INTELLECTOR Ano XI Volume XI Nº 22 Janeiro/Junho 2015 Rio de Janeiro ISSN 1807-1260 www.revistaintellector.cenegri.org.br A Evolução da Ordem Internacional e os Emergentes: Uma Perspectiva Geopolítica e de Economia Internacional Marcela Tarter da Rosa Resumo Esse artigo tem como objetivo refletir sobre o sistema internacional atual sob a ótica da economia política internacional e, nesse sentido, o papel dos emergentes, destacando-se a China e o Brasil. É analisada a evolução da economia política internacional a partir da construção de novos arranjos institucionais do pós-Segunda Guerra Mundial. Da mesma forma, busca-se mostrar como essas questões transformaram as cartografias e o pensamento geopolítico tradicional. Novas conjunturas, como a crise mundial de 2008, trazem modificações na economia política internacional, com a emergência de novos países que contestam a ordem internacional então vigente e exigem mudanças na estrutura institucional multilateral que permanece nos moldes definidos no pós-Segunda Guerra Mundial. Palavras-chave: Geopolítica, Organismos Multilaterais, Países Emergentes, China, Brasil. Abstract This article aims to reflect on the current international system from the perspective of international political economy and, in this sense, the role of emerging countries, highlighting China and Brazil actions. It analyzes the evolution of international political economy from the construction of new institutional arrangements of the post-World War II. Likewise, it seeks to show how these issues have transformed cartography and traditional geopolitical thinking. New situations, such as the 2008 global crisis, bring changes in the international political economy, with the emergence of new countries that challenge the present international order and that require changes in multilateral institutional structure that remains in a post Second World War manner established. Keywords: Geopolitics, Multilateral Organizations, Emerging Countries, China, Brazil. Mestranda em Estudos Estratégicos Internacionais (PPGEEI)- UFRGS. Bacharel em Relações Internacionais-UFRGS. Bolsista FAPERGS. [email protected]. Recebido para Publicação em 02/12/2014. Aprovado para Publicação em 23/02/2015. 119 INTELLECTOR Ano XI Volume XI Nº 22 Janeiro/Junho 2015 Rio de Janeiro ISSN 1807-1260 www.revistaintellector.cenegri.org.br INTRODUÇÃO N a primeira parte de desenvolvimento deste artigo são apontados alguns aspectos de base teórica da geopolítica. Apresenta-se as concepções de alguns autores tradicionais, como Ratzel e Kjellén, as contestações de Lacoste à geografia tradicional e as percepções atuais sobre a geopolítica. Após, trata-se da evolução da economia política internacional pós-2ª Guerra Mundial para entender que foi necessário à geopolítica ampliar sua análise a outros aspectos, tais como a redefinição dos mapas a partir dos resultados suscitados pela economia internacional. O aumento dos fluxos comerciais e financeiros cria novas cartografias. O poder de um Estado parece ser mais representado pela sua expansão econômica mundial - através do comercio, investimentos externos, transnacionais - do que por uma expansão territorial. A economia e a política internacional tornaram-se mais próximas. A liberalização comercial nos países em desenvolvimento e a atuação de instituições multilaterais ajudam a definir esse cenário. Porém, o que uma crise que atinge principalmente os países desenvolvidos em um momento que novas economias emergem, como as asiáticas, em especial a China representa para esse sistema? E, nesse sentido, como se desenvolve os questionamentos dos países emergentes a essa ordem internacional? Em uma segunda parte deste artigo, tratar-se-á das novas dinâmicas que se apresentam no estudo da economia política internacional. Em uma subparte apresentarse-á o caso específico do Brasil como economia emergente. Por fim, serão feitas as considerações finais. O ENTENDIMENTO DO SISTEMA INTERNACIONAL GEOPOLÍTICA E ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL A PARTIR DA Friederich Ratzel é o primeiro expoente da geopolítica alemã (chamada de Geopolitik). Ele seria conhecido pela teoria do espaço vital (lebensraum). O espaço territorial para Ratzel seria fundamental para o entendimento da sociedade. Contestaria o fato de que: “A maior parte dos sociólogos estuda o homem como se ele se tivesse formado no ar, sem laços com a terra.” (RATZEL, 1982, p.93). Para ele, um Estado pode ter menos cidadãos e conservar o território, o problema seria a redução do território, pois, esse representa, para Ratzel (1982, p.94), o começo do fim. Dessa forma, o território seria, para ele, a principal fonte de poder e segurança de um Estado. Na constituição da Geopolitik, deve-se acrescentar, às ideias de Ratzel de necessidade de expansão estatal, as concepções de Kjellén e Haushofer (autor central da Geopolitik). Kjellén tinha uma visão unitária do Estado e acreditava que o mesmo comportar-se-ia como um ser vivo. (FONT; RUFÍ, 2006, p.60 e 61). Em Haushofer, estão presentes os conceitos de espaço vital e organicismo na ideia da relação indissociável entre território e raça. Haushofer, assim como Kjellén, via como negativo para o país e para as pessoas as migrações e a urbanização (FONT; RUFÍ, 2006, p.63). 120 INTELLECTOR Ano XI Volume XI Nº 22 Janeiro/Junho 2015 Rio de Janeiro ISSN 1807-1260 www.revistaintellector.cenegri.org.br Yves Lacoste, geógrafo francês, reivindicou uma geografia com compromisso político. “Lacoste atribui à geopolítica uma capacidade de mobilização que a geografia política dos anos setenta não possuía, pois estava imbuída de um academicismo distanciado da realidade e de qualquer vislumbre de sua implicação crítica.” (FONT; RUFÍ, 2006, p.90). Segundo Yves Lacoste (1929, p.50): O desenvolvimento desse processo de especialidade diferencial se traduz por essa proliferação das representações espaciais, pela multiplicação das preocupações concernentes ao espaço (nem que seja por causa da multiplicação dos deslocamentos). Mas esse espaço do qual todo mundo fala, ao qual nos referimos todo tempo, é cada vez mais difícil de apreender globalmente para se perceber suas relações com uma prática global. Yves Lacoste critica o mapa representado pelos geógrafos tradicionais. Assinala as dinâmicas de um espaço com mobilidade de pessoas, mercadorias, etc. Os espaços se sobreporiam, Lacoste fala de conjuntos espaciais que se interceptam uns aos outros. Porém, ao contrário do que defendeu Lacoste, de que a geografia seria a verdadeira geopolítica, os estudos geopolíticos de hoje não se dão em uma única disciplina, mas a partir de um campo de estudos interdisciplinares (VEZENTINI, 2012, p.11). Foi nos EUA que a geografia politizou-se devido às dinâmicas da Guerra Fria na década de 1970. “Os anos oitenta iniciam-se, pois, marcados pela geografia radical na academia e pela radicalização da Guerra Fria e do liberalismo na área social.” (FONT; RUFÍ, 2006, p.90). Segundo Vezentini (2012, p.16), as geopolíticas clássicas foram, em geral, explicações da importância estratégica de determinados territórios, da necessidade de expansão territorial para o fortalecimento do Estado e aquisição de hegemonia. Porém, as novas geopolíticas surgiram no final da Guerra Fria e não teriam mais o Estado como único ator. No pós-Guerra Fria, a divisão do mundo entre um sul atrasado e um norte desenvolvido não necessariamente dá-se pela Linha do Equador, mas pode-se observar um novo mapa sob a ótica da economia política. Além disso, o poder na economia mundial através, por exemplo, da gestão da moeda de reserva internacional no caso dos EUA e, mesmo, a possibilidade de trasnacionalização da economia, demonstram que a visão tradicional da geopolítica que atrelava o poder do Estado a terra é problematizada por uma globalização comercial e financeira. A economia internacional do pós-2ªGuerra Mundial apresentou transformações a partir da construção de instituições multilaterais a nível regional e mundial. A ausência de instituições multilaterais pode ser considerada um dos elementos da recessão econômica nos anos 1930. Segundo Jeffry A. Frieden (2008), as políticas clássicas utilizadas antes da 1ª Guerra Mundial eram inúteis ou contraproducentes para combater a crise originária do colapso do padrão ouro devido a um cenário econômico distinto. As economias industriais teriam passado a ser dominadas por corporações enormes, produção em massa, sindicatos trabalhistas mais fortes, e sistemas políticos mais democráticos (FRIEDEN, 2008, p.212). Não houve por parte dos governantes o estabelecimento de medidas, no período entre guerras, para estabilizar a 121 INTELLECTOR Ano XI Volume XI Nº 22 Janeiro/Junho 2015 Rio de Janeiro ISSN 1807-1260 www.revistaintellector.cenegri.org.br economia, ou seja, a construção de um sistema financeiro internacional viável (RAVENHILL, 2008). As instituições multilaterais foram uma marca do período pós-1945. Tem-se, por exemplo, com o acordo de Bretton Woods, o surgimento do Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Neste período a economia internacional cresceu, porém a desigualdade também. É marcante o crescimento exponencial das empresas transnacionais que se tornaram o ator chave da globalização econômica (RAVENHILL,2008, p.18). Segundo Ravenhill (2008), o campo da economia política internacional (EPI) surgiu nos anos 1970 em resposta aos desenvolvimentos da economia mundial, da segurança internacional e do estudo de economia e das relações internacionais. A política e as assimetrias de poder sempre estiveram presentes nas relações econômicas globais, porém, nos anos 1970, novas turbulências incitariam mudanças nas regras fundamentais (RAVENHILL, 2008, p.21). O estudo seria dividido em três categorias: liberalismo, nacionalismo e marxismo. Porém essa divisão é ampla uma vez que existem grandes variações dentro de cada uma das categorias. Hoje o estudo da EPI está focado mais na explicação dos acontecimentos do que em uma prescrição política (RAVENHILL, 2008). Amanda Dickins (2006) argumenta que os acontecimentos do pós-guerra teriam dado origem à EPI, enquanto que, o desenvolvimento da economia internacional, no pós-Guerra Fria, teria produzido mudanças na mesma. “The end of the Cold War smoothed the path for economic liberalization, enlarging the sphere of international economic exchange and expanding the remit and membership of the institutions that facilitate such exchange.” (DICKINS, 2006, p.481). Os EUA e seus aliados construíram uma ordem política, econômica e estratégica, no pósSegunda Guerra, que teria sido concebida como uma solução aos problemas que levaram à depressão econômica, em 1930, e à guerra; tal ordem ter-se-ia desenvolvido quase independentemente da Guerra Fria (DEUDNEY; IKENBERRY, 1999, p.180). Segundo Deudney e Ikenberry (1999, p.180), as principais características dessa ordem não poderiam ser explicadas por teorias realistas de relações internacionais devido à existência de relações de reciprocidade e o elevado grau de institucionalização e multilateralidade . No passado, os países em desenvolvimento teriam sido vistos como exceções na economia internacional e o estudo a respeito desses países estaria ligado ao conflito “norte-sul”. Ou seja, restringir-se-ia à problematização da existência de um centro desenvolvido industrializado e uma periferia atrasada produtora de produtos primários. No pós-Guerra Fria, esses países, não pertencentes às economias industrializadas avançadas, tiveram de aderir às regras da economia internacional que beneficiavam os países desenvolvidos (DICKINS, 2006, p. 490). Segundo Dickins (2006, p.490), esse cenário estaria mudando e alguns países em desenvolvimento já estariam conseguindo operar com essas regras, ou além das mesmas, com novas estratégias e interesses. Diversos países em desenvolvimento começaram a liberalização comercial, na década de 1980, adotando políticas orientadas. Assim como, no mesmo período, muitos países em desenvolvimento aderiram à Organização Mundial de Comércio (OMC) (MILNER, 1999, P.94). Cristina Pecequilo (2008) relaciona a década de 1990 com a criação de uma “nova ordem mundial” liderada pelos EUA e embasada na multilateralidade e atuação na ONU. Esse momento de pós-Guerra Fria foi acompanhado por crises econômicas e sociais que emergiram nos anos 1980 nos países subdesenvolvidos, além da fragilidades geradas por governos que 122 INTELLECTOR Ano XI Volume XI Nº 22 Janeiro/Junho 2015 Rio de Janeiro ISSN 1807-1260 www.revistaintellector.cenegri.org.br passavam da ditadura à democracia (PECEQUILO, 2008, p.137). A situação econômica obrigouos a se dirigirem ao FMI e Banco Mundial por ajuda financeira em troca da abertura comercial. Segundo Joseph E. Stiglitz (2002, p.279), houve uma dissonância entre aquele que foi o suposto objetivo da criação do FMI - promover a estabilidade econômica global- e seus objetivos mais novos – liberalização do mercado de capitais por exemplo. Dessa forma, o FMI serviu mais aos interesses da comunidade financeira do que à estabilidade global (STIGLITZ, 2002, p.279). A liberalização dos mercados de capitais foi defendida pelas instituições financeiras como benéfica ao futuro dos países em desenvolvimento. Hoje, devido aos resultados, como afirma Stiglitz (2002, p.301): “Quase todos os envolvidos na área de desenvolvimento, até mesmo os pertencentes ao establishment de Washington, agora concordam que a rápida liberalização de mercados de capitais sem uma regulação prévia pode ser perigosa.”. Se, por um lado, o colapso do padrão ouro e a crise mundial em 1930 podem ter sido causados por uma ausência de instituições fortes. O que teria posteriormente sido sanado pelos organismos internacionais do sistema de Bretton Woods (1945). Por outro, a crise que se iniciou em 2008 agrava a necessidade de reformas dessas instituições, demanda discutida em grupos como o BRICS. A criação de instituições multilaterais no pós-1945, que possibilitou a estabilização financeira internacional, hoje necessita ser reestruturada uma vez que a realidade não é a mesma do pós-2ª Guerra. A ASCENÇÃO DOS PAÍSES EMERGENTES E A REDEFINIÇÃO DA ORDEM INTERNACIONAL A economia internacional do pós-Guerra Fria, como tratado anteriormente, apresentava uma divisão entre centro e periferia: os países desenvolvidos, exportadores de produtos industriais mais competitivos; e os países em desenvolvimento, importadores desses produtos e exportadores, sobretudo, de produtos primários. O crescimento econômico chinês, possibilitado a partir da gradual abertura comercial da década de 1970, fez com que a China se apresentasse como um importante ator na economia internacional a partir da década de 1990. A China, em decorrência da dependência de matérias-primas para o seu desenvolvimento industrial criou novas dinâmicas na economia internacional a partir da relação comercial com os países africanos, asiáticos e latino-americanos. Pierre Salama (2012) assinala drásticas mudanças na economia mundial tanto na estrutura como na hierarquia. Alguns países antes pertencentes à periferia passariam a exercer efeitos de dominação sobre países avançados e em desenvolvimento (SALAMA, 2012, p.316). O autor estaria se referindo, por exemplo, ao fato de a China ser considerada e, mais importante, considerar-se um país em desenvolvimento, mas possuir uma relação típica de país desenvolvido (em razão de exportar manufaturados intensivos em tecnologia e importar matérias primas); além disso, exerceria um efeito de dominação frente aos EUA por ser detentora de uma representativa parte dos ativos da dívida pública desse país. A China vem adquirindo uma posição que - se não podemos dizer de confrontação- pelo menos incômoda aos EUA, uma vez que traz novos desafios à influência internacional desse país. Em informativo para o Congresso norte-americano (Congress Research Service), com intuito de 123 INTELLECTOR Ano XI Volume XI Nº 22 Janeiro/Junho 2015 Rio de Janeiro ISSN 1807-1260 www.revistaintellector.cenegri.org.br delinear a elaboração de políticas em relação à China, Morrison (2014) demonstra preocupações com o futuro dos EUA que, segundo ele, deve preocupar-se com a decisão chinesa de manter a ordem internacional ou seguir outro caminho. “China is in a position to help advance U.S. interests or to frustrate them. China’s rising economy has also enabled it to boost its military capabilities.” (MORRISON, 2014, p.36). Quanto ao fato do crescimento econômico chinês poder ser prejudicial aos EUA, Morrison acredita que o desafio para os EUA seria convencer a China, primeiramente, do interesse dela manter o sistema internacional como está, pois foi este, segundo ele, que a permitiu ter o crescimento econômico que vem apresentando. Da mesma forma, um segundo aspecto seria convencer a China da importância das reformas internas como um caminho para a modernização de sua economia. Para isso, defende que ela deveria aumentar o gasto doméstico e valorizar sua moeda, o que, segundo Morrison, possibilitaria uma recuperação mais rápida das economias dos outros países (MORRISON, 2014, p.35). A ascendência de países emergentes, como o agrupamento BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul), coloca-se frente a uma ordem internacional que permanece nos moldes do pósGuerra Fria e que precisa inserir as demandas desses países nas negociações multilaterais. Nesse sentido, a ampliação do G7 (EUA, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão, Reino Unido) para negociações em um G20, que inclui países em desenvolvimento, demonstra a importância da participação desses países nas negociações multilaterais principalmente após a crise mundial que teve início em 2008. A crise afetou, de forma mais profunda, os países centrais, EUA e União Europeia, enquanto que muitos países em desenvolvimento continuaram mantendo seu crescimento, mesmo que de forma reduzida, especialmente em razão do fornecimento de commodities para a economia chinesa. Se, por um lado, o colapso do padrão ouro e a crise mundial em 1930 podem ter sido causados por uma ausência de instituições fortes. A crise que se iniciou em 2008 revela a necessidade de reformas nessas instituições. A criação de instituições multilaterais no pós-1945 (ONU, Banco Mundial, FMI) que possibilitou a estabilização financeira internacional, hoje necessita ser reestruturada. O BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) busca em suas propostas reforma dos mecanismos multilaterais para que não sejam favoráveis aos países desenvolvidos. Na V Cúpula dos BRICS, em 2013, os países membros defenderam a agenda de desenvolvimento do G20; a reforma das instituições financeiras internacionais, demonstrando preocupação com o ritmo lento da reforma do FMI; e um sistema comercial multilateral, aberto, transparente e baseado em regras (MRE, 2013). O BRASIL O fim da Guerra Fria possibilitou ao Brasil diversificar suas parcerias comerciais. Para além da dicotomia leste-oeste, a política desenvolvimentista brasileira procurou parcerias no eixo dos países em desenvolvimento com o intuito de contrapor a dominância das relações comerciais do tipo norte-sul. Da mesma forma, procurou-se também incrementar as relações diplomáticas com esses países a partir da ideia do direito ao desenvolvimento e da cooperação em áreas 124 INTELLECTOR Ano XI Volume XI Nº 22 Janeiro/Junho 2015 Rio de Janeiro ISSN 1807-1260 www.revistaintellector.cenegri.org.br estratégicas para esse fim. Assim, a união com intuito de pressionar às instituições multilaterais- sejam as comerciais, financeiras, de segurança – para que executem políticas que possibilitem o desenvolvimento dá-se também a partir de uma aproximação comercial, estratégica e diplomática entre esses países. A diplomacia brasileira respalda-se no multilateralismo e na defesa da normatização da ordem internacional. A busca pelo multilateralismo dá-se de duas formas: a partir da formação de alianças com países que tenham interesses comuns; e na crença em instituições de âmbito global para regular a ordem internacional. Exemplo da primeira forma de multilateralismo seria, além do BRICS, o IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) e a UNASUL (União de Nações SulAmericanas). Quanto à segunda forma, tem-se principalmente a atuação brasileira na ONU, considerando seus vários conselhos - em especial, o Conselho de Segurança- e na OMC (Organização Mundial de Comércio). Essas duas formas de atuação multilateral do Brasil não são contraditórias, pelo contrário, a formação de agrupamentos é uma maneira de unir forças para agir em espaços multilaterais globais. Para Amado Cervo (2011, p.531), a diplomacia brasileira seria regida pelo conceito de multilateralismo da reciprocidade. Este multilateralismo presente na atuação brasileira em organismos como OMC, para o comércio, e CSNU, para segurança, acabou estendendo-se para todos os domínios das relações internacionais. O multilateralismo da reciprocidade possui como pressupostos: regras para compor o ordenamento internacional; e elaboração conjunta das mesmas de modo a garantir a reciprocidade dos efeitos (CERVO; BUENO, 2011, p.531). O primeiro pressuposto vincula-se à credibilidade dada aos organismos multilaterais pela diplomacia brasileira, e, o segundo, ao apoio à formação de coalisões entre os países emergentes de forma a pressionar esses organismos a não favorecem os países mais ricos. Na teoria de Joseph S. Nye (2008), soft power seria uma forma de atingir os objetivos desejados através da atração e não da coerção ou pagamento. Os recursos de soft power de um país estariam na sua cultura, valores e políticas. A diplomacia de multilateralismo brasileira pode ser vista como uma estratégia de soft power. A estratégia internacional ideal para um país seria unir o soft power ao hard power (poder militar e econômico), chamada por Nye de smart power. O melhor cenário, para uma inserção sustentável no sistema internacional, seria aquele de um fortalecimento da economia brasileira para que seu hard power econômico agisse à altura de seu soft power diplomático. Contudo, parece que o soft power diplomático brasileiro é predominante frente a suas capacidades militar e econômica de hard power. A retórica diplomática brasileira possibilita que a utilização do soft power seja a principal forma de influenciar a estrutura internacional a seu favor. O Brasil vem diminuindo sua exportação de produtos de alta e média tecnologia e exportando mais commodities com baixo valor agregado principalmente ao mercado chinês. Pierre Salama (2012, p.316) considera a inserção brasileira na economia mundial cada vez menos promissora. É discutível as consequências da especialização da pauta de exportação brasileira em produtos primários. Tal cenário pode gerar uma desindustrialização do país que acabaria exportando produtos com menor valor agregado e importando produtos de maior valor agregado. Além disso, uma pauta de exportação restrita pode gerar vulnerabilidade. Uma possível queda nos preços das commodities ou uma diminuição da demanda chinesa por esses produtos podem ser prejudiciais para o balaço comercial. Contudo, como defende Pierre 125 INTELLECTOR Ano XI Volume XI Nº 22 Janeiro/Junho 2015 Rio de Janeiro ISSN 1807-1260 www.revistaintellector.cenegri.org.br Salama, deve-se atentar que as dinâmicas atuais diferem do passado e os produtos primários produzidos em países emergentes, como o Brasil, são intensivos em tecnologia. De fato, o aumento dos preços das commodities no começo dos anos 2000 e das exportações para a China possibilitaram saldos positivos na balança de pagamentos. Essa conjuntura propiciou que o Brasil sentisse menos a crise de 2008. Os governos Lula e Dilma foram marcados também pela estratégia de expansão do mercado interno, aumento de salários, e políticas sociais assistencialistas. Porém, o crescimento do consumo interno, como estratégia de crescimento econômico, também deve ser aliado a uma balança comercial não deficitária e esse é o risco que corre o Brasil ao especializar-se em produtos de menor valor agregado em comparação às suas importações. A utilização do multilateralismo, seja através da formação de fóruns multilaterais, como o BRICS, ou através da defesa da regulação das relações internacionais, através de instâncias multilaterais de abrangência global, é a estratégia de soft power utilizada pelo Brasil. Segundo Gelson Fonseca Jr. (2011, p.394), um multilateralismo forte é a melhor maneira para um país como o Brasil, tido como uma potência media, influenciar as questões globais. CONSIDERAÇÕES FINAIS O surgimento da Economia Política Internacional no pós-Segunda Guerra está fortemente ligado com a transnacionalização da economia. Essa internacionalização dos aspectos econômicos e suas consequências exigiram um campo de estudo que relacione os aspectos políticos à economia internacional. Da mesma forma, a geopolítica agregou às suas análises aspecto econômicos e sociais. Além disso, modificou-se a relação entre poder do Estado e expansão territorial. Tornou-se, por exemplo, mais vantajoso deixar de possuir territórios coloniais, e influenciar política e economicamente essas regiões. O fim da Guerra Fria redefiniu os mapas, a diferença mais acentuada na ordem internacional não mais foi o conflito leste-oeste, mas o conflito norte-sul. A década de 1990 foi marcada por crises em países em desenvolvimento e pela expansão da liberalização comercial e financeira a esses países. Assim como, as instituições multilaterais destacaram-se no cenário internacional, questionando a ideia da geopolítica tradicional - e da teoria realista que tem por bases a mesma - de que os Estados seriam os únicos atores no sistema internacional. Além disso, os fluxos comercial, financeiro, de pessoas, entre outros, tomaram uma dimensão tão grande que, a ligação do homem a terra retratada pela geopolítica clássica perdeu importância. Quanto ao aumento da preponderância das instituições multilaterais, teve-se, por um lado, um aumento da regulação através de normas do sistema internacional seja dos aspectos políticos, econômicos ou de segurança. Mesmo que de forma parcial, pois esta estrutura multilateral não pode ser considerada um governo mundial, diminuiu as desconfianças e instabilidades internacionais. Por outro lado, as pressões de instituições, como o FMI, sobre os países em desenvolvimento geraram políticas que dificultaram ainda mais o crescimento econômico desses países. Foi feita uma abertura rápida e sem construção de capacidades internas que possibilitassem tirar benefício da mesma. 126 INTELLECTOR Ano XI Volume XI Nº 22 Janeiro/Junho 2015 Rio de Janeiro ISSN 1807-1260 www.revistaintellector.cenegri.org.br A China, por sua vez, fez uma abertura econômica gradual que, somada a outras características, transformou-a em um ator extremamente relevante para a economia internacional atual. A China, além de possibilitar a integração produtiva asiática, também foi responsável pelo aumento da exportação de produtos primários por parte dos países em desenvolvimento. Tal cenário, agregado ao aumento do preço das commodities, foi benéfico para esses países. No entanto, foi controverso para alguns países em desenvolvimento, com base industrial considerável, como o Brasil. Nesse sentido, seria discutível a possibilidade de uma desindustrialização propiciada por esse modelo de economia internacional desenvolvido a partir da preponderância chinesa na economia internacional. Ao mesmo tempo, a China buscou uma maior integração com as instâncias multilaterais, sua entrada na OMC em 2001 é um exemplo disso. Contudo, a sua união política com outros países emergentes procura contestar o funcionamento de algumas instâncias multilaterais. A busca por reformas, no entanto, não vem com o descrédito dessas instituições. Pelo contrário, buscase a manutenção das mesmas a partir da sua reestruturação. A ascendência da China dá-se em um momento de crise para as economias centrais. Nesse sentido, é propícia a formação do BRICS e a demanda desse agrupamento por instituições multilaterais que não favoreçam os países centrais. O Brasil historicamente foi ativo nos fóruns multilaterais. Utilizou-se da adesão a normas internacionais e da defesa da importância das mesmas, na regulação das relações comerciais e políticas, como fim de dirimir as suas fragilidades como potência econômica e militar. O objetivo político do BRICS coincide com o objetivo da política externa brasileira de valorização do multilateralismo. Como visto, Amanda Dickins (2006) assinalou dois momentos para a economia política internacional: o surgimento no pós-guerra e as modificações do pós-Guerra Fria. A economia política internacional parece novamente estar em transição. Novas conjunturas, como o crescimento econômico exponencial chinês e sua participação preponderante na economia internacional, além da recuperação lenta da crise mundial recente que sofrem países tidos como centrais, parecem indicar isso. A intensificação da interdependência global comercial e financeira também demonstra que há mais o que ser levado em consideração do que os Estados delimitados por suas fronteiras. 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