Oftalmologia - Vol. 34: pp. 321 - 328 O Drusen do Disco Óptico em Imagens Ana Miguel Quintas 1, Leonor Almeida 2, Eliana Neto 1, Rui Ferreira 2, Manuel Monteiro-Grillo 3 1 – Interna do Internato Complementar de Oftalmologia 2 – Assistente Hospitalar Graduado de Oftalmologia HSM 3 – Director de Serviço de Oftalmologia HSM Clínica Universitária de Oftalmologia – CHLN/Hospital de Santa Maria Centro de Estudo de Ciências da Visão – Faculdade de Medicina de Lisboa [email protected] RESUMO Introdução: O drusen do disco óptico (DO) é uma alteração estrutural caracterizada pelo depósito de material “hyaline-like” calcificado dentro ou na sua superfície. Clinicamente está presente em 0.34% da população. Sendo mais frequentemente bilateral, representa uma causa importante de pseudopapiledema. Embora assintomático pode originar alterações dos campos visuais. Objectivo: Discutir a importância no diagnóstico e prognóstico das possíveis apresentações de drusen do disco óptico nos diversos meios complementares de imagem. Material e Métodos: A propósito de um caso clínico estudou-se o drusen bilateral do DO diagnosticado clinicamente. Realizou-se ecografia do globo ocular, retinografia com e sem filtro de cobalto, TC-CE, OCT do disco óptico, análise da CFN por polarimetria laser GDx VCC e perimetria estática computorizada. Resultados: São descritas as apresentações do drusen do DO nos meios complementares de imagem realizados. Conclusões: O diagnóstico do drusen do disco óptico é um diagnóstico clínico de presunção. A ecografia B-scan confirma o diagnóstico. A TC-CE é útil para exclusão de causas de papiloedema. Sugere-se a realização de campos visuais com perimetria estática computorizada e estudos estruturais da camada de fibras nervosas retinianas na altura do diagnóstico e utilização desses mesmos meios para avaliação da progressão da doença. ABSTRACT Imagiology of the Optic Disc Drusen Introduction: Optic disc drusen are composed of hyaline-like calcific material within the substance of the optic nerve head or in its surface. Clinically, they are present in about 0,34% of the population. Being often bilateral, they are an important cause of pseudopapiloedema. Although being asymptomatic, they can cause visual field defects. Objective: To argue the relevance in the diagnosis and prognosis of the various O presente trabalho foi apresentado na forma de Comunicação Livre no 51.º Congresso da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, Porto, 4 de Dezembro de 2008. VOL. 34, JANEIRO - MARÇO, 2010 321 Ana Miguel Quintas, Leonor Almeida, Eliana Neto, Rui Ferreira, Manuel Monteiro-Grillo presentations of optic disc drusen using different imaging methods. Material and Methods: One case of bilateral optic disc drusen clinically diagnosed was used to study its different imaging presentations. It was performed ultrasonography, fundus photography, pre-injection control photography, CT, optic disc OCT, RFNL analysis with scanning laser polarimetry (GDxVCC) and computerized static perimetry. Results: Description of the studied drusen presentations. Conclusions: Optic disc drusen are diagnosed firstly by clinical presumption. B-scan ultrasonography confirms the diagnosis. CT is useful to exclude papiloedema. It’s suggested visual field testing with computerized static perimetry and retinal nerve fibre layer structural analysis at the diagnosis and to evaluate the disease progression. Palavras-chave: Drusen disco óptico; Pseudopapiledema; Imagiologia; Campos visuais. Key words: Optic disc drusen; Pseudopapiloedema; Imagiology; Visual fields. Introdução O drusen do disco óptico (DO) é uma alteração estrutural caracterizada pelo deposito no interior ou na superfície do DO de material “hyaline-like” de origem axoplasmática secundariamente calcificado 1. Sendo geralmente bilateral, representa uma causa importante de pseudopapiledema 5 . É uma patologia congénita, apenas visível a partir da primeira ou segunda década de vida quando aumenta de tamanho, dando um aspecto irregular e nodular à superfície do DO. Ocorre predominantemente em caucasianos (85%), sem preferência de sexo, sendo bilaterais em 70% a 91,2%. Embora clinicamente visíveis em apenas 0,34% da população, estudos de autópsias mostram uma incidência de 0,41% a 2,0% 1,2. Alguns autores sugerem um carácter heredofamiliar com transmissão autossómica dominante de penetração variável 6. Os drusens papilares foram considerados durante muito tempo como uma simples curiosidade oftalmoscópica. Hoje sabe-se que, embora assintomáticos por longo tempo, podem com o crescimento originar alterações no campo visual. Destas alterações a mais frequente é o aumento da mancha cega (68%), seguida dos defeitos arqueados e constrição concêntrica do 322 campo visual 8,19,20. Os mecanismos fisiopatológicos possíveis são o sofrimento directo do nervo óptico provocado pelos drusens e a compressão das fibras nervosas provocada pelo próprio volume dos drusens 3. O recurso a técnicas de imagem permite a avaliação do compromisso anatómico e um melhor entendimento do seu mecanismo fisiopatológico, servindo ainda para afirmar precocemente a existência de um diagnóstico de sofrimento das fibras nervosas e seu prognóstico bem como a consequente adopção de uma adequada atitude terapêutica (no caso frequente de associação a hipertensão ocular). Sendo a ecografia o exame de diagnóstico mais sensível, o drusen do DO tem apresentações típicas noutros exames de imagem como a TC da órbita e crânio-encefálica, o OCT, o GDx e a retinografia com filtro de cobalto 1,3,4. Material e Métodos A propósito de um caso clínico de uma criança de 11 anos, sexo masculino, enviada para a Consulta de Oftalmologia para esclarecimento de possível papiledema num contexto de cefaleia, estudou-se o drusen bilateral do DO OFTALMOLOGIA O Drusen do Disco Óptico em Imagens diagnosticado clinicamente – apresentava ao exame do fundo ocular discos ópticos de contornos mal definidos e pulso venoso espontâneo ODE. Com o objectivo de estudar as várias apresentações imagiológicas desta patologia, realizou-se ecografia do globo ocular, retinografia com e sem filtro de cobalto, TC-CE, OCT (Zeiss Stratus OCT II) do disco óptico, análise da CFN por Polarimetria laser GDx VCC. Foi ainda realizada perimetria estática computorizada (PEC) Octopus G-Standard TOP. Resultados Foram obtidas as seguintes imagens: Fig. 1 – Retinografia ODE – Discos ópticos corados de contornos mal definidos sem alterações vasculares associadas. Fig. 2 – Retinografia com filtro de cobalto – Autofluorescência do DO em OE. VOL. 34, JANEIRO - MARÇO, 2010 323 Ana Miguel Quintas, Leonor Almeida, Eliana Neto, Rui Ferreira, Manuel Monteiro-Grillo Fig. 3 – Ecografia B-scan: ODE: imagem hiperecogénica ao nível da papila evidenciada com a diminuição do ganho e condicionando cone de sombra posterior. Fig. 4 – TC-CE – ODE: imagens punctiformes hiperintensas compatíveis com calcificações adjacentes ao disco óptico. 324 OFTALMOLOGIA O Drusen do Disco Óptico em Imagens OD OE Fig. 5 – OCT do DO – alteração morfológica do disco óptico caracterizada pelo apagamento da escavação fisiológica e elevação dos bordos da papila em ODE. Fig. 6 – PEC – OD: discreto defeito difuso associado a uma área de escotoma arqueado superior e degrau nasal associado; OE: discreto defeito difuso associado a uma área de escotoma denso arqueado superior e inferior e degrau nasal associado. VOL. 34, JANEIRO - MARÇO, 2010 325 Ana Miguel Quintas, Leonor Almeida, Eliana Neto, Rui Ferreira, Manuel Monteiro-Grillo Fig. 7 – GDx VCC – atrofia nasal inferior e temporal inferior com NFI de 31 em OD; atrofia nasal inferior e temporal inferior com NFI de 34 em OE. Discussão O drusen do disco óptico (DO) constitui para o oftalmologista um desafio diagnóstico, prognóstico e terapêutico. Com diversas expressões imagiológicas, o recurso a este tipo de meios deverá respeitar uma metodologia clara no sentido de optimizar a sua utilização para efeitos diagnósticos e prognósticos, e ainda enquanto indicador de eventual necessidade terapêutica. A observação fundoscópica é fundamental no diagnóstico do drusen do DO. A presença de pulso venoso espontâneo (que ocorre em 80% dos casos), permite excluir a hipótese de hipertensão intracraniana como causa de 326 edema da papila, tal como se verificou no nosso doente. Mesmo na ausência de pulso venoso espontâneo, o diagnóstico provisório de drusen do DO é apoiado por outros sinais fundoscópicos: presença de vasos de calibre, trajecto e emergência normais, relação arteriovenosa mantida, camada de fibras nervosas peripapilares sem alterações. Estes dados são indicadores de pseudoedema papilar e de que a elevação do disco não resulta de edema dos axónios 7. Os drusens podem no entanto ser acompanhados de anomalias vasculares (aumento da tortuosidade vascular, artérias ciliorretinianas, shunts optociliares) que devem ser pesquisadas atendendo às complicações que delas decorrem, OFTALMOLOGIA O Drusen do Disco Óptico em Imagens nomeadamente oclusão da artéria ou veia central da retina, neovascularização subretiniana ou hemorragia subretiniana 4,9,21. A Ecografia B-scan (Fig. 3) é o método mais sensível para a confirmação diagnóstica de drusen de disco óptico, ainda que os resultados sejam dependentes do examinador, necessitando de manuseamento por técnicos experientes 10. Os drusens papilares evidenciam grande densidade ecográfica impondo-se a utilização de ecos com ganhos variáveis, recorrendo-se por isso à atenuação acústica, que melhor os evidencia 7,10. Quando os drusens são superficiais a ecografia revela-se um método bastante eficaz ao identificar a presença de calcificação nem sempre identificada na fundoscopia (Fig. 1). A calcificação do drusen é evidenciada pelo cone de sombra posterior à imagem hiper-recogénica propriamente dita. Quando se localizam profundamente na estrutura do nervo não são visíveis à fundoscopia e o seu diagnóstico requer a realização de exames complementares de imagem como a Ecografia B-scan – detectam-se imagens hiperreflectivas no seio de uma estrutura hiporreflectiva que é o nervo óptico 11. A TC da órbita e CE (Fig. 4) faz igualmente diagnóstico de drusen de DO revelando imagens hiperintensas adjacentes ao nervo óptico. Embora não seja um exame de primeira linha para o diagnóstico é mandatório em caso de dúvida de papiloedema. A apresentação típica do drusen do DO na tecnologia OCT está patente na Fig. 5 que mostra apagamento da escavação do disco óptico e elevação dos bordos da papila. Têm sido registados defeitos dos campos visuais nos doentes com esta patologia, constando de alterações específicas arqueadas superiores e inferiores, mais frequentemente defeitos nasais inferiores, aumento da mancha cega ou defeitos difusos 8,19,20. Está descrita uma correlação entre o tamanho dos do drusen do DO e o defeito de campo visual 20. No caso descrito existe uma assimetria entre os defeitos de campo visual sendo mais acentuados no OE onde os drusens são de maiores dimensões VOL. 34, JANEIRO - MARÇO, 2010 (Fig. 6). Admitimos que os campos visuais (com comprovada fiabilidade) poderão ter utilidade como marcador prognóstico desta patologia. As novas técnicas de imagem baseadas em princípios fisicos diferentes permitem, antes do compromisso dos campos visuais, o estudo da camada de fibras nervosas retinianas (OCT, GDxVCC) e podem assim avaliar a repercussão dos drusens sobre as fibras nervosas, com ou sem hipertensão ocular associada. Perante o conhecimento de que os drusens levam à perda das fibras nervosas, torna-se imperativo a avaliação da CFNR, para detecção precoce de lesão nessa estrutura 15,16,17,18. No caso que motivou este estudo existem alterações demonstradas pelo GDxVCC (Fig. 7) na CFNR temporais e nasais superiores e inferiores de maior magnitude em OE mas com NFI pouco alterado, o que pode indiciar uma alteração detectada precocemente. Em caso de associação com hipertonia ocular não existe nenhum estudo que permita distinguir a perda de fibras nervosas atribuível ao drusen ou ao glaucoma. Estas novas tecnologias têm portanto um papel importante na identificação das áreas de perda de fibras axonais sendo importante reduzir a pressão ocular no caso de uma hipertonia associada 12. O registo fotográfico sem injecção de contraste tem um papel mais académico e permite a visualização da autofluorescência do disco que é um bom sinal diagnóstico mas que falha nas situações de drusens profundos, como é exemplo o caso descrito em que apenas se identifica a autofluorescência no olho esquerdo (Fig. 2). A autofluorescência do DO deve ser usada apenas para confirmação de drusens visíveis na fundoscopia 13,14. Conclusões O diagnóstico do drusen do disco óptico é na grande maioria dos casos um diagnóstico clínico de presunção. É importante confirmar o diagnóstico com realização de ecografia B-scan particularmente em caso de drusens profundos ou ausência de pulso venoso espontâneo. 327 Ana Miguel Quintas, Leonor Almeida, Eliana Neto, Rui Ferreira, Manuel Monteiro-Grillo A TC-CE é útil para exclusão de causas de papiloedema. Sugere-se a realização de campos visuais com perimetria estática computorizada e estudos estruturais da camada de fibras nervosas retinianas na altura do diagnóstico e utilização desses mesmos meios para avaliação da progressão da doença, follow up de uma eventual alteração inicial ou surgimento de sintomatologia. Bibliografia 11. LAM BL, MORAIS CG JR, PASOL J.: Drusen of the optic disc. Curr Neurol Neurosci Rep Sep 2008; 8(5):404-8 12. F REITAS S, M ONTEIRO M, C OENTRÃO L, F ALCÃOREIS F.: Drusas da Papila. Estudo retrospectivo. Acta Oftalmológica 2003; 13: 5-8 13. L EFRANÇOIS A, B ARRAULT O, P ARC C, B REZIN A, BERKANI M, LACHKAR Y.: Drusen papillaires: intérêt des nouvelles imageries?. 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