a Coelho Neto e Olavo Bilac.
Suas obras estão perfeitamente sintonizadas com a estética internacional do período, permanecendo, no entanto, extremamente
pessoais e utilizando elementos de raiz brasileira.
Atuou ainda como regente, professor e diretor do Instituto
Nacional de Música. Executou estreias brasileiras de obras contemporâneas de autores internacionais, como Debussy, Dukas,
Roussel, Glazunov, Rimsky Korsakov, e primeiras audições de
obras de compositores brasileiros como Araujo Viana, Barrozo Netto, Francisco Braga, Alexandre Levy, Henrique Oswald,
Leo­poldo Miguez, entre outros. Estimulou novos talentos, como
Glauco Velazques, Luciano Gallet, Lorenzo Fernandez e Heitor
Villa-Lobos.
Em 1910, por ocasião da Exposição Internacional de Bruxelas,
realiza no Teatro La Monnaie o Festival de Música Brasileira, comissionado pelo então embaixador e grande intelectual Oliveira
Lima. Rege obras de sua própria autoria, de Carlos Gomes, Manoel de Macedo, Leopoldo Miguez, Henrique Oswald e Francisco
Braga. Também se apresenta diante da corte belga, num concerto
particular, com obras suas e de outros compositores brasileiros.
Durante a guerra de 1914-18, Nepomuceno participou do
grande movimento de simpatia para com a Bélgica, inclusive organizando concertos em favor do país que tão bem o recebeu. Por
ocasião da visita dos reis da Bélgica ao Brasil, em 1920, Nepomuceno recebeu do Rei Alberto a Medalha de Ouro pela “devoção
que fez prova durante a guerra pela causa belga”.
Alguns meses depois, Alberto Nepomuceno escreve sua última canção, A jangada, com versos do poeta cearense Juvenal
Galeno, obra que o coloca definitivamente na história da música
do Brasil como o elemento de ligação entre o Romantismo e o
Modernismo.
Tendo se separado de Walmor Bang e residindo, desde então,
na casa de seu grande amigo, Frederico Nascimento, não resiste a
um agravamento de seu estado de saúde, já precário desde 1916, e,
1890, em São Paulo, matricula-se aos 15 anos no Conservatório
Real de Bruxelas. Ao voltar, em 1907, dedica-se principalmente ao
ensino, como professora do Instituto Nacional de Música. Como
intérprete, participou da Semana de Arte Moderna, executando,
inclusive, obras de Villa-Lobos. Teve como alunos, entre outros,
Guerra Peixe, Nathan Schwartzman, Henrique Morelenbaum,
Mariuccia Jacovino, Ernani Aguiar e Paulo Bosísio que, por sua
vez, foi professor do violinista mineiro especializado em música
barroca Luís Otávio Santos, atualmente professor no Conservatório Real de Bruxelas.
A ponte para o Modernismo
Difícil tentar colocar em poucos parágrafos a grandeza da vida
e da obra de um compositor como Alberto Nepomuceno. Nascido
em Fortaleza, CE, em 1864, fez seus primeiros estudos de piano
e violino com o pai e, adolescente ainda, frequenta o meio abolicionista do Recife. Tobias Barreto o inicia em Filosofia e Alemão.
A morte do pai faz com que a família retorne ao Ceará onde continua suas atividades políticas. Em função delas, o pedido enviado
pela Assembleia Legislativa cearense ao Governo Imperial para
que Nepomuceno pudesse aperfeiçoar-se na Europa é negado.
Parte, então, para o Rio de Janeiro, onde continua seus estudos
e é nomeado professor de piano do Club Beethoven. Data dessa
época sua amizade com Machado de Assis, então bibliotecário do
clube, com o violoncelista Frederico Nascimento e com os irmãos
Rodolfo e Henrique Bernardelli. Todos exercerão importantes papéis em sua vida.
Em maio de 1888, executa no Club Iracema, em Fortaleza,
a 1ª audição de sua Dança de Negros, para piano, que se tornará,
mais tarde, o Batuque da Série Brasileira para orquestra. Nesse
mesmo ano, parte para a Europa com os Bernardelli em viagem
de estudos. Em Roma, matricula-se no Liceo Musicale Santa Cecilia. No ano seguinte, obtém do Governo Provisório uma pensão
que lhe permitirá inscrever-se na Academia Meister Schule, em
Berlim, e, em seguida, no Conservatório Stern. Nas provas finais
rege obras suas à frente da Filarmônica de Berlim.
Durante sua estada na Alemanha, conhece sua futura esposa,
a pianista norueguesa Walmor Bang, que o aproxima de Brahms
e de Grieg. Este reforça a ideia já demonstrada por Nepomuceno
em seu Batuque: a importância de compor obras a partir de um
patrimônio brasileiro.
Antes de voltar ao Rio de Janeiro, segue para Paris, aperfei­
çoando-se na Schola Cantorum com o célebre organista Alexander Guilmant. Conhece Saint-Saëns, Vincent d’Indy e Debussy,
de quem assiste a estreia mundial de L’après – midi d’un faune,
obra que seria o primeiro a revelar no Brasil em 1908. Durante
sua estada na França, compõe, a convite de Charles Chabault,
catedrático de grego na Sorbonne, a música incidental para a tragédia de Sófocles, Electra. Também musica, ao mesmo tempo,
uma série de poemas em português e em francês, alguns deles
com texto do poeta e dramaturgo belga Maurice Maeterlinck:
Desirs d’hiver Oraison (1894), de Serres Chaudes, e La chanson
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Segundo a pianista Berenice Menegale, que estreou sob a regência de Bosmans aos 11 anos, o maestro era um grande improvisador, capaz de criar em tempo real pequenas obras à maneira
de compositores do passado. Oiliam Lanna, compositor que foi
aluno e amigo de Bosmans, relata ter sido ele um homem de
grande cultura não só musical, mas também no campo das artes
em geral, possuindo uma imensa biblioteca. Foi amigo de artistas
plásticos, como Guignard e Chanina – que pintou um retrato seu
– e de compositores seus contemporâneos, como Edino Krieger,
Francisco Mignone e, principalmente, Radamés Gnatali. Sua vida
de marinheiro teria contribuído para seu interesse em outras culturas e influenciado no colorido de suas obras. Embora não fosse
um compositor nacionalista, no sentido estrito da palavra, durante
sua estada em Portugal compôs a Sinfonietta Lusitana, baseada
em cantigas tradicionais portuguesas. Oiliam ressalta o papel de
Bosmans como divulgador da obra de compositores belgas no Brasil (Peter Benoit, Joseph Jongen, Marcel Poot e Gaston Brenta),
assim como o de compositores brasileiros no exterior.
Os títulos de suas obras sugerem um certo humor e mesmo alguma irreverência, como La vie em bleu, O cavaquinho bem temperado, Clavinedoctes, Valsa...da outra esquina – para violão –, segundo o violonista Edelton Gloeden, uma homenagem a Mignone.
Sérgio Freyre, Alice Belém e Rodrigo Miranda, que o estudaram mais profundamente, admitem ter sido Bosmans um grande admirador de Gershwin, Bartok e Ravel, podendo-se notar a
influência desses compositores em sua rica e ao mesmo tempo
clara sonoridade orquestral. A linguagem de sua obra, entretanto,
despreza os experimentos das correntes de vanguarda pós-Schoenberg, valendo-se de combinações politonalistas e timbrísticas
como elementos de construção.
Arthur Bosmans casou-se com uma brasileira, Walkyria – que
mantém o acervo de suas obras – e naturalizou-se brasileiro em
1954. Faleceu em Belo Horizonte em 1995.
Boa parte do registro de suas obras feitas na Bélgica perdeu-se
durante a Segunda Guerra Mundial, com os bombardeios sobre
Antuérpia e Bruxelas. No entanto, seu filho, Jaak Bosmans, tem
restaurado e digitalizado as gravações ainda existentes, trabalho
complementado pela Escola de Música da UFMG, que tem realizado novas gravações de algumas de suas obras.
Leo Kupper nasceu em Nidrum, Bélgica, em 1935, e fez
seus estudos de Musicologia e História da Arte nas Universidades de Liège e de Bruxelas. A partir de 1962, colaborou com
Henry Pous­seur no Studio Apelac, o primeiro estúdio de música
eletroacústica da Bélgica. Foi diretor de sonorização da Rádio
e Televisão Belga, compondo trilhas sonoras para filmes e programas de televisão. Em 1967, funda o Studio de Recherches et
de Structurations Électroniques Auditives, em Bruxelas, no qual
realiza uma série de experiências relacionadas à música e à criação sonora, como Música Digital Pública: realizações de músicas coordenadas pelo público ou autoestimuladas por máquinas
que engendram um ambiente sonoro complexo, através de um
grande número de fontes sonoras (na Bienal de Veneza, em 1987,
até 350 canais de áudio).
cercado por amigos e discípulos, falece em 16 de outubro de 1920.
O musicólogo Luiz Heitor relata através da testemunha ocular de
seu passamento, Otávio Bevilacqua, que ele cantava na hora da
morte, tal como fizera José Maurício Nunes Garcia.
Um compositor marinheiro e um músico-viajante
do século XX
Entre os compositores belgas que estiveram no Brasil no século
XX, destacam-se dois nomes cujo trabalho se encontra mesclado,
de forma particular, às duas culturas. Trata-se do compositor e regente Athur Bosmans e do compositor de música eletroacústica
Leo Kupper.
Arthur Bosmans nasceu em Bruxelas em 1908. O fato de não
ter seguido cursos regulares de música não o impediu de participar,
já aos 12 anos, como violinista, da Orquestra Sinfônica de Mons.
Além do violino, tocava com grande desenvoltura piano, clarinete e trompa. Em 1926, ingressou na Marinha Belga, na qual permaneceu por cinco anos, ao fim dos quais resolveu abandonar a
carreira militar para se dedicar unicamente à música. Estudou por
conta própria composição e regência e, em 1933, recebeu o Prêmio Cesar Frank, em Liège, por sua rapsódia La rue, o que o tornou
conhecido em todo o país e propiciou a edição de várias obras suas.
Durante a Exposição Mundial de Bruxelas, em 1935, foi organizado o Festival Arthur Bosmans, no qual apresentou várias de
suas obras sinfônicas com grande sucesso. Nessa época, tornou-se
regente assistente e depois titular da Orquestra Filarmônica de
Antuérpia, tendo apresentado seu scherzo sinfônico James Ensor,
Cymbalum para piano e orquestra e a suíte orquestral La vie em
bleu. Em 1939, torna-se membro do conselho editorial da Revue
Musicale Belge e diretor do Ballet Bellowa.
Com a eclosão da Segunda Guerra, voltou à Marinha e, após
uma operação no Canal da Mancha, chegou acidentalmente a
Lisboa. Lá encontrou Darius Milhaud, que pretendia ir para os
Estados Unidos. Era o ano de 1940 e, através de Milhaud, conseguiu um visto para o Brasil. Aqui chegando, encontrou-se com
Villa-Lobos que o ajudou a integrar-se no meio musical do Rio de
Janeiro. Nos dois anos seguintes regeu, deu aulas e compôs música para cinema e dança. Enquanto isso, suas obras continuavam
a ser apresentadas na Bélgica ocupada, nos Estados Unidos, no
Canadá e Uruguai.
Em 1944, foi convidado a reorganizar a Orquestra Sinfônica de
Belo Horizonte, como diretor artístico e regente estável. Transfere-se então para Minas Gerais, onde exerceu grande atividade na
vida cultural de Belo Horizonte. Em 1965, começou a lecionar
composição, regência e música de câmara na Escola de Música
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tendo se aposentado em 1980.
Nos anos 1960, Bosmans realizou várias turnês na América
Latina e Europa e gravou com a Orquestra da Rádio e Televisão
Belga várias de suas obras. Em 1975, conquistou o primeiro prêmio do 7º Concurso Internacional de Composição da Académie
Internationale de Lutèce, em Paris, com sua Toccata para piano.
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música clássica
Os materiais vocais da terceira obra, Anamak, foram criados a
partir de temas musicais de índios do Brasil, recolhidos por viajantes e antropólogos, desde o século XVI, completados por blocos
vocais estimulados por trechos musicais gravados entre os Kaiapó
por Fuesrt, Love, Rosseels e Verswijwer. No entanto, Kupper explica, “o conjunto das vocalizações, das fonemizações e das articulações musicais é absolutamente abstrato. É uma sequência de
invenções a várias vozes, a polifonização da voz de uma mesma e
única cantora”.
Rezas populares do Brasil teve a colaboração do baixo brasileiro Eduardo Janho-Abumrad. A maior parte delas são rezas de
cura coletadas por Núbia Pereira de Magalhães Gomes e Edmildon de Almeida Pereira, em Minas Gerais, nas décadas de 1970 e
1980. Foram ainda utilizados cantos fúnebres recolhidos por Alceu Maynard de Araújo, no Ceará, na década de 1940, e cantos
religiosos populares recolhidos por mim em Cananeia, litoral sul
de São Paulo, em 1982. Segundo Kupper, “uma seleção delas foi
fonemizada e parcialmente cantada. Os sons gerados pelo baixo foram posteriormente, transformados por máquinas eletrônicas, com
o intuito de criar seu próprio acompanhamento. Uma das técnicas
utilizadas foi a da granulação sonora, realizada por um programa
criado pelo compositor belga e professor de arte digital da Universidade de Mons, Todor Todoroff. Este programa permite armazenar
na memória do computador um pequeno fragmento do original e
trabalhá-lo. Todos os sons da obra foram extraídos da declamação
e do canto dos intérpretes”.
Essas quatro primeiras peças foram reunidas no CD Ways of
the voice, e deram origem ao espetáculo do mesmo nome, encenado pelo diretor brasileiro radicado na Bélgica, Caio Gaiarsa,
com imagens digitais em movimento criadas por Alessandra Galasso, Eduardo Campos e Chico Escher. O espetáculo foi apresentado em São Paulo, no Sesc Vila Mariana, no Centro Cultural
do Museu Reyna Sofia, em Madri, e no Festival Au Carré, em
Mons, Bélgica.
A última das obras realizadas em conjunto com Leo Kupper,
Kamana, parte de um universo afro-brasileiro, através dos vissungos (antigos cantos de trabalho das minas) recolhidos por Ayres
da Matta Machado, em São João da Chapada, Minas Gerais, na
década de 1920. No caso dessa obra, o processo usado para sua
composição não foi o de polifonia, mas o de multifonia, representada por sete diferentes vozes superpostas colocadas num eixo horizontal e integra voz, sons instrumentais de diferentes culturas,
sons eletroacústicos e sons eletroacústicos originários da voz tratada. De acordo com Kupper, “embora vários sons como os de metal,
madeira, e sons eletrônicos sejam oriundos da vida contemporânea,
através dos processos compositivos, se tornam referência a aspectos
inerentes aos reinos animal e vegetal”. A estreia dessa obra se deu
em Bruxelas, no encerramento da Semaine du som, na grande
sala do complexo cultural Flagey no dia 27 de janeiro de 2013.
Leo Kupper veio inúmeras vezes ao Brasil e vários técnicos,
compositores e cantores brasileiros participaram de suas produções
ou estagiaram em seu estúdio, em Bruxelas, ao lado de artistas
belgas. Além dos já citados, não posso deixar de lembrar nomes
A partir de 1977, estuda a divulgação da música no espaço,
através da construção de quatro cúpulas sonoras (Roma, 1977,
Avignon, 1979, Linz, 1984, Veneza, 1987). A maior delas foi a
construída para o festival “Ars-Electronica”, em Linz, Áustria, com
104 canais de áudio.
Cria, ainda, máquinas musicais de fabricação original como
o Game (Gerador Automático de Música Eletrônica) por estimulação vocal (analógica e numérica, depois MIDI), 1970-1980; os
Autômatos sonoros, estimulados pela voz humana, 1970-1976; os
Muvis: instrumento de visualização espectral da música, 1976-78;
o Kinéphone: instrumento musical com teclado para a interpretação da música no espaço através de cúpula sonora, 1983.
Realiza, a partir de 1968, uma longa série de concertos de música eletroacústica na Europa, nas Américas e no Oriente, com
solistas e grupos musicais. Tem sido, durante toda sua vida, um
viajante incansável, se interessando pela música dos lugares que
visitou, principalmente o Irã – cuja cultura influenciou sua espiritualidade e sua arte – e o Brasil.
Em 1978, vem pela primeira vez ao Brasil, convidado pelos
organizadores da 8ª edição dos Cursos Latino-Americanos de Música Contemporânea, realizados cada ano em uma cidade latino-americana, no caso, São João del Rei, em Minas Gerais. Em 1981,
é convidado pelo compositor Gilberto Mendes a participar do
Festival Música Nova com o Grupo de Música Fonêmica e Vocal
do Studio de Recherches, do qual faziam parte o baixo Paul Gérimont e o ator Jean-Claude Frison.
Conheci Leo Kupper durante o festival. Desse encontro nasceu uma colaboração artística que completa 30 anos, em busca
de uma linguagem vocal que pudesse ser, ao mesmo tempo,
abstrata e afetiva e que servisse de matéria-prima para posterior
elaboração eletroacústica. Testemunho desse trabalho são cinco
obras nas quais temas da cultura brasileira são tratados através
dos procedimentos de música fonética, desenvolvidos anteriormente por Kupper.
As duas primeiras, Amkea e Annazone, necessitaram de uma
longa fase de exercícios e procedimentos microtonais oriundos de
novas técnicas vocais e respiratórias a partir dos quais brotaram
grafismos vocais, gestos sonoros, miragens resultantes da livre associação com insetos, pássaros, bichos do mato, árvores e pedras.
Segundo Kupper, “Amkea se exprime em linguagem absolutamente
abstrata, não tendo pois – como resultado – nenhuma significação
nacional, internacional ou figurativa: fonemas, fonátomos, alofones, vocalizes, gritos e chamados constituem a essência da linguagem abstrata mas lembram em suas entoações, seus timbres e seus
ritmos, a origem brasileira da cantora”.
Em Annazone, Leo Kupper mescla materiais sonoros criados
por mim a pios de pássaros e sons eletrônicos. Comecei partindo
da memória de cantos de pássaros, zumbidos de insetos, coaxar
de batráquios, passando a uma linguagem de invenção da sonoridade de flores, plantas e borboletas. A obra é enquadrada por
um acorde sinfônico, no começo e no fim dela, como se “ouvíssemos” um quadro no qual a sonoridade de uma mata imaginária
se desenrola.
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parte 7 – música
de compositores como Helio Sizkind, Vania Dantes Leite, Rodolfo Caesar, Vanderlei Lucentini e cantoras como Kátia Guedes e
Cláudia Todorovo, o que o torna um verdadeiro promotor de intercâmbio musical entre o Brasil e a Bélgica.
CORREA, Sérgio Alvim. Alberto Nepomuceno: Catálogo geral. Rio de Janeiro: Funarte,
1985.
DIAS, Odette Ernst. Mathieu-André Reichert: um flautista belga na Corte do Rio de Janeiro.
Brasília: Editora UNB, 1990.
FORSTER, Maria Thereza Diniz. Oliveira Lima e as relações exteriores do Brasil: o legado
de um pioneiro e sua relevância atual para a diplomacia brasileira. Brasília: Fundação
Alexandre de Gusmão, 2011.
FREIRE, Sérgio / BELÉM, Alice / MIRANDA, Rodrigo. Do conservatório à escola. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2006.
REZENDE, Carlos Penteado de. Tradições musicais da Faculdade de Direito de São Paulo.
São Paulo: Edições Saraiva, 1954.
CDs/CDs-livros
KIEFFER, Anna Maria. In: Encarte do CD A. Nepomuceno-canções. São Paulo, AKRON,
1997.
KUPPER, Leo. In: Encarte do CD-livro Ways of the voice. São Paulo, AKRON, 2004.
KUPPER, Leo. In: Encarte do CD Digital voices. Nova York, POGUS, 2012.
Anna Maria Kieffer é musicóloga, pesquisadora e cantora lírica
brasileira, participou de turnês por Alemanha e França como mezzosoprano. Estudou musicologia na década de 1960 e lançou vários
CDs, entre os quais Ways of the Voice (1999), produzido na Filadélfia, com o compositor belga Leo Kupper, reunindo rezas populares do Brasil carregadas de heranças múltiplas da Ásia, da Europa
e da África. É responsável pela trilha sonora do filme O Retorno,
de Rodolfo Nanni.
Referências Eletrônicas
Referências
DEWILDE, Jan e FCQUAERT, Annelies. Bosmans, Arthur: Biographie. Disponível em:
<http://www.svm.be/content/bosmans-arthur?display=biography&language=en>. Acesso
em: 15 jan. 2013.
FRÉSCA, Camila. Uma gênese do violino no Brasil: a escola franco-belga e o desenvolvimento do violino como instrumento autônomo. Disponível em: <http://www.pos.
eca.usp.br/sites/default/files/jornada_discente/ppgmus/camila_fresca-mus_etno.pdf>.
Acesso em: 07 fev. 2013.
AZEVEDO, Luiz Heitor Correia de. 150 anos de música no Brasil (1800-1950). Rio de
Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1956.
ANDRADE, Ayres de. Francisco Manuel da Silva e seu tempo (1808-1865). Rio de Janeiro:
Edições Tempo Brasileiro Ltda., 1967.
CERNICCHIARO, Vincenzo. Storia della musica nel Brasile: dai tempi coloniali sino ai
nostri giorni (1547-1925). Milano: Fratelli Riccioni, 1926.
Álvaro Guimarães (1956-2009)
K a t r i j n Fr i a n t
N
ascido em Araguari, Minas Gerais, Álvaro Guimarães mudou-se aos 13 anos de idade, depois da morte do pai, com
sua mãe e as irmãs para São Paulo, onde continuou seus estudos
de música no Mozarteum e obteve uma formação universitária de
artista executante. Estudou com Hans-Joachim Koellreutter, Coriun Aharonian e Klaus Huber. Ele foi um dos co-fundadores do
Núcleo Música Nova de São Paulo. Com este grupo introduziu,
nos anos de 1980, entre outros, John Cage e sua obra no Brasil e
colaborou com o próprio Cage.
Em 1990 veio à Bélgica com a intenção de escrever um doutorado sobre o contexto sociocultural da música brasileira na Universidade de Gand sob a orientação do professor Herman Sabbe.
Apesar de ter sempre pesquisado sob este ângulo sociocultural o
fenômeno da música erudita, a redação de um doutorado lhe parecia demasiado teórica.
Muito rápido começou a organizar, na Bélgica, concertos,
workshops e palestras sobre a música brasileira enquanto introduzia a música belga no Brasil. E esta última consistia principalmente em obras compostas na parte flamenga do país e tinha muito a
ver com a política cultural federalizada.
Seu objetivo principal era romper com os estereótipos, nos
quais se pensava a cultura dos outros países. Assim o Brasil parecia sempre carregar a associação com carnaval e não ultrapassava
na música clássica o nome de Heitor Villa-Lobos. Por isso Álvaro
gostava de divulgar a obra de Gilberto Mendez e Willy Corrêa de
Álvaro
Guimarães,
fundador do
KaG e professor
no departamento
de música da
Hogeschool Gent
(Escola Superior
de Gand).
Oliveira. Ousava mesmo tocar compositores mais antigos como
Henrique Oswald, Alberto Nepomuceno e Luciano Gallet. Assim
organizou em Gand, em janeiro de 1999, um festival de música
222
música clássica
de câmara sul-americana. Nisto colaborava com o conjunto Spectra, do qual foi co-fundador, como também com Katrijn Friant,
Françoise Vanhecke, Pier van Bockstael e muitos outros músicos
de formação clássica.
Alguns auditores por aqui ficaram chocados com os elementos expressamente teatrais das partituras brasileiras. Por exemplo,
a Opera Aberta de Gilberto Mendez é uma obra para soprano e
body-builder, na qual os dois executantes mostram seu lado mais
vaidoso e procuram numa forma fugato tomar o trono. Entretanto, a maior parte dos ouvintes benevolentes se deram conta que
este modo de musicar era original e mais socialmente engajado
do que era usual na Bélgica.
Na introdução da cena musical belga contemporânea no Brasil, Álvaro gostava também de sair das veredas batidas. Assim, conscientemente, preferia trabalhar com músicos jovens dispostos a
interpretar obras novas de seus colegas compositores. Paralelamente lhes pedia também para tocar obra de nomes respeitados
na Europa. Desse modo, os frequentadores do Festival Música
Nova em São Paulo, Santos e outras cidades puderam conhecer extensamente a obra de Maurizio Kagel, György Kurtàg, Karlheinz
Stockhausen e muitos outros. Sempre procurava enquadrar estes
concertos com palestras, workshops e repetições abertas.
Em 2003, fundou em Gand seu próprio grupo KaG (Kunstarbeidersgezelschap ou Companhia de Trabalhadores Artistas).
Este se originou da necessidade de fazer música num coletivo. Por isso a KaG funcionava como uma plataforma de e para
artistas, que eram ativos em diferentes áreas. Seus projetos de
música contemporânea cresciam sempre de uma necessidade
intrínseca de contribuir com a arte para um mundo melhor e
isto com atenção especial para os aspectos multidisciplinares,
sociais e teóricos.
Com este grupo queria, a exemplo de Cornelius Cardew,
trabalhar não somente com artistas das diversas disciplinas, mas
também com profissionais e amadores. Sobretudo, amava abrir
as fronteiras dentro da Europa e seu grupo era tão internacional
quanto possível. O seu projeto mais ambicioso foi a encenação de
Maulwerke de Dieter Schnebel. A obra foi observada pelo próprio
compositor e foi apresentada na Bélgica, na Alemanha, na Suécia
e, naturalmente, também no Brasil. Com esta obra conseguiu finalmente envolver performances da parte francófona do país e de
romper os limites culturais da política federal.
Álvaro Guimarães foi professor no departamento de música da
Hogeschool Gent (Escola Superior de Gand) e faleceu prematuramente em Gand em 2009.
Terminamos citando os títulos do seu quarteto de flauta, que,
depois da primeira execução, foi quase imediatamente impresso
Cartaz do concerto Les Indiennes Galantes ou Les Folies Flamandes, de 1996.
pela editora Moeck. Em sua totalidade, a obra ilustra como nenhuma outra a mistura de suas raízes brasileiras com sua permanência na Bélgica:
Les Indiennes Galantes ou Les Folies Flamandes (1996) (As
Índias Galantes ou As Folías Flamengas)
1. La question de la canne à sucre à la mer sous dominó blanc…
(A questão da cana de açúcar no mar sob dominó branco…)
2. La Sonate sous dominó bleu… (A Sonata sob dominó azul…)
3. La Consonanza: sous dominó vert… (A Consonanza sob
dominó verde…)
4. La réponse de la mer à la canne à sucre: sous dominó noir…
(A resposta do mar à cana de açúcar: sob dominó negro…)
Katrijn Friant, viúva de Álvaro Guimarães, é pianista e professora
de música em Gand.
223
parte 7 – música
Biografia: Eliane Rodrigues
E
liane Rodrigues nasceu no Rio de Janeiro. Seu talento musical foi descoberto muito cedo e dirigido por Arnaldo Estrella
(aluno de Alfred Cortot e amigo de Villa-Lobos). Aos seis anos de
idade estreou na televisão (Mozart KV488 com a Orquestra Sinfônica Nacional). Foi laureada nos EUA com o “prêmio especial”
do júri no concurso Van Cliburn.
Como laureada do Concurso Musical Internacional Rainha
Elisabeth, na Bélgica, em 1983, Eliane não demorou a atuar no
Concertgebouw Amsterdam, no Berliner Schauspielhaus, em Paris,
Hamburgo e no Leipzigs Gewandhaus. Em 1985, já foi caracterizada como “brilhante e tecnicamente perfeita” (Die Welt).
Atuou também nas cidades de Antuérpia, Amsterdã, Berlim,
Bruxelas, Haia, Moscou, Nova Iorque, Paris, Rio de Janeiro, Roterdã, São Petersburgo, Volgogrado, Zurique. Compôs um concerto
para piano e orquestra de quase uma hora que estreou mundialmente em 9 de agosto de 2000.
De setembro a abril de 2002, tocou em São Petersburgo os
cinco concertos para piano e orquestra de Sergei Prokofiev, tendo
sido gravados dois CDs. Repertório: 61 concertos para piano, dos
quais 58 foram executados. Atualmente, Eliane Rodrigues é professora no Conservatório Real, em Antuérpia, Bélgica.
A pianista Eliane Rodrigues, que em 2002 tocou em São Petersburgo os cinco
concertos para piano e orquestra de Sergei Prokofiev, tendo sido gravados dois CDs.
224
música popular brasileira
MP B
Daniel Achedjian
É
bastante confortável ser belga no Brasil. Um certo conforto
que aumentou com o tempo e que reside no fato de não ser
vítima de nenhum preconceito associado a um país do qual não
se conhece muita coisa.
Em 1989, quando aterrizei pela primeira vez na pista do Galeão do Rio de Janeiro (atual aeroporto Antônio Carlos Jobim),
poucos cariocas podiam situar precisamente a Bélgica em um
mapa, ou mesmo associá-la a algumas personalidades ou produtos
culturais, quaisquer que fossem.
Em seguida, o futebol (na época dourada dos Scifo, Preud­
homme e Gerets, entre 1986 e 1990), o chocolate, a moda dos bares com cervejas belgas e, mais recentemente, a revista em quadrinhos (Tintim, Os Smurfs), trouxeram alguns elementos de ajuste
de identidade condizentes com o reino do surrealismo.
Musicalmente, quando alguém me perguntava, eu tinha certa dificuldade em achar características que pudessem definir um
estilo próprio da Bélgica. Pois não existia realmente um…
Bluesette de Toots Thielemans era regularmente tocada em todas as boates de jazz do Rio e de São Paulo, mas era, com frequên­
cia, atribuída ao bossa-novista Roberto Menescal, cuja maneira de
tocar violão possui semelhanças com o nosso gaitista.
Quanto a Ne me quittes pas, a canção em língua francesa mais
interpretada e gravada pelos artistas brasileiros, era preciso que eu
esclarecesse que pertencia a Jacques Brel e ao patrimônio de seu
país plano (Le Plat Pays, outra obra-prima do cantor belga), e não
a um eventual compositor francês, como ela era frequentemente
apresentada. Maysa (1936-1977) gravara uma versão ao vivo no finado Canecão, sala mítica do Rio de Janeiro, e ela teve inúmeras
versões diferentes, até a da jovem paulista Maria Gadú em 2010,
passando por Jards Macalé, Cauby Peixoto, Bibi Ferreira, Ângela
Rorô e muitos outros, com versões com êxitos diversos...
Quanto a Toots Thielemans e Bluesette, os dois álbuns The
Brazil Project de 1992 e 1993, nos quais ele convidou a nata da
MPB, eles propunham uma versão de mais de nove minutos do
grande clássico, cuja letra em português tinha sido escrita por Ivan
Lins. Tive a oportunidade de assistir aos shows de apresentação dos
álbuns tanto no Rio, no Hotel Nacional de São Conrado, como
em Bruxelas, no Palácio de Belas Artes.
Em 1989, então, eu tinha alguns anos de jornalismo na minha bagagem – principalmente no Télémoustique – dedicados às
músicas pop, rock, new wave e soul, inglesas e americanas, e eu
demonstrava certa falta de interesse em escutar Jorge Ben, Sérgio
Mendes e João Gilberto, que eram ouvidas sem parar por meus
familiares.
Naquele ano, houve essa primeira viagem ao Rio, quase que
por acidente, e uma conexão imediata foi feita em mim, que me
fez procurar no acervo de discos dos meus pais o que se tornaram,
na época, meus dois álbuns de cabeceira: Vinícius, Toquinho e
Maria Creusa/Maria Bethânia, en La fusa, gravados em 1970 em
Buenos Aires, dos quais escutei cada mínimo detalhe, até estragar os vinis.
Minha compulsão doentia fez o resto. Escutar e estudar em
profundidade os mestres da Bossa-Nova, os diferentes tipos de samba, o choro, as músicas do Nordeste, os outros estilos regionais e
Edu Lobo e Daniel Achedjian.
225
parte 7 – música
Oscar Castro-Neves e Toots
Thielemans,
que gravou
três álbuns em
homenagem
à música
brasileira.
os grandes clássicos da MPB, abandonando tudo que era cantado
em inglês.
Entre 1988 e 1994 foi também a época do festival “Viva Brasil” na Bélgica e dos cartazes de sonho que reuniam, entre muitos
outros, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, João
Bosco, João Gilberto, as jovens Marisa Monte e Daniela Mercury,
mas também Toninho Horta, Egberto Gismonti, Hermeto Pas­
coal, Nana Vasconcellos.
Como um digno filho do rock e da soul, eu me abri rapidinho aos outros estilos, de influências mais claramente estrangeiras,
muitas vezes misturados aos ritmos e harmonias do Brasil, para me
dar conta que a riqueza implantada musicalmente naquele país
continente não tinha equivalente no mundo.
Se eu estudava com paixão e compulsão mais de um século de
história da música popular brasileira (me levando a adquirir mais
de dez mil CDs), eu vivia igualmente com intensidade, através
de minhas inúmeras viagens durante os anos 90, uma das décadas
mais ricas e produtivas do século XX no Brasil.
O aparecimento do Mangue Beat de Pernambuco, a afirmação
nacional da música axé de Salvador, Bahia, o cenário rap de São
Paulo e Rio de Janeiro, o amadurecimento da música eletrônica,
a bossa lounge na Europa; o nascimento de uma nova geração de
cantoras compositoras como Adriana Calcanhotto, Marisa Monte,
Zélia Duncan, Fernanda Abreu, Cassia Eller, Ana Carolina; uma
chegada importante de artistas carismáticos vindos do Nordeste
como Lenine, Zeca Baleiro, Chico César; a consolidação do rock
nascido nos anos 80 (Barão Vermelho, Legião Urbana, Paralamas
do Sucesso, Titãs) e os primórdios muito importantes do grupo
Los Hermanos no Rio de Janeiro que influencia toda a cena independente e indie carioca até os dias de hoje. Na realidade, tratava-se de uma década que após ter visto o nascimento do rock
influenciado pelo cenário inglês, e a chegada da MTV Brasil, em
1989, mais uma vez conseguiu integrar magnificamente os estilos
estrangeiros às raízes brasileiras.
Após ter feito uma pausa na carreira jornalística, retomei minhas atividades no início dos anos 2000, atuando em diferentes
rádios independentes, ainda hoje na Rádio Judaica Bélgica (90,2
FM), na qual tive a liberdade de produzir programas de duas a
três horas semanais. O que não é muito comum, diria até mesmo
inédito, em francofonia. O programa foi muito tempo ao ar no
domingo à noite, em seguida, na segunda-feira, enquanto, atualmente, ele é gravado no Rio de Janeiro, e colocado no ar, sendo
várias vezes retomado em diferentes horários, em função da atualidade frequentemente perturbada, típica da natureza da estação.
Tendo aperfeiçoado meu português do Brasil, pude retomar o
exercício das entrevistas e, foi com bastante surpresa que vi as portas se abrirem com entusiasmo. Tive a oportunidade de encontrar,
para longas conversas, artistas como Paulinho da Viola, Gilberto
Gil, Gal Costa, Martinho da Vila, Beth Carvalho, Francis Hime,
Edu Lobo, Roberto Menescal, Carlos Lyra, João Donato, Alceu
Valença, Ney Matogrosso, Ed Motta, Frejat, Marina Lima, Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro, Lenine, Paulinho Moska, Adriana Calcanhotto, Zélia Duncan, Los Hermanos, Leila Pinheiro, e tam-
bém artistas da novíssima geração, como Rodrigo Campos, Tiê,
Rodrigo Bittencout, Sílvia Machete, Mariana Aydar, Cris Aflalo,
Verônica Ferriani e Chico Saraiva da nova cena independente de
São Paulo. Em suma, por volta de uns 200 nomes, conhecidos e
menos conhecidos. Pode-se dizer que, geralmente, foram encontros bem à vontade, informais (embora todos gravados) e com direito, de vez em quando, a sessões privadas de música.
Tudo isso devido à confiança que me foi dada pelos produtores, presidentes de selos, assessores de imprensa e artistas que haviam tomado conhecimento do site Tropicália MPB – precedido
pelo blog “Art et Musique Populaire Brésilienne” –, redigido em
duas línguas, francês e português, onde também se encontram os
podcasts dos programas transmitidos na Rádio Judaica Bélgica.
Os cadernos culturais de jornais importantes como o finado
Jornal do Brasil (que ainda existe na internet), O Dia e O Globo,
me honraram publicando alguns artigos sobre meu trabalho, e boa
parte das minhas resenhas de discos e de shows encontram-se nos
sites oficiais dos artistas e das gravadoras.
Há dois anos resido, principalmente, no Rio de Janeiro, e é
com um prazer levemente dissimulado que continuo, como Hercule Poirot, a corrigir com malícia aqueles que acham que sou
francês. Pois se a Bélgica é um país tão complexo para ser definido, ela possui ao menos a vantagem, devido a isto, de escapar das
ideias preconcebidas. Verdade seja dita, continuo a pensar que é
particularmente confortável dizer que se é belga no Brasil.
Daniel Achedjian, doutor em História da Arte, se apaixonou pela
música e arte popular brasileira. Constituiu uma grande coleção em
Bruxelas, onde, como radialista, mantém o programa “Tropicalia”
na Rádio Judaica.
226
música popular brasileira
A descoberta da Bossa-Nova na Bélgica
B a r t P. Va n s p a u w e n
A
Bossa-Nova ganhou fama na Bélgica com Toots Thielemans
e Elis Regina, com a gravação deles de 1969 e com sua atuação em Bruxelas em 1979; com o Festival Viva Brasil em Bruxelas
nos anos 1980; com o guitarrista belga Philippe Catherine; com o
Two Man Sound, o grupo dos músicos belgas Lou Deprijck, Sylvain Vanholmen e Yvan Lacomblez; com o compositor, músico e
produtor Henri Greindl, em formações diferentes como Cheiro de
Choro, Parfum Latin e Henri Greindl Quintet; com o saxofonista
John van Rymenant; com o DJ Buscemi (Dirk Swartenbroekx),
e com Vincent Kenis e sua editora discográfica Ziriguiboom, baseada em Bruxelas.
O jazzista Toots Thielemans, conhecido por tocar violão e
harmônica de boca, produziu em 1969, juntamente com a diva
brasileira Elis Regina, o álbum Aquarela do Brasil – Elis Regina
& Toots Thielemans, que foi gravado na capital sueca, Estocolmo, durante a turnê europeia de Elis no mesmo ano. A dupla
foi acompanhada pelo quinteto Conjunto de Roberto Menescal,
que se chamou Elis Cinco para essa ocasião. O álbum foi uma
mistura de jazz belga e Bossa-Nova. Thielemans foi responsável
por três solos de harmônica de boca e violão, incluindo um tributo a Elis Regina.
Thielemans gravou mais dois álbuns em homenagem à música brasileira: Brasil Project 1 (1992) e Brasil Project 2 (1993).
Neles, Thielemans tocou com colegas músicos brasileiros, como
Ivan Lins, Djavan, Oscar Castro-Neves, Dori Caymmi, Ricardo
Silveira, João Bosco, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Caetano
Veloso, Luiz Bonfá, Edu Lobo e Eliane Elias.
O Festival Viva Brasil foi organizado em Bruxelas de 1988 a
1992. A primeira edição teve lugar de 29 de junho a 1º de julho
de 1988 no Palácio de Belas Artes, com Beth Carvalho, Jorge Ben,
Astrud Gilberto e Milton Nascimento no cartaz.
A segunda edição – em 21 e 29 de junho e 3, 5 e 6 de julho de
1989 –, foi aberta por Marcia Maria na Grand Place de Bruxelas.
Escola de samba Galeria, Maracatu Elefante Porto-Rico e Frevo
Abanadores do Arruda também atuaram. O restaurante Do Brasil
organizou uma noite musical quando recebeu no palco Hermeto
Pascoal Grupo, bem como João Bosco & Caetano Veloso, com
Carlinhos Brown na percussão. Astrud Gilberto & João Gilberto
atuaram no prestigioso Palácio de Belas Artes.
A terceira edição, de 21 de junho a 10 de julho de 1990, trouxe Ritmistas Pernambucanos (Escola de Samba do Recife), Tania
Maria e Djavan ao palco na Grand Place; Mexe com Tudo e Joyce
no Clube do Brasil; e Margareth Menezes, Gilberto Gil, Marisa
Monte e Jorge Ben no Cinquentenário.
A quarta edição do Viva Brasil, de 5 a 12 de julho de 1991,
teve no cartaz Flávio Dell’Isola, Cheiro de Choro, Fuzuê, Margareth Menezes, Gilberto Gil e Márcia Maria, além de Milton
Nascimento e Nana Vasconcelos, Osmar, Pau Brasil, Stéphane
Toots Thielemans recebeu uma encomenda na Embaixada do Brasil na Bélgica
em 23 de janeiro de 2006, tocou junto com Gilbero Gil (fotografia de Vivian
Oswald).
Martini & Papagaio & Denise Azul. Houve atuações no Clube do
Brasil, Travers, o Palácio de Belas Artes, e Mirano. E o Viva Brasil
1992, finalmente, realizado de 30 junho a 10 de julho. A noite de
abertura coincidiu nessa ocasião com a noite de encerramento do
festival multicultural Couleur Café. Jorge Ben Jor e a Banda do Zé
Pretinho e Kaoma atuaram na sala Halles de Schaerbeek; Marisa
Monte e Batucada na Praça Muntplein; Cheiro de Choro na sala
Beurscschouwburg; Rita Lee e Ricardo Silveira e The Latin-American All Stars na Ancienne Belgique; Marito Correa no Do Brasil,
Kaoma e Batucada na cidade costeira de Blankenberge; Denise
Blue na Les Tréteaux de Bruxelles; Ana Caram & Zizi Possi na
Ancienne Belgique; Assa Brothers & Uakti no Estúdio 4 da então
chamada emissora de televisão nacional BRT (na Praça Flagey).
Ara Ketu, Nazaré Pereira + Sivuca também atuaram. Por fim, um
lugar especial foi reservado para o Brazilian Project de Toots Thielemans, contando com a participação de Gilberto Gil, Chico Buarque, Eliane Elias, João Bosco, Ivan Lins e Oscar Castro-Neves.
O guitarrista de jazz belga Philippe Catherine substituiu, no
início do ano de 1976, Jan Akkerman na banda de rock holandesa
Focus durante a gravação e a turnê do álbum Focus con Proby em
1977 e 1978. Com Catherine, a banda atuou para mais de 60 mil
pessoas no Palácio das Convenções do Anhembi, durante o International Jazz Festival of São Paulo (também conhecido como São
Paulo-Montreux Jazz Festival), ao lado de músicos como Hermeto
Paschoal, Egberto Gismonti, Stan Getz, Milton Nascimento, Raul
de Souza, Luiz Eça, Helio Delmiro, Márcio Montarroyos, Wagner
Tiso e Victor Assis Brasil.
227
parte 7 – música
Em 1990, Catherine recebeu, junto com Stan Getz, o Bird Prize, durante o Northsea Jazz Festival. Catherine compartilhou seu
amor pela Bossa-Nova repetidamente no palco com Toots Thielemans. Por exemplo, em 1993, durante um concerto na Flanders
Expo, em Gand, com Thielemans e amigos. No seu primeiro álbum solo, Guitars Two (2008), Catherine interpretou igualmente
números do guitarrista brasileiro Guinga, de Stephane Grappelli
e de Fiszman Nicolas, além de composições originais (tal como
a música acústica Lendas Brasileiras). Catherine voltou repetidamente a São Paulo, como em 2010, com interpretações de Guinga e Pixinguinha, juntamente com a orquestra Jazz Sinfônico no
Auditório Ibirapuera.
Two Man Sound foi um grupo belga pop constituído pelos
músicos Lou Deprijck, Sylvain Vanholmen e Yvan Lacomblez.
Tanto Deprijck como Vanholmen já tinham ganho alguma fama
como produtor musical: o primeiro com músicos como Liberty
Six, Lou & the Hollywood Banana’s e projetos como Viktor Lazlo, Plastic Bertrand; o segundo com The Wallace Collection,
Octopus, e mais tarde com The Machines, Jo Lemaire & Flouze.
A banda registrou seus maiores sucessos na década de 1970 com
influências de disco, samba e bossa-nova. Mais elogios o trio recebeu com as canções “Copacabana” (1971), “Charlie Brown”
(1976) e “Que Tal América” (1979). O medley “Disco Samba”, do
álbum homônimo (1978), por outro lado, se tornou um grande
sucesso na Europa no início dos anos 1980, com posições altas
nas diferentes euro-charts entre 1983 e 1986, depois do grupo já
ter parado de atuar.
Henri Greindl, além de ser compositor, arranjador, produtor
musical e engenheiro de som também ativo como músico (violão,
baixo, cavaquinho), trabalhou com numerosos músicos de jazz
no Brasil (Marimbanda, Caito Marcondes, Marito Correa, Léa
Freire). Greindl, casado com a curadora de exposições brasileira
Cristina Barros Greindl, foi membro fundador das bandas Cheiro
de Choro, Parfum Latin, e Henri Greindl Quintet, todas influenciadas pelo gosto musical de Greindl por bossa-nova, jazz e rock
progressivo dos anos 1970.
O grupo Cheiro de Choro é composto por Daniel Stokart (flauta, sax), Anne Wolf (piano), Tonio Reina (bateria e percussão) e
Henri Greindl (violão, baixo eletrônico, contrabaixo, cavaquinho).
O flautista brasileiro Beto Cavalcante (Heriberto Cavalcante Porto
Filho) também foi envolvido na fundação do grupo em 1990. Desde então, Cheiro de Choro tocou em vários festivais na Bélgica e
no Norte da França (Viva Brasil, Belga Jazz Festival, Bruxelas Jazz
Rallye, entre outros), com interpretações de Tom Jobim, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, misturando o jazz com diversas
variantes da música brasileira, tais como samba, frevo, marcha
rancho, partido alto, chorinho, maracatu, xote e baião. Depois
do primeiro álbum, Chorinho para Tina (2001), a ênfase passou
do choro ao jazz.
O segundo projeto musical de Greindl, o grupo Parfum Latin,
é composto por Pierre Bernard (flauta), Anne Wolf (piano, tecla-
dos e vocais), Charles Loos (piano e teclados), Jan de Haas (bateria, percussão e marimba) e Henri Greindl (baixo), novamente
com influências musicais brasileiras.
Finalmente, o terceiro projeto de Greindl, Henri Greindl
Quintet, tem como membros Daniel Stokart (sax, flauta), Pierre
Bernard (flauta), Theo de Jong e José Luis Montiel (baixo), Luc
Vanden Bosch (bateria, percussão) e Henri Greindl (violão). Durante suas apresentações no Brasil, Greindl foi acompanhado por
músicos locais: Vitor Alcantara e Josué dos Santos (sax e flauta),
Zeli (contrabaixo) e Alexandre Damasceno (bateria).
Além disso, Greindl fundou em 1997 o selo independente
‘Mogno Music’, que produziu as obras discográficas de seus diferentes grupos. Na compilação Inspiração Brasil (2005), Greindl
tocou ao lado de músicos brasileiros ou outros músicos que se
inspiraram na música brasileira (Tom Jobim, Benoit Mansion,
Ronaldo Boscoli, Weber Iago, Pixinguinha, Baden Powell, Jose
Eduardo Gramani e Charles Loos). Os rendimentos do álbum
foram inteiramente transferidos à comunidade Corumbau, no Estado brasileiro da Bahia.
O saxofonista John van Rymenant gravou o álbum Memory
Stop (1982) durante oito meses de estadia no Brasil, em 1979,
período no qual mergulhou no mundo dos sons brasileiros, criando uma fascinação pelo berimbau, que usou extensivamente nas
gravações e depois tratou eletronicamente no estúdio em Bruxelas. O LP é classificado como de gênero de música eletroacústica,
contendo músicas como “Electro Samba” e “Capoeira”.
Desde 1996, Buscemi (pseudônimo de Dirk Swartenbroekx)
ganhou fama com seus álbuns remix sob influência brasileira,
chamados Late Nite Reworks, incluindo remixes no estilo bossa-nova de canções de músicos brasileiros como Marcos Valle, Rosalia de Souza, e Electro Coco. Juntamente com sua banda Squadra Bossa (trompetista Sam Versweyveld, baixista Hans Mullens e
baterista Luuk Cox), DJ Buscemi atuou repetidamente em muitos
festivais de grande dimensão na Bélgica bem como no exterior.
Finalmente, Ziriguiboom, um sub-rótulo da editora discográfica belga Crammed Discs, foi fundado em 1998 por Vincent Kenis em colaboração com o produtor musical brasileiro Beco Dranoff. A editora foca em sons brasileiros inovadores que mesclam
tradição e pop com elementos eletrônicos, sendo a bossa-nova
uma parte importante dessa mistura. Músicos internacionalmente
conhecidos como Bebel Gilberto (cujo álbum Tanto Tempo, de
2000, criou um avanço nacional), Trio Mocotó, Celso Fonseca,
Bossacucanova, Zuco 103, Cibelle, DJ Dolores, Apollo Nove e
Suba são alguns dos nomes famosos. Ziriguiboom já editou mais
de 30 CDs e compilações, tais como Samba Soul 70, Brasil 2 Mil:
Soul Of Bass-O-Nova) e Ziriguiboom: The New Sound Of Brazil.
Bart Vanspauwen, graduado em Estudos Literários e em Estudos Culturais pela Universidade Católica de Lovaina, é Mestre e Doutorando
em Etnomusicologia pela Universidade Nova de Lisboa, com pesquisa
sobre a integração de músicos migrantes de língua portuguesa.
228
música popular brasileira
A descoberta do Mangue Beat na Bélgica
B a r t P. Va n s p a u w e n
M
angue Beat é uma denominação para a cena musical eclética do Recife, capital de Pernambuco. Em 2000, foi apresentada pela primeira vez ao público através da emissora nacional
flamenga Rádio 1 em dois programas semanais sobre músicas do
mundo: “Club Tropical” (desde 1984) e “Cucamonga” (desde
1993), ambos produzidos e compilados por uma equipe liderada por Zjakki Willems, que estudou ciências políticas e relações
internacionais na Universidade Livre de Bruxelas (ULB). Ele fez
sua primeira série musical sobre Frank Zappa na década de 1970
para a emissora holandesa KRO e a emissora belga (flamenga)
BRT 2. Como jornalista freelancer, ele também publicou nas revistas Knack e Oor.
Entre 1986 e 1997, Willems estava na base da EBU World Music Workshop e participou da World Music Charts Europe. Além
disso, ele produziu as gravações da emissora belga (flamenga) VRT
nos festivais Cactus Festival, Couleur Café, Sfinks Festival, Antilliaanse Feesten, Open Tropen e Belgium Rhythm & Blues Festival.
Entrementes, o programa Cucamonga recebeu os prêmios Zamu
Award e Deutsche Welle Award, entre outros.
Com a alteração do perfil da Rádio 1 em 2007, os programas de
rádio de Willems foram substituídos por ‘Exit’, ‘ExitPlus...’ e ‘Exit­
PlusWorld’, que em 2011 se transformariam em ‘Closing Time
World’. Em 2010 e 2011, Willems foi curador musical do festival
cultural internacional Europalia.Brasil em Bruxelas.
Willems entrevistou Chico Science, um dos fundadores do
Mangue Beat, no Recife, em 1994. Desde então, o radialista fez
cinco séries de rádio sobre a música brasileira: Rádio Brasil (2000),
Rádio Mangue (2002), Sintonize Pernambuco (2003), SamPa Beats (2006), Rádio Mauritsstad (2009, para a emissora holandesa
Rádio 6) e Rádio Mauritsstad (2011, versão francesa).
Nessa série de rádio, a ênfase foi particularmente colocada na
expressão musical no Recife, com a história do Mangue Beat, por
Willems designado como o movimento recente mais importante
na música brasileira desde o Tropicalismo do final da década de
1960. Como referido por Willems e seus colaboradores, tais como
Jeroen Revalk e John Erbuer, Mangue Beat é sinônimo de uma
geração de músicos que, desde a década de 1990, ganharam fama
com uma mistura de música tradicional do Nordeste, pop e rock
e outras influências do mundo inteiro.
Dos programas de Willems surgiram Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, dois dos grupos principais, que
elaboraram um manifesto cultural no qual viram o ecletismo do
Nordeste como um motivo de orgulho, no nível regional, nacional e internacional. Por isso, festivais locais como Abril Pro Rock e Rec Beat, focaram em grupos inovadores de Pernambuco,
Brasil e América Latina, enquanto a conferência Porto Musical
(organizada pela Womex-World Music Expo, sediada em Berlim
desde 2005) juntou anualmente músicos, investigadores e espe-
cialistas de marketing e tecnologia do mundo inteiro no período
de carnaval.
Além disso, Cucamonga e Club Tropical também abordaram fatos socioculturais e históricos sobre Recife que, de 1630 a
1654, foi a capital do Brasil holandês e era conhecida por Mauritsstad. Como referido pelos radialistas, foi nesse período colonial que os maracatus surgiram, cerimônias com influências
europeias, africanas e indígenas em duas variantes: o maracatu
urbano (maracatu nação), em homenagem aos reis africanos e
como se tornaram escravos nas plantações de cana de açúcar; e
maracatu do campo (maracatu rural), com a figura central do
mestiço indígena (caboclo).
Maracatu é tipificado musicalmente pela alfaia, um grande
tambor portátil onipresente nos desfiles de maracatu durante o
carnaval do Recife. Chico Science e seu grupo Nação Zumbi incorporaram essa alfaia no mangue beat, junto com outras percussões indígenas. Segundo Willems, velhas e novas influências culturais foram recicladas musicalmente para reforçar a identidade
local do Recife.
Think of One, um grupo de Antuérpia, foi inspirado pelo
ecletismo popular do mangue beat. Estimulado por John Erbuer,
o cineasta de Cucamonga, o coletivo, que já havia colaborado
com músicos marroquinos sob o nome Marrakech Emballages
Ensemble, decidiu fazer dois álbuns com músicos locais no Recife, seguido de duas turnês pela Bélgica e Europa. A BBC World
Music Award, em 2005, apenas aumentou o reconhecimento
do grupo.
A equipe de Cucamonga também fez um documentário sobre as estadias de Think of One no Recife. Para o primeiro álbum,
Chuva em Pó, a banda passou seis semanas no Recife para ensaiar
com os músicos de lá, gravar um CD e fazer uns shows. Durante
as últimas quatro semanas, o cantor-guitarrista do grupo, David
Bovée, falou semanalmente por telefone sobre o avanço do projeto
e a interação musical durante a emissão de Cucamonga.
John Erbuer registrou essa aventura musical em um documentário que foi exibido no lançamento de Chuva em Pó no dia
25 de maio de 2004, na sala de concertos Ancienne Belgique em
Bruxelas. O álbum trouxe ritmos e instrumentos (como a alfaia e
o agogô) do Recife, e contando igualmente com uma participação de Siba, ex-cantor do mangue beat grupo Mestre Ambrósio.
Durante a turnê belga, Think of One compartilhou o palco com
a Dona Cila do Coco, então com 60 anos, o percussionista Carranca, e as backing vocals Christina Nolasco e Lulu Araújo. Think
of One, por sua vez, tinha como membros David Bovée (voz e
violão), Eric Morel (saxofone), Roel Poriau (bateria, kwita, reco
-reco), Tobe Wouters (trombone, tuba), Tomas De Smet (violão,
baixo). O grupo ainda atuou em Antuérpia (na sala Roma), Lovaina (festa do mundo no parque Bruul), Kortrijk (Sinksen 04), Gand
229
parte 7 – música
John Erber filmando em Pernambuco.
em 2007, no Cactus Festival (Bruges), desta vez sob o nome de
DJ Dolores & Aparelhagem.
Aliás, vários outros artistas e bandas pernambucanas passaram
por Sfinks Festival, como Chico Science e Nação Zumbi (1995),
Mestre Ambrósio (1996), Lenine (2000), Mundo Livre S/A (2000),
Cordel do Fogo Encantado (2001), Silvério Pessoa, ex-cantor do
grupo Cascabulho (2003) e a Banda Eddie (2006).
Diversos grupos de maracatu e outros desfiles tradicionais também chegaram até Sfinks, entre eles: Maracatu Nação Pernambuco (1998, que também tocou no Festival Couleur Café no mesmo
ano), Maracatu Leão Coroado (2002), Maracatu Estrela Brilhante
(2005) e a Afoxé Iyê de Egba de Olinda (2006).
O programa Cucamonga, entretanto, tentou construir uma
ponte musical entre RecBeat e a Bélgica: o grupo belga Madensuyu na edição de 2010 de RecBeat, em Recife e São Paulo, e
havia também grupos do Recife nos palcos do festival Gentse Feesten em Gand.
Finalmente, em 2011, foram programados vários atos musicais
de Recife no Europalia.Brasil em Bruxelas, do qual Zjakki Willems era o curador musical. Ficaram agendadas apresentações da
Banda Eddie, DJ Dolores e Renata Rosa em Gand (na sala Handelsbeurs), Turnhout (Warande) e Amsterdã (Melkweg), que, no
entanto, foram cancelados na última hora pela organização. Para
outras atuações, como a de Siba em Bruxelas (Palácio de Belas
Artes), apareceram poucas pessoas, que também foi o caso de Renato Borghetti, Olivinho e Lulinha Alencar. Willems observou
que, embora houvesse grandes concertos de músicos brasileiros
como CéU, Samba Chula de São Braz e Tom Zé, estilos musicais como maracatu, funk carioca, bossa-nova, DJ sets ou hip hop
foram pouco promovidos.
(Vooruit), Mol (Het Getouw), Bruges (De Nacht) e em festivais
de projeção nacional como Afro Latino, Polé Polé, Gentse Feesten,
Dour e Dranouter.
Para o próximo álbum, Tráfego, que foi lançado pela editora
belga Crammed Discs (que também editou discos de outros músicos brasileiros, como Zuco 103, Bebel Gilberto, DJ Dolores e
Suba), Think of One voltou para o Brasil. O programa Cucamonga novamente transmitiu um telefonema semanal com o grupo a
partir de Recife e trechos musicais exclusivos.
Participaram do álbum novamente Dona Cila do Coco (voz),
Alê Oliveira, Lucie e Carolina de Renesse, Fernanda Boechat,
Ganga Barreto, Sheyla Vidal e Cris Nolasco (backing vocals),
Ricardo Lourenço (violão), Sergio Lemos, Dom Carlos e Hugo
Carranca (percussão), David Bovée (violão, teclados, voz), Tomas
De Smet (baixo, teclados), Bart Maris (corneta, trompete), Bruno
Vansina (saxofone barítono), Eric Morel (saxofone), Jon Birdsong
(corneta, trompete), Marc Meeuwissen e Stefaan Blancke (trombone), Tobe Wouters (trombone, tuba), Michael Weilacher (marimba, vibrafone), Peter Vandenberghe (órgão Hammond), Pitcho
Bovée (efeitos de som) e Roel Poriau (bateria, teclados, triângulo).
Think of One atuou como showcase na conferência musical
Porto Musical em março de 2006 no Recife. Na Bélgica, a banda atuou nas principais salas de concertos de Bruxelas (Ancienne
Belgique), Antuérpia (Petrol), Gand (Vooruit), Lovaina (Het Depot), Diksmuide (Ten Vrede), bem como em festivais multiculturais como Mano Mundo (em Boom) e Couleur Café (Bruxelas).
Entretanto, outros músicos do Recife também vieram à Bélgica. DJ Dolores e Orquestra de Santa Massa atuaram, em 2002,
nos clubes Nijdrop em Opwijk e 4AD em Diksmuide, em 2003
no festival multicultural Sfinks (Boechout, perto de Antuérpia) e,
230
música popular brasileira
A música brasileira nos festivais
B a r t P. Va n s p a u w e n
O
s irmãos Stephen e David Dewaele, DJs fundadores dos grupos de eletro-rock Soulwax e 2 Many DJs, são frequentes em
São Paulo (por exemplo, com Soulwax no Ultra Music Festival na
Arena Anhembi, em 2011).
Soulwax conta, além dos irmãos Dewaele (filhos do celebrado
radialista belga Zaki), com Stefaan Van Leuven (baixo) e Steve
Slingeneyer (bateria). Com o 2 Many DJs, têm uma parceria com
o Mixhell, projeto eletrônico paulista de Iggor Cavalera (ex-Sepultura) e sua esposa, Laima Leyton.
As contínuas viagens a São Paulo resultaram em um remix intitulado ‘Batuta Discos’, no qual os irmãos Dewaele fazem mash
ups de discos raros de MPB (Tom Zé, Caetano Veloso e Milton
Nascimento, entre outros) que compraram nas galerias do rock
paulista. O disco vem acompanhado de um documentário que
os Dewaele fizeram andando por São Paulo.
Lieven Verstraete, apresentador do jornal de televisão flamenga, também viajou a São Paulo em 2007 para o programa Cucamonga de Zjakki Willems (Rádio 1). Sua pesquisa na cena musical underground da cidade resultou em uma série de relatórios
apresentados em Cucamonga, e nas compilações Braz-ill (que
redigiu para a revista de música belga Gonzo Circus em 2007) e
Satanic Samba – São Paulo extravaganza (publicado pelo rótulo
Lowlands, de Antuérpia, em 2008) –, com artistas como Tom Zé,
Cidadão Instigado, Bonde do Rolê, Vurla, Krautdemonish, Cansei de Ser Sexy e Instituto vs DJ Dolores. Verstraete, desde então,
não só divulgou seu trabalho como DJ em clubs e festivais belgas
(por exemplo, Jazz Festival Ghent 2009 e Dranouter 2013), como
apresentou o programa ‘ExitPlusWorld’, também sob tutoria de
Zjakki Willems.
A banda Arsenal, projeto dos produtores Hendrik Willemyns
e John Roan, fizeram a ligação com o Brasil através de uma mistura de pop, hip hop e música do mundo nos discos Oyebo Soul
(2003) e Outsides (2005).
Os singles “A volta”, uma colaboração com Mario Vitalino
dos Santos, um cantor e compositor de Salvador, Bahia, e “Mr.
Doorman” se tornaram hits. Com Outsides, acompanhado de um
DVD em que foram apresentados vocalistas convidados – incluindo Vitalino dos Santos, em Salvador –, Arsenal em 2005 ganhou
o prestigioso Zamu Award.
Ao vivo, o grupo fez sucesso com a ajuda da cantora Leonie Gysel, com o público recitando as letras em português. Atuou várias
vezes no maior festival belga, Rock Werchter, bem como em outros
festivais como Pukkelpop, Marktrock, Dranouter e Lokerse feesten.
O Festival Sfinks em Boechout (perto de Antuérpia), dedicado à ‘música do mundo’, divulgou desde os anos 1980 vários grupos e artistas brasileiros, como Banda Eddie, Carlinhos Brown,
Chico Science & Nação Zumbi, DJ Dolores & Orchestra Santa Massa, Fernanda Abreu, Gilberto Gil, Jorge Benjor, Lenine,
Maracatu Leão Coroado, Maracatu Nação Pernambuco, Mestre
Ambrosio, Mundo Livre s/a, Olodum, Pedro Luis e A Parede,
Samba de Coco Raízes de Arcoverde, Skank, Ylê de Egbá, Zeca
Baleiro e Zuco 103.
Anualmente, o festival dedica uma noite à música brasileira
sob o nome ‘Festa do Brasil’. Outros festivais belgas também receberam músicos brasileiros, como foi o caso de Couleur Café
em Bruxelas, que projetou no palco Daniela Mercury (1998 e
2002), Carlinhos Brown (2001), Zuco 103 (2001 e 2002), Gilberto Gil e Ivete Sangalo (2006). O Festival Braziliaanse Feesten
em Brecht (perto de Antuérpia), também trouxe ao palco música
brasileira desde 2008.
A popularidade dos projetos musicais em torno dos irmãos
Max e Iggor Cavalera (Belo Horizonte/São Paulo), nomeadamente as bandas Sepultura, Soulfly e Cavalera Conspiracy, apesar de
ser considerada música ‘pesada’, ganhou evidência a partir de
1994, com passagens quase anuais nos principais festivais e clubs
da Bélgica até 2012. Especialmente a obra Roots (1996) foi tocada
pelas importantes rádios nacionais, fazendo com que Sepultura
fosse a primeira banda de metal a estar nos festivais mainstream
belgas, com destaque para o festival duplo Rock Torhout/Werchter
em 1994 e 1996.
Muitos jovens conheceram melhor o Brasil pelo grupo, não
só pela bandeira do Brasil no palco e os instrumentos usados, tais
como o berimbau e a alfaia, mas também pelo relato da história
sociocultural e racial do Brasil nas músicas. Para a faixa “Roots
Bloody Roots”, Sepultura tocou junto com Carlinhos Brown (Timbalada), enquanto o primeiro guitarrista da banda Soulfly era Lúcio Maia, da banda recifense Nação Zumbi, ícone do mangue beat. Além disso, os irmãos Cavalera se tornaram fortes amigos dos
irmãos Dewaele (Soulwax, 2 Many DJs).
231
parte 7 – música
Os músicos brasileiros residentes na Bélgica
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S
ão vários os músicos ou grupos brasileiros que residiram, permanentemente ou não, na Bélgica, resultando em diversas
gravações, colaborações e projetos.
Marcelo de Vasconcelos Cavalcanti Melo, violão e voz predominante do grupo de música do Norte do Brasil, Quinteto Violado,
passou uma temporada de estudos na Bélgica e na França antes
de decidir apostar na música. Em Paris, fez contato com a cantora francesa Françoise Hardy, que lhe abriu portas para gravações
de discos e apresentações nas mídias locais. Na Bélgica, conheceu músicos cabo-verdianos engajados na luta de libertação das
colônias portuguesas na África, gravando em conjunto o LP Stora
Stora, em Roterdã, na Holanda.
O grupo Samboa, de Augusto Gonçalves e sua esposa belga Liliane Fontaine, toca vários gêneros musicais do Nordeste brasileiro,
sem esquecer o samba. Samboa também criou uma escola de samba, desfilou muito, se apresentando, por exemplo, no Parc Royal no
dia 21 de julho (feriado nacional da Bélgica). Gravaram três CDs.
O grupo Sergio Lemos e Goiabada, formado por cinco músicos,
toca samba tradicional e popular. Lemos dirigiu, durante muitos
anos, a escola de samba da Vila Isabel, e se casou com uma belga.
Pau Xeroso canta forró tradicional. O grupo foi fundado por
três brasileiros – Augusto Rego (zabumba e canto), Paulinho da
Cuíca (percussão e canto) e Dioni Costa (canto) – que se especializaram no forró tradicional de Pé de Serra, mas também interpretam outras músicas e danças típicas do Norte do Brasil. O grupo
conta ainda com o belga Maurice Blanchy, mais conhecido como
‘Zé Momo’ (acordeão), Marat Araujo (baixo e canto) e Flávio de
Souza (viola e canto). Paulinho da Cuíca também é responsável
pelo grupo ambulante de percussões Batuqueria, com elementos
brasileiros e belgas, tocando um repertório tradicional.
Fora isso, há muitos grupos de forró contemporâneo, assim
como de música sertaneja, que se apresentam nos numerosos cafés e restaurantes populares brasileiros na Bélgica. Em 2012, por
exemplo, o ViaVia Café-Micro-Marché, em Bruxelas, foi o palco
de vários projetos musicais, como a ‘Roda de Choro de Bruxelas’,
projeto animado pelo músico carioca Pedro Moura, e o ‘Via MPB’
com o grupo que conquistou o 1º lugar no Festival de Música
Latina em Bruxelas, o Trio Santa Pua. São vários os cantores de
MPB, como Sergio Bastos, Dioni Costa, Pedro Moura, Solania,
Cintia Rodriguez, o belga Reynald Halloy, Maria Teresa e Grafite.
Outros músicos brasileiros se dedicaram na Bélgica a determinados instrumentos ou repertórios. Osman Martins, especialista do
cavaquinho, já gravou vários CDs, se apresentou no Festival Couleur Café, e está na programação da asbl Muziekpublique, onde
também dá aulas de música. Seu último CD, Motivo de Alegria
(2008), consiste em chorinhos. Martins também é ativo com os
grupos Parceria e Samba de Candei, tendo tocado muito com o
músico belga Max Blesin.
Alexandre Boff, sobrinho de Leonardo Boff, criou o grupo
Alek et les japonaises, juntamente com sua companheira japonesa, cantando em japonês.
No campo do jazz, o compositor e guitarrista Daniel Miranda
gravou vários CDs e toca com músicos brasileiros e belgas. Seu
espetáculo ‘Le Brésil en 17 Cordes’ foi integrado no quadro das
‘Jeunesses Musicales de Belgique’.
Victor da Costa é professor de guitarra nas Academias de Bruxelas e Antuérpia; e também gravou um CD com composições
suas, chamado Caçamba, com uma participação do guitarrista
de jazz belga Boris Gaquere, Cláudio Rocha (saxofone e flauta,
instrumentos de metal) e Osvaldo Hernandez, um mexicano que
se especializou em percussões brasileiras. Em 2011, Boris Gaquere gravou o CD Tempo Feliz com o percussionista brasileiro
Renato Martins.
Sobre os corais, a brasileira Maria Helena Schoeps dirige o
coral Anaconda, com um repertório variado – canções francesas,
música popular e sacra brasileira – enquanto Flávio de Souza, que
canta, toca violão e é compositor, dirige igualmente, com sua esposa, Ylva Berg, um coral onde cantam músicas de vários países,
resultando no CD Ritmus Project.
Por fim, muitos músicos brasileiros estudaram na Bélgica, como, por exemplo, a pianista Elizabeth Fadel e o saxofonista Filipe Nader.
(Agradecimento a Susana Rossberg pelas informações.)
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