Para que serve isto? A Filosofia do Direito no ensino jurídico (Fragmento de texto de Antoniel Souza Ribeiro da Silva Júnior retirado do site http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3935 ). 1. INTRODUÇÃO. Com uma certa freqüência nos diálogos entre os estudantes de Direito, uns e outros desqualificam a importância do estudo da Filosofia do Direito no curso de graduação. Tacha-se a Filosofia do Direito de saber inútil, excessivamente abstrato, divorciado das disciplinas dogmáticas, as que mais angariam simpatias dos estudantes. "Para que serve estudar isto ?", perguntam. Não nos causam espanto, dadas as peculiaridades dos estudantes, que hoje ingressam no curso universitário pressionados por um inevitável convite ao mercado de trabalho. E tal apelo não é de hoje. Este fenômeno tem sido notado por jurisfilósofos já há algum tempo. PAULO DOURADO DE GUSMÃO denuncia no capítulo introdutório de seu livro dedicado à Filosofia do Direito: "é normal nas universidades serem suprimidos cursos ou matérias que não despertam o interesse profissional, apesar de seu alto valor cultural, como entre nós, por exemplo, o Direito Romano, o latim e a Filosofia... a grande maioria quer dominar o saber que dê sucesso na vida profissional" (1) Desta forma, as disciplinas que não proporcionem um conteúdo técnico-pragmático são desprezadas pelos acadêmicos. Além daquelas já citadas pelo referido autor, no rol das disciplinas relegadas constam, ainda, Sociologia e, pasmem, Ética geral e profissional. Não seria a Filosofia do Direito um "saber que a tribo recusa ?" (2) Não intentamos, no presente ensaio, elaborar um texto filosófico sobre o direito. Não ambicionamos a tanto. Pretendemos, apenas, destacar alguns pontos acerca de como o estudo da Filosofia do Direito pode ser útil, instrutivo para os estudantes de Direito. Intentamos sublinhar como questões inicialmente tratadas como filosóficas podem complementar o estudo da dogmática jurídica. 2. FILOSOFIA DO DIREITO E OUTRAS FILOSOFIAS. Não é tarefa fácil definir o que seja a Filosofia. E, em sendo a Filosofia do Direito um dos ramos da árvore filosófica maior, padece das mesmas dificuldades. Para GARCÍA MORENTE é impossível definir a filosofia a piori, sem fazê-la (3). Ou seja, para melhor definir o que é a Filosofia é necessário filosofar (4). HEIDEGGER ensina "a palavra philosophía está, de certa maneira, na certidão de nascimento de nossa própria história; podemos mesmo dizer: ela está na certidão de nascimento da atual época da história universal que se chama era atômica" (5)(grifo original). Com inegável acerto HEIDEGGER diz que o homem faz filosofia desde a antiguidade grega... e continua fazendo até hoje. Não cuidaremos neste espaço, de definições nominalistas e etimológicas do vocábulo "Filosofia". Atentaremos mais aos sentidos que podem assumir uma dita "atitude filosófica". Questionar, problematizar, criticar, rever, rediscutir são verbos que dominam a inquietação incessante do filósofo. A atitude filosófica compromete-se em perquirir "o que", "como" e "por que ?" das coisas, dos fatos, das idéias e das condutas humanas. Não se resigna com as explicações fornecidas pelo senso comum, pelo conhecimento vulgar que qualquer um de nós temos da realidade que se nos apresenta. Envolve, portanto, um determinado posicionamento diante do mundo em torno. Uma atitude de espanto deve permear a atividade do filosófo, espanto enquanto "choque com uma realidade que não domina" (6). Ou em termos propriamente filosóficos "No espanto detemo-nos (être em arrêt). É como se retrocedêssemos diante do ser do ente pelo fato de ser e de ser assim e não de outra maneira. O espanto também não se esgota neste retroceder do ser do ente, mas no próprio ato de retroceder e manter-se em suspenso é ao mesmo tempo atraído e como que fascinado por aquilo diante do que recua. Assim o espanto é a dis-posição na qual e para qual o ser do ente se abre" (7). Esta atitude de espanto enfeixa uma disposição de ânimo para conhecer o objeto de estudo ao tempo em que se fascina com este mesmo objeto. Enfim, envolve questionar a realidade que se apresenta ao sujeito cognoscente. O Filósofo necessita de uma certa dose de "infantilidade", curiosidade infantil, como diria GARCÍA MORENTE. Não está no centro das suas atenções fornecer respostas para as perguntas que ele mesmo faz, mesmo que responda algumas vezes. A Filosofia pretende apreender seus objetos de estudo de forma totalizante e o mais universal possíveis. Decorre daí que, nada fica alheio às indagações dos filósofos. Como sabemos, nos primórdios, a filosofia reunia a totalidade dos conhecimentos humanos, abrangendo desde o estudo das coisas da natureza até o ente divino. Aristóteles denominava de Filosofia primeira àquela disciplina que estuda o "ser enquanto ser", a metafísica. As Filosofia segundas abrangiam o estudo das particularidades do ser. Na idade média, a Teologia adquire dignidade de um "saber" apartado da Filosofia e nos séculos XVIII e XIX, outras disciplinas como a Física, Astronomia, Biologia e as ciências humanas adquirirem autonomia. Operou-se uma cisão entre a Filosofia e as "ciências". Acho que é importante que o professor de Filosofia transmita aos seus alunos o que é e o que não é tarefa da Filosofia. Aguardar respostas de uma disciplina que não se propõe a fornecê-las, pode ser um tanto quanto frustrante para alguém interessado em resolver certo problema jurídico concreto. Mas, uma vez delimitados seus objetivos no campo do saber humano, fica mais fácil para nós, enquanto estudantes, compreender a importância e as limitações inerentes à própria disciplina. Insistimos no fato de que é possível que de tal dose de abstracionismo gere inquietações em estudantes diretamente preocupados com a prática forense. Como extrair conhecimentos úteis de uma disciplina que não propõe soluções, pelo contrário, fomenta mais ainda questionamentos. Esta nos parece ser uma indagação central no tema que estamos abordando. Como não percebemos aplicabilidade direta dos conhecimentos adquiridos no curso de Filosofia, tendemos a negar-lhe importância. Conseqüentemente, é inevitável que se qualifique de inútil o saber filosófico. Todavia, o que é útil em si mesmo? A que se refere a utilidade de algo? ao fato deste algo ser um fim em si mesmo ou ser meio para outras finalidades ? Numa primeira abordagem podemos responder que a reflexão filosófica tem um valor intrínseco, valiosa de per si, como num deleite intelectual a alimentar nossa saúde mental, sem preocupações de outra natureza. Seria simplesmente uma atitude intelectual em busca das verdades absolutas. Empunhando a bandeira da utilidade da Filosofia como algo valioso em si mesmo encontramos o pensamento de ANTONIO MILLAN PUELLES que nega que a pecha de "inutilidade" da filosofia seja uma verdadeira acusação, ensina ele: "es clara la ‘inutilidad’ de la filosofía para la vida puramente pragmática. Pero esto, em rigor, no es uma verdadera acusación. Lo sería realmente si el supremo valor fuese la utilidad. Tal es, por cierto, el oculto prejuicio en que se basan quienes quiesses así pretendem descalificar la filosofia. Es indudable que la utilidad constituye una especie o forma de valor. Mas no es la única, ni la más eminente; sino, precisamente, la más baja y precaria. Lo que es útil – y tanto que los es - no posee un valor absoluto, vale solamente en la medida que sirve para algo... lo útil se comporta como un medio y es, pues, naturalmente inferior a su fin. El hecho, en suma, de que algo no sea útil no significa, sin más, que no tenga valor; pude ocurrir que valga por sí mesmo" (8)(grifos nossos). Assertiva desta natureza não convence aos não simpatizantes da Filosofia do Direito. Outro tipo de argumentação se faz necessário para esta empreitada. Sigamos, portanto, o rumo contrário. Penso que a grande tarefa dos simpatizantes da Filosofia do Direito talvez seja a de demonstrar como o saber filosófico pode ser um poderoso instrumento a serviço do labor dos juristas, já que a rejeição pela filosofia é grande entre aqueles que aspiram entrar no mundo jurídico. Ora, em sendo um instrumental, um meio a serviço de uma finalidade no universo jurídico (o que, aliás, em nada lhe diminui a dignidade no universo do conhecimento humano !), o conhecimento filosófico adquiriria status de "utilidade", e não pura divagação. A reflexão não deve estar necessariamente apartada das atividades práticas. Melhor, pode ser um adjunto quando nos faz recuar e repensar que talvez nossa perspectiva sobre dada situação esteja distorcida, cega. (9) Mas a realidade não opera desta forma...como tal rejeição à Filosofia do Direito se deu? De um lado encontra-se a influência irresistível da doutrina do positivismo jurídico mais insípido, que nega pertinência de reflexões filosóficas, sociológicas, políticas no mundo do direito. Tal postura foi levada ao extremo pela teoria pura do Direito de Hans Kelsen. Para GARCÍA MORENTE "o positivismo é o suicídio da filosofia; é a proibição de tocar naqueles problemas que incessantemente perseguem o coração e a mente humana" (10). De outro lado, e talvez mais importante e problemático, postula-se a existência de uma certa "uma preguiça mental" dos estudantes, que os imobilizam em torno das disciplinas puramente dogmáticas, afastando-os de disciplinas mais reflexivas que visem a apreender o fenômeno jurídico numa dimensão mais ampla. Mas negar a Filosofia já não é, de certa maneira, um filosofar ? Negar importância ao estudo de um problema não é já estar inserido neste? PAULO FERREIRA DA CUNHA responde: "... o positivismo jurídico, enquanto explicação ainda que surda e semi-consciente do mundo jurídico, é uma mundidividência do Direito, assim, um tipo de filosofia" (11). A resposta não poderia ser outra, já que negar importância à reflexão filosófica no mundo do direito, é assumir uma postura filosófica positivista, ainda que inconscientemente. Para este mesmo jurisfilósofo a Filosofia do Direito passa por uma crise que acompanha a própria crise do direito, pois "os juristas se afastaram muito da filosofia e da jusfilosofia, e, pela formação de base cada vez mais impreparada e quando muito tecnicista, prescindem de usufruir dos seus benefícios ao prescindirem de exercer a vigilância crítica, o uso autônomo da razão, o consultar da consciência, etc..." (12) (grifo nosso). Não podemos deixar de creditar razão ao ilustre professor luso diante da triste realidade nacional de baixos índices de aprovação no exame de ordem da OAB e nos mais diversos concursos públicos. A reflexão crítica dos diversos institutos jurídicos tem cedido espaço a memorização destes e das soluções processuais. Tomam-se apontamentos das aulas, decora-se e estuda-se para as avaliações de rotina. Parece-nos que tal intolerância estudantil para com a Filosofia do Direito decorre de uma equivocada compreensão de como a Filosofia se insere no mundo das ciências humanas. Como se sabe,estas constituem ciências culturais por excelência, produtos do intelecto humano cujo método de estudo é a compreensão, no dizer de DILTHEY, que separou as ciências do espírito das ciências físico-naturais. Enquanto que as ciências físiconaturais são "explicadas", as ciências do espírito são "compreendidas". Acrescentamos que é na filosofia que o cientista busca as linhas mestras, o fundamento que norteia o raciocínio e a clara do pensar inerente aos métodos científicos. Para PAULO DOURADO DE GUSMÃO compreender seria captar o que há por trás das aparências, recriar, reviver um ato criador (13). A Filosofia do Direito não se propõe a finalidades práticas, a abordagens reducionistas do direito. Antes, e mais importante, engendra uma atitude de questionamento, de problematização, rediscutindo premissas, propondo novas abordagens do fenômeno jurídico. Em BITTAR e ALMEIDA colhemos lição que pela transparência é digna de transcrição: "a filosofia do direito é, em meio ao emaranhado de contribuições científicas do direito, a proposta de investigação que valoriza a abstração conceitual, servindo de reflexão crítica, engajada e dialética sobre as construções jurídicas, sobre os discursos jurídicos, sobre as práticas jurídicas, sobre os fatos e normas jurídicas" (14). Dedica-se, então, a Filosofia do Direito ao exercício do pensamento, à interpretação, `a crítica da experiência do direito como fenômeno cultural universal. Diante de tal complexidade da experiência jurídica, qualquer abordagem monista ao direito está fadada ao fracasso de uma visão míope da realidade. A abertura à influência de outras disciplinas do conhecimento humano é inevitável para apreensão do Direito. CHAIM PERELMAN após expor com muita propriedade o quanto a Filosofia pode aprender com a experiência jurídica, faz uma afirmação desconcertante para aqueles que encaram o saber filosófico como pura abstração teórica : "Após ter, durante séculos, procurado modelar a filosofia pelas ciências e considerado como sinal de inferioridade cada uma de suas particularidades, chegou o momento de constatar que a filosofia tem muitos traços em comum com o direito. Uma confrontação com este permitiria compreender melhor a especificidade da filosofia, disciplina que se elabora sob a égide da razão, mas de uma razão essencialmente prática, voltada para decisão e ação razoáveis" (15) (grifo nosso). A filosofia desceria do abstracionismo para os palcos da vida jurídica como um instrumento a auxiliar no processo decisório do cotidiano. Para BLACKBURN nos últimos 2 mil anos a Filosofia tem insistido com a idéia de que uma vida não examinada, refletida, não vale a pena ser vivida, e que ela (a Filosofia) "tem insistido no poder da reflexão racional para descobrir o que há de errado em nossas práticas, e para substituir por práticas melhores. Tem identificado a auto-reflexão crítica com a liberdade – e a idéia é que só quando nos conseguimos ver a nós mesmos de forma adequada podemos controlar a direcção em que desejamos caminhar" (16). Um bom teórico seria pressuposto para uma carreira jurídica bem sucedida. Engana-se redondamente aquele estudante que considerar a Filosofia do Direito de inútil. É certo que os benefícios das disciplinas reflexivas podem não ser percebidos numa leitura mais apressada, todavia os benefícios "indiretos" são inegáveis : "quem é capaz de pensar competentemente sobre questões mais abstractas e teóricas de uma dada disciplina sem se deixar confundir e enlamear em formalismos ocos ou jogo de palavras fica com uma formação que lhe permite pensar competentemente questões mais pragmáticas. É por isso que a filosofia, quando bem estudada, é uma das disciplinas mais valiosas das humanidades, precisamente porque dá aos seus estudantes uma competência crucial em qualquer actividade: ser capaz de tomar decisões, pesar alternativas, fazer escolhas, considerar argumentos, resolver problemas" (17).(grifo nosso). Que é a prática forense senão um duelo de argumentos, alternativas, escolhas, tudo culminando num processo decisório? Que faz o advogado na petição inicial senão articular argumentos de fato e de direito na defesa de uma tese perante o órgão jurisdicional? Que fazem o criminalista e o promotor de justiça na tribuna do júri senão sustentar suas respectivas teses visando adesão e solidariedade dos jurados ? Há muito que o homem lida com a retórica, com a argumentação, a persuasão racional em busca de aliados e simpatizantes às suas proposições. Não há uma atividade lógica, retórica e dialética no processo judicial? Pensamos que as respostas tais indagações só pode ser afirmativa. O próprio direito positivo implicitamente o admite. Vejamos, então. Quando o art. 295 do CPC prescreve que a inicial será indeferida por inépcia, entendendo-se esta por contradição entre os pedidos e quando da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; não está a exigir que o advogado formule pretensão em juízo com um mínimo de raciocínio lógico, que articule seu pedido de maneira coerente? Se, violando tais mandamentos, for endereçado pedido ao juiz este poderá extinguir o processo sem julgamento do mérito (CPC Art.267, I). A argumentação jurídica, sua coerência, seu poder de persuasão é elemento primordial na prática jurídica. Que é está oratória forense ? Quais seus fundamentos teóricos e princípios? O raciocínio jurídico se constrói embasado no objetivo de convencer o juiz de que nossa tese é que deve ser aceita, e não a da outra parte. Os argumentos de fato e de direito fornecem o suporte no qual fundamentamos nossa pretensão. Para PERELMAN, os estudantes de direito devem além da lógica estudar retórica "que não é a arte de falar bem, num estilo florido e empolado: é a arte de persuadir e de convencer, que pode manifestar-se por um discurso ou por um texto escrito e que, para os juristas, consiste essencialmente no uso da argumentação. É por essa razão que me parece importante, para a formação dos estudantes de direito, completar o ensino tradicional da lógica, dedicado à prova demonstrativa, com o ensino daquilo que Aristóteles qualificara de provas dialéticas, que são argumentos utilizados tanto num discurso como numa discussão" (18).(grifo nosso). Um dos mais importantes pilares da teoria da argumentação de PERELMAN tem sido o raciocínio jurídico. Este tem como uma de suas características primordiais o fato de ser um raciocínio voltado para motivação de decisões judiciais. O ilustre jusfilosófo percebeu que a filosofia tem muito a ganhar estudando o raciocínio jurídico, mas os juristas em formação, não se deram conta de que têm muito a ganhar com as lições de filosofia! JOSE SOUTO MAIOR BORGES prefaciando livro de ARNALDO BORGES é impiedoso: "Só os tolos, os ingênuos, os superficiais, os pragmatistas empedernidos insensíveis, encastelados nas disciplinas dogmáticas, não vêem a importância dos estudos de filosofia para o profissional do direito (...) o conhecimento de filosofia instrumentará o retorno, pelo profissional do direito, à perspectiva dogmática das ciências especializadas, seus problemas específicos, com um rigor e profundidade desconhecidas pelos novos juristas-práticos, praxistas", adiante arremata "quem alimenta o espírito só com a especialização tende a converter-se num pobre de espírito" (19). (grifo nosso). Ou seja, a reflexão teórica é uma aliada inestimável na atividade do jurista mais ocupado com questões mais práticas. Como vimos, não só para aumentar sua cultura jurídica serve a Filosofia do Direito : é um oxigênio extra para seu raciocínio prático. 3. HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO, LÓGICA JURÍDICA (OU RETÓRICA JURÍDICA) E HERMENÊUTICA JURÍDICA. Desde os gregos o homem reflete e questiona acerca do Direito. Temas como justiça, lei, eqüidade, justo e injusto interpolam as indagações filosóficas de há muito. Não são vocábulos cunhados pelos modernos, já os encontramos no meio do caminho (20). Desde os filósofos pré-Socráticos até Hegel não se considera ter havido propriamente uma "Filosofia do Direito explícita" como diria o mestre REALE. Filósofos, Teólogos e Juristas se debruçavam sobre o fenômeno jurídico assim como sobre vários outros objetos de especulação. Até então, as questões do jusnaturalismo teológico e racionalista ocupavam o foco principal da atenção dos estudiosos da ainda nascitura "Filosofia do Direito". A história do pensamento filosófico jurídico deita raízes profundas no conhecimento humano. Inadmissível que o candidato a jurista desconheça que um vocábulo – a eqüidade- usado e abusado nos diversos ramos da Dogmática Jurídica tenha sido fruto das especulações filosóficas de um dos espíritos mais elevados da espécie humana : Aristóteles no Livro V de sua Ética à Nicômaco". Que é esta "eqüidade" de que trata o art. 127 do Código de Processo Civil:: "O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previsto em lei". Ou o disposto no art. 8o da CLT : "As autoridades administrativas e a Justiça do trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais do direito, principalmente do direito do trabalho...", entre outros numerosos exemplos de direito objetivo. Em que fonte foi buscar a doutrina o sentido e alcance desta tão decantada" eqüidade ", senão nos jurisfilósofos, nas lições Aristotélicas e de tantos outros filósofos que empreenderam tarefa tão difícil? A influência dos conceitos e noções da filosofia abundam no direito positivo, e a compreensão exata deste sentido filosófico transplantado para o ordenamento jurídico, facilita muito o aprendizado dos institutos jurídicos sem necessidade de recorrer-se a expedientes mnemônicos. Termos como elemento, substância, essência, acidente, matéria, forma, entre tantos outros, têm uma estirpe filosófica irrefutável. E ninguém nega que o direito positivo utiliza estas noções filosóficas que adquiriram foros de universalidade nas ciências jurídicas (21). 5. CONCLUSÕES. Temos pois como principal tarefa dos professores de Filosofia do Direito fazer-nos compreender quais as tarefas desta disciplina no universo jurídico, suas limitações e ferramentas que podem operar com úteis instrumentos de auxílio à dogmática. Claro que a Filosofia não possui apenas um valor em si mesmo, um deleite para o espírito desocupado de questões e urgências da vida prática. BERTRAND RUSSEL esclarece: "a filosofia deve ser estudada, não por causa de quaisquer respostas exactas às suas questões, uma vez que nenhumas respostas exactas podem, em regra, ser conhecidas como verdadeiras, mas antes por causa das próprias questões; porque estas questões alargam a nossa concepção do que é possível, enriquecem a nossa imaginação intelectual e a diminuem a segurança dogmática que fecha a mente à especulação; mas acima de tudo porque, devido à grandeza do universo que a filosofia contempla, a mente também engrandece e torna-se capaz da união com o universo que constitui o seu bem mais alto" (36). O trato com a experiência jurídica não pode reduzir-se, limitar-se a abordagens puramente dogmáticas, legalistas, axiologicamente neutras como pretendia Kelsen. A dogmática é importantíssima, principalmente em se cuidando de uma disciplina voltada para o processo decisório como é o Direito, na qual a referência ao elemento normativo adquire importância fundamental. Todavia, o estudo do Direito não pode se reduzir apenas à Dogmática. Elementos de outras disciplinas podem ser incorporados sem prejuízos de qualquer natureza, seja para ordem normativa, seja para tão decantada segurança jurídica. Neste sentido, as contribuições da Filosofia do Direito desde os gregos até hoje tem sido inestimáveis, tanto no que concerne ao desenvolvimento conceptual dos institutos jurídicos, quanto nas teorias da argumentação, retórica, lógica e hermenêutica jurídicas. NOTAS 01. GUSMÃO, Paulo Dourado de Gusmão. Filosofia do Direito. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. Pág. 02 02. BATISTA MACHADO apud CUNHA, Paulo Ferreira da. Lições preliminares de Filosofia do Direito. Coimbra: Livraria Almeidina, 1998. Pág. 10 03. GARCÍA MORENTE, Manuel. Fundamentos de Filosofia.Lições preliminares.Tradução e prólogo de Guilhermo de la Cruz Coronado. 8. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1980. Pág.23 04. PUELLES, Antonio Millan. Fundamentos de Filosofia. Tomo I. Madrid: Ediciones Rialp, 1995 na pág. 11 pensa semelhantemente a Morente: "De ahí que la comprensión de la natureza y sentido de uma ciencia se más um resultado tardío y reflexivo- sobre la base de um previo cultivo de la misma-, que no una labor enteramente apriorística y montada al crise. Sólo, pues, tras haber filosofado, y no de cualquier modo, sino de una manera insistente y tenaz, pude llegarse a la posesión de una idea auténtica, realmente vivida, de lo que es la filosofía". 05. HEIDEGGER, Martin.Que é isto – A Filosofia?Coleção os pensadores.Tradução de Ernildo Stein.São Paulo: Nova Cultural, 1999. Págs. 29-30 06. CUNHA,Paulo Ferreira da. Op. Cit. Pág.34 07. HEIDEGGER, Martin. Op. Cit. Pág. 38 08. PUELLES, Antonio Millan. Op. Cit. Pág.30 09. BLACKBURN, SIMON. Para que serve a Filosofia ? trad. De António Infante. In www.criticanarede.com.[internet]. Capturado dia 18 de janeiro de 2003 10. MORENTE, GARCÍA. Op. Cit. Pág.275 11. CUNHA, Paulo Ferreira da. Op. Cit. Pág.24 12. idem. Op. Cit. Ppág 108 13. ibidem.Op. Cit. Págs 114-115 14. BITTAR, Eduardo C. B & ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Atlas, 2001. Pág. 38 15. PERELMAN, CHAIM. Ética e Direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1999. Pág. 386 16. BLACKBURN, Simos.Op. Cit 17. MURCHO, Desidério. Entre o pragmatismo e o idealismo. In www.criticanarede.com.[internet].Capturado dia 18 de janeiro de 2003 18. PERELMAN, CHAIM. Op. Cit. Pág. 505 19. BORGES, Arnaldo. Origens da Filosofia do Direito. Porto Alegre: Sérgio Fabris editor, 1999. Pág. 17 20. idem. Op. Cit. Pág. 16 21. O ilustre civilista SÍLVIO RODRIGUES. Direito Civil. Parte geral. Vol.1. São Paulo: Saraiva, 2002. pág. 138, quando cuida da questão dos bens reciprocamente considerados, ensina: "Ao conceituar coisa principal se inspirou o legislador na idéia de substância, nos termos em que esta vinha definida pelos filósofos dos séculos XVII e XVIII, pois a expressão coisa que existe sobre si revela tal propósito." Em nota de rodapé transcreve as definições de Descartes e Spinoza. 6.BIBLIOGRAFIA. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 2001. CUNHA, Paulo Ferreira da Cunha. Lições Preliminares de Filosofia de Direito. Coimbra: Livraria Almeidina, 1998. CRETELLA Júnior, José. Curso de Filosofia do Direito. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. BITTAR, Eduardo C.B & ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Atlas, 2001. BORGES, Arnaldo. Origens da Filosofia do Direito. Porto Alegre: Sérgio Fabris editores, 1999. COELHO, Luis Fernando. Introdução histórica à Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1977. FERRAZ Júnior. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. De José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Caloute Gulbenkian, 1977. MARÍAS, Julían. Introdução à Filosofia. Trad. de Diva Ribeiro de Toledo Piaz. 4. ed. São Paulo: Livraria duas cidades, 1985. MORENTE, García Manuel. Fundamentos de Filosofia.I. Lições preliminares. 8. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1980. NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. PERELMAN, Chäim. Ética e Direito. Trad. De Maria Eruntina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1996. PUENTES, Antonio Millan. Fundamentos de Filosofía. Tomo I. Madrid: Ediciones Rialp, 1955. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. SITES na Internet : www. Criticanarede. com e www.filosofiayderecho.com