Cidades como Ecossistemas

Cidades como Ecossistemas
“Quando tivermos passados os primeiros 25 anos deste século, mais de um bilhão e meio de
pessoas nas cidades do mundo estarão enfrentando ambientes ameaçadores à sua saude e a sua
vida, ao menos que possamos criar uma revolução na solução dos problemas urbanos.” United
Nations Conference Habitat II
"O planeta não é inanimado. E um organismo vivo. A terra, suas rochas, oceanos, atmosfera e
todas as coisas vivas fazem parte de um grande organismo. Um sistema coerente e holistico de
vida, auto- regulador e auto-mutável.” James Lovelock Hipotese de Gaia
Ao longo das últimas tres décadas testemunhamos um consenso crescente de que necessitamos
aprender a viver de forma sustentavel se quizermos sobreviver como especies, pois nosso planeta
de recursos finitos experiencia seus limites de crescimento.
Neste periodo relatorios notaveis do Club de Rome (1972), da Comissao Brundtland (1987), do
Painel Intergovernamental de Mudança Climatica (1990) serviram como um chamado de alerta
sobre o destino da Terra.
O documento GEO-2000 (Global Environment Outlook- Perspectiva sobre o Ambiente Global),
publicado pela UNEP (PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), declarou
enfaticamente no ano 1999 que: “se nao forem revertidas as tendencias atuais de consumo
conspicuo estamos correndo o perigo iminente de destruir de maneira irreversivel os sistemas de
apoio a vida das quais a raça humana depende crucialmente para sua saude, seu bem estar
economico e, em ultima analise, para sua sobrevivencia”.
As comunidades em que vivemos, especialmente as grandes cidades, são algumas das causas
mais prementes para o planejamento de um futuro sustentável, já que vivemos a maior parte de
nossas vidas dentro delas e seu meio ambiente afeta nossa saúde e bem-estar.
O destino da humanidade e o futuro da biosfera serão determinados nas grandes cidades do
seculo XXI. Não havera mundo sustentavel sem cidades sustentaveis. Uma das questoes
cruciais de nossa geraçao é como encorajar políticas e abordagens sistemicas efetivas que
integrem os aspectos sociais, econômicos e ambientais numa proposta onde cidades são
planejadas e vivenciadas como ecossistemas.
Os quatro fluxos energéticos naturais, que atravessam qualquer ecossistema, são a energia do
sol, do vento, da água e dos nutrientes que constituem a matéria biológica. No contexto do
desenho urbano sustentavel falamos da circulação de fluxos de matéria, energia e informação,
num planejamento integrado que inclui edificações, paisagem e infra-estrutura.
Isso não se refere apenas ao desenvolvimento de novos projetos, mas também à conservação de
espaços públicos, assim como áreas habitacionais, que devem se tornar mais sustentáveis, o que
é um grande desafio, já que a maior parte do planejamento futuro sustentável será dirigido para
cidades já construídas.
Uma proposta de infra-estrutura ecológica numa cidade sustentavel irá captar os fluxos
energeticos, criando ciclos produtivos no sistema, até neutralizar efeitos nocivos.
Ao pensar nas cidades enquanto ecossistemas, nós minimizamos o uso de recursos naturais, a
geração de desperdícios e a emissão de poluentes, realçando a biodiversidade. Esta atitude leva
em consideraçao que a base física para a diversidade da natureza não deve, e não pode, se
deteriorar sistematicamente.
A inserção de edificações nas cidades passa a observar uma orientação criteriosa, que tira partido
do movimento aparente do sol, dos ventos dominantes, do relevo e formações rochosas, dos
recursos hídricos e das reservas florestais.
Em termos de sustentabilidade energética, precisamos de mais energia renovável no nosso mundo
e de mais energia barata para as pessoas de baixa renda. Caminhamos em direção a adoção de
matrizes energéticas renovaveis eficientes e de uma “dieta energética” menos rica em carbono
fóssil que gere menores custos à qualidade ambiental.
Isto sistemicamente ira gerar a criação de novos empregos na indústria energética renovável que
hoje emerge com grande impeto. Fotovoltaicos solares estão em desenvolvimento intensivo e
carros movidos a hidrogênio serão disponibilizados por todos os maiores fabricantes de
automóveis em poucos anos. Assim reduzimos a mineração e uso de combustíveis fósseis que
deixam de ser extraídos mais depressa do que podem ser redepositados na crosta terrestre.
Na cidade desenhada enquanto ecossistema tambem adotamos medidas de conservação de
energia. Falamos de medidas simples como a conversão de frotas de ônibus para combustível
não-poluente e mudança de sinais de trânsito para diodos, que duram quatro vezes mais, gastam
menos energia e não precisam de manutenção. Falamos tambem de ciclovias, rodizios, transporte
coletivo urbano integrado.
A cidade como ecossistema vai também buscar configurar parques eco-industriais integrados, nos
quais os resíduos ou efluentes de uma indústria servem como insumos e matérias primas para a
produção, num empreendimento vizinho. Tambem preve a responsabilização dos produtores
pelo ciclo completo dos produtos - o que os responsabiliza também pelas embalagens, resíduos e
destinação final do respectivo lixo. Esta visão apoia a criação de negócios que incentivam a
economia local, não geram poluição, e não exploram recursos humanos e/ou naturais.
Esta visão tambem preve a inclusão coerente e efetiva da agricultura urbana e periurbana através
do desenvolvimento e melhoramento das tecnologias apropriadas de espaço confinado, do
tratamento biologico de águas servidas e irrigação de pequena escala, da compostagem, do
processamento ecologico dos produtos e da criação de jardins ornamentais comestiveis. Como o
exemplo cubano a agricultura urbana alem de ser uma fonte potencial de alimentos e emprego
tambem promove o aproveitamento multifuncional das terras e uma estratégia restauradora da
saude do ecossistema.
Métodos de conservação de água são estimulados pela cidade ecossistemica, atraves da
minimização de consumo doméstico, utilização de dispositivos que reduzem a necessidade de
água, utilização de produtos naturais e não-tóxicos para limpeza e jardinagem, manutenção de
encanamentos para prevenir reparos em vazamentos. A reciclagem das águas tambem é
considerada atraves de filtros biológicos e do tratamento biológico de efluentes a nível doméstico,
comunitário, regional.
Fritjof Capra afirma que chegamos a um ponto de mutação, no qual os paradigmas dominantes
precisam ser transformados, para que a evolução possa prosseguir, sob o risco da espécie
humana provocar sua autodestruição. Ele acredita que “a visão de mundo sugerida pela física
moderna seja incompatível com a nossa sociedade atual, a qual não reflete o harmonioso estado
de inter-relacionamento que observamos na natureza. Para se alcançar tal estado de equilíbrio
dinâmico, será necessária uma estrutura social e econômica radicalmente diferente: uma revolução
cultural na verdadeira acepção da palavra. A sobrevivência de toda a nossa civilização pode
depender de sermos ou não capazes de realizar tal mudança”
Algumas vezes sentimos que o ritmo da transformação caminha mais devagar que o ritmo da
disruptura sistemica. Mesmo assim temos dados claros que indicam que a transformação em
direção a sustentabilidade está acontecendo.
Isto é verdade em alguns assentamento humanos, na escala de comunidades, vilas, ecovilas, e
cidades, onde padroes, indicadores e avaliaçoes de sustentabilidade estão em desenvolvimento
intensivo e rapida difusão.
E esperado um crescimento explosivo na experimentação de sustentabilidade na proxima decada.
Muitos destes novos experimentos involverão nova tecnologia, mas um numero bem maior
involvera o que é chamado de “soft innovation” inovação suave.
Para que as cidades de hoje se transformem em sistemas sustentaveis auto-reguladores temos
que juntos e juntas dar as mãos para a ação. No planejamento de novas cidades ou na
reformulação das antigas priorizamos a reciclagem dos resíduos, a adoção de tecnologias limpas e
de processos de produção integrados, o cuidar das aguas, o plantar organico, o pensar
interdependente. Esta é uma escolha da nossa geração. Diante de nos a possibilidade criativa
de alinharmos a vontade individual de cada cidadã e cada cidadão a vontade coletiva e assim
criarmos um futuro comum tecendo os fluxos energéticos naturais na tecetura do ecossistema
cidade.
May East
Findhorn
27 de Fevereiro 2004